Condição Jurídica
d o A p a t r i d a
Do Autor:
Saudação a Minas — Discurso proferido na Univer-
sidade Minas-Gerais (Belo-Horizonte). 1929.
Sôbre a Constituição Federal — Discurso proferido no Concurso Nacional de Oratória — Rio-
de-Janeiro. 1929.
Discurso de Colação de Grau — Proferido na Uni-
versidade do Paraná. 1930.
Discurso de Paraninfo — no Instituto de Santa Maria. 1934.
A Guerra. - Sua inevitabilidade — Tese de concurso. 1934.
Sôbre o lenocinio —
Paraná-Judiciário,v. XIV, f. VI, 1931.
O Poder Executivo
e a Ditadura. „ „ v. XV, f. III, 1932.
Existe Lei Injusta ? „ „ v. „ f. VI, 1932.
Considerações sôbre
a Guerra „ „ v. XVI, f. IV, 1932.
As tendências hodier- nas do Direito Consti-
tucional „ „ v. „ f. VI, 1932- A causa em direito
cambiário „ „ v. XVII, f. IV, 1933.
Uma nova norma de
direito internacional „ „ v. XVIII, f. I e II, 1933.
O Problema do Sarre.
Diáriode
São-Paulo(«Diários Associados».) 7 - 1 1 1 9 3 4 .
As origens do conflito
italo-etiópico. I e II „ „ 10-9 e 11-9 193õ.
O Canal de Suez no
Direito Internacional „ ,, I M 1936.
Tutor legítimo probo
Revista d e Jurisprudênciae pobre
Brasileira. ( R i o - d e - J a n e i r o )v. XXX, f. 88, 193õ.
Usofruto de dinheiro „ „ v. XXXI, f. 91,1936.
A Anticrese e a Usura „ „ „ f. 93, 1936.
Conceito atual de pro-
priedade
Paraná-Judiciário,v. XXIII, f. VI, 1936.
JOSE' FARANI MANSUR GUERIOS
DOCENTE LIVRE DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO DA FACULDADE DE DIREITO DO PARANÁ E PROFESSOR DE HISTÓRIA DA CI- VILIZAÇÃO DO CURSO COMPLEMENTAR PRÉ- JURÍDICO.
CONDIÇÃO JURÍDICA DO APÁTRIDA
T E S E
DE CONCURSO Á CADEIRA DE DIREITO INTERNACIO- NAL PRIVADO DA FACUL- DADE DE DIREITO DO PARANÁ.C U R I T I B A
1936 —
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BunufFK - ntnOivWDA l . ^SIOflOE F. 00 PARANA All TOR g R$ 10.00 - Doacao <&
Terso No. 253/03 Regi^o:3i7,«2 13/08/2003 ¿J?
Q: t
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I Definição . . . . . . . . 7
II Conceito 15 III A noção de nacionalidade e o apátrida . . 25
IV O apátrida no direito positivo . . . . 3 7
V Conclusão . . . . . . . . 59
I
Apátrida é u m a expressão do direito positivo de nos- sos dias, e significa, etimológicamente " s e m p á t r i a " , do grego a " p r e f i x o de p r i v a ç ã o " , e pátrida, derivado de pá- tris, patríelos, " p á t r i a " . O substantivo f o r m a d o — apá- trida — a e x p r i m i r o indivíduo sem pátria, deu lugar a
o u t r o substantivo — apatrídia — , a traduzir a qualida- de, a situação de q u e m p e r d e a nacionalidade sem adqui- r i r o u t r a .
Podemos d e f i n i r a apatrídia, juridicamente, como sendo a condição irregular de indivíduos sem pátria, p o r desconhecimento de sua origem, deficiência d e legisla- ções ou erros d e conduta desses mesmos i n d i v í d u o s .
Aclaramos e completamos assim, a enunciação da- da p o r Bustamante y Sirven. ( 1 ) .
Reconhecida a complexidade dbs partes contidag n a definição, estabelecemos a seguinte divisão, q u e distin- gue aqueles e l e m e n t o s . Assim é q u e tem o
apátrida
(1) Bustamante y Sirven, Antonio Sanchez de — DERECHO IN-
TERNACIONAL PRIVADO, Habana, 1931, tômo I, p . 294.
— 8 _
A ) existencia irregular, isto é, n ã o c o n f o r m e os p r i n c í p i o s jurídicos da nacionalidade, inerentes a todos os indivíduos, o r i u n d a essa situação de q u a l q u e r das se- guintes circunstancias :
a ) desconhecimento de sua origem, isto é, ignoran- cia da sua nacionalidade;
b ) deficiência da legislação, isto é, ausência de nor- m a s de direito interno ou de convenções de direito inter- nacional, q u e p r e v i n a m essa situação;
c ) erros de conduta do p r ó p r i o indivíduo em f a c e d e sua lei n a c i o n a l . Esta pode ser n a t u r a l ou adquirida, isto é, pode ser a lei de onde o indivíduo é n a t u r a l ou de o n d e a d q u i r i u outra nacionalidade. Como pode o c o r r e r a circunstancia d e f i c a r o indivíduo sem n e n h u m a pátria, p o r outro lado, pode ocorrer a situação jurídica d e se a t r i b u i r a u m mesmo indivíduo duas p á t r i a s . Neste últi- m o caso, ocorre u m a d u p l a nacionalidade, d e n o m i n a d a pelos tratadistas " c o n f l i t o positivo", e m oposição á apa-
trídia, á ausência de nacionalidade, denominada "con«
f l i t o n e g a t i v o " .
Após a Grande Guerra, u m movimento de nativismo e x t r e m a d o ocasionou r e f o r m a s gerais nas legislações dos povos, n o sentido d e se fortalecerem e de se abroquela- r e m contra as temerosas incursões dos alienígenas. O surto de diversas nacionalidades corporificadas e m no- vos Estados, e as anexações de territórios, f o r a m outras tantas causas p a r a o aparecimento de individuos sem o direito d e invocarem a sua lei n a c i o n a l .
Se, portanto, as intensas relações q u e o m u n d o mo-
d e r n o nos oferece, dão motivos a f r e q ü e n t e s casos d e
apatrídia, n ã o é só agora verificada a existência dêsse estado personalíssimo.
E m tempos outros j á se atestavam, a c e r t o
srespei- tos, aquelas mesmas circunstancias, caraterísticas d o sujeito sem pátria, como adiante, brevemente, v e r e m o s . E, em nossos dias, p o r não ser pouco f r e q ü e n t e a apatrí- dia, com a marcha da civilização, várias denominações f o r a m dadas recentemente ao indivíduo sem p á t r i a .
A denominação mais corrente é a d e " h e i m a t l o s " , vocábulo alemão composto de " l i e i m a t " — domicílio
— , correspondendo no inglês ao " h o m e " , e " l o s " sufi- xo de ausência, correspondendo no inglês ao " l e s s " , isto é, sem domicílio. Foi a legislação suissa q u e p r i m e i r o tomou essa expressão p a r a designar os habitantes sem nacionalidade. Na sua significação originária n ã o cor- responde precisamente á ausência de nacionalidade, pois o t ê r m o t a m b é m e x p r i m e o vagabundo, q u e n a técnica jurídica é aplicado aos p r ó p r i o s nacionais sem domicí- lio c e r t o . E ' nesta acepção considerado o indivíduo sem domicílio, n ã o só n o direito romano, como vemos n o DÏ- GESTO: nam hunc puto
sine domicilio esse (L. 5 0 , t I, f r . 2 7 § 2.°, " i n f i n e " ) , como também, nas diversas legisla-
ções civis atuais: n o C ó d . civil português ( a r t . 4 5 ) , chileno ( a r t . 6 8 ) , u r u g u a i o ( a r t . 3 1 ) , colombiano ( a r t . 8 4 ) e, e m o nosso, brasileiro ( a r t . 3 3 ) . O q u e vale di- zer existirem indivíduos com nacionalidade sem domi- cílio, e n q u a n t o o apátrida é o indivíduo sem nacionalida- de, em regra, com domicílio. Assente neste último pres- suposto, o u t r a denominação, a d e — íncola — , f o i aven- tada, n o começo do século passado, p o r J. Proudhon,
surgindo o t ê r m o da — teoria do incolado — exposta
~ 10 —
p o r aquele p r o f e s s o r de Dijon, e m sua obra Traite sur VÉtat des personnes.
Como n ã o vingasse a teoria, q u e mais adiante referi- -la-emos de novo, abandonada f o i a expressão q u e n ã o en- cerrava em si, p r o p r i a m e n t e , a idéia do indivíduo sem nacionalidade. Pois sendo, nessa teoria, o domicílio o verdadeiro critério da nacionalidade, desde q u e o indiví- d u o tivesse o domicílio, n ã o podia ser considerado sem nacionalidade. O íncola não era apreciado como apátri- d a . Aquele vocábulo n ã o tinha, pois, n e n h u m a sinoni- mia com e s t e . Não podia, destarte, prevalecer sôbre este c o m o superior, ou t e r a vantagem da e q u i p o l e n c i a .
A designação — apatrida — , n o entanto, está a tor- nar-se mais generalizada p o r dois p r e c i p u o s m o t i v o s . P r i m e i r a m e n t e , p o r q u e a definição n o m i n a l de — apá- trida — mais se a p r o x i m a da definição real, isto é, o no- m e já traz implícitos os elementos componentes da idéia d o objeto d e f i n i d o . Alem d e mais consentauea com as exigências científicas, secundáriamente, o t ê r m o t e m a seu f a v o r a origem) grega, pelo q u e é mais adaptável á nossa n o m e n c l a t u r a jurídica do q u e a expressão "hei- m a t l o s " .
Outra designação dada f o i a de — apólide — , vocá- b u l o de origem grega, e c u j a acepção t e m o m e s m o al- cance de a p á t r i d a .
E ' palavra f o r m a d a pelo p r e f i x o de privação " a "
e de " p o l i s " , " c i d a d e " , pois é sabido q u e n a Grécia an-
tiga se estabelecia c o n f u s ã o e n t r e a — cidade — e o Es-
tado, a Pátria, como vemos e m Fustel de Coulanges a
afirmativa d e que, " p o r m u i t o vizinhas q u e fossem'",
havia e n t r e duas cidades " b e m mais d o q u e a f r o n t e i r a
— 11 _
q u e divide dois E s t a d o s " , pois n a o se concebia o u t r o r a
" n e n h u m a outra organização social, alem da c i d a d e " ( 2 ) . Não diferia em seus p r i m o r d i o s a organização r o m a n a , a p o n t o de se r e f e r i r a ela M. Ortolan com a f o r m a expres- siva seguinte: " L a cité! ce m o t n o u s rapelle le civis sum
"romanus, qui á lui seul signifiait tant d e choses!
"Nulle p a r t , en e f f e t , o n n e trouve l'idée d e cité aus-
"si vigoureuse q u e dans le droit primitif des Ro-
" m a i n s " ( 3 ) .
A — a p o l i t i a — é o n o m e o r i u n d o desse vocábulo, com o q u a l se indjica o estado do individuo sem p á t r i a .
Rodrigo Otávio registra " e m h o n r a do nosso espíri- to de iniciativa, e m matéria d e técnica científica", q u e o d r . Moreira de Azevedo, n u m a tese submetida em 1 9 1 7 á Faculdade de Direito do 'Ceará, " a p r e s e n t a p a r a indi-
car a ausência d e nacionalidade, a expressão p o r ele for- mada, — apolitia — , também de origem grega e q u e , segundo êle, se é u m neologismo, deve ser n ã o obstante p r e f e r i d o como mais acorde com o gênio d a língua, ao t ê r m o alemão — heimathlosat — (Ensaio sôbre a Na- cionalidade, pág. 114, n o t a 1 " ) ( 4 ) . Eduardo Spínola porêin, anota q u e a expressão foi, antes, empregada p o r A . Coviello ( 5 ) . Todavia, em p r ó do t ê r m o — apátrido
(2) A CIDADE ANTIGA, tra. p o r t . , 2.* ed., vol. I, p p . 356159.
(3) EXPLICATION HISTORIQUE DES INSTITUTS, 5e. éd., Paris, 1851, t. I, p . 12.
(4) _ 0 PROBLEMA DA NACIONALIDADE. Conferência " i n "
Boletim do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, v. VI, n. 1, 1929, pp. 43|4.
(5) MANUALE DI DIRITTO CIVILE ITALIANO, 2 . ' ed., 1915, p .
1G3 apud Espinóla Eduardo — DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO,
Rio de Janeiro, 1925, p . 219.
— 12 _
lemos os argumentos j á expostos, com a circunstancia d e estar consagrado, positivamente, e m recentes convenções
e j u r i s p r u d ê n c i a internacionais.
Apólides, n o entanto, ou mais corretamente — apo- lis — , teria a primazia de ser u m a palavra q u e o primiti- vo direito r o m a n o , base da atual legislação civil dos po- vos, tomou do grego e empregou-a no mesmo sentido vi- gente . E o que nos atestam as seguintes passagens d o
DIGESTO, de MarcianP : "Item quidam ânóhôeç sunt, hoc est, sine civitate (L. 4 8 , t. XIX, f r . 17, § 1.°)
e x p r i m i n d o serem — apólides — aqueles a quem n ã o se reconhecia cidade, os indivíduos sem p á t r i a . Repele idêntica expressão, Ulpi°no: cum sint ânóhôsç > id
est "ex-torres" ( L . 3 2 , t . III, f r . 1 § 2 / , " i n f i n e " ) , d e m o n s t r a n d o q u e tais indivíduos e r a m de f o r a das f r o n - teiras fortificadas, f o r a dos m u r o s da cidade, elementos d e origem n ã o admitida pelo d i r e i t o .
Aliás, o sentido grego Aß. expressão d e m o n s t r a como b e m a u s a r a m os r o m a n o s . Significando — sem pátria, sem cidade — , empregaram-na Plutarco (TIMOLEON, I ) e fíeródoto em diversas passagens. Segundo Lisias e Sófocles ( Œ D I P O , v . 1 3 5 7 ) significa f a z e r de alguém u m exilado, o u como este ú l t i m o a u t o r dizia, — indigno de viver n u m a cidade — p o r oposição a vipíjzohç , o
q u e ocupa u m alto e i m p o r t a n t e cargo n a cidade. E sen-
d o o t ê r m o u m adjetivo dado ao indivíduo sem naciona-
lidade, sem pátria, sem leis p r ó p r i a s q u e se lhe apliquem,
vemos q u e do mesmíssimo m o d o era aplicada a adjetiva-
cao a u m a cidade q u e deixava de sê-lo, segundo É
squilo
( A S EUMENIDES, v . 4 5 7 )
n6hq ánóhç , o u melhor-
— 13 _
mente, no dizer de Platão ( L E G . , 7 6 6 ) , u m a cidade sem constituição, sem leis q u e se lhe apliquem ( 6 ) .
Fontes de Miranda ( 7 ) p r e f e r e a expressão apátrides á apátrida, e julga, subtilmente p o r e m n ã o de m o d o cabal, os " a p ó l i d e s " dos gregos os indivíduos q u e p e r d e r a m a cidadania, os direitos políticos q u e n ã o a n a c i o n a l i d a d e . Mencionando os textos r o m a n o s acima transcritos, con- corda, contudo, serem então aplicados aos " a p ó l i d e s " o JUS GENTIUM, o direito dos estrangeiros, isto é, dos n ã o nacionais.
(0) _ Cf. Baüly, M. A — DICTIONNAIRE GREC-FRANÇAIS, Pa- ris, 1928, verb. ânóXiç
(7) TRATADO DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO, Rio-de-
Janeiro, 1935, t. I, p. 192.
II
Do conceito actual de apatrida o " a p ó l i d e " dos ro- m a n o s déle bem se a p r o x i m a v a .
A idéia genérica q u e encerra a situação de u m indi- víduo sein pátria é a d e ser êle u m e s t r a n g e i r o . E essa idéia sempre se manteve, de sorte q u e o apátrida " e m q u a l q u e r Estado se considerará estrangeiro, c terá o go- zo e exercício dos direitos civis e públicog, q u e n ã o são reservados aos n a c i o n a i s " ( 1 ) .
De várias modalidades n o reconhecimento de direi- tos aos estrangeiros, e n t r e povos d o u t r o r a , algumas se- melhavam c o n f i g u r a r o apátrida, isto é, excluíam, sob certa f o r m a , da c o m u n h ã o jurídico-socinl o indivíduo p e r t e n c e n t e a essa mesmp c o m u n h ã o e n a q u a l vivia as-
sim cerceado de certos direitos.
Na antigüidade, o exilado, " m o r t o , n ã o podia ser e n t e r r a d o n o solo da cidade, n e m no t ú m u l o d o
sseus antepassados; p o r q u e se tornara e s t r a n g e i r o " ( 2 ) .
Antes de examinarmos, d è leve, essas legislações d o
(1) — Espinóla, O . C., p . 225.
(2) _ Coulanges, 0 . C., v. I, p. 355
passado, assinalemos u m a asserção feila p o r u m interna- cionalista, desde q u e cristã é a civilização ocidental, sob c u j o s i n f l u x o s nos elevámos. A primigena apatrídia f o i observada na expulsão dos p r i m e i r o s habitadores do Éden, q u a n d o daquela pátria, q u e era destinada aos ho- mens, f o r a m excluídos com a sentença divina: — " E T EMISIT EUM DOMINUS DEUS DE PARADISO VOLUP- TATIS, UT OPERARETUR TERRAM, DE QUA SUMP- TUS EST — " ( 3 ) . Ficou fléste m o d o o p r i m e i r o h o m e m
privado da pátria q u e lhe era destinada, do jardim de de- lícias para o qual f ô r a c r i a d o .
Nem outras f o r a m as palavras dos livros novos, con- firmatorias da concepção cristã: "REGNUM MEUM NON EST DE HOC MUNDO", doutrinadas pelo apóstolo:
"OBSECRO VOS TAMQUAM ADVENAS E T PEREGRI- NOS OBSTINERE VOS A CARNALIBUS DESIDERIíS Q t L E MILITANT ADVERSUS ANIMAM" ( 4 ) .
Estar no musido como se n ã o f ô r a do m u n d o , expa- triado dos desejos desta terra, tal é a f i b r a da imagina- ção cristã tendente á p e r f e i ç ã o .
A expatriação d u m m e m b r o d e certo a g r u p a m e n t o hum
;ano, significando a interdição do culto, do direito, a privação do lar, da residência, sempre f o r a m conside-
radas penas capitais tão tremendas q u a n t o a m o r t e . Con- tinha em si, outrora, tal p e n a extrema, n ã o só u m cará- ter essencialmente jurídico , como t a m b é m religioso.
(3) — Ou mais sintética e textualmente: "wayesallexéhu Yahweli Elohim rniggán ' é d e n " : " E expulsou-o o Senhor Deus do jardim do Eden (GEN., 3, 23).
(4) _ Joan , c. XVIII, v. 33 — I, Petr , c . 2, v. 11.
Sob o n o m e fie e x c o m u n h ã o mantem-sc até b o j e na le- gislação eclesiástica ( 5 ) .
Demonstrava Sócrates ser p r e f e r í v e l q u e êle mor- resse tiqòx i]\çq) v y f j ( 6 ) , e este expatriamento, ain- da no período da codificação do direito r o m a n o , era, d e certo modo, equiparado á m o r t e : CIVITATEM AMIT
T I T , SEQUITUR UT QUI EO MODO EX NUMERO CL VIUM ROMANORUM TOLLITUR PERINDE AC SI EO
MORTUO ( 7 ) . Constituía a MEDIA CAPITIS DEMINU- TIO, q u e era precisamente a perda da CIVITAS p o r par- te do cidadão r o m a n o q u e vinha a ser estrangeiro: QUIA
PEREGRINUS F I T ( 8 ) .
E n t r e es cidadãos r o m a n o s e os estrangeiros pro- p r i a m e n t e ditos, existiam as categorias intermédias dos latinos, que b e m se p o d i a m c h a m a r semi-cidadãos ( 9 ) , a pouco e pouco integrados na c o m u n h ã o r o m a n a .
O estrangeiro era conhecido pelo
sseguintes n o m e s : 1 . " PERDUELLIS, p r o p r i a m e n t e o inimigo de Ro- m a . Na expressão de Cícero ( 1 0 ) , f o i mitigada TRISTI- TIAM REI com a substituição do vocábulo PERDUELLIS p e l o t ê r m o H O S T I S .
2.° HOSTIS, o inimigo, p o r é m de u m a cidade f o r a da dominação r e m a n a , e m paz com R o m a .
(5)
C f. G a s p a r r i ,Petro Card. — CODEX JURIS CANONICI CUM FONTIUM ANNOTATIONE, Roma, 1928, Cpn. 2259 §§ e segs., p p . 1038-1042. Coulanges, O . C., v . I, p. 352.
(G) Platão, GRITON, cap. XIV.
(7) INST., 1. I, tit. XII, n . 1.
(8) Ulpiano, REG., tit. X, § 3.°.
(9) APUD May, Gaston — ÉLÉMENTS DE DROIT ROMAIN, H e . i d . , Paris, 1918, p. 97.
(10) DE OFFICIIS, 1. I, c . XII, 37.
3 ° BARBARUS, o q u e vive p a r a o r o m a n o " h o r s d e la civilisation et d e la g é o g r a p h i e " n o conceito preci-
so d e Ortolan ( 1 1 ) .
4 . ° P E RE GR I NU S, t ê r m o a m p l o q u e compreendia todos os individuos q u e n ã o gozavam integralmente d o direito de cidade, p o r t a n t o , n ã o só os latinos como os es- trangeiros das duas primeiras designações m e n c i o n a d a s .
PEREGRINUS f o i a expressão pela quai genérica- m e n t e se designou o estrangeiro ao t e m p o dos romanos, cujas conquistas a b r a n g e r a m quasi todas as par teg do m u n d o e n t ã o c o n h e c i d o . E r a o oposto do CIVIS, do c i d a d ã o .
'Com respeiîo ao apátrida, cabem duas ordens de considerações: p r i m e i r a m e n t e , temos q u e considerar a situação do PEREGRINUS sem nacionalidade conhecida, e m face do direito r o m a n o e m geral, e secundariamente, as suas relações privadas com o CIVIS.
Cícero, a p o n t a n d o n o r m a s de conduta aos FEREGR1- NI E T INCOLA, designação esta dos estrangeiros sem residencia estável, determina cuidem de seus p r ó p r i o s negócios, n ã o dos de o u t r e m , e n ã o i n t e r v e n h a m absolu- t a m e n t o n a política ( 1 2 ) . E ' claro q u e p a r a a determi- nação de tais preceitos, u m novo direito a traçar a esfe- r a de ação dos PEREGRINI, era de mister fôsse reconhe- cido . E assim, os PRAETORES PEREGRINI, os magis- t r a d o s encarregados de decidirem do direito do<? estran- geiros, n a elaboração do JUS PRAETORIUM, constituin- d o QUOD PRAETORES INTRODUXERUNT, ADJUVAN-
(11) O. c . , t. I, p . 13
(12) I d . , 1. I, c. XXXIV, 125
— 19 _
DI, VEL SUPPLENDI, VEL CORRIGENDI JURIS CIVI- LIS GRATIA, P R O P T E R U H L I T A T E M PUBLICAM ( 1 3 ) ,
c h e g a r a m a r e c o n h e c e r o direito das nações estrangeiras civilizadas, adaptando-o inteligentemente ás condições d a vida r o m a n a .
F o r m u l a r a m o JUS GENTIUM, constituindo QUOD VERO NATURALIS INTER OMNES HOMINES CONSTI- T U I T , I D APUD OMNES POPULOS PERAEQUE CUSTO- DITUR, VOCATURQUE JUS GENTIUM, QUASI QUO J U R E OMNES GENTES UTUNTUR ( 1 4 ) . Veio a ser éste direito " u m a p a r t e do direito p r i v a d o dos r o m a n o s , a mais a m p l a e a mais h u m a n a , declarada aplicável m e s m o aos q u e n ã o t i n h a m o direito d e cidade, p o r q u e ela é o f u n d o c o m u m d e tôdps as legislações, e n q u a u t o q u e a o u t r a , o JUS CIVILE (QUOD QUISQUE POPTJLUS I P S E SIBI CONSTITUIT, IPSIUS CIVITATIS P R O P R I U M E S T ) , de c o n s t r u ç ã o mais artificial, d e utilidade m e n o s eA'idente, m e n o s geral, é reservada aos m e m b r o s da ci- d a d e . O JUS GENTIUM é o necessário, o direito do ho- m e m ; o JUS CIVILE, o s u p é r f l u o , o o r g u l h o e o orna- m e n t o do CIVIS ROMANUS" ( 1 5 ) . F ô r a assim q u e n o n o b r e i n t u i t o " d e s e c u n d a r , de c o m p l e t a r , d e corrigir o direito civil, n o q u e êle tem de exclusivo o u d e rigoroso, e dócil aos e n s i n a m e n t o s d a f i l o s o f i a , a j u r i s p r u d ê n c i a p r e t o r i a n a a c a b o u r e c o n h e c e n d o aos estrangeiros, mes- m o aos q u e n ã o t i n h a m a CERTA CIVITAS, diversas fa- culdades, t e n d o sua base n a e q u i d a d e n a t u r a l e julgadas
(13) DIGESTO, 1. I, til. I, f r . 7, § 1 . ' . (14) INST., 1. I, tit. II, § 1.°.
(15) Weiss, André — DROIT INTERNATIONAL PRIVÉ, 2e. ed.,
r.iris, 1908, t . II, pp. 27-28.
indispensáveis á existência" ( 1 6 ) . Os PEREGRINI, n ã o só os latinos como também os q u e n ã o tinham cidade certa, n e m legislação nacional, e r a m excluídos dos direi- tos políticos, do JUS SUFRAGII, direito de tomar p a r t e nas eleições, do JUS HONORUM, direito á magistratura, vedados assim, p r u d e n t e m e n t e , o acesso dos estrangeiros ás supremas governanças de Roma. Desta natureza foi, aliás, a advertência q u e acima citámos, de Cícero. Ao la- do dos direitos políticos, o JUS CIVILE abarcava faculda- des de que não gozavam os estrangeiros, o JUS CONNU- BII e o JUS COMMERCII, direitos de o r d e m privada q u e enastravam numerosas conseqüências na vida r o m a n a em geral.
O JUS GENTIUM constituía, pois, a p a r t e da legisla- ção r o m a n a da qual os peregrinos podiam reclamar o be- nefício, e c o m p r e e n d e n d o os direitos mais essenciais e mais úteis, correspondia em certo m o d o ao q u e chama- m o s — direito n a t u r a l — .
A concepção q u e t i n h a m dos direitos dos povos, e r a d e que, instituições do JUS GENTIUM ( 1 7 ) , " q u e se en- contravam idênticas e n t r e todos os povos, n ã o p o d i a m ser, parece, senão os f r a g m e n t o s esparsos d u m d i r e i t o primordial, JUS NATURALE, JUS NATURAE, ditado á h u m a n i d a d e pela natureza, inspiradora eterna do b o m e d o j u s t o " ( 1 8 ) . É a d o u t r i n a de Cícero " q u e n ã o q u e r ver no direito particular de cada povo senão u m decalco i m p e r f e i t o d u m direito anterior necessariamente m a i s
(16) Id. OP. ET LOC. CIT.
(17) OMNES POPUU QUI LEGIBUS ET MORIBUS REGUNTUR,
PARTIM SL'O PROPRIO, PARTIM COMMUNI OMNIUM HOMINUM
JURE UTUNTUR (Gaio, I § 1.»)
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perfeito (DE REPUBL., III, 2 2 ; DE LEGIB., II, 5 ; DE OFF., III, 1 7 ; DE INVENT., II, 2 2 , 5 3 ) . O JUS NATU- RALE seria pois o direito do h o m e m e n q u a n t o sêr hu- m a n o ; o JUS GENTIUM n ã o seria senão a sua aplicação parcial ao h o m e m e n q u a n t o m e m b r o d u m a CIVITAS qualquer, e o JUS CIVILE, direito do h o m e m agregado a uma CIVITAS determinada, marcaria o último degrau da escala" ( 1 9 ) .
Êstes princípios q u e o gênio r o m a n o consagrou na prática, m e l h o r a n d o e elevando seu direito nacional, são os mesmos aplicáveis h o j e , como adiante veremos, ao
— homem — , considerado como sêr h u m a n o e como m e m b r o d u m a pátria, d u m agrupamento qualquer. Q u e r dizer, estão reavivados aqueles princípios pelos quais se considerava o h o m e m sujeito de direitos primordiais in- tangíveis, n ã o o excluindo terminantemente da c o m u n h ã o social como o faziam os bárbaros.
A condição jurídica do PEREGRINUS sem naciona- lidade certa, sem cidade, distinguia-se, de algum modo, da situação do titular de nacionalidade certa, de determi- nada cidade.
Os costumes, as exigências do comércio, as indiö«
pensáveis relações de vizinhança levaram os romanos a amainar a severidade de sua legislação primitiva, na par- te r e f e r e n t e aos estrangeiros. E n g e n d r a r a m as institui- ções do HOSPITIUM e do PATRONATUS, isto é, a pro- trção legal a u m estrangeiro p o r parte de u m r o m a n o . O HOSPITIUM era u m a convenção temporária estabelecida
(18) May, 0 . C., p . 41.
(19) Id., OP. ET LOC. CIT. n. 3
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e n t r e um cidadão r o m a n o e u m estrangeiro de nacionali- dade certa, ficando este sob a proteção daquele. Forma- va-se essa convenção pelo consentimento de ambas as p a r t e s ; gerava direitos e obrigaçõe
srecíprocas, estabele- cendo portanto, u m a relativa igualdade. Estas relações obrigacionais e r a m assaz acentuadas, a p o n t o de, salvo a RENUNTIATIO, passarem aos h e r d e i r o s e n ã o desapare- cerem com as hostilidades q u e p o r v e n t u r a abrisse a na- ção r o m a n a com a do estrangeiro HOSPES.
E n q u a n t o do HOSPITIUM gozava o estrangeiro d e nacionalidade certa, o PATRONATUS era aplicável ao es- trangeiro SINE CI VIT ATE.
Era o PATRONATUS, ao contrário do HOSPITIUM, u m a relação unilateral, sem prazo determinado, de de- pendência e tutela: collocava o cliente sob a autoridade do cidadão r o m a n o AD QUEM SE APPLICAVERAT, nu- ma condição assaz análoga á do FILIUS FAMILIAS. Os vínculos q u e obrigavam o PATRONUS e m relação ao cliente, e r a m estreitíssimos, bastando dizer que, sein laço religioso direto com a cidlade, o cliente participava das SACRA PRIVATA do p a t r ã o ( 2 0 ) .
A subtil distinção e n t r e o estrangeiro d e nacionalida- de certa e o estrangeiro de nacionalidade incerta, carrean- do para o p r i m e i r o a nobreza de u m contrato sinalagmá- tico, d e f e r e n t e , e m h a r m o n i a com a pátria d o estran- geiro, e para o segundo u m a simples proteção, n ã o meno?
segura p o r é m , partida apenas do cidadão r o m a n o , assi-
nalava, mais u m a vez a nota p r o f u n d a daquele espírito
c u j a f i n u r a de análise, rigor de d e d u ç ã o e senso prático,
tanto e n g r a n d e c e u aquele povo q u e sobrevive com a in-
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fluencia de incontestável grandeza nas aureas dos dias m o d e r n o s .
A proteção dada pelos romanos ao direito do estran- geiro, em geral, era, como veremos adiante, simile á q u e h o j e vigora, particularmente q u a n d o se r e f e r e ao estran- geiro sem pátria certa, ao apátrida.
Não o mesmo sucedia com os bárbaros, com os ger- manos. Êstes n ã o concediam n e n h u m a proteção ao eslran- geiro. O h o m e m livre q u e n ã o pertencia a n e n h u m agru- p a m e n t o caraterístico da vida comunal daqueles povos,
denominava-se GARGANEI ou WARGANEI, derivado de ivarg, exilado, expulso da associação, o qual só se podia subtrair á condição precária em q u e se achava, pondo-se sob a proteção de o u t r e m , partícipe de u m a tribu. O di- reito mussulmano, adotando usos preislamicos, concedeu o AMÁN, direito de proteção pessoal ao estrangeiro, infiel, f o r a da c o m u n h ã o m a o m e t a n a , o q u a l ficava sob o patro- cínio t e m p o r á r i o de u m beduino ( 2 1 ) .
Não havia assim distinção e n t r e o estrangeiro per- tencente a u m a g r u p a m e n t o conhecido e o de origem desconhecida. A expressão AUBAIN, com q u e se desi»
guou, ao tempo do feudalismo, o estrangeiro, f o i no en- tanto, no século XIV, aplicada para distinguir o estran- geiro d e origem certa, conhecida, em contraposição ao t ê r m o ESPAVE designativo do estrangeiro de terras lon- gínquas, desconhecidas, como prescreviam as n o r m a s da-
t e m p o s :
(20) PATRONUS SI CLIENTI FRAUDEM FECERIT. SACER ESTO
— Lege? XII TABULARUM, Tab. VII.
(21) Ortiz, P . José Lopez — DERECHO MUSULMAN, Barcelona, í 932, p . 100.