• Nenhum resultado encontrado

ESTADO E SOCIEDADE CIVIL EM HEGEL. Ricardo George de Araújo Silva

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "ESTADO E SOCIEDADE CIVIL EM HEGEL. Ricardo George de Araújo Silva"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64 Ricardo George de Araújo Silva

Professor do Curso de Filosofia da UVA Doutorando em Filosofia UFC

Editor da Revista Reflexões de Filosofia e da Coleção Reflexões Membro do Grupo, Ética e Filosofia Política – UFC/CNPq

Coordenador do Grupo de Estudo em Política, Educação e Ética – GEPEDE/CNPq ricardogeo11@yahoo.com.br

Resumo:

Ao consideramos a problemática do Estado e da sociedade civil em Hegel estamos empenhados em uma tarefa didática de esclarecimento das fronteiras existentes entre ambas no interior da conceitografia hegeliana. Assim, nosso propósito é demonstrar que o Estado em Hegel emerge como momento globalizante das esferas anteriores a ele (considerando a estrutura da obra: Princípios da Filosofia do Direito) e, portanto, que vem à tona como momento da liberdade. Para Tanto fizemos uso da metodologia exegética de base bibliográfica, nos apoiando na teoria de Hegel exposta na obra supracitada e na tradição de estudos em torno de sua conceitografia.

Palavras-chaves: Estado. Sociedade civil.

Hegel.

Abstract:

As we consider the issue of the State and of the civil society in Hegel we are committed to a didactic task of clarification of the existent frontiers among them inside Hegel’s concepts. Thus, our purpose is to demonstrate that the State in Hegel emerges as a globalised moment of the spheres that appeared before him (considering the structure of the work:

Elements of the Philosophy of Right) and, therefore, that comes as a moment of freedom. For this reason, we made use of the exegetic methodology of bibliographical base, leaning on Hegel's theory in the book mentioned above and in the study tradition around his concepts.

Keywords: State. Civil Society. Hegel.

(2)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

53

1. Introdução

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1970-1831) é um pensador apaixonante, seja para com ele compreender o real, seja para se opor a sua compreensão.

O mesmo pretendeu elaborar um sistema que compreendesse o real e acabou por discorrer sobre os mais variados temas, a saber: política, religião, arte, teoria, conhecimento, história, metafísica, dentre outros, de modo que falar de qualquer dimensão do pensamento de Hegel nos convida a tocar, ainda que de forma sumária, nos pontos mais significativos do seu sistema.

A proposta de Hegel, para o escopo da tradição filosófica, é de construir um sistema rigorosamente científico, isto é, um sistema que aproveite todos os dados inegavelmente adquiridos pelas ciências, organizando-os de tal modo que se possa extrair deles a história universal do Espírito Absoluto. Nesta empreitada, de compreensão do real, Hegel recorre a estruturas lógicas, duas emergem inicialmente como destaque: o princípio da identidade do ideal e do real e o de contradição.

Pelo princípio de identidade do ideal e do real encontramos uma similitude entre coisa e pensamento de modo que uma não pode ser destoante da outra, portanto Pensamento e Coisa não podem ser esferas opostas e conflitantes, pois, se assim aparecessem, a realidade seria incognoscível. De modo que temos como conclusão que as leis da mente, da lógica, são também leis da realidade: lógica e metafísica são a mesma coisa. Hegel, então, conclui que este princípio se inscreve na seguinte fórmula: tudo o que é “racional é real” e tudo que é “real é racional”.

O princípio de contradição, por sua vez, afirma que na realidade não existe nada que seja idêntico a si mesmo, mas que tudo está sujeito à dialética da afirmação e da negação. Consoante Mondim (1987, p. 37) este princípio constitui a mola do método hegeliano.

Em seguida, vem o princípio ontológico, princípio que é o Absoluto (o pensamento, a ideia, a razão, o espírito). O absoluto é a realidade suprema, a origem de toda outra realidade. Nele se realizam perfeitamente os dois princípios lógicos acima citados; em virtude do princípio de identidade do ideal e do real, o absoluto é “universalidade concreta, a qual compreende todos os

(3)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

54

modos e aspectos nos quais ele é e se torna objeto de si” em virtude do princípio de contradição, a realidade do absoluto consiste em contínuo devir “O seu ser é seu devir”, no esclarece Mondim (1987, p. 38).

No que concerne à tarefa da filosofia, explica Hegel, na Filosofia do Direito, é compreender aquilo que é, uma vez que aquilo que é, é razão. De modo que seu sistema quando trata do real seja em que dimensão for, mantém-se fiel à relação estabelecida em seu sistema a partir do binômio:

Razão e História. Nas palavras de Hegel:

A tarefa da filosofia é conceituar o que é, pois o que é, é a razão. No que concerne ao indivíduo, cada um é de toda maneira um filho de seu tempo; assim a filosofia é também seu tempo apreendido em pensamentos. É tão insensato presumir que uma filosofia ultrapasse seu mundo presente quanto presumir que um indivíduo salte além de seu tempo (HEGEL, 2010, p. 43).

Com isso queremos, ainda que de forma bastante sucinta, deixar claro a maneira que Hegel compreende o papel da filosofia, enquanto saber do absoluto, e seu método, que propõe uma reflexão que considera o movimento histórico e da razão como os dois lados de uma mesma moeda. Assim sendo, podemos nos encaminhar para a problemática central por nós proposta, ou seja, a compreensão Hegeliana de Estado e Sociedade Civil.

2. Sociedade Civil em Hegel

Hegel foi o primeiro a desenvolver uma conceitografia em torno do termo Sociedade Civil e a estabelecer os limites existentes entre esta e o Estado, ou seja, foi o primeiro a pontuar a diferença existente entre Estado e Sociedade Civil preocupando-se em destacar a cada instância sua própria esfera de ação.

Assim, temos que a filosofia política de Hegel, “filosofia do espírito objetivo” ou “filosofia do direito”, apresenta-nos uma organização sistemática da ação humana e de suas obras na história: as “objetivações” do espírito. A ação do homem articula-se, segundo Hegel, em três níveis: família, sociedade civil e Estado. Este último apresenta-se como expressão suprema da liberdade, isto é, para Hegel o Estado emerge como o bojo de realização do indivíduo. De

(4)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

55

modo que este representa a união entre a vontade universal e essencial com a vontade subjetiva. Consoante Hegel,

Este ser essencial é a união da vontade subjetiva com a vontade racional, é o conjunto moral, o Estado. É aquela forma de realidade em que o indivíduo tem e goza de sua liberdade, mas na condição de conhecer, acreditar e desejar o universo (...) a ideia é a energia interior da ação, o Estado é a vida que existe externamente, autenticamente moral. Ela é a união da vontade universal e essencial com a vontade subjetiva e, como tal, ela é Moral (HEGEL, 1990, p, 88).

Dito isto esclarecemos e demarcamos o papel do Estado em relação a sociedade civil considerando o escopo teórico de Hegel. Assim, temos que toda ação humana é movida por interesses dirigidos à obtenção de bens específicos. Sem interesse não há ação. O que caracteriza e diferencia a sociedade civil e o Estado é, para Hegel, a natureza, particular ou geral, do interesse que move os homens à ação ou do bem que buscam por meio dela.

As ações que derivam de um interesse particular dão origem à sociedade civil.

E se inscrevem nela. Por outro lado, o Estado é produto de uma ação que obedece ao interesse geral de toda a coletividade. Dirige-se ao bem universal.

Este princípio de distinção entre sociedade civil e Estado é, de um ponto de vista puramente metodológico, útil para estabelecer a diferença entre o social e o político. Hegel denomina a sociedade civil, também, de “sistema das necessidades”. Surge da dinâmica imposta pela satisfação das necessidades particulares. A ação que conduz das necessidades à sua satisfação gera um fluxo de nexos recíprocos entre os homens e cria um nível específico de interação e comunicação: a sociedade civil. Nas palavras de Hegel:

A Sociedade civil-burguesa contém os três momentos: A. A mediação dos carecimentos e a satisfação do singular mediante o seu trabalho mediante o trabalho e a satisfação dos carecimentos de todos os demais,[é] o sistema dos carecimentos. B. A efetividade do universal da liberdade aí contido, a proteção da propriedade mediante a administração do direito. C. A prevenção contra a contingência que permanece nesses sistemas e o cuidado do interesse particular como algo comum mediante a administração pública e a corporação.

[§188] (HEGEL, 2010, p.193 – grifo nosso).

De modo que para Hegel se impõe nesse contexto a necessidade individual, a questão da propriedade e do trabalho. Para o filósofo de Berlim é graças à propriedade que o indivíduo se insere no corpo social e jurídico.

(5)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

56

Emerge, portanto, a propriedade como momento destacado do desenvolvimento do espírito humano, pois a mesma destaca-se como porta de inserção dos indivíduos na vida legal. Hegel entende que, nesse contexto, o indivíduo necessita trabalhar para satisfazer suas necessidades e incrementar sua propriedade. Contudo, ninguém pode satisfazer sozinho, mediante seu próprio trabalho, todas as suas necessidades. Assim, o que produz e possui, necessita do outro e vice-versa.

Assim, temos que todos passam a carecer dos produtos do trabalho alheio. Desse modo, através do mercado, desenvolvem-se vínculos de interdependência generalizada entre todos os membros de uma coletividade.

Esse sistema de interdependência é dinâmico. O trabalho transforma permanentemente os meios de satisfação das necessidades, as mercadorias (tanto os “meios de produção” quanto os bens de consumo). Estes, por sua vez, vão modificando as necessidades. Engendra-se, então, uma dialética permanente entre trabalho, meios de satisfação e necessidades (e entre oferta e procura, segundo os economistas), que confere peculiar dinamismo à sociedade civil1. A produção, a distribuição, o intercâmbio e o consumo de mercadorias, objeto da economia política clássica, configuram este sistema que põe as necessidades de uns em conexão com os meios para satisfazê-las, possuídos por outros.

De acordo com o tipo de atividade econômica que desempenha, a população se divide, segundo Hegel, em três grandes “massas” ou “classes”.

Obviamente seu conceito de classe pouco tem a ver com o de Marx2 e se aproxima mais ao de estamento da sociedade medieval. As três classes, ou estamentos, são: a substancial, formada pelos agricultores: a geral, constituída pela burocracia do Estado; e a intermediária ou dos industriais.

Para Hegel, cada um desses estamentos oferece uma contribuição específica à satisfação das necessidades sociais. Tem sua identidade, seus

1 Para Marx, a compreensão é outra, pois, tanto as necessidades quanto os meios para satisfazê-las são produto do trabalho coletivo, são um produto “social” e não meramente natural.

2 Em Marx, a noção de classe, emerge como outro contraponto a Hegel, já que para este, os estamentos são complementares, enquanto que, para Marx, as classes sociais são antagônicas.

(6)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

57

próprios costumes e sua ética. A identidade de cada estamento, e seu caráter complementar, é um elemento fundamental da coesão e da coerência da sociedade civil hegeliana.

A este ponto, nosso objetivo primeiro de definir a Sociedade Civil em Hegel parece estar minimamente realizado, na medida em que a reconhecemos como o momento intermediário entre a família e o Estado, representando esta, na categoria da Eticidade; o momento negativo, ou seja, a fase do desenvolvimento histórico em que ocorre a dissolução da unidade familiar (SOARES, 2009, p. 133). Por conseguinte podemos concluir sobre a sociedade civil em Hegel que:

a) O primeiro princípio da sociedade civil é a pessoa concreta com suas necessidades e busca de satisfação da mesma via trabalho;

b) O segundo princípio é a Universalidade, que deriva do primeiro, uma vez que a particularidade, em busca de satisfazer seu egoísmo, entra em relação com outras particularidades. Sendo esta a condição de efetivação de seus fins.

c) Na sociedade civil cada um é um fim para si – embora almeje o outro, que aparece como meio para efetivação dos fins desejados, o que acaba por gerar uma dependência universal.

d) O homem da sociedade civil ainda não é o homem racional, é o homem do trabalho, em virtude da necessidade. Por isto, a sociedade mantém uma relação finita, própria do entendimento, isto é, unidade externa e não interna das pessoas. Cada indivíduo é tido como fim e isto é específico da esfera econômica – pelo qual o diverge da esfera política.

e) O homem é ser carente que produz e consome.

f) No tocante à dimensão política, o homem é um ser portador de direitos universais, não existindo um direito natural. Portanto, todo direito é positivo “o sujeito do direito não é um homem natural, mas o homem do mundo da cultura que alcança o reconhecimento universal” (VAZ, 1979, p. 29).

(7)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

58

g) É o momento que antecede a realização da Razão e da Liberdade: o Estado.

3. O Estado em Hegel

Hegel pretendeu restabelecer o reinado da razão, uma razão ampliada, na qual coubessem todas as obras da criação do espírito humano – arte, religião, cultura, sistemas políticos – na história, cujo sentido específico ele procurava discernir. Na expressão de Châtelet, “a razão, que até então era da ordem do discurso, ou dessa ou daquela pessoa privada, tornava-se apanágio da sociedade inteira” (CHÂTELET, 1994, p. 116). Châtelet explicitou o porquê de falar desse apanágio. Antes dos gregos os homens eram homens, mas viviam sem pensar na liberdade; o conjunto da população era dominado, embora houvesse entre eles alguns homens livres, os chefes (CHÂTELET, 1994, p. 114). Para Hegel, a razão serviu de instrumento de compreensão entre esses diversos homens livres, sendo assim construído o projeto do discurso racional. Mas, sobreveio a decadência dessa tese (gregos), e se afirmou a antítese como superação (os romanos). E foram sucedendo diferentes superações. Esse devir, o devir como tal, é essencialmente dramático: para desempenhar o seu papel na história, um povo é até mesmo obrigado a vencer pela violência a figura que o precede. Assim que, finalmente, com o herói, Napoleão Bonaparte, e com as transformações após o seu fracasso, estabeleceu-se o Estado moderno (CHÂTELET, 1994, p. 114-6).

Segundo Hegel, o Estado moderno é a realização da razão - razão, agora, como apanágio da sociedade inteira3. Essa razão na qual se inscreve o Estado garante a esse um aspecto globalizante, na medida em que acolhe os interesses particulares no interior de sua universalidade. Emerge aqui a liberdade como característica fundante do Estado Hegeliano. Liberdade esta que no Estado acolhe a particularidade da sociedade civil no bojo universalizante do Estado. Consoante Hegel,

3 Aqui nos apoiamos nas reflexões do Prof. Dr. Antônio Marques do Vale, no seu texto “O Estado em Hegel, Dewey e Erasmo Pilloto”, publicado na Revista HISTEDBR da Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR.

(8)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

59

O Estado é a efetividade da liberdade concreta; mas a liberdade concreta consiste em que a singularidade da pessoa e de seus interesses particulares tenham tanto seu desenvolvimento completo e o seu reconhecimento de seu direito para si (no sistema da família e da sociedade civil-burguesa), como, em parte, passem por si mesmos ao interesse do universal, em parte, com seu saber e seu querer, reconheçam-o como seu próprio espírito substancial e são ativos para ele como seu fim último, isso de modo que nem o universal valha e possa ser consumado sem o interesse, o saber e o querer particulares, nem os indivíduos vivam meramente para esses últimos, enquanto pessoas privadas sem os querer ao mesmo tempo, no e para o universal e sem que tenham uma atividade eficaz consciente desse fim. O princípio do Estado moderno tem esse vigor e essa profundidade prodigiosos de deixar o princípio da subjetividade completar-se até o extremo autônomo da particularidade pessoal e, ao mesmo tempo, o reconduz para a unidade substancial e, assim, mantém essa nele mesmo [§260] (HEGEL, 2010, p. 235-236).

Para Hegel, o Estado de Napoleão era a realização da razão. Contudo, além do de Princípio da filosofia do direito, a cima citado, podem elencar outro que caminha na mesma direção ao indicar os cuidados tanto por pensar a universalidade e o absoluto como por considerar a particularidade. Alcançava ele um equilíbrio melhor, dir-se-ia capaz de corrigir a pura imposição estatal, implicada em saber absoluto ou em verdade, concentrados numa forma de Estado:

Frente às esferas do direito privado e do bem-estar privado, da família e da sociedade civil-burguesa, o Estado é, de uma parte, uma necessidade exterior e seu poder superior, cuja natureza de suas leis, assim como seus interesses estão subordinados e são dependentes dela; mas, de outra parte, ele é seu fim imanente e possui seu vigor na unidade de seu último universal e do interesse particular dos indivíduos, no fato de que eles têm obrigações para com ele, na medida em que eles têm, ao mesmo tempo, direitos [§261] (HEGEL ,2010 p. 236 – grifo nosso)

Na “Filosofia do Direito” de Hegel, o Estado aparece como o fim da atividade da vida ética de uma comunidade (que une família e sociedade civil).

Em outras palavras, a forma estatal tem primazia ontológica enquanto

“efetividade da vontade substancial, efetividade que ela tem na autoconsciência particular erguida à universalidade do Estado”. Desse modo, o conceito de Estado não surge somente como aparato institucional, mas como a forma que efetiva a realização social (finita) plenamente – isto é, que agrega toda a vida ética. Consoante Hegel:

O Estado é a efetividade da ideia ética, - o espírito enquanto vontade substancial manifesta, nítida a si mesma, que se pensa e se sabe e realiza o que sabe e na medida em que sabe. No costume, ele [o

(9)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

60

Estado] tem sua existência imediata e, na autoconsciência do singular, no saber e na atividade do mesmo, a sua existência mediada, assim como essa, mediante a disposição de espírito nele [o Estado], como sua essência, seu fim e seu produto de sua atividade, tem sua liberdade substancial [§257] (HEGEL, 2010, p. 229).

Daí decorre que a “realidade da ideia ética” nada mais é senão a unidade dos dois momentos fundamentais: a autoconsciência do indivíduo e o mundo objetivo, isto é, das leis e das instituições. Trata-se então de uma complementariedade em que o indivíduo particular, superando o mundo dos interesses particulares se eleva à universalidade, passando a ter interesses não só particulares, mas também universais, os quais terão lugar de primazia nas diferentes esferas da vida coletiva (cf. SOARES, 2009, p. 182). Contudo, cabe esclarecer que tal elevação à universalidade só é possível se considerarmos um respeito pela subjetividade, que, segundo a Professora Marly Soares, emerge como fruto do Estado moderno. Nessa perspectiva é necessário o reconhecimento do direito dos indivíduos e de seus interesses particulares. Contudo, a pessoa deve superar sua particularidade e ser reintegrada na substância universal. Pois, somente no “Estado é que a razão se torna auto-consciente. Uma norma válida para todos. Por isso, o Estado em- si e para-si é todo ético, a efetuação da liberdade, o espírito realizado no mundo” (SOARES, 2009, p. 183).

Hegel encarou o problema da representação política moderna ao trazer para a definição estatal a perspectiva de agregar as liberdades subjetivas (individuais) na vontade substancial universal (o Estado): trouxe a ideia de uma suprema autoridade pública que, mediante as instituições, as leis e as ações, efetivam o equilíbrio das formas de eticidade. Isto lhe deu base para ajuizar que todo direito natural (jus-naturalismo) é, na verdade, resultado de movimentos de objetivações na História, e não a partir de um contrato social, como pensou Locke e Hobbes, por exemplo.

Na obra Filosofia do Direito, Hegel elucida a posição do Estado dentro de seu idealismo especulativo buscando demonstrar a efetividade do Estado e apresentado este como liberdade suprema. Nas palavras de Hegel

O Estado, enquanto efetividade da vontade substancial, que ele tem na autoconsciência particular elevada à sua universalidade, é o racional em si e para si. Essa unidade substancial é um autofim

(10)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

61

imóvel absoluto, em que a liberdade chega a seu direito supremo, assim como esse fim último tem o direito supremo frente aos singulares, cuja obrigação suprema é ser membro do Estado [§258]

(HEGEL, 2010, p. 230).

Hegel critica a ideia do Estado como constituição de ‘muitos’, de

‘multidão’, de comunidade amorfa, que caracterizaria uma visão não-política da liberdade individual abandonada “à contingência subjetiva da opinião e da arbitrariedade”. Contra esta ideia Hegel afirma o Estado político como o espírito objetivo (a liberdade concreta)4. Entendemos, pois, que ao tratar da liberdade em Hegel, nesse contexto, não estamos autorizados a deduzir individualidades, na medida em que estas se inscrevem no contingente espaço de opiniões e desejos arbitrários, ao contrário, deveremos entender a liberdade enquanto essência da autoconsciência, que é a razão e, nesse sentido, “o Estado aparece como efetuação da razão e da liberdade (...), Eis porque pertencer ao Estado não é algo facultativo, mas uma destinação por natureza- como já anunciaria Aristóteles. O Estado é, pois um organismo ético” (SOARES, 2009, p. 184-185).

4. O Estado um organismo Completo

Hegel desenvolve um debate com a tradição para marcar posição em torno do que seja o Estado e qual sua origem. Assim, enfrenta o contratualismo moderno, negando que o Estado tenha se constituído na base de um contrato das vontades que deliberam sobre qual a melhor condição de se viver nessa forma de instituição. Hegel sustenta que os Jusnaturalistas perseguiram a ideia de Estado Razão, mas não chegaram a perscrutar o sentido verdadeiro do Estado, e, por muitas vezes, o confundiram com a Sociedade Civil, resultante do estado de natureza. Hegel não admite a concepção de Estado como associação voluntária de indivíduos, fundada no contrato, mas a “unidade orgânica de um povo”.

4 Uma vez que medeiam suas autoconservações (moralidades) por meio das relações com as outras pessoas jurídicas (sociedade civil) no Estado, os indivíduos só têm objetividade, verdade e eticidade enquanto membro do Estado.

(11)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

62

Assim, dizer que o Estado é um organismo equivale a afirmar que ele é desenvolvimento da “ideia” em suas diferenças (cf. SOARES, 2009, p. 186).

Temos, pois, que seu existir e suas relações estão centradas na atividade de seus membros particulares, os quais engendram e conservam o todo. Assim, concluímos que o Estado tem sua realidade exposta na seguinte fórmula : que o interesse do Todo se realize na particularidade dos fins. Como nos Explica Manfredo Oliveira:

Estados e cidadãos constituem uma unidade orgânica, sem preocupação de quem seja meio ou fim. Como totalidade, O Espírito é aquele espaço racional, no qual o homem, cada qual a seu modo, individualmente, pode existir racionalmente (OLIVEIRA, 1984 apud SOARES, 2009, p.186).

Cabe, por fim, destacar dois elementos centrais para compreensão do Estado em Hegel, a saber:

1. Não devemos confundir o Estado pensado por Hegel com o Estado empírico, pura e simplesmente, pois tal redução incorre na melhor das intenções em grave risco, haja vista ficarmos presos aos aspectos singulares do Estado empírico, que nos impede de captar

“o organismo vivo do próprio Estado”. De modo que:

Assim, como o indivíduo mais feio, criminoso, ignorante, não deixa de ser homem; assim também o Estado mais imperfeito é ainda o Estado, pois a essência do Estado real não é ser perfeito. Ele está no mundo, sujeito às arbitrariedades, mas qualquer desfiguração é sempre modalidade de uma forma fundamental da ideia de Estado (SOARES, 2009, p. 186-187)

2. O Estado é a realidade efetiva da liberdade concreta, contudo, nos esclarece Marly Soares que para que esta liberdade se concretize é necessário uma relação dialética entre indivíduo e Estado, isto é, o Estado reconhecer os direitos do indivíduo de levar um vida privada (família) e de exercer uma profissão livremente escolhida (Sociedade Civil). Mas, por outro lado, o indivíduo reconhecer o Estado como seu fim imanente. Em outras palavras, que ele não veja os interesses do Estado como distintos dos dele e vice-versa:

de modo que nem o universal valha e possa ser consumado sem o interesse, o saber e o querer particulares, nem os indivíduos vivam meramente para esses últimos, enquanto pessoas privadas, sem os querer, ao mesmo tempo, no e para o universal e sem que tenham

(12)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

63

uma atividade eficaz consciente desse fim [§260] (HEGEL, 2010, p.

235-236).

5. Considerações finais

Com a discussão em torno do Estado e da Sociedade Civil em Hegel não pretendemos esgotar o assunto, ao contrário, nosso papel é o de estimular o debate, sendo mais uma tentativa de provocação ao entendimento do que Hegel nos quis passar.

Assim, entendemos que esclarecer o papel da sociedade civil como esse momento anterior ao Estado, em que o homem vive lincado ao trabalho, na busca da satisfação de suas necessidades, esclarece-nos o quanto em Hegel o papel político da Sociedade Civil está reduzido, na medida em que esta se inscreve na lógica da interdependência de todos para com todos, de modo que sua liberdade efetiva então não pode ser reconhecida, já que não há uma identificação entre o interesse particular e o interesse geral. Nesse sentido, a sociedade civil representa a eticidade perdida em seus extremos. Aqui sua finalidade é colocada na segurança e na proteção da propriedade e da liberdade pessoal.

De modo que apenas no Estado é que o indivíduo encontra sua liberdade efetiva, pois esse carrega consigo a forma mais ampla da eticidade, este resume e supera em si as formas precedentes da sociabilidade humana.

Por fim, o Estado em Hegel nada mais é do que a efetividade da idéia ética, isto é, a unidade da universalidade e da particularidade, através do Direito.

Referências

CHÂTELET, F. Uma história da razão: entrevistas com Émile Noël. Trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

HEGEL, G. W. F. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Paulo Meneses et. al.

São Leopoldo: Ed. Unisinos, 2010.

______. A Razão na História. Trad. Beatriz Sidou. São Paulo. Ed. Moraes.

1990

(13)

Revista Helius

ISSN 2357-8297 Ano 1 n. 1 Jul-Dez 2013 p. 52-64

Página

64

MONDIM, Battista. Curso de Filosofia - V.3. Trad. Bênoni Lemos. São Paulo:

Ed. Paulinas, 1987.

SOARES, Marly Carvalho. Sociedade Civil e Sociedade Política em Hegel.

Fortaleza: EdUECE, 2009.

VAZ, H. C de Lima. Sociedade Civil e Estado em Hegel. In: Síntese, n. 19, p.

21-29, 1979.

Referências

Documentos relacionados

tomarmos a filosofia como filosofar, como processo em que o questio namento se instaura para compreender o sentido da realidade, a retomada é essa volta à realidade para, diante de

É primeiramente no plano clínico que a noção de inconscien- te começa a se impor, antes que as dificuldades conceituais envolvi- das na sua formulação comecem a ser

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

O objetivo do curso é promover conhecimentos sobre as técnicas de gerenciamento de projetos, melhorando assim a qualidade do planejamento e controle de obras, visando proporcionar

A sintomatologia depressiva atinge de forma transversal a comunidade estudantil universitária, no entanto jovens sem prática regular de actividade física e do

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

A Área de Relevante Interesse Ecológico Laerth Paiva Gama, ou simplesmente ARIE Laerth Paiva Gama, foi convertida de Horto Florestal para ARIE em 28 de dezembro de

Como os programas de pós-graduação não contemplam a formação docente de seus alunos (futuros professores do Ensino Superior), o investimento nessa formação, quando existe, acaba