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O falsificacionismo como proposta metodológica em Popper*

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Academic year: 2021

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O falsificacionismo como proposta metodológica em Popper*

Giovan Longo

Resumo: O presente artigo tem por finalidade compreender o méto- do científico através do pensamento do filósofo Karl Raimund Pop- per. Mostraremos qual é a crítica que o filósofo apresenta a respeito do indutivismo e qual é a metodologia proposta por ele a respeito de como a Ciência deve ser pensada, ou seja, o que é o falsificacionismo e como o que é cientifico e o que é não científico são determinados a partir dele.

Palavras-Chave: Ciência. Dedutivismo. Falsificacionismo. Indutivismo.

* O artigo aqui apresentado foi construído a partir de adaptação de outro artigo, apresentado como trabalho final de conclusão do Curso de Especialização em Epis- temologia e Metafísica realizada na Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS – Campus Erechim. O Curso foi realizado de maio de 2013 a Agosto de 2014. O presente artigo teve a orientação do professor Dr. Eloi Pedro Fabian.

** Mestrando do Programa de Pós-graduação em Filosofia da PUCRS. Pós-graduado

do Curso de Especialização em Epistemologia e Metafísica na Universidade Federal

da Fronteira Sul. Graduado em filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier – IFIBE

(nível de bacharel) e pela Universidade de Passo Fundo (nível de licenciatura).

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Considerações iniciais

Vivemos em um mundo onde cada vez mais o conhecimento se tor- na indispensável. É da natureza humana o interesse pelo conhecer, o in- teresse por explicar o mundo que nos cerca. Nunca antes na história da humanidade se produziu tanto conhecimento como em nossa “Era”. Com o advento das novas tecnologias o conhecimento se dissemina de uma forma tão rápida que fica difícil acompanhar toda essa disseminação.

Nesse contexto se destaca a Ciência, que através de seu método busca determinar (ou descobrir) as verdades (ou a verdade) sobre o mundo ao nosso redor

1

. Vivemos orientados pelo conhecimento cien- tifico. Através da Ciência retratamos a realidade. A Ciência está tão presente em nossa vida que, muitas vezes, nos passam despercebidos os seus limites. Os seres humanos “endeusam” essa forma de conhecimen- to como se as conclusões a que chegam a partir dela fossem definitivas em relação àquilo que elas buscam descrever ou explicar. Entretanto, o conhecimento que caracterizamos como científico não é um conheci- mento imutável e inquestionável. O método científico não é infalível. A Ciência não tem a capacidade de explicar toda a realidade (mesmo que muitas pessoas ainda pensem que tem).

Foram muitos os pensadores que se deram conta disso e se pro- puseram a refletir sobre essas questões envolvendo o método científico.

Entre eles se destaca o filósofo austríaco Karl Raimund Popper

2

. Com frequência pensamos que a ciência trabalha “provando” verdades sobre o mundo imaginando que a teoria científica que temos em mãos é aquela que podemos provar de forma definitiva. Popper, entretanto, vai insistir que, em se tratando de ciência, isso não procede. Pelo contrário, o que caracteriza uma teoria científica não é a possibilidade dela ser provada como verdadeira, mas como falsa

3

.

1 Como não é objetivo do artigo, não nos ateremos na discussão sobre qual o melhor termo a ser usado ou ainda, no caso da verdade, sobre qual a natureza da mesma.

2 Popper nasceu em Viena, na Áustria, em 1902 e faleceu em Londres no ano de 1994.

Se destacou como filósofo da ciência e filósofo político (principalmente através de sua obra “A sociedade aberta e seus inimigos”). Criticou fortemente o princípio da verificabilidade como princípio científico. Também foi um crítico do empirismo lógico defendido pelo grupo dos filósofos pertencentes ao Círculo de Viena.

3 Exploraremos melhor essa questão ao tratarmos especificamente sobre a questão

da falseabilidade.

(3)

Como filósofo da ciência, Popper ganhou notoriedade a partir da publicação da obra A lógica da pesquisa cientifica. Nessa obra ele ex- põe a sua crítica ao indutivismo, enfrenta o problema da demarcação e apresenta a falseabilidade como solução aos problemas relacionados ao método científico

4

. Influenciado por Hume e Kant, Popper não só pre- tendeu resolver os problemas da indução como também os problemas da definição do que é científico e do que não é científico.

Tendo presente todas essas questões, esse artigo tem como objetivo nos levar à reflexão a respeito de como e por que Popper propõe uma nova forma de ver o método científico. Para tanto, apresentaremos bre- vemente qual é a crítica de Popper ao indutivismo e qual é a conclusão que o filósofo atinge ao propor o falsificacionismo como método.

Consideramos fundamentais essas reflexões tendo em vista a im- portância que a ciência tem em todo o processo de produção do conhe- cimento. Além disso, refletir sobre essas questões significa adentrar nos principais problemas da teoria do conhecimento. Determinar o método científico e a validade das teorias científicas é de fundamental importân- cia para compreender o papel do conhecimento científico no processo de evolução humana.

Popper, apesar das críticas apontadas por muitos em seu pensa- mento, nos dá elementos significativos para essa compreensão. A im- portância do presente artigo está em, justamente, reestruturar esses elementos a fim de que possamos entendê-los como Popper os propôs:

elementos dentro de um processo de reestruturação das bases do conhe- cimento científico vendo a ciência como uma forma de produção de sa- beres que estão em constante análise e evolução. Iniciemos, para tanto, nossa investigação a partir da crítica popperiana ao “modelo antigo de ciência”, o modelo indutivista.

4 Os problemas a que nos referimos são basicamente dois: o problema da demarcação

e o problema do indutivismo.

(4)

De casos particulares não podemos concluir universalmente:

Popper e a crítica ao indutivismo

5

Na Antiguidade e na Idade Média, o saber científico e os outros ti- pos de saberes praticamente se confundiam. Apenas na Idade Moderna é que há uma separação entre os saberes e a ciência se torna independen- te da filosofia e da teologia. O mérito dessa independência, que possibili- tou à ciência ter autonomia sobre os demais saberes foi, principalmente, de Galileu e Francis Bacon.

Bacon propôs um método que buscava uma verdade, não mais em uma instância superior aos próprios fatos, mas neles mesmos: o método indutivo. No seu livro Novo organum ele critica de forma contundente a indução de Aristóteles

6

e propõe uma indução por eliminação consti- tuída, principalmente, pela Tábua das Presenças, pela Tábua das Ausên- cias e por fim, pela Tábua dos Graus

7

. Galileu fundamentou o método experimental como alternativa à metodologia especulativa antiga e me- dieval

8

. Resumidamente, foi dessa forma que nasceu a ciência moderna

5 Não abordaremos aqui o chamado “novo problema da indução” por ultrapassar o horizonte deste trabalho e da própria abordagem de Popper.

6 Para Bacon, a indução Aristotélica não passa de uma simples enumeração de casos particulares. A experiência é vista apenas como uma ferramenta para estabelecer as conclusões já aceitas. Ela é feita de forma superficial o que faz de Aristóteles, segundo Bacon, um filosofo que merece ser mais criticado do que aqueles que abandonaram totalmente a experiência: “A ninguém cause espanto que no Livro dos Animais e nos Problemas, e em outros tratados, ocupe-se frequentemente de experimentos. Pois Aris- tóteles estabelecia antes as conclusões, não consultava devidamente a experiência para estabelecimento de suas resoluções e axiomas. E, tendo, ao seu arbítrio, assim decidi- do, submetia a experiência como a uma escrava para conformá-lo às suas opiniões.

Eis por que está a merecer mais censuras que os seus seguidores modernos, os filósofos escolásticos, que abandonaram totalmente a experiência.” (BACON, 1973, p. 39).

7 Para Bacon, ao nos depararmos com a análise de um fenômeno devemos, num primeiro momento, elencar todos os casos em que esse fenômeno ocorre. A isso, Bacon denomina de tábua das presenças. A tábua das ausências é uma compilação dos casos onde o fenômeno não ocorre. Em seguida, temos a tábua dos graus. Esta conterá todos os casos em que o fenômeno ocorre dispostos de acordo com uma intensidade de maior ou menor grau. Bacon apresenta essas três tábuas na obra

“Novo organum” mais especificamente no Livro II, aforismos XI a XV.

8 O método experimental de Galileu basicamente se baseia na experimentação, na

observação e no raciocínio lógico. A partir desse método a ciência vê a possibili-

dade de se desvincular da teologia substituindo o saber especulativo por um saber

produzido a partir de experiências sensíveis que o justificam.

(5)

baseada, sobretudo, na ideia de um tipo de conhecimento capaz de ex- plicar os fenômenos ocorrido no mundo

9

.

Apesar de ter sido importante para a consolidação da ciência como saber independente, o método indutivo apresentava sérios problemas que não podiam ser ignorados. O primeiro a perceber esses problemas, pondo-os em discussão, foi o filósofo David Hume. Suas principais re- flexões acerca deste tema são encontradas no livro Investigações acerca do conhecimento humano. Popper é fortemente influenciado por Hume.

É principalmente a partir das críticas destacas por ele que Popper apre- senta o que ele vê como limitações do indutivismo

10

.

Mas o que Popper entende por indução? Em seu livro A lógica da pesquisa científica Popper apresenta a seguinte definição do que ele en- tende por indução:

É comum dizer-se “indutiva” uma inferência, caso ela conduza de enunciados singulares (por vezes denominados também de enunciados “particulares”), tais como descrições dos resultados de observações ou experimentos, para enunciados universais, tais como hipóteses ou teorias. (POPPER, 1972, p. 27).

Tendo definido o que entende por indução, Popper passa a apre- sentar o principal problema da mesma. Para ele, “o problema filosófico tradicional da indução” (POPPER, 1999, p. 14) se resume na seguinte formulação: “Qual a justificativa para a crença de que o futuro será (am- plamente) como o passado? Ou talvez, qual é a justificativa para as infe- rências indutivas? (POPPER, 1999, p. 14).

9 Tendo presente os objetivos propostos para este artigo, Bacon e Galileu não poderão ser tratados com profundidade.

10 Segundo Popper, Hume apresenta dois problemas presentes no método indutivo:

um problema lógico e um problema psicológico (POPPER, 1999, p. 15). O proble-

ma lógico de Hume se refere à possibilidade de concluirmos algo a partir de ex-

periências passadas apenas justificando o fato de estarmos lidando com situações

semelhantes e que, portanto, o contexto deslegitima a necessidade de uma nova

experiência. O segundo problema, o problema psicológico, se refere à confiança

que normalmente depositamos nas experiências que temos esperando que elas se

repitam no futuro, excluindo assim a necessidade de novas experiências. Segundo

Hume, agimos assim “por causa do costume ou do hábito; isto é porque somos con-

dicionados pelas repetições e pelo mecanismo da associação de ideias, mecanismo

sem o qual, diz Hume, dificilmente poderíamos sobreviver”. (POPPER, 1999, p. 160).

(6)

Esse problema surge, segundo Popper, devido ao fato de que:

Está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver jus- tificativa no inferir enunciados universais de enunciados singu- lares, independentemente de quão numerosos sejam estes; com efeito, qualquer conclusão colhida desse modo sempre pode revelar-se falsa: independentemente de quantos casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos. (POPPER, 1972, p. 27).

Em outras palavras, concluímos a partir de experiências passadas.

Mas não podemos supor que os resultados advindos dessas experiências se repetirão no futuro. Uma observação ou resultado de um caso par- ticular somente se refere (como certeza) àquele caso particular naquela circunstancia em que ele ocorre. Mesmo que em uma experiência ou observação de um fenômeno apareça um comportamento regular, este não pode ser considerado como uma “lei da Natureza” (POPPER, 1998, p. 79). No máximo temos uma informação resumida acerca de um fenô- meno ou experiência.

Popper afirma que casos particulares não nos permitem prever eventos futuros. Para ele, essa previsibilidade, que é possibilitada a par- tir da aceitação do método indutivo como método utilizado pela ciência, não se justifica. Além disso, ela pode nos levar a um regresso infinito.

Aqui Popper se aproxima novamente da crítica apresentada por Hume ao indutivismo. No livro “Os dois problemas fundamentais da epistemo- logia”

11

Popper afirma que Hume “demonstrou que qualquer tentativa de estabelecer uma generalização indutiva é circular”

12

.

Nem mesmo admitir que, ao invés de nos apresentar conclusões universais, a lógica indutiva apenas nos permite chegar a prováveis conclusões é suficiente para justificá-la. Isso por que até mesmo a pro- babilidade nos leva ao regresso infinito pois, “[...] se se deve atribuir grau de probabilidade a enunciados que se fundamenta em inferência indutiva, esta terá de ser justificada pela invocação de um novo princí- pio, e assim por diante. Nada se ganha, aliás, tomando o princípio de

11 Ver referências.

12 “[...] demonstro que cualquier intento de estabelecer uma generalización inductiva

es circular. “ (POPPER, 1998, p. 78).

(7)

indução não como verdadeiro, mas apenas como provável". (POPPER, 1972, p. 30).

13

A solução encontrada por Popper ao problema da indução repre- senta o ponto de partida para a solidificação de um novo método que ca- racterize a ciência. Essa solução se dá no abandono do método indutivo em favor da adoção de um método dedutivo de testes. Esse método con- siste basicamente no abandono das hipóteses que são geradas a partir da experiência para a adoção de hipóteses que são formuladas e depois

“postas à prova”. Em outras palavras, deixa-se de lado o método segun- do o qual a ciência começa pela experiência para a adoção de um méto- do que considera o início da ciência no problema a ser formulado, antes mesmo de qualquer empiricidade. Vejamos como ele se fundamenta.

2 Um novo método para a ciência: a falseabilidade das teorias científicas

Ao criticar o método indutivo apresentando-o como insuficiente e extremamente limitado, surge a necessidade de se pensar um novo método que supere todas essas limitações ao mesmo tempo em que con- serve uma das “marcas” do conhecimento científico: a experimentação.

Esse novo método, além de superar as limitações da indução, deve ser suficiente enquanto critério de demarcação

14

, ou seja, precisa, a par- tir de si mesmo, ser capaz de estabelecer a diferença entre a Ciência e as outras formas de conhecimento

15

. Popper propõe então, o que ele chama de falsificacionismo

16

, um método que, além de apresentar elementos

13 Nosso objetivo, com esse parágrafo, é mostrar que Popper crítica o indutivismo por nos levar a um regresso infinito não sendo capaz de evitá-lo nem mesmo recor- rendo à probabilidade. A citação do texto de Popper utilizada como fundamenta- ção faz parte de uma crítica de Popper ao indutivismo por nos levar a um regresso infinito.

14 O que Popper entende por demarcação e qual é o trajeto de seu pensamento a respeito dessa definição não serão apresentados aqui. Apesar de entendermos que seria de grande importância para o artigo, explorar o critério de demarcação mais a fundo, partiremos do princípio de que já é suficiente saber, de modo simples, que esse critério pretende determinar o que é ciência e o que não é.

15 Mesmo que essa diferenciação não seja tão evidente, ela é necessária.

16 Também chamado de falseabilidade ou falseacionismo.

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para uma demarcação, também possibilita uma nova forma de a Ciência ver a si mesma e as suas descobertas.

Nossa pretensão aqui, ao discutir esse método, é justamente apre- sentar o conceito de Ciência a partir de Popper. Entretanto, antes disso, é necessário compreender como o falsificacionismo resolve o problema da indução e se justifica enquanto critério de demarcação.

2.1 O falsificacionismo enquanto superação da indução e en- quanto critério de demarcação

Como vimos, a indução apresenta uma limitação considerada por muitos (entre esses muitos, Popper) como um problema que comprome- te a confiabilidade depositada em uma teoria dita científica. Os induti- vistas utilizam a experimentação enquanto critério de verificação, ou seja, para uma teoria científica ser verdadeira ela deve ser comprovada através de um número determinado de testes. Essa “máxima indutivis- ta” não pode ser tida como critério pois, não importa quantas vezes uma teoria se confirme, essa confirmação jamais poderá dar a certeza de que a teoria sempre se confirmará.

Ao pensar o método falsificacionista Popper supera esse problema da indução. Para Popper, a finalidade da experimentação de uma teoria cien- tífica não deve ser a de comprovar essa teoria, mas de falseá-la. Em outras palavras, o cientista não deve procurar defender sua teoria através de um número cada vez maior de testes. Deve procurar “derrubar” essa teoria.

Contudo, só reconhecerei um sistema como empírico ou cien- tífico se ele for passível de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem que deve ser tomado como critério de demarcação, não a verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema. Em outras palavras, não exigirei que um sistema cien- tífico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela ex- periência, um sistema científico empírico. (POPPER, 1972, p. 42).

Tentar provar uma teoria como falsa significa testar todas as pos-

síveis limitações dessa teoria. O que Popper propõe é uma nova forma

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de se ver uma teoria científica. Devemos pensar uma teoria a partir das suas possíveis falhas testando-as através da experiência. Quanto mais uma teoria suportar aos testes, mais “verdadeira” ela será.

No livro Introdução ao pensamento de Karl Popper, Bortolo Vale e Paulo Eduardo de Oliveira utilizam o exemplo dos testes com uma nova vacina para justificar a falseabilidade como um método mais eficiente que a verificabilidade:

Em termos mais simples: imagine os testes feitos para validar uma nova vacina, por exemplo. Nesse caso, muitas experiências particulares que garantem a certeza indubitável de que a vacina v foi aplicada com sucesso na pessoa x, na pessoa y... ∞... na pes- soa z não são suficientemente fortes, do ponto de vista lógico, para garantir a verdade da proposição universal: A vacina v pode ser aplicada com sucesso em todas as pessoas.

Do ponto de vista dedutivo, pelo contrário, o grau de confiabi- lidade negativa é máximo: um único caso particular negativo pode oferecer certeza absoluta de que a proposição universal afirmativa é falsa. Assim, portanto se é verdade que Pedro é ho- nesto, é falso que Todos os homens são desonestos; se é verdade que A vacina v não deu resultado satisfatório na pessoa w, é falso que A vacina v pode ser aplicada com sucesso em todas as pessoas.

Portanto, do ponto de vista da confiabilidade lógica, ainda que em termos negativos (embora não se possa afirmar com certeza), a dedução parece ser mais frutuosa como recurso lógico para a ciência [...]. (VALLE, 2010, p. 110).

Enquanto critério de demarcação, a falseabilidade nos permite se- parar duas classes de enunciados: os falseáveis e os não falseáveis. Aque- les que não são falseáveis, ou seja, que não permitem que o cientista teste suas possíveis limitações, não podem ser considerados como enuncia- dos científicos, pois apenas nos permitem saber que eles se confirmam em alguns casos específicos. Científicos são os enunciados que nos per- mitem pensá-los como possibilidade se forem falsos

17

. Isso é o que deve caracterizar o método empírico próprio da ciência.

[...] Com efeito, irei propor que o método empírico seja caracteri- zado como um método que exclui exatamente aquelas maneiras 17 Essa questão será melhor apresentada no próximo ponto (3.2 O falsifica-

cionismo e as teorias científicas). (idem.)

(10)

de evitar a falseabilidade que, tal como insiste corretamente meu imaginário crítico, são logicamente possíveis. Segundo minha proposta, aquilo que caracteriza o método empírico é sua maneira de se expor à falsificação, de todos os modos concebíveis, o siste- ma a ser submetido a prova. Seu objetivo não é o de salvar a vida de sistemas insustentáveis, mas, pelo contrário, o de selecionar o que se revele, comparativamente, o melhor, expondo-os todos à mais violenta luta pela sobrevivência. (POPPER, 1972, p. 44).

2.2 O falsificacionismo como síntese do instrumentalismo e essencialismo

Fica claro até aqui que, a partir do falsificacionismo, o modo como nos relacionamos com as teorias científicas se modifica. Precisamos, en- tretanto, analisar de forma mais aprofundada como é essa “nova relação”.

Popper define as teorias científicas como enunciados universais que “como todas as representações linguísticas, são sistemas de signos e símbolos” (POPPER, 1972, p. 61). Segundo ele, “as teorias são redes, lançadas para capturar aquilo que denominados “o mundo”: para ra- cionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo. Nossos esforços são no sentido de tornar as malhas da rede cada vez mais estreitas”. (POPPER, 1972, p.

61-62). (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

Em outras palavras, as teorias têm a pretensão de representar o mundo. É através delas que, de certa forma, buscamos caracterizar o universo e seus fenômenos. Utilizando a analogia do próprio Popper, o falsificacionismo representa uma forma de tornar as malhas das redes cada vez mais estreitas eliminando as teorias que não condizem com o mundo ao nosso redor.

O objetivo das teorias, para Popper, é o de oferecer uma “explica- ção causal” (POPPER, 1972, p. 62) para certos fenômenos (aqueles que podem ser falseáveis) que ocorrem no mundo. Essas teorias, para o fi- lósofo, são constituídas de enunciados. Os enunciados, por sua vez, são universais ou singulares

18

.

18 Ao longo de sua obra A lógica da pesquisa científica (principalmente no capítulo

III – Teorias) Popper vai fazer uma diferenciação entre o que ele considera como

vários tipos de enunciados, principalmente enunciados universais. Não nos atere-

(11)

Oferecer uma explicação causal de certo acontecimento significa deduzir um enunciado que o descreva, utilizando, como premis- sas da dedução, uma ou mais leis universais, combinadas com certos enunciados singulares, as condições iniciais. Podemos, por exemplo, dizer que demos explicação causal do rompimento de um fio se asseverarmos que o fio tem uma resistência à ruptu- ra igual a um quilo, e que se prendeu nele um peso de dois quilos.

Se analisarmos essa explicação causal, poderemos distinguir vá- rias partes constitutivas. De um lado, coloca-se a hipótese: “sem- pre que um fio é levado a suportar um peso que excede aquele que caracteriza a sua resistência à ruptura, ele se romperá.” Esse enunciado apresenta o caráter de uma lei universal da natureza.

De outro lado, deparamos com enunciados singulares (no caso, dois desses enunciados) que se aplicam apenas ao evento especí- fico em pauta: “o peso característico deste fio é de um quilo” e “o peso preso a este fio foi de dois quilos”. (POPPER, 1972, p. 62).

Até aqui não há nenhuma novidade. As teorias científicas, no mé- todo indutivo, também são constituídas de enunciados singulares e enunciados universais. Entretanto, há uma diferença significativa entre o método falsificacionista e o método indutivo no que se refere ao pa-

mos a essa diferenciação ao longo do artigo por considerá-la de importância se- cundária na reflexão proposta para o texto. Entretanto, para compreender melhor o que será dito em seguida, algumas considerações são necessárias. Os enunciados universais a que Popper se refere são os enunciados sintéticos universais (POPPER, 1972, p. 64) ou seja, utilizando uma definição kantiana, aqueles que acrescentam alguma informação ao sujeito de que se fala. Ainda sobre os enunciados sintéti- cos universais, Popper os classifica em estritamente universais e numericamente universais (POPPER, 1972, p.64). Sobre eles, o filósofo afirma: “[...] Foram os enun- ciados estritamente universais que tive em mente, até agora, ao falar de enunciados universais – de teorias ou leis naturais. A outra espécie, os enunciados numerica- mente universais, são, em verdade, equivalentes a certos enunciados singulares ou a conjunções de enunciados singulares, e como enunciados singulares serão aqui clas- sificados” (POPPER, 1972, p. 64). (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto) Os enunciados numericamente universais são aqueles que admitem ser traduzidos num número finito de enunciados singulares sendo determinados dentro de um espaço-tempo. (POPPER, 1972, p. 65) Já os enunciados estritamente universais são aqueles que pretendem ser verdadeiros para qualquer tempo e qualquer lugar.

Como vimos ainda nesta nota, Popper dá preferência para os enunciados estrita-

mente universais mesmo alertando que “De qualquer forma, a questão de saber

se as leis da Ciência são estritamente ou numericamente universais não pode ser

resolvida através da argumentação. Trata-se de uma dessas questões que só podem

ser resolvidas por acordo ou convenção.” (POPPER, 1972, p. 66).

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pel desses dois tipos de enunciados. Enquanto os indutivistas buscam desenvolver enunciados singulares e, através destes, determinar enun- ciados universais, Popper propõe o contrário: deve-se formular enun- ciados universais e utilizar os enunciados particulares para testar esses enunciados universais.

Ou seja, deve-se trabalhar com teorias surgidas de forma dedutiva e não indutiva. Isso, para o filósofo, não é uma opção e sim uma neces- sidade. Essa afirmativa se comprova ao analisarmos o seu artigo Três concepções acerca do conhecimento humano. Nesse artigo, Popper apre- senta as controvérsias existentes no instrumentalismo e no essencialis- mo (duas correntes teóricas que caracterizam vários momentos da filo- sofia) vendo como única saída possível o seu método dedutivo.

O essencialismo é apresentado pelo filósofo como aquela doutri- na que afirma que “As melhores teorias, as verdadeiramente científicas, descrevem as “essências” ou as “naturezas essenciais” das coisas – as realidades que estão por trás das aparências. (POPPER, 1980, p. 134). Es- sas teorias, segundo os essencialistas, “não precisam nem são suscetíveis de uma explicação ulterior: elas são explicações últimas e encontrá-las é o objetivo final do cientista.” (POPPER 1980, p.134). Já os instrumen- talistas são definidos por ele como aqueles que concebem uma teoria ou lei universal não como “um enunciado propriamente dito, mas, ao con- trário, uma regra ou conjunto de instruções, para a derivação de enun- ciados singulares de outros enunciados singulares” (POPPER, 1980, p.

139). Em outras palavras, os instrumentalistas veem as teorias científi- cas apenas como instrumentos para se tentar entender a realidade ao nosso redor. (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

A crítica de Popper ao essencialismo se dá, sobretudo, no que se refere à “doutrina de que a ciência aspira à explicação última” (POPPER, 1980, p. 135). O problema dessa afirmação não está no fato de ela pres- supor a existência de essências, mas no fato de ela afirmar a importância das mesmas para o desenvolvimento da ciência. Já a crítica ao instru- mentalismo se dá, entre outras coisas

19

, pelo fato de ele ser incapaz de explicar o progresso científico tendo em vista que as teorias são apenas

19 Não apresentaremos todas as críticas ao essencialismo e instrumentalismo por não

ser o objetivo do nosso artigo. Se for de interesse do leitor, essas críticas estão apro-

fundadas no artigo do Popper intitulado As três concepções acerca do conhecimento

humano, seções 3, 4, 5 e 6.

(13)

instrumentos e, como instrumentos, mesmo depois de refutadas, elas continuarão sendo usadas. Além disso, conceber uma teoria como ins- trumento significa retirar seu valor de verdade ou falsidade e lhe dar valor de utilidade. (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

Um instrumento pode ser destruído, sem dúvida, ou pode pas- sar de moda. Mas, dificilmente faz sentido dizer que submete- mos um instrumento aos mais severos testes que podemos pro- duzir de modo a rejeitá-lo se ele não lhes resiste: todo planador, por exemplo, pode ser “testado até a destruição”, porém não se empreende este teste severo para rejeitar todo planador quando é destruído, mas para obter informação do planador (isto é, para testar uma teoria a respeito dele), para que possa usá-lo dentro dos limites de sua aplicabilidade (ou segurança). Para os propó- sitos instrumentais da aplicação prática, uma teoria pode conti- nuar sendo usada mesmo após sua refutação, dentro dos limites de sua aplicabilidade: um astrônomo que acredita que a teoria de Newton se mostrou falsa não hesitará em aplicar seu formalismo dentro dos limites de sua aplicabilidade. (POPPER, 1980, p. 144).

Como resposta aos problemas do essencialismo e do instrumenta- lismo e como tentativa de resolução das controvérsias existentes entre elas, Popper pensa uma terceira forma de se conceber o papel das teo- rias científicas

20

. Essa nova concepção de ciência vê as teorias científicas como “suposições altamente informativas acerca do mundo que embora não sejam verificáveis (isto é, embora não seja possível mostrar que são verdadeiras), podem ser submetidas a severos testes críticos”. (POPPER, 1980, p. 146). Segundo o historiador da filosofia Giovanni Reale, para Popper, (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

A pesquisa inicia pelos problemas. Para resolver os problemas, é

preciso elaborar hipóteses como tentativas de solução. Uma vez

20 Essa terceira concepção de ciência não representa, necessariamente, o abandono

total da concepção essencialista ou da concepção instrumentalista. Como o pró-

prio Popper destaca, “ela preserva a doutrina galileana de que o cientista aspira a

uma descrição verdadeira do mundo, ou de alguns de seus aspectos, e a uma expli-

cação verdadeira dos fatos observáveis; e combina esta doutrina com a concepção

não galileana de que embora esta seja a aspiração do cientista, ele nunca pode saber

com certeza se suas descobertas são verdadeiras, embora ele possa algumas vezes

estabelecer com razoável certeza que uma teoria é falsa.” (POPPER, 1980, p. 146).

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propostas, as hipóteses devem ser provadas. E essa prova se dá extraindo-se consequências das hipóteses e vendo se tais conse- quências se confirmam ou não. Se elas ocorrem, dizemos que, no momento, as hipóteses estão confirmadas. Se, ao contrário, pelo menos uma consequência não ocorre, então dizemos que a hipótese é falsificada. Em outros termos, dado um problema P e uma teoria T, proposta como sua solução, nós dizemos: se T é verdadeira, então devem se dar as consequências P1... P2... P3...

Pn; se elas se derem, confirmarão a teoria; se, ao contrário, não se derem, a desmentirão ou falsificarão, ou seja, demonstrarão ser falsa. Por aí se pode ver que, para ser provada de fato, uma teoria deve ser provável ou verificável em princípio. Em outras palavras, deve ser falsificável, ou seja, deve ser tal que dela sejam extraíveis consequências que possam ser refutadas, isto é, falsifi- cadas pelos fatos. (REALE, 2006, p. 145)

As teorias científicas, nesse sentido, nascem como conjecturas

21

, ou seja, teorias que não são confirmadas ou verificadas no sentido clássico dos termos

22

. Essas teorias não nos dão certeza quanto a sua total veracidade.

Tudo o que um cientista faz, em minha opinião, é testar suas teo- rias e eliminar todas aquelas que não resistem aos mais severos testes que ele possa planejar. Porém, ele nunca pode estar muito certo de que novos testes (ou mesmo que uma nova discussão teórica) não o levem a modificar, ou descartar, sua teoria. Nesse sentido, todas as teorias são e permanecem hipóteses: são con- jecturas (dóxa) opostas ao conhecimento indubitável (epistéme) (POPPER, 1980, p. 134).

Num primeiro momento, essa definição de teorias enquanto con- jecturas pode parecer estranha e até mesmo nos levar a pensar que as teorias, no sentido colocado por Popper, não nos servem para produzir conhecimento. Entretanto, o próprio filósofo afirma que:

21 No livro Em busca de um mundo melhor Popper afirma que “O conhecimento cien- tífico, o saber científico é, por conseguinte, sempre hipotético: é um saber por conjec- tura. O método do conhecimento científico é o método crítico - o método da pesquisa e da eliminação do erro ao serviço da busca da verdade, ao serviço da verdade”.

(POPPER, 2006, p. 7) (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

22 Aqui deve ser levado em consideração o significado dos termos “certeza” e “vera-

cidade” dentro da ciência indutivista (ciência clássica).

(15)

Seria um grave erro, no entanto, concluir que a incerteza de uma teoria – isto é, o caráter conjectural e hipotético – diminui sua pretensão de descrever a realidade. Toda a assertiva a equivale à afirmativa de que a é real. Quanto ao caráter conjectural de a, é preciso não esquecer que, antes de mais nada, uma conjectura pode ser verdadeira, e descrever uma situação real; em segundo lugar, se for falsa, contraditará alguma situação real (descrita pela sua negação verdadeira). Além disso, se testarmos nossa conjec- tura, e conseguirmos refutá-la perceberemos claramente a exis- tência de uma realidade, contra a qual ela se chocou. (POPPER, 2006, p. 144).

Ou seja, na pior das hipóteses, uma “teoria conjectural” servirá para dizer o que determinada realidade não é. Além disso, “as conjec- turas ou suposições testáveis são assim, em alguma medida, conjecturas ou suposições acerca da realidade; segue-se de seu caráter incerto ou conjetural apena que nosso conhecimento concernente à realidade que elas descrevem é incerto ou conjetural”. (POPPER, 1980, p. 148). (Obs.

Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

Saberemos quando uma teoria conjectural condiz com a realidade sobre a qual ela se refere testando-a através do método falsificacionista.

Para ser falseável, é necessário que uma teoria tenha o que Popper cha- ma de “hipótese falseadora” (POPPER, 1974, p. 91). As hipóteses falsea- doras são conjuntos de enunciados básicos. Os enunciados básicos são enunciados singulares que contradizem a teoria de forma empírica. Não são enunciados que, imediatamente à sua formulação, já são provados como falseadores empiricamente pois, se assim fosse, já teriam refutado a teoria.

A exigência de que a hipótese falseadora seja empírica e, portan-

to, falseável, significa apenas que ela deve colocar-se em certa

relação lógica para com possíveis enunciados básicos; contudo,

essa exigência apenas diz respeito à forma lógica da hipótese. O

requisito de que a hipótese deva ser corroborada refere-se a tes-

tes a que ela tenha sido submetida – testes que a confrontam com

enunciados básicos aceitos. (POPPER, 1974, p. 93)

(16)

Os enunciados básicos são caracterizados por Popper como aque- les que “constituem o fundamento da corroboração de hipóteses.

23

Se os enunciados básicos aceitos contradisserem uma teoria, só os to- maremos como propiciadores de apoio suficiente para o falseamento da teoria caso eles, concomitantemente, corroborarem uma hipótese falseadora.” (POPPER, 1972, p. 92). (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

Eles são, para Popper, definidos por convenção. Devem satisfazer algumas condições que o próprio filósofo descreve em seu livro A lógica da pesquisa científica

24

. Entretanto, a escolha entre os vários possíveis enunciados básicos que serão utilizados como hipóteses falseadoras é uma “decisão ou concordância” (POPPER, 1972, p. 113) fruto das re- flexões desenvolvidas pelos cientistas envolvidos na teoria da qual esses enunciados básicos provém. Além disso, no decorrer da própria pesqui- sa podem surgir hipóteses falseadoras

25

.

Os enunciados básicos são aceitos como resultado de uma deci- são ou concordância; nessa medida, são convenções. As decisões são tomadas de acordo com um processo disciplinado por nor- mas. Dentre elas, é de particular importância a que nos reco- menda não aceitar enunciados básicos dispersos – isto é, logica- 23 Popper divide os possíveis enunciados básicos pertencentes a uma determinada teo- ria em dois grupos distintos. Segundo ele “uma teoria será chamada de ‘empírica’ ou

‘ falseável’ sempre que, sem ambiguidade, dividir a classe de todos os possíveis enun- ciados básicos nas seguintes duas subclasses não vazias: primeiro, a classe de todos os enunciados básicos com os quais é incompatível (ou rejeita, ou proíbe): - a essa classe chamamos de classe dos falseadores potenciais da teoria; e segundo, a classe de enun- ciados básicos que ela não contradiz (ou que ela ‘permite’).” (POPPER, 1972, p.90).

(Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

24 As condições a que nos referimos são: “(a) De um enunciado universal, desacom- panhado de condições iniciais, não se pode deduzir um enunciado básico. Por ou- tro lado (b) pode haver contradição recíproca entre um enunciado universal e um enunciado básico. A condição (b) somente estará satisfeita se for possível deduzir a negação de um enunciado básico da teoria que ele contradiz. Dessa condição, e da condição (a), segue-se que um enunciado básico deve ter uma forma lógica tal que sua negação não possa, por seu turno, constituir-se em enunciado básico. (POPPER, 1972, p. 108). (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

25 O que queremos afirmar aqui é que, no processo de testagem de uma teoria, o

cientista, ao ter uma hipótese falseadora refutada, e como consequência a teoria

corroborada, pode, a partir daí, deduzir outra hipótese falseadora.

(17)

mente desconexos – mas tão-somente enunciados que surjam no decorrer do processo de teste de teorias. (POPPER, 1972, p. 113) E quanto maior o número de enunciados básicos como falseado- res em uma teoria, mais ela diz acerca do mundo. Conforme uma teo- ria vai sobrevivendo aos testes, ela vai afastando de si possibilidades de ser falseada. No livro A lógica da pesquisa científica, Popper afirma que

As teorias podem ser submetidas a testes de maior ou menos severidade, ou seja, são falseáveis com maior ou menor intensidade [...].” (POPPER, 1972, p. 121). Esse grau de testabilidade está relacionado ao número de classe de falseadores. Quanto maior a classe de falseadores de uma teo- ria, mais ela diz acerca do mundo. Isso é fundamental para uma teoria se solidificar enquanto teoria científica tendo em vista que, ao “sobrevi- ver” a um teste ela vai eliminando as possíveis falhas ou limitações que ela poderia ter e que poderiam refutá-la. Além disso, quanto mais ela vai resistindo aos testes mais ela se estabiliza enquanto “verdade científica”

sobrevivendo ao longo do tempo como um conteúdo da própria ciência.

(Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

[...] Seria possível dizer também que, se a classe de falseadores potenciais de uma teoria é “maior” do que a de outra, ampliam- -se as oportunidades de a primeira teoria ser refutada pela expe- riência; assim, comparada com a segunda, essa primeira teoria será “falseável num grau mais elevado”. Isso quer dizer, ainda, que a primeira teoria diz mais acerca do mundo da experiência do que a segunda, pois afasta uma classe mais ampla de enun- ciados básicos. Embora, com isso, a classe de enunciados permi- tidos se torne mais reduzida, nosso argumento não é atingido, pois vimos que a teoria nada assevera acerca dessa classe. De tal maneira, cabe afirmar que a quantidade de informação empírica veiculada por uma teoria, ou seja, seu conteúdo empírico, cresce com o grau de falseabilidade. (POPPER, 1972, p. 122)

Entretanto, há casos onde poderemos estar diante de teorias que não sabemos como testar. Teorias das quais não podemos pressupor possíveis hipóteses falseadoras. Popper, no artigo Três concepções acerca do conhecimento humano, responde a essa questão afirmando que:

Obviamente, se não sabemos como testar uma teoria, podemos ter

dúvidas de que exista alguma coisa do tipo (ou do nível) descrito

(18)

por ela; e se sabemos positivamente que não a podemos testar, en- tão nossas dúvidas aumentarão; poderemos suspeitar que ela é um simples mito ou um conto de fadas. (POPPER, 1980, p. 148).

As teorias, para serem científicas, devem ser colocadas à prova.

Elas devem expor os seus enunciados universais ao confrontá-los com os enunciados particulares advindos da experiência. Teorias que se adaptam a tudo ou que não permitem que, a partir delas, se deduzam hi- póteses falseadoras, podem até ser interessantes modelos teóricos, mas, para Popper, não podem ser consideradas como científicas.

Popper, no livro A lógica da pesquisa científica, destaca “quatro di- ferentes linhas ao longo das quais se pode submeter a prova uma teoria”

(POPPER, 1972, p. 33) a fim de determinar a validade de uma teoria en- quanto científica e consequentemente o valor da mesma

26

. Em primeiro lugar deve-se comparar, umas às outras, as conclusões a que se chega a partir da teoria a fim de expor qualquer incoerência interna presente na própria teoria. Em segundo lugar deve-se analisar a forma lógica da teo- ria a fim de determinar se essa forma lógica é realmente científica ou de outra “natureza”. Em terceiro lugar deve-se comparar a teoria com ou- tras a fim de determinar, entre outras coisas, se essa teoria que estamos testando representará um avanço científico. Por fim, “há a comprovação da teoria por meio de aplicações empíricas das conclusões que dela se possam deduzir” (POPPER, 1972, p. 33).

Essa última “linha” considerada como prova de uma teoria cien- tífica é de fundamental importância para o filósofo tendo em vista que a partir dela verificamos até que ponto “as novas consequências da teo- ria [...] respondem às exigências da prática. (POPPER, 1972, p.33). Aqui aparece novamente o caráter dedutivo do método proposto por Popper:

Com o auxílio de outros enunciados previamente aceitos, certos enunciados singulares – que poderíamos denominar “predições”

– são deduzidos da teoria: especialmente predições suscetíveis de serem submetidas facilmente a prova ou predições aplicáveis na prática. Dentre os enunciados referidos, selecionam-se os que não sejam deduzíveis da teoria vigente e, em particular, os que essa teoria contradiga. A seguir, procura-se chegar a uma decisão 26 Esses quatro passos propostos por Popper nos permitem, em primeiro lugar, deter-

minar se a teoria é científica e em segundo lugar se é válido continuar com ela.

(19)

quanto a esses (e outros) enunciados deduzidos, confrontando- -os com os resultados das aplicações práticas e dos experimen- tos. Se a decisão for positiva, isto é, se as conclusões singulares se mostrarem aceitáveis ou comprovadas, a teoria terá, pelo menos provisoriamente, passado pela prova: não se descobriu motivo para rejeitá-la. Contudo, se decisão for negativa, ou, em outras palavras, se as conclusões tiverem sido falseadas, esse resultado falseará também a teoria da qual as conclusões foram logica- mente deduzidas. (POPPER, 1972, p. 33-34).

Teorias das quais não se podem deduzir hipóteses falseadoras são teorias que contêm a classe dos seus falseadores potenciais vazia.

Entendemos aqui como classe de falseadores potenciais o conjunto de enunciados singulares que são incompatíveis com a teoria da qual nos referimos. Se as teorias não têm essas características, significa que não podem ser testadas.

Um sistema teórico, para ser considerado científico, deverá satisfa- zer três condições

27

Em primeiro lugar, ele deve ser sintético, de modo que possa re- presentar um mundo não contraditório, isto é, um mundo pos- sível. Em segundo lugar, deve satisfazer o critério de demarcação [...] ou seja, deve ser não metafísico, isto é, deve representar um mundo de experiência possível. Em terceiro lugar, deve ser dife- rente, de alguma forma, de outros sistemas semelhantes como o único representativo de nosso mundo de experiência. (POPPER, 1972, p. 40)

Quando uma teoria sobrevive aos testes, quando ela não é refu- tada por hipóteses falseadoras, diz-se, como já citamos anteriormente, que ela é corroborada, ou seja, ela resistiu aos testes que foram feitos.

Entretanto, cabe aqui ressaltar algo de fundamental importância que o próprio Popper destaca em sua obra A lógica da pesquisa científica: “não é tanto o número de casos corroboradores que determina o grau de corro- boração, mas sim a severidade dos vários testes a que a hipótese em pauta

27 Entre os objetivos de Popper ao apresentar essas três condições que um sistema teó- rico deverá ter para ser considerado científico, está o de diferencias as teorias cien- tíficas das que são similares a elas (como algumas teorias metafísicas, por exemplo).

Essa similaridade ocorre, muitas vezes, por esses sistemas conterem uma estrutura

lógica similar à da estrutura lógica dos sistemas teóricos considerados científicos.

(20)

pode ser submetida” (POPPER, 1972, p. 293). Ou seja, determinamos a validade de uma teoria (consideramos ela mais válida ou menos válida) mais a partir do grau de severidade das hipóteses falseadoras que do número maior ou menor de hipóteses falseadoras aplicadas à teoria

28

. (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

Isso não significa que a quantidade de hipóteses falseadoras não tenha importância. Se de um lado a validade de uma teoria depende da severidade com que ela foi testada, de outro, quanto mais passível de testes, ou seja, quanto mais hipóteses falseadoras são deduzidas dela, mais ela será corroborada.

Percebe-se que o que Popper deseja é que se alie qualidade com quantidade. De nada adianta deduzirmos, por exemplo, 20 hipóteses falseadoras de determinada teoria “x” se essas 20 hipóteses não têm um nível de severidade alto, ou seja, são superficiais. Por outro lado, consi- derar suficientes apenas 5 hipóteses falseadoras apenas por terem um nível de severidade alto também é aceitável. Devemos continuamente testar nossas teorias sempre buscando hipóteses falseadoras que contém um grau de severidade tal que, ao sobreviverem aos testes (as teorias) tenhamos confiança na validade delas.

2.3 A ciência após o falsificacionismo

O método científico dedutivo proposto por Popper, também co- nhecido como racionalismo crítico, representa uma significativa mu- dança no modo como conceber a ciência, a começar pelo seu método.

Enquanto o indutivismo defende que uma teoria científica “nasce” com a observação e, a partir desta cria-se um problema, a visão popperia-

28 Na lógica da pesquisa científica, Popper segue refletindo sobre o grau de corrobo-

ração afirmando que “O grau de corroboração efetivamente alcançado não depende,

como é claro, apenas do grau de falseabilidade: um enunciado pode ser falseável em

alto grau e, ainda assim, estar corroborado de maneira apenas superficial, ou estar

falseado. Sem ser falseado, poderá ter sido abandonado em favor de uma teoria sus-

cetível de submeter-se a um teste melhor, da qual ele próprio – ou um enunciado su-

ficientemente próximo – venha a ser deduzido. (POPPER, 1972, p. 293). Entende-se

aqui que um enunciado falseável em alto grau é um enunciado do qual podem-se

deduzir inúmeras hipóteses falseadoras.

(21)

na de ciência exige que a ciência comece com o problema

29

. Este por sua vez dará “luz” a uma hipótese universal (traduzida num enunciado universal) que por sua vez será falseada ou corroborada por enunciado particular. Em seu livro “ As ideias de Popper”, o escritor britânico Bryan Magge diferencia o método científico popperiano do método tradicio- nal da seguinte forma:

Segundo a concepção tradicional, o método científico abrangia as seguintes fazes, nesta ordem, cada qual dando origem à fase seguinte: 1. Observação e experimentação; 2. Generalização in- dutiva; 3. Hipótese; 4. Tentativa de verificação da hipótese; 5.

Prova ou contra-prova; 6. Conhecimento. Popper substituiu essa concepção tradicional por outra: 1. Problema (em geral, conflitos face a expectativas ou teorias existentes); 2. Solução proposta, ou seja, em outras palavras, nova teoria; 3. Dedução, a partir da teoria, de consequências, na forma de proposições passíveis de teste; 4. Testes, ou seja, tentativas de refutação, obtidas, entre ou- tras maneiras (mas apenas entre outras maneiras) por meio da observação e da experimentação; 5. Escolha entre teorias rivais.

(MAGEE, 1974, p. 61).

Além da diferença nos passos do método científico, com Popper há também uma mudança significativa no modo como nos relacionamos com as teorias científicas. Até então, predominava o cientificismo, ou seja, a ideia de que a ciência produz “verdades” definitivas e que, depois de formuladas, tornavam-se quase inquestionáveis. Havia quase um “en- deusamento” da Ciência. A proposta de Popper é contrária a essa ideia.

Popper não é contrário à ideia de que a Ciência busca a verdade

30

.

29 Segundo Popper, no livro Em busca de um mundo melhor, “o conhecimento não parte de percepções, de observações nem da recolha de dados ou de factos, mas sim de problemas. Sem problemas não há saber, como não há problemas sem saber.

Quer isto dizer, que o conhecimento começa com a tensão entre o saber e o não- -saber. Não há problema sem saber - não há problema sem não-saber. Isto porque todo o problema resulta da descoberta de que algo do nosso pretenso saber não está em ordem; ou, considerado numa perspectiva lógica, da descoberta de uma con- tradição intrínseca no nosso suposto saber, ou de uma contradição entre o nosso pretenso saber e os factos; ou, de uma forma ainda mais rigorosa, da descoberta de uma aparente contradição entre o nosso suposto saber e a suposta realidade”.

(POPPER, 2006, p. 49).

30 Segundo Valle e oliveira, para Popper “qualquer outra pretensão do cientista – di-

ferente da busca da verdade – volta-se para interesses outros que não os da ciência

(22)

Entretanto, o conhecimento científico deve ser visto como provisório, conjectural, como vimos. Uma teoria, para ser científica, deve carre- gar em si a possibilidade de ser verdadeira ou falsa. Devemos buscar a verdade, mas jamais devemos pensar que, ao encontrar uma teoria mais ou menos coerente que tenha resistido a um número “x” de testes, chegamos a uma verdade definitiva. Isso significa a negação de qualquer dogmatismo, o que demanda do cientista uma abertura à crítica e uma

“modéstia intelectual, pela qual se reconhece a limitação do próprio co- nhecimento” (VALLE, 2010, p. 21).

Em seu livro “Conhecimento Objetivo”, Popper destaca que a meta da ciência é “encontrar explicações satisfatórias de qualquer coisa que nos impressione como necessitando de explicação” (POPPER, 1999, p.

180). Entretanto, uma explicação de algum fenômeno não pode ser tida como definitiva. (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

Se a meta da ciência é explicar então será também sua meta ex- plicar o que até afora tem sido aceito com um explicans

31

; por exemplo, uma lei da natureza. Assim a tarefa da ciência cons- tantemente se renova. Podemos marchar para sempre, passando a explicações de nível de universalidade cada vez mais alto [...]”.

(POPPER, 1999, p. 182)

Em outras palavras, as teorias científicas, na visão do filósofo, sur- gem para serem superadas por teorias mais explicativas. E aqui aparece um problema fundamental na teoria do conhecimento de Popper que será nosso último objeto de análise: a superação de uma teoria (T

1

) por outra (T

2

) representa um total abandono de T

1

ou há uma evolução pre- sente entre as duas o que faz com que T

2

, de certa forma, contenha T

1

direta ou indiretamente? Dito de outro modo, T

2

refuta completamente T

1

ou carrega consigo elementos de T

1

? Seguiremos com este tema.

2.3.1 De T1 a T2: total substituição ou evolução?

Uma das questões que gera intenso debate em torno da proposta popperiana de método científico se dá em relação à passagem de uma

genuína, interesses que, se não dizem respeito à verdade das coisas, muito pouco tem a dizer para o problema do conhecimento, que é a questão mais importante da filosofia da ciência.” (VALLE, 2010, p. 89).)

31 Segundo Popper, o explicans “é o objeto de nossa pesquisa, via de regra não será conhe-

cido: terá de ser descoberto. Assim, a explicação científica, sempre que for uma desco-

berta, será a explicação do conhecido pelo desconhecido.” (POPPER, 1999, p. 180).

(23)

teoria – que aqui representaremos como “T

1

” – para uma nova teoria – representada aqui como “T

2

”. Muitos críticos de Popper tentam argu- mentar que uma de suas limitações está no fato do autor defender que o surgimento de uma nova teoria sempre representa o abandono total da teoria anterior. Ou seja, ao surgir T

2

, T

1

deve sempre ser descartada por completo.

Para Popper os avanços da ciência não representam um acúmulo de teorias provadas como verdadeiras. Teorias vão sendo substituídas por outras. A ciência é constituída por um conjunto de teorias abando- nadas. Entretanto, essa substituição não significa necessariamente um total abandono da teoria substituída. T

2

, ao tomar o lugar de T

1

, com frequência conserva os avanços da mesma melhorando esses avanços sempre que possível. Apenas os erros são eliminados. Há uma espécie de Aufhebung, um “superar guardando” e um certo coerentismo episte- mológico nesse processo.

A tentativa de eliminação dos erros de uma determinada teoria faz com que, naturalmente, surja a necessidade de uma nova teoria consi- derada mais evoluída ou completa que a anterior. Isso não significa que a primeira teoria não esteja presente na segunda. No livro A lógica das ciências sociais de Popper, no capítulo sobre A racionalidade das revo- luções científicas, mostra qual a sua concepção de progresso científico a partir da relação com a teoria do processo de seleção natural de Dar- win

32

. Ele observa uma certa semelhança entre o progresso científico e a seleção natural.

Para Popper há três níveis de adaptação do ser humano a um am- biente: a adaptação genética, a aprendizagem do comportamento adap- tável e a descoberta científica

33

. Nesses três níveis de adaptação, os me-

32 “Estarei observando o progresso na ciência de um ponto de vista biológico e evoluti- vo. Estou longe de sugerir que este é o ponto de vista mais importante para o exame do progresso na ciência. Porém a abordagem biológica oferece uma maneira conve- niente de introduzir as duas ideias guias da primeira metade de minha alocução.

São as ideias de instrução e de seleção.” (POPPER, 2004, p. 51).

33 Segundo Popper, “De um ponto de vista biológico e evolutivo, a ciência, ou o pro-

gresso da ciência, pode ser considerada como um instrumento usado pela espécie

humana para se adaptar ao ambiente, para invadir novos nichos ambientais, e até

para inventar novos nichos ambientais.” (POPPER, 2004, p. 51). (Obs. Tirar itálico

nas citações no corpo do texto)

(24)

canismos utilizados são os mesmos e se resumem em dois princípios

34

fundamentais: instrução e seleção. É a partir da análise desses princí- pios que percebemos a justificativa do que aqui queremos demonstrar.

Tanto na genética quanto nas teorias cientificas observamos a existência de estruturas que representam “o repertório inato dos tipos de comportamentos que são disponíveis ao organismo.” (POPPER, 2004, p. 53). No caso da genética, a estrutura é “o repertório inato dos tipos de comportamento que são disponíveis ao organismo.” POPPER, 2004, p.

52). No caso da ciência, são “as teorias ou conjeturas científicas dominan- tes.” (POPPER, 2004, p. 52). Essas estruturas, para Popper, são sempre transmitidas pela instrução

35

. Essa instrução surge de dentro da estru- tura e não de fora. (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

O que ocorre, segundo o filósofo, é que as estruturas são expostas a certas pressões e certos testes ocasionando assim variações nas ins- truções. Essas variações nas instruções produzem, no caso da ciência, teorias novas.

Essas estruturas herdadas são expostas a certas pressões ou de- safios, ou problemas: a pressões de seleção; a desafios ambientais;

a problemas teóricos. Em resposta, variações das instruções her- dadas, genética e tradicionalmente, são produzidas por métodos que estão, ao menos parcialmente, ao acaso. Ao nível genético, estas são mutações e recombinações da instrução codificada; ao nível de comportamento são variações e recombinações expe- rimentais por entre o repertório; ao nível científico são teorias experimentais novas e revolucionárias. E todos os três níveis, conseguimos instruções processuais experimentais ou, resumi- damente, processos experimentais. (POPPER, 2004, p. 52).

34 O termo “princípio” não é um termo utilizado por Popper. Escolhemos esse termo para caracterizar a “instrução” e a “seleção” como questões fundamentais dentro daquilo que estamos defendendo aqui.

35 Ao longo do texto, Popper destaca que essa transmissão nem sempre é uma trans-

missão na integra tendo em vista que a evolução – tanto biológica quanto científi-

ca – representam uma manutenção das estruturas válidas (apenas eliminando os

erros) mas com uma melhora das mesmas. Sobre essas questões refletiremos de

maneira mais aprofundada nos próximos parágrafos. No caso da genética, essa

transmissão se dá “pela replica da instrução genética codificada aos níveis genéticos

de comportamento” (POPPER, 2004, p. 52). No caso da ciência “pela imitação e

tradição social.” (POPPER, 2004, p. 52).

(25)

Ou seja, as teorias novas que surgem a partir do falseamento de teorias antigas, são teorias que mantém até certo ponto a estrutura das antigas, apenas fazendo com que essa estrutura evolua a ponto de cor- rigir os erros que fizeram com que a estrutura anterior fosse falseada.

E essa correção dos erros faz parte do segundo princípio destacado por Popper: a seleção. Somente “as instruções mais ou menos bem adap- tadas sobrevivem e são herdadas” (POPPER, 2004, p. 53). As outras são eliminadas por um processo de seleção. Cabe aqui destacar que o pro- cesso de seleção, para Popper, no caso da ciência, não elimina totalmen- te a teoria antiga. Mas somente os erros. Assim como, no caso da seleção natural são eliminadas somente as falhas genéticas ou as características que já não são mais necessárias em um organismo. (Obs. Tirar itálico nas citações no corpo do texto)

A ciência, então, para Popper, progride desse modo: mantém-se a ins- trução da teoria anterior e, através de um processo de seleção, eliminam-se os erros e conserva-se os acertos melhorando-os sempre que possível.

Tenho sugerido que o progresso da ciência, ou a descoberta cien- tífica, depende da instrução e seleção: de um elemento conser- vador ou tradicional ou histórico, e de um uso revolucionário de experimentação e eliminação de erro pela crítica, que inclui severos testes ou exames empíricos; isto é, tenta enquadrar, na medida do possível, as fraquezas das teorias, e tenta refutá-las.

(POPPER, 2004, p. 59).

Cabe aqui ressaltar que, embora a teoria nova conserve alguns elementos da anterior, não podemos considerar que a nova teoria seja apenas a anterior mais evoluída. Popper trabalha com a ideia de teorias diferentes que partem da anterior, mas que são outras pois representam uma descoberta nova ou um passo adiante em relação àquela que elas estão substituindo.

[...] para que uma nova teoria constitua uma descoberta ou um passo avante, ela deve conflitar com a sua predecessora; isto é, deverá conduzir a pelo menos alguns resultados conflitantes.

Porém, isso significa, sob um ponto de vista lógico, que ela deve contradizer sua predecessora; ela deve derrotá-la. (POPPER, 2004, p.67)

36

.

36 Em nota de rodapé relacionada ao parágrafo que usamos como citação aqui Popper

(26)

O progresso da ciência aparece aqui como algo revolucionário ao mesmo tempo em que é conservador. Vale lembrar que essa caracterís- tica conservatória não representa acumulação.

[...] o progresso da ciência, embora revolucionário ao invés de meramente cumulativo, é, em um certo sentido, sempre conser- vador; uma teoria, embora revolucionária, deve sempre ser capaz de explicar, completamente, o sucesso de sua predecessora. Em todos aqueles casos em que sua predecessora foi bem sucedida, ela deve render resultado, pelo menos, tão bons quanto aqueles de sua predecessora, e se, possível, melhores. Logo, nestes casos, a teoria predecessora deve parecer uma boa aproximação à teo- ria nova; enquanto deveria haver, preferivelmente, outros casos, onde a nova teoria produzisse resultados melhores e diferentes dos obtidos pela teoria antiga. (POPPER, 2004, p. 68).

Por fim, cabe ainda destacar que, para Popper, teorias superadas não perdem totalmente a sua validade. Mesmo admitindo que antigos experimentos não nos dão novas possibilidades, ele defende a ideia de que esses antigos experimentos podem ser usados nos casos que eles abrangiam no passado.

Velhos experimentos jamais conduzem a novos resultados fu- turos. O que acontece apenas, é que novos experimentos per- mitem decidir acerca de velhas teorias. E a teoria antiga, ainda que superada, frequentes vezes mantém sua validade, como uma espécie de caso limite de uma teoria nova; ela continua a ser apli- cada, pelo menos com bom grau de aproximação, aos casos que abrangia no passado. (POPPER, 1972, p. 277).

Ou seja, uma teoria, mesmo que superada, pode ser utilizada des- de que isso seja feito dentro dos limites que lhe davam validade. Isto também não significa uma ciência cumulativa, tendo em vista que, nor- malmente, a nova teoria conserva os avanços corroborados da primeira

destaca que: “Logo, a teoria de EISTEIN contradiz a teoria de NEWTON (embora

a primeira contenha a segunda como uma aproximação; em distinção à teoria de

NEWTON, a teoria de EINSTEIN mostra, por exemplo, que nos fortes compôs

gravitacionais não pode existir uma órbita elíptica Klepleriana com excentricidade

apreciável mais sem precessão do periélio (como observado em Mercúrio)” (PO-

PPER, 2004, p. 67).

(27)

teoria. O que Popper quer demonstrar é que, o surgimento de uma nova teoria não necessariamente inutiliza a anterior.

Considerações finais

A proposta de Popper para um novo método científico se apresenta como uma proposta bastante fundamentada. Popper procura combater ao máximo as possíveis críticas a ela e busca fundamentá-las a partir de argumentos. Grande parte de suas obras são escritas apresentando sua proposta filosófica ao mesmo tempo em que defendendo-a dos possíveis

“ataques” contra elas. Entretanto, isso não significa que o autor criou uma reflexão filosófica livre de limitações e questionamentos.

As críticas, não diminuem a importância do pensamento poppe- riano para os objetivos aqui propostos: a reestruturação do pensamento científico proposta por ele nos permitiu (e ainda permite) olhar para a ciência de uma forma diferente (sugiro retirar a nota e qualificar o pró- prio texto da conclusão). O conhecimento científico passou a ser visto de outra forma. Mesmo diante das possíveis críticas a sua proposta teórica, Popper conseguiu fazer com que os que o sucederam olhassem para o método científico e procurassem aprimorá-lo. A partir dele, passamos a olhar para a ciência como um conhecimento em constante construção que nos permite, aos poucos, ir explicando mesmo que provisoriamente, alguns enigmas que a realidade nos impõe cotidianamente.

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