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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO ATUAÇÃO DO DELEGADO DE POLÍCIA NO

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

ATUAÇÃO DO DELEGADO DE POLÍCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

MARIA GABRIELA CAMPOS SILVA

NITERÓI- RJ 2021

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MARIA GABRIELA CAMPOS SILVA

ATUAÇÃO DO DELEGADO DE POLÍCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Dennis Aceti Brasil Ferreira

NITERÓI - RJ 2021

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Ficha catalográf ica automática - SDC/BFD Gerada com inf ormações f ornecidas pelo autor

S586a SILVA, Maria Gabriela Campos

ATUAÇÃO DO DELEGADO DE POLÍCIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO / Maria Gabriela Campos SILVA ; Dennis Aceti Brasil FERREIRA, orientador. Niterói, 2021. 45 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Direito, Niterói, 2021.

1. DELEGADO DE POLÍCIA. 2. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. 3. DIREITOS FUNDAMENTAIS. 4. POLÍCIA.

5. Produção intelectual.

I. FERREIRA, Dennis Aceti Brasil, orientador. II.

Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito. III.

Título.

CDD -

Bibliotecário responsável: Debora do Nascimento - CRB7/6368

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Dedico a Deus pelo seu amor incondicional, por sua misericórdia e por cuidar de cada detalhe da minha vida com suas bençãos e promessas.

Dedico a minha família, especialmente, a minha mãe Rita e ao meu falecido pai Carlos, pelo total apoio nessa árdua e vitoriosa caminhada. Dedico também aos meus colegas e professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, por terem sido essenciais a minha formação. Enfim, muitíssimo obrigada a todos!

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AGRADECIMENTOS

Mais uma etapa concluída, mais um trecho dessa longa jornada chamada

“vida” que se encerra. E, diante de tudo o que está acontecendo, percebo o quão dependente sou de Deus, sem Ele nada seria possível. Dele vieram as forças para enfrentar as lutas de cada dia, para não desistir, mesmo quando parecia não haver mais solução nem saída. Por isso, sou muito grata ao único Autor e Consumador da minha fé, Jesus Cristo, por cuidar de cada detalhe da minha trajetória e por me proporcionar essa vitória.

Agradeço também a minha família, aquela que sempre me incentivou e intercedeu por mim, me animando para prosseguir, em especial a minha mãe Rita, e ao meu falecido pai Carlos. Sou grata pelas vezes nas quais tiveram que compreender minha ausência nos momentos em que o lazer foi colocado um pouco de lado, para dar lugar a dias e noites de estudo. Me fortaleceram com palavras e gestos, em meio a lágrimas e sorrisos, trazendo a minha memória aquilo que me daria esperança.

Obrigada aos meus amigos, que estiveram do meu lado, em todo tempo me lembrando que valeria a pena o esforço. Eles também ouviram muitos “nãos” da minha parte, mas souberam entender que era por um bom motivo. Grata sou também aos meus colegas e professores da Universidade Federal Fluminense (Campus Niterói), os quais foram fundamentais para meu aprendizado e crescimento.

Grata sou ao Professor Doutor Dennis Aceti Brasil Ferreira, que prontamente aceitou ser meu orientador no presente trabalho.

Da universidade para a vida, sabendo que Deus está a escrever a minha história!

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RESUMO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso teve como espoco o estudo do cargo de Delegado de Polícia dentro de uma perspectiva do Estado Democrático de Direito. Partindo da análise do surgimento do cargo, passando pelo Estado Autoritário até chegar ao Estado Democrático de Direito. Fez-se necessário observar os aspectos da história do direito, pertinente a origem e conceito de

“Delegado de Polícia” e as influências autoritárias do Código Processual Penal Brasileiro, bem como analisando o sistema de busca da verdade real. Na segunda parte é estudado a atuação do cargo de Delegado de Polícia de acordo com o Estado Democrático de Direito, analisando uma maior proteção aos direitos fundamentais e aplicando princípios constitucionais. Podendo melhor compreender o papel do Delegado de Polícia como primeiro garantidor dos direitos fundamentais.

Palavras-chave: Delegado de Polícia. Estado Democrático de Direito. Investigação Policial. Direitos Fundamentais. Polícia.

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ABSTRACT

This Course Conclusion Work had as its scope the study of the position of Police Chief from the perspective of the Democratic Rule of Law. Starting from the analysis of the emergence of the position, passing through the Authoritarian State until reaching the Democratic State of Law. It was necessary to observe aspects of the history of law, pertinent to the origin and concept of “Police Officer” and the authoritarian influences of the Brazilian Criminal Procedure Code, as well as analyzing the system of search for the real truth. In the second part, the role of the Police Chief in accordance with the Democratic Rule of Law is studied, analyzing greater protection of fundamental rights and applying constitutional principles. Being able to better understand the role of the Police Chief as the first guarantor of fundamental rights.

Keywords: Police Chief. Democratic state. Police investigation. Fundamental rights.

Police.

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SUMÁRIO

Introdução ... 8 Capítulo I: Atuação do delegado de polícia e razões de Estado

1.1 Do surgimento da figura do Delegado de Polícia e suas atribuições investigativas no Brasil ... 11 1.2 Da investigação Criminal e o sistema de busca da verdade real ... 16 1.3 Da Investigação Criminal e as inspirações autoritárias do atual Código de

Processo Penal Brasileiro ... 20 Capítulo II: Investigação criminal e os Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito

2.1 A Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito ... 25 2.2 O papel do Delegado de Polícia como primeiro garantidor dos direitos

fundamentais...

2.3 O Delegado de Polícia inserido como dispositivo democrático no aparelho policial do Estado ... 35 CONCLUSÃO ... 39 REFERÊNCIAS ... 43

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INTRODUÇÃO

A temática proposta neste trabalho é pautada no estudo da essência do cargo do Delegado de Polícia e a sua função primordial como primeiro garantidor da legalidade e da justiça. Analisando suas atribuições no sistema criminal brasileiro, sob a ótica das garantias fundamentais do cidadão e da igualdade na persecução penal .

Certamente o cargo de Delegado de Polícia, como as carreiras policiais em geral, é alvo de severas críticas por conta dos mais diversos regimes autoritários em que o sistema brasileiro passou, contribuindo para a construção de uma imagem de um policial que atua rotineiramente violando direitos fundamentais e garantias constitucionais de altíssima relevância.

Nesse contexto, o presente estudo tem como núcleo principal estudar a atuação do Delegado de Polícia nos termos da Constituição Federal de 1988, observando os dispositivos legais pertinentes, como a lei 12.839/13, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, bem como realizar uma análise do Código Processual Penal Brasileiro, buscando compreender a origem e a forma como a investigação criminal era conduzida e mostrar o que mudou ao longo de tantas mudanças sociais.

O Delegado de Polícia é o chefe da Polícia Investigativa e tem a missão de presidir o inquérito policial, visando à apuração das infrações penais. Dessa forma é de suma importância a compreensão dessa etapa mais sensível da atividade estatal de persecução criminal, que é a investigação criminal, e que muito embora seja vista pela doutrina clássica como um papel secundário, exatamente por ter como uma de suas características a dispensabilidade, seu objetivo não é o de apenas apurar as circunstâncias, materialidade e autoria das infrações penais, mas também de trazer ao caso concreto uma garantia contra apressados e errôneos juízos.

O presente trabalho divide-se em dois capítulos. No primeiro será abordada a atuação do Delegado de Polícia partindo do Estado Autoritário até chegar ao Estado Democrático de Direito. Analisando o surgimento da figura do Delegado de Polícia e suas atribuições investigativas no Brasil, estudando as inspirações autoritárias que originaram o Código de Processo Penal Brasileiro e a famigerada busca da verdade real em

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detrimento dos direitos fundamentais individuais, até chegar ao sistema que temos hoje, pautado no Estado Democrático de Direito, com os princípios e garantias constitucionais.

A Constituição Federal de 1988 adotou o sistema acusatório, contudo, ao observar a estrutura do inquérito policial é nitidamente notado características inquisitivas, tudo isso na cega luta pela busca da verdade real, revelando o típico sistema inquisitivo, uma vez que podem vir a ser empregadas práticas abusivas e autoritárias.

Sob essa perspectiva, no segundo capítulo serão examinados os preceitos da investigação criminal e os direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito, buscando-se compreender a investigação policial pautada na ordem constitucional, bem como a influência dos princípios constitucionais aplicando ao cenário policial.

Os questionamentos que direcionam este trabalho gravitam em torno do papel do Delegado de Polícia dentro de uma ótica democrática - como são vistos dentro do sistema de persecução penal e os direitos fundamentais que devem ser respeitados, observando sua real atuação na sociedade. Buscando-se, assim, compreender como opera o Delegado de Polícia, que deve ser visto como uma carreira híbrida, tratando-se de uma autoridade policial e ao mesmo tempo carreira jurídica, ou seja, um cargo jurídico-policial O método de trabalho utilizado será o dedutivo, em pesquisa teórica e qualitativa com emprego de material bibliográfico de diversos estudiosos sobre o assunto. Este estudo foi embasado na identificação das pesquisadoras e pesquisadores que se relacionam com a temática, bem como na tese de diversos Delegados de polícia, que relataram seus inconformismos de maneira muito acertada e construindo um verdadeiro conhecimento jurídico, a fim de sanar essa lacuna literal sobre o tema.

Por fim, resta imprescindível o aprofundamento dos estudos sobre a temática apresentada, uma vez que se mostra extremamente ineficaz a visão anterior a consagração da Constituição de 1988, no qual a atuação de forma abusiva e autoritária adotada pelo Código Processual Penal conforme as ideologias da época, buscando apenas o combate criminalidade. Assim, necessita-se de uma releitura constitucional sobre a atuação do delegado de Polícia, observando os novos paramentos da Constituição e defendendo a aplicação dos princípios constitucionais, a fim de melhor proteger os direitos fundamentais individuais.

Destarte, mostra-se de extrema importância a compreensão do papel do Delegado

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de Polícia e sua atuação sob a luz da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no sentido de refletir a concepção de uma devida investigação criminal como garantidor dos direitos fundamentais do indivíduo diante do poder punitivo Estatal. Faz- se necessário, também, dar efetividade ao modelo de polícia nos moldes do Estado Democrático de Direito adotado pela Constituição de 1988, além de destacar a importância do inquérito policial e sua finalidade sob u ma concepção garantista em relação ao investigado, bem como as funções da Polícia Judiciaria como órgão que garante e efetiva os direitos de toda a população.

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-CAPÍTULO I: ATUAÇÃO DO DELEGADO DE POLÍCIA DO ESTADO AUTORITÁRIO AO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

1.1 Do surgimento da figura do Delegado de Polícia e suas atribuições investigativas no Brasil

Certamente não poderia começar o presente trabalho, sem antes, buscar entender a gênesis do papel do Delegado de Polícia no Brasil, pode-se falar que a partir da chegada da Corte Portuguesa ao país que o conceito da palavra Delegado surgiu .

Segundo ensinamentos do Mestre e Delegado de Polícia do Rio de Janeiro Wilson Luiz Palermo Ferreira:

Antes disso, não havia, efetivamente, uma instituição policial com capacidade para realizar atividades investigativas, ainda que estivessem sob as ordens de um magistrado1.

O ano de 1808 foi registrado como o momento de criação e de formação da Polícia no Rio de Janeiro. Ferreira escreve que, “À época, a cidade ainda vivia sob a égide da escravidão e o ambiente era considerado perigoso e hostil.”2

A partir disto, foi trazido de Portugal a instituição chamada de Intendência Geral de Polícia, cuja chefia era desempenhada por um desembargador, nomeado Intendente Geral de Polícia e com status de ministro de Estado.3

Esta Intendência ficou responsável por garantir a segurança e vigilância da

1 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Percepção dos Aspectos Analíticos do Delito na Atuação concreta do Delegado de Polícia. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. P. 44.

2 Ibidem. p. 45.

3 PERAZZONI, Franco. O DELEGADO DE POLÍCIA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO: DAS ORIGENS INQUISITORIAIS AO GARANTISMO PENAL DE FERRAJOLI. Disponível em:

http://amdepol.org/arquivos/ARTIGO_FRANCOPERAZZONI.pdf 66b1c.pdf. Acesso em: 25 f ev. 2021.

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população, bem como assegurar a ordem pública, investigando e capturando criminosos, que de acordo com Holloway:

“tinha como poderes decidir sobre os comportamentos a serem considerados criminosos, estabelecer a punição que julgasse apropriada e então prender, levar a julgamento, condenar e supervisionar a sentença dos infratores”4.

Segundo Ferreira, “Foi estabelecida inicialmente na cidade do Rio de Janeiro e posteriormente o modelo foi levado às capitais das demais províncias.”5

Outra informação importante, foi em relação a criação de dois cargos de “juiz do crime”, através de Alvará6, para assessorar o Intendente Geral no Rio de Janeiro, onde desempenhavam tanto a função policial quanto a judicial7. Por isso Holloway aduz que “a associação das funções judicial e policial, baseada nos princípios que orientaram o sistema colonial, data da fundação das instituições policiais no Rio de Janeiro”8.

Perazzoni assevera que:

Dadas as peculiaridades e extensão do território nacional, o intendente podia autorizar outra pessoa a representá-lo nas províncias, surgindo desta atribuição o uso do termo "delegado" no Brasil. Este “delegado”

exercia, contemporaneamente, funções típicas de autoridade policial (tanto administrativa como

4 HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade no século XIX.

Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1997. p.

46. Título original: Policing Rio de Janeiro: repression and resistance in a 19th-century city.

5 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo, op. Cit., nota 01, p 45.

6 Brasil, Alvará de 27 de junho de 1808. Colecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. P. 65-67.

7 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo, op. Cit., nota 01, p 46.

8 HOLLOWAY, Thomas H., op. cit., nota 04, p. 46.

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investigativa) e judiciais.9

De acordo com Roberto Kant de Lima10, “estas autoridades policiais são chamadas tradicionalmente de delegados porque exercem sua autoridade em nome dos poderes Judiciário e Executivo: são investidos de poderes “delegados”.

“Justamente por força destas situações surge o conceito de “Delegado de Polícia””, de acordo com Ferreira11.

Passaram-se os anos e em 1827 foram criados os juízes de paz, que nos dizeres de Maria da Gloria Bonelli (2003, p. 6-7)12:

(...) introduziu o juiz de paz previsto na Constituição de 1824, com atribuição policial e judiciária, e extinguiu os delegados de polícia. A principal diferença entre os delegados de polícia e os juízes de paz vinha da origem da autoridade judicial. Enquanto a autoridade do intendente e do comissário emanava do monarca, a do juiz de paz vinha da eleição na localidade.

A ideia, através desses juízes de paz, era de afastar o poder central da investigação e apuração de ilícitos penais13, bem como separar a função policial da judicial, o que era exercida cumulativamente desde 1807 pela autoridade policial14.

Em 1841 ocorreu a reforma do Código de processo Criminal do Império, com o advento da Lei nº 261 de 0312/1841, que extinguiu a Intendência Geral de Polícia e criou

9PERAZZONI, Franco, op. cit. nota 03, p. 04.

10 LIMA, Roberto Kant de. A Polícia da Cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos. 2. Ed. rev.

Tradução de Otto Miller. Rio de Janeiro: Forense, 1995. P. 02. Título original: Legal theory and judicial practice: paradoxes of police work in Rio de Janeiro city.

11 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo, op. Cit., nota 01, p 47.

12 BONELLI, Maria da Glória, apud PERAZZONI, Franco, op. cit. nota 03, p. 05.

13 PERAZZONI, Franco, op. cit. nota 03, p. 05.

14 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo, op. Cit., nota 01, p 48.

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os cargos de Chefe de Polícia, Delegado de Polícia e Subdelegado de Polícia, cujos Chefes de Polícia deveriam ser escolhidos dentre os desembargadores e juízes de direito, e que os Delegados e os Subdelegados podiam ser nomeados entre juízes e cidadãos respeitáveis.15

Um ano depois, com regulamento nº 120/1842, que segundo Perazzoni, “veio a estabelecer a distinção formal entre Polícia Administrativa e Polícia Judiciária, prevendo dentre as funções desta última prender denunciados, expedir mandados de busca e apreensão, proceder ao corpo de delito e julgar crimes de sua alçada”16, encampando algumas das funções anteriormente exercidas pelos juízes de paz17.

Vale destacar que, foi apenas com o advento da Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871 e do consequente Decreto n. 4.824, de 22 de novembro de 1871, que de acordo com Ferreira:

.... houve a eficaz separação entre as funções policiais e as judiciais, destacadamente o fato de vedar-se às autoridades policiais o julgamento de quaisquer elícitos penais. Nesse mesmo contexto, ficou consagrado no ordenamento pátrio brasileiro o inquérito policial como principal peça de apuração de fatos criminosos.18 Posteriormente, com a Proclamação da República em 1889, além da promulgação da Constituição Federalista de 1891, tornou -se responsabilidade dos Estados-Membros a criação e manutenção das forças policiais.

Até os dias atuais, são observadas linhas gerais do modelo normativo definido em 1871, bem como a manutenção da autoridade policial na tradicional figura dos Delegados de Polícia, bacharéis em Direito, além do inquérito policial que continua como seu principal instrumento de trabalho, na posterior reforma do Código Penal em 1941 (artigos

15 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo, op. Cit., nota 01, p 53 e 54.

16 PERAZZONI, Franco, op. cit. nota 03, p. 06.

17 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo, op. Cit., nota 01, p 54.

18 Ibidem, p. 54 e 55.

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4º a 23 do Decreto Lei 3.689, de 03.10.1941).

Com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, faz-se necessária toda uma nova releitura que envolve a persecutio criminis, sobretudo, o papel que desempenha o Delegado de Polícia, que é de suma importância no cenário processual penal brasileiro.

Como assevera Ferreira19:

Por ocasião do advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a polícia judiciária ganha contornos definidos e podados em comparação ao Regime Militar. O artigo 144 da CRFB/88 trata das polícias em geral, civil, federal e militar, e o parágrafo 4º deste mesmo dispositivo traz as atribuições da polícia civil, quais sejam, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

Hoje, pode-se observar que o termo “delegado” não carrega a efetiva natureza do cargo e origem dos respectivos poderes, sendo muito mais empregado em face da herança histórica e da familiaridade que a população em geral detém20.

Portanto, por expressa disposição constitucional e legal (art. 4º do CPP c/c art.

144 da CF/88), exerce a autoridade policial (Estado-investigação) o delegado de polícia (civil ou federal), ou seja, não mais por “delegação” do antigo Intendente Geral de Polícia (1808) ou dos Chefes de Polícia (1841). Outra mudança substancial é em relação aos Chefes de Polícia (ou diretores-gerais), sendo necessariamente serem integrantes da carreira de delegado de polícia civil ou federal, conforme o caso.

19 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo, op. Cit., nota 01, p 56 e 57.

20 PERAZZONI, Franco, op. cit. nota 03, p. 07.

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1.2 Da investigação Criminal e o sistema de busca da verdade real

Durante os séculos XII e XVIII, ocorreu o chamado período inquisitorial fundado nos ritos e práticas da Igreja Católica, que foram de forte influência sobre as legislações da Europa e absorvidas por diversos países da América Latina como o Brasil.

A inquisição foi marcada pela atuação do Tribunal eclesiástico especial, no qual tinha como uma de suas finalidades a eliminação da heresia, isto é, opiniões, ações ou doutrinas que estavam em desacordo com o ensino católico romano ortodoxo. A igreja católica tinha o apoio do Estado, sendo legitimo meios cruéis para se obter a confissão da heresia pelo acusado, como, por exemplo, a tortura física e psicológica.21

Como bem afirma Rangel:22

“Nesse campo, a perseguição de uma verdade real ou absoluta, enquanto escopo do processo penal, abriu as portas para uma das eras mais sombrias da humanidade, onde, em nome dessa verdade libertadora, dentro de sua perspectiva divina, admitia- se a tortura como meio de obtenção de provas, a confissão como elemento probatório tarifado no mais alto valor e a concentração de atividades de investigação, acusação e julgamento nas mãos da figura do juiz inquisidor. Tudo em nome do alcance dessa verdade, idealizada como um dever sagrado.”

Mesmo nos sistemas processuais acusatórios é comum encontrar os vestígios inquisitivos no processo penal, como núcleo fundante na busca da verdade real, pautando seu exercício no abuso do poder estatal e na mitigação de garantias, com a justificativa de que os “fins justificam os meios”.

21 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 41.

22 Rangel, Carlos Eduardo. Poder Punitivo, Polícia Judiciária e Democracia. Rio de Janeiro, RJ: Freitas Bastos, 2020, pag. 122.

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Como ensina Xavier23:

Em um cenário autoritário, como uma investigação policial com matriz e mentalidade totalmente inquisitiva, há grande concentração de poderes nas mãos do Estado Investigador, em detrimento de reduzida, ou mesmo, em alguns momentos históricos, nenhuma densidade de direitos e garantias fundamentais do investigado, sendo o mesmo objetalizado em nome da “busca da verdade”.

Concebe-se nesse sistema uma espécie de investigação mítica, cuja missão seria revelar a verdade verdadeira, ou seja, a verdade real, os fatos como realmente aconteceram.

Logo, qualquer resultado que fuja ou que não seja a pura realidade do que aconteceu e como aconteceu, constitui um fracasso da investigação e, por consequência, do processo penal.

A intima ligação com que a Inquisição trabalhava como significando a verdade, apresentada como absoluta e inquestionável, faz com que seja assentado na investigação preliminar, especialmente no inquérito policial, o desígnio e a responsabilidade de se extrair uma espécie de verdade plena e absoluta em relação ao fato investigado, sendo isso fruto da permanecia da cultura e mentalidade inquisitorial na doutrina e em parte dos operadores do Direito.24

Conforme leciona Machado25:

O critério que orienta essa atividade persecutória em busca de revelação de segredos e

23 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 38 e 39.

24 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 39.

25 MACHADO, Leonardo Marcondes. Introdução crítica à investigação preliminar. Belo Horizonte:

D´Plácido, 2018, p 58.

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demarcação de responsabilidades não poderia ser outro. Todas as diligências (buscas domiciliares, interceptações telefônicas, prisões temporárias etc.), inclusive as oficiosas, encontrariam justificativa no famigerado “princípio” (sic) da verdade real.

O problema é que gera uma espécie de sistema esquizofrênico, uma vez que em nome dessa busca desenfreada pela verdade real o Estado se hipertrofia e os direitos e garantias fundamentas do investigado se atrofiam, conforme explicado pelo Delegado Xavier26:

...é como se o Estado se dirigisse ao indivíduo e dissesse: - Vou reduzir o grau de densidade dos seus direitos e garantias fundamentais e em alguns casos até mesmo suprimi-los, pois preciso ter uma certeza quase absoluta de que vou te punir de forma justa. Vale dizer, portanto, que o Estado suprime direitos para buscar maior legitimidade para sua punição, sob o argumento de que vai estabelecer com os atos de investigação e, posterior processo, uma espécie de verdade absoluta, a real e, por isso, a punição será justa e devida.

O sistema de busca da verdade foi penetrado no Inquérito policial, através do Código de Processo Penal, pelo direito canônico e com inspiração do modelo italiano fascista. A busca de uma suposta verdade real encontrou respaldo para sua atuação, sendo a busca da confissão para finalizar a investigação o seu principal objetivo. A tendencia em produzir a verdade por meio de práticas persecutórias, caracteriza os regimes autoritários, ditatórias e totalitários.

A mentalidade inquisitorial dos operadores do Direito, fruto da cultura inquisitória impregnada na persecução penal, se mantém viva na teoria e na prática, mesmo diante de um contexto de Estado de Direito, o qual por excelência não deveria admitir lugar para

26 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 41.

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o florescimento de tal prática27.

Nesse sentido demonstra André Luiz Bermudez Pereira28:

Nessa toada, sendo a investigação preliminar eminentemente inquisitiva, o titular da investigação tende a repetir o mantra da “verdade real” a fim de justificar a ofensa a direitos fundamentais do cidadão.

Para além desse fator, a concepção de investigação policial como instrumento de segurança pública e não de justiça criminal reforça o argumento de que a proteção do “cidadão de bem” permite atropelar garantias fundamentais previstas na Carta Magna, justificando práticas autoritárias, para se chegar a

“verdade real” dos fatos, acalmando a opinião pública.

Esse sistema processual e de investigação policial autoritário, fundado na busca da verdade real e absoluta, típico do modelo inquisitivo, estimula violações ao Estado democrático de Direito, sendo certo que acaba na prática não encontrando mecanismos capazes de conter atuações abusivas e autoritárias que podem ocorrer na busca por essa dita verdade real. Nesse sentido, ao longo da história tem se notado o protagonismo do Estado sobressaindo-se aos direitos fundamentais do indivíduo, tornando-se difícil respeitar uma série de limites à atividade probatória.29

27 KHALED JÚNIOR, Salah H. A busca da verdade no Processo penal: para além da ambição inquisitorial.

São Paulo: Atlas, 2013, p 11 e 12.

28 PEREIRA, André Luiz Bermudez. A investigação criminal orientada pela teoria dos jogos. Florianópolis:

Emais, 2018, p. 65.

29 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 46 e 47.

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1.3 Da Investigação Criminal e as Inspirações Autoritárias do atual Código De Processo Penal Brasileiro

No ano de 1930 durante a ditadura fascista de Mussolini na Itália, foi publicado o Código Rocco, possuindo fortes características inquisitivas. Adotou-se no referido código, o sistema misto, que ocorria em duas fases. Segundo o Delegado de Polícia Xavier30:

... na primeira tinha-se o chamado “Juizado de Instrução”, com a inquisitoriedade predominante, sendo nesta fase apresentados elementos de prova que seriam utilizados para julgamento; somente na segunda fase poderiam ser vistos princípios como contraditório, publicidade e presunção de inocência. As provas apresentadas durante a primeira fase não podiam ser contraditadas, o que fazia com que muitas vezes chegassem na fase processual já viciadas em decorrência da forma como haviam sido recebidas.

Neste sentido, partindo do viés autoritário, pode-se observar na estrutura do Código de Processo Penal Brasileiro (CPP) grandes semelhanças com essa ideologia fascista estruturada no código italiano da década de 30.

De acordo com Xavier31, “... as influências autoritárias do Código de Processo Penal Brasileiro podem ser percebidas como decorrentes do próprio Governo da época de sua publicação. Getúlio Vargas instaurou o Estado Novo seguindo a trilha dos regimes ditatoriais, como o salazarista (Portugal) e os regimes totalitários fascistas (Itália e Alemanha.”

Assim, características autoritárias, como presunção de culpa do acusado, prisão sendo a regra, defesa considerada supérflua, mentalidade eminentemente policialesca e antidemocrática, ou seja, transformando a persecução penal em uma verdadeira máquina

30 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura. Constitucionalização da Inves tigação Policial. Rio de Janeiro, RJ:

Freitas Bastos, 2020, p. 23.

31 Idem, op. cit. nota 21, p 25.

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punitiva, sendo inegável que o CPP possua marcas de um regime inquisitorial da história do Brasil e do mundo.32

Conforme ensinamentos de Giacomolli33:

Em 1937, Vargas instaurou uma ditadura sem precedentes na história brasileira, denominada de Estado Novo, o qual perdurou até 1945. Nesse período foi posta em prática uma brutal repressão policial, uma rígida censura à imprensa e uma máquina de propaganda em defesa do regime ditatorial, através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). A Polícia Especial (PE) e as polícias estaduais adquiriram ampla liberdade de ação, sem controles rígidos, prendendo, torturando e assassinando qualquer pessoa que se opusesse ao regime. Em razão do crescimento da economia e dos direitos trabalhistas, o regime recebeu forte apoio popular.

Contudo, as assembleias legislativas e as Câmaras Municipais foram fechadas e o Poder Judiciário subordinou-se ao Poder Executivo.

Dessa forma, as inspirações totalitárias e as características refletiam inegavelmente no processo de formação do Código de Processo Penal Brasileiro, publicado em 1941, somente quatro anos após a instauração da ditadura de Vargas no Brasil. Ou seja, o CPP foi gestado em um regime autoritário da história do Brasil e com inspirações do Código Rocco italiano.

Vale destacar, que o autoritarismo se caracteriza pelo regime político que se opõe ao funcionamento pleno das instituições democráticas e dos direitos e garantias individuais, enquadrando-se num contexto de abuso da ordem constitucional ou exercício

32 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 25.

33 GIACOMOLLI, Nereu José. Algumas marcas inquisitoriais do Código de Processo Penal brasileiro e a resistência às ref ormas. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 1, n. 1, p. 143 - 165, 2015.

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do poder da autoridade, com visíveis marcas de ilegalidade e ilegitimidade de seu exercício ou sua constituição naquela função pública.34

“Trazendo à baila questões como a parcialidade e a subjetividade do fenômeno criminoso e a ausência de neutralidade na persecução penal.” Como expressa Xavier35. A ideologia era atribuir a disciplina e a ordem na sociedade, como dispõe Giacomolli36:

“O fascismo não acreditava na paz, mas na guerra, no combate incessante, na luta, no jogo. O reflexo disso no Processo Penal foi e é representado pelo paradigma da necessidade de combater o acusado, a concepção de que o réu é inimigo do Estado, um inimigo da sociedade. Por isso, deve ser combatido. Guerra, combate, inimigo soavam como palavras de ordem.

Nesse período, neutralizou-se o indivíduo (liberalismo) em face do Estado (fascismo).”

Assim, pela utilização do processo penal como um prolongamento da força do Estado ou até mesmo braço do poder e do autoritarismo, os direitos dos suspeitos, dos investigados, dos acusados foram colocados num segundo plano, sendo tratado como um ser inferior, caracterizado pelo Estado Antidemocrático, mas com a aparência de que tudo estava sendo feito corretamente, transmitindo a ideia do Estado como defensor dos interesses da nação.

Mas não se engane, quando o preso é de um estrato social mais elevado e possui condições econômicas para contrata um bom advogado, o tratamento é dado de forma diferenciada, comparando-se com o preso de poder aquisitivo baixo ou miserável, o chamado preso habitual. Observa-se nesse contexto, o Direito Penal aplicado de forma

34 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op . cit. nota 21, p 28.

35 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 29.

36 GIACOMOLLI, Nereu José. Algumas marcas inquisitoriais do Código de Processo Penal brasileiro e a resistência às ref ormas. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 1, n. 1, p. 143- 165, 2015.

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seletiva, sendo mais repressivo para uns do que para outros.37

Pode-se notar, que tal acepção do autoritarismo apresenta reflexos no Código de Processo Penal até os dias de hoje, é patente observar que as transformações necessárias decorrentes da transição do regime autoritário para o democrático ainda não aconteceram de forma plena.

Nas lições de Rangel38, por óbvio, é notório que a base matricial em que foi forjado o Código de Processo penal não encontra consonância com os ditames trazidos pela nova ordem constitucional democrática, sendo um grande problema no cenário brasileiro marcado por uma grande esquizofrenia legislativa, o que traz significativa repercussão no campo processual-penal. Assim, “o processo penal nada mais é que um termômetro da própria Constituição.”

Com maestria Rangel ensina que:

Desta forma, pode-se concluir que a eventual constatação de um processo penal arbitrário e utilitarista, com abuso de direitos e violação de garantias individuais no âmbito da persecução criminal, reflete a existência de uma ordem constitucional autoritária ou mesmo de um simulacro de constituição.

Por outro via, o reconhecimento de uma estrutura processual equilibrada, com observância de preceitos garantidores e alinhados a um sistema de liberdades, é indicador da consolidação de um projeto constitucional verdadeiramente democrático.39

Assim, conclui-se que é necessário refletir sobre o modelo de polícia preconizado pelo Estado Democrático de direito, no qual o inquérito policial não se resume a um mero

37 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 19.

38 RANGEL, Carlos Eduardo. Poder Punitivo, Polícia Judiciária e Democracia. Rio de Janeiro, RJ: Freitas Bastos, 2020, p 64.

39 RANGEL, Carlos Eduardo. Poder Punitivo, Polícia Judiciária e Democracia. Rio de Janeiro, RJ: Freitas Bastos, 2020, p 19.

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procedimento administrativo, sendo muito além da função preservadora da possível futura instrução criminal, possuindo uma marcante função garantista em relaçã o ao investigado.40

A lei nº 12. 830/2013, trouxe artigos importantes a respeito da investigação criminal conduzido pelo Delegado de Polícia e sua função materialmente constitucional, através de uma interpretação conforme a Constituição Federal de 1988.

40 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 20.

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-CAPÍTULO II: INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

2.1 A Investigação Criminal no Estado Democrático de Direito

O Estado Democrático de Direito caracteriza-se pela atuação do Estado em benefício da coletividade, em que o Poder Estatal é contido pelos direitos fundamentais constitucionais, os quais devem ser sempre tutelados e dilatados.

Conforme concepção de Estado de Direito trazido por Danilo Zolo41:

[...] o Estado de Direito é uma versão do estado moderno europeu, na qual, com base em específicos pressupostos filosófico-políticos, atribui-se ao ordenamento jurídico a função de tutelar os direitos subjetivos, contrastando a tendência do poder político de dilatar-se, de operar de modo arbitrário e prevaricar.

Em termos mais analíticos, pode-se afirmar que o Estado de Direito é uma figura jurídico-institucional que resulta de um processo evolutivo secular que leva à afirmação, no interior das estruturas do Estado moderno europeu, e dois princípios fundamentais: o da

´difusão do poder` e o da ´diferenciação do poder. O princípio da difusão do poder tende a limitar, com vínculos explícitos, os poderes do Estado para dilatar o âmbito das liberdades individuais. Ele implica, por isso, uma definição jurídica dos poderes públicos e da sua relação com os poderes dos sujeitos individuais,

41 ZOLO, Danilo. Teoria e crítica do Estado de direito. In: Costa, Pietro; Zolo, Danilo. O Estado de Direito:

história, teoria, crítica. São Paulo, 2006, p. 31 e 32.

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também eles juridicamente definidos.

Todavia, pelas inspirações autoritárias do Código de Processo penal, ainda presa uma mentalidade anterior à Constituição Federal de 1988, no qual trata o processo penal como direito que regula e instrumenta o jus puniendi estatal, aplicando-se ao caso concreto de um ilícito penal.

Vale dizer, que o Direito Processual Penal ligado a ideia de castigo a quem delinquiu, como instrumento de poder estatal, exalta a palavra soberania, ou seja, centralizado no protagonismo do Estado. Tal concepção difere do Processo Penal que realiza a devida observância da dignidade da pessoa humana e dos demais direitos fundamentais, com limites ou contenção de poder, bem como exalta a expressa garantia de que o poder punitivo será exercido nos limites constitucionais e respeitan do o Estado democrático de Direito.42

O inquérito policial visa esclarecer a prática criminosa e apontar a autoria do crime, sem condão punitivo. O poder discricionário exercido pelo Delegado de Polícia e a ausência de contraditório regular não caracterizam o inquérito policial como processo, ou seja, não há em que se fala em contraditório e ampla defesa nesse momento da persecução penal. O Código de Processo Penal estabelece do art. 4º ao 23 normas para se elaborar o inquérito policial, tratando-se de um instrumento híbrido dirigido por normas de natureza penal, administrativa e procedimental, assim, o Inquérito policial é classificado como um procedimento administrativo de apuração de condutas criminosas.

A ordem democrática imposta pela Constituição federal de 1988, precisa ir além do direito processual penal no sentindo de criminalização e de castigo, assim defende o Delegado de Polícia Xavier43:

Então, dentre outras necessidades, é preciso redefinir as linhas do contraditório na investigação policial de forma que não se retire o elemento surpresa das investigações e a sua eficiência, entretanto, em nome de um eficientismo utilitário, não podem ser

42 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 101 e 102.

43 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 97 - 99.

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desconsiderados os direitos fundamentais, dentre eles a presunção de inocência em sua máxima efetividade possível já na fase policial, bem como o contraditório possível e um efetivo diálogo com a defesa.

Ferrajoli44 afirma que o Direito Policial sempre foi tratado como um “direito inferior, ou pior, não direito, representa, talvez, o setor mais negligenciado dos estudos acadêmicos.”

Nessa linha, Rangel alerta sobre as falsas premissas, como a famosa

“dispensabilidade do inquérito policial”, a natureza de “mero procedimento administrativo”, ou até pela adoção do sistema processual misto, tornando a atividade de investigação penal a um plano secundário, quando a verdade é que realiza um papel fundamental na ordem constitucional, como: “a filtragem de acusações injustas ou infundadas (concepção binária do Estado-Investigador).45

Conforme ensina o Delegado Rangel:

Eis que se chega numa questão central: a cláusula do devido processo legal deve ter efetiva aplicabilidade na investigação criminal? Num primeiro momento, a resposta positiva aparenta uma obviedade cristalina (e assim o é). Contudo, no campo doutrinário, é comum nos depararmos com as mais diversas resistências teóricas em sentido contrário, com base em construções jurídicas destoantes do próprio escopo constitucional. Ressalta-se que admitir a incidência do devido processo legal na atividade de investigação criminal implica, por uma consequência lógica, em reconhecer a efetividade de todo o rol de princípios

44 FERRAJOLI, Luigi (clb). Direito e razão: teoria do Garantismo penal. São Paulo: revista dos tribunais, 2002, p. 616.

45 RANGEL, Carlos Eduardo. Poder Punitivo, Polícia Judiciária e Democracia. Rio de Janeiro, RJ: Freitas Bastos, 2020, p 206.

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dele derivados.46

No inquérito policial é atribuído ao Delegado a responsabilidade pela colheita dos elementos informativos, devendo decidir ao final pelo indiciamento ou não, caracterizando a natureza inquisitorial do inquérito policial. Por conta desta característica inquisitiva, rotulam a um viés antidemocrático e autoritário, como se a Constituição de 1988 de tivesse afetado em nada o inquérito policial, negando a possibilidade de uma atuação democrática na investigação, no sentido de se buscar a participação da defesa com abertura ao contraditório mitigado. Do mesmo modo, ocorre a sucumbência do princípio da presunção de inocência se contraposto ao princípio do in dubio pro societate, em que o inquérito policial está ligado à ideia de defesa social e instrumento do poder punitivo estatal e não a contenção de tal poder.47

Machado48 bem explica que:

Ao contrário do que se pode pensar, as garantias processuais não se destinam a favores o imputado, mas sim a proteger todas as pessoas contra o exercício indevido do poder punitivo e o risco concreto do sofrimento injusto. Essa preocupação deve(ria) informar todo e qualquer sistema processual penal moderno.

É nesse contexto que se insere o devido processo legal investigativo, reunindo todos os aspectos de garantias processuais constitucionais e inserido os mecanismos de preservação da cadeia de custódia a fim de orientar toda a atividade investigativa de colheita de evidências do caso penal. Aproximando-se cada vez mais de uma investigação criminal democrática, a partir da incidência das garantias processuais, como a ampla defesa, o contraditório, a inadmissibilidade de provas ilícitas, com os recursos adequados e possíveis ao ambiente investigativo, com o objetivo de promover a redução

46 RANGEL, Carlos Eduardo. Poder Punitivo, Polícia Judiciária e Democracia. Rio de Janeiro, RJ: Freitas Bastos, 2020, p 208.

47 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 140.

48 MACHADO, Leonardo Marcondes. Introdução crítica à investigação preliminar. Belo Horizonte:

D´Plácido, 2018, p 115.

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dos riscos de dano dos direitos fundamentais da pessoa investigada.49 Nas palavras do Delegado Rangel:50

Afinal, a investigação criminal, como o primeiro sistema de filtragem da ordem constitucional, também deve ser lida como um ato de restituir humanidades negadas.

A Constituição de 1988 institui como premissa o Estado Democrático de Direito, no qual rompeu com a investigação autoritária de matriz inquisitiva, pautada na busca da verdade real, assim, possibilitando novas práticas baseadas no ideal democrático, isto é, no Estado de Direito, perseguindo-se a tutela dos direitos fundamentais. Nesse sentido, faz-se necessário uma releitura constitucional da função do Del egado de Polícia, possibilitando a melhor da aplicação de tais direitos.51

49 RANGEL, Carlos Eduardo. Poder Punitivo, Polícia Judiciária e Democracia. Rio de Janeiro, RJ: Freitas Bastos, 2020, p 218 e 219.

50 RANGEL, Carlos Eduardo. Poder Punitivo, Polícia Judiciária e Democracia. Rio de Janeiro, RJ: Freit as Bastos, 2020, p 219.

51 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura, op. cit. nota 21, p 149.

(31)

2.2 O papel do Delegado de Polícia como primeiro garantidor dos direitos fundamentais

O Estado, responsável por demarcar e desempenhar o direito de punir, nos quais seus agentes, atuando em seu nome, estão legitimados e amparados a exercer coação sobre o indivíduo que desvia da conduta aceitável pelo meio em que vive ou impossibilita a sua coexistência harmônica. No entanto, não é atribuído ao agente Estatal agir de modo arbitrário, violando direitos fundamentais e distanciando dos padrões normativos impostos, ou mesmo reduzi-los sem estarem presentes os requisitos legais para isso.52

A força normativa da Constituição reside na força ativa de impor tarefas e na efetiva realização dessas, conforme a orientação estabelecida da ordem constitucional.

Logo, a Constituição se converte em força ativa se fizerem presente na consciência geral, principalmente, daqueles que são responsáveis pelas decisões de poder, fazendo, assim, a vontade da Constituição, e não a vontade do poder.53

Conforme frase do Ministro Celso de Melo, proferida em seu voto no HC 84548/SP54, o Delegado de Polícia é como primeiro garantidor da legalidade e da justiça.

Logo, pode-se afirmar que o Delegado de Polícia, como agente manifestador da vontade do Estado, é responsável por fazer valer a força normativa da Constituição, ou seja, responsável por zelar pela efetiva proteção dos direitos fundamentais individuais. E em casos que seja necessário, o Delegado de Polícia deve utilizar meios cabíveis para proporcionar a devida tutela desses direitos, sendo assim, quem primeiro age diante da legalidade e o fiel cumprimento das normas em vigor, estando sua atuação alinhada com os valores trazidos pela força normativa da Constituição.55

52 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Percepção dos Aspectos Analíticos do Delito na Atuação concreta do Delegado de Polícia. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. p. 99/ 100 e 104/105.

53 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:

Sergio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 19. Título original: Die Normative Kraf t der Verf assung.

54 HABEAS CORPUS 84.548 SÃO PAULO. Disponível em: <

https://redir.stf .jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630134>. Acesso em: 07/09/2021.

55 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Percepção dos Aspectos Analíticos do Delito na Atuação concreta do Delegado de Polícia. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. p.106.

(32)

Em certas ocasiões, o Delegado de Polícia tem de restringir direitos individuais de alguns, para tutelar interesses em conflito de outros, conf orme destaca Ferreira56:

Destaca-se, nesse ponto, que não só quem tem a liberdade de locomoção ameaçada pela prática de algo que fira a obrigatoriedade de coexistência merece ter resguardados seus direitos, como aquele que também tem seus direitos feridos ou violados por esse, deve. O balanceamento dos interesses em conflito, utilizando- se os parâmetros previstos na Constituição, é a chave para a perfeita solução. Levando-se em consideração o tema acerca da liberdade de locomoção, os institutos de Direito Penal que cercam a noção de crime devem estar adequadamente analisados, evitando-se, com isto, indesejável carência de tutela desta espécie de direitos individual. A tipicidade em todos os seus aspectos, bem como sob a visão específica da aplicação do princípio da insignificância, conforme as balizas legais e jurisprudenciais, são de extrema importância para que se possa perquirir os demais substratos do crime. Seguidamente à análise da tipicidade, o Delegado de Polícia tem a oportunidade de verificar a presença de alguma causa de justificação, apta a ensejar a exclusão da ilicitude e, consequentemente, desmontar o mosaico do crime. O tópico de grande relevo aqui, com maior relevância prática, é o da legitima defesa, principalmente se praticada por policiais em serviço ou não.

Consubstanciada como último elemento dentro do conceito clássico de crime, a culpabilidade também é responsável por delimitar a reprovabilidade do comportamento do agente, razão pela qual a

56 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Percepção dos Aspectos Analíticos do Delito na Atuação concreta do Delegado de Polícia. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. p.105.

(33)

autoridade policial também está autorizada a an alisar as circunstancias de exclusão que se infiram de forma latente, ou, caso, não estejam, de providenciar, mediante o manejo dos instrumentos legais cabíveis para tanto, como no caso da verificação da insanidade mental do agente, nos termos do artigo 149, §1º, do Código de Processo Penal.

Dessa forma, observar os elementos do crime, em razão da iminente restrição do direito fundamental à liberdade de locomoção diante da prática de fato descrito como criminoso, deve ser uma preocupação por parte da autoridade policial, por tratar-se de direitos elencados a pessoa, como prevê o artigo 5º da CRFB/88, ou seja, atuando como efetivo garantidor dos direitos fundamentais.

A lei nº 12. 830/1357, em seu artigo 2º, prevê que:

Art. 2º As f unções de polícia judiciária e a apuração de inf rações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal p or meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das inf rações penais.

Este é apenas um dos fundamentos legais que amparam o entendimento de que o Delegado de Polícia, função de natureza jurídica, deve ser o primeiro garantidor dos direitos fundamentais, atuando frente ao princípio da legalidade, coibindo abusos e empregando tratamento jurídico adequado.58

Os direitos fundamentais não estão apenas destacados na Constituição vigente, também, derivam de acordos, tratados ou convenções internacionais dos quais o Brasil

57 Dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm>. Acesso em: 20/08/2021.

58 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Percepção dos Aspectos Analíticos do Delito na Atuação concreta do Delegado de Polícia. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. p.114 e 116.

(34)

seja parte. As características principais da inalienabilidade, historicidade e relatividade, demonstra um panorama de proteção e de funcionalização, nos quais são da essência dos direitos fundamentais.

A Constituição traz a previsão do mecanismo de proteção dos direitos fundamentais, conhecido como cláusula pétrea, realizando uma limitação material expressa ao poder reformador, conforme artigo 60, §4º, da CRFB/88. No entanto, não há apenas está forma de proteção dos direitos fundamentais, as diversas instituições constitucionais previstas têm o papel de cuidar para que os indivíduos tenham a plena garantia de exercer os direitos que lhe são assegurados pelo ordenamento jurídico.59

Ferreira60 ensina que:

Por isso é que, ao analisar a atuação do Delegado de Polícia, tem-se mais este agente estatal como um dos garantidores dos direitos fundamentais, mais precisamente aquele que, por ocupar posição inicial no contexto da persecução penal, é o primeiro a trabalhar com essas garantias. Nesse sentido, o que se busca, inicialmente, é evidenciar o caráter protetivo dos direitos fundamentais em face do trabalho policial, principalmente no que tange à liberdade de locomoção, mas não somente em face desta, pois como é notório, no próprio artigo 5º da CRFB/1988, há uma vasta previsão legal de direitos para os presos, o que, por si só, é objeto de constatação.

O Estado é o responsável pelo direito de punir, bem como por guardar direitos constitucionais, assim, seus agentes, legitimados para atuação em seu nome, são os responsáveis por apoiar a máxima força normativa da Constituição.

59 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Percepção dos Aspectos Analíticos do Delito na Atuação concreta do Delegado de Polícia. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. p.119.

60 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Percepção dos Aspectos Analíticos do Delito na Atuação concreta do Delegado de Polícia. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. p.119.

(35)

Deve ser observado o princípio da legalidade pelo Delegado de Polícia, no sentindo de que os atos investigatórios apenas podem ser executados de acordo com a lei, zelando pelos direitos fundamentais e funcionando como dispositivo democrático, servindo, assim, como contenção dentro do Estado-investigador, que não pode proceder com a persecução penal de forma desmedida e sem regras com a única finalidade de buscar culpados.61

O trabalho do Delegado de Polícia vai abundantemente além do mero agente estatal que relata inquéritos policiais ou determina prisões em flagrante, uma vez que lida diretamente com seres humanos que necessitam da real tutela dos direitos fundamentais.

Portanto, como expressa Ferreira, é “nobre missão que cabe à autoridade policial, mediante a análise e constatação dos elementos que compõem o conceito de crime, sendo aquele que primeiro profere decisão jurídica diante da persecução penal, a ele é reconhecido o status de primeiro garantidor dos direitos fundamentais.”62

61 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura. Constitucionalização da Investigação Policial. Rio de Janeiro, RJ:

Freitas Bastos, 2020, p. 307.

62 FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Percepção dos Aspectos Analíticos do Delito na Atuação concreta do Delegado de Polícia. 2. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. p.121.

(36)

2.3 O Delegado de Polícia inserido como dispositivo democrático no aparelho policial do Estado

A constituição de 1988 em seu artigo 144, §4º63, bem como diversos dispositivos do Código de Processo Penal, legislações penais e na Lei 12.830/13, dispõe sobre o cargo de Delegado de Polícia e a investigação por ele conduzida.

O Delegado de Polícia, como carreira jurídica dentro da Polícia Judiciária, deve ser visto como operador do direito que exerce função democrática inserido no aparelho policial, sendo gestor do cumprimento da legalidade e da observância dos direitos individuais no momento da atividade investigativa e das funções de Polícia judiciária.64

O Delegado de Polícia Xavier ensina que:65

O aparelho policial é, por sua natureza, de vocação repressora. Conforme visto ao longo da presente obra, existem heranças culturais e raízes do autoritarismo que sempre fizeram o uso da força e agigantaram as razões de Estado. Não à toa, os direitos fundamentais na Constituição de 1988 constituem um núcleo intangível da bíblia política, não podendo ser atingidos ou suprimidos pelo Estado ao sabor e desejo do poder político fruto de uma maioria de ocasião. Ao contrário são estrategicamente alocados para ficar longe dos humores políticos. Conforme visto, o Estado Policial e o Estado Democrático de Direito convivem, sendo o

63 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25/08/2021.

64 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura. Constitucionalização da Investigação Policial. Rio de Janeiro, RJ:

Freitas Bastos, 2020, p. 304.

65 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura. Constitucionalização da Investigação Policial. Rio de Janeiro, RJ:

Freitas Bastos, 2020, p. 305.

(37)

Estado Democrático de Direito o dique de contenção do Estado Policial, que vai sempre pulsar e avançar contra os limites do Estado de Direito visando rompê- lo. É nesse sentido que é fundamental reler o Delegado de Polícia como “dispositivo” democrático inserido no aparelho policial e acionado sempre que ocorre a prática de uma infração penal, que naturalmente desajusta a ordem jurídica e faz pulsar o Estado Policial, que por sua vez precisa ser contido, sendo justamente os direitos e garantias fundamentais do núcleo intangível da Constituição, os principais alicerces desse dique de contenção, que conforme explicitado, é o Estado Democrático de Direito. Isto é, ocorrendo a infração penal, o Estado pode e deve reagir, todavia não de qualquer maneira, o Estado Democrático de Direito lhe impõe regras e limites.

Logo, é de extrema importância a inserção de um dispositivo democrático dentro do aparelho policial, capaz de controlar atos do Estado Policial e do autoritarismo, orientando e determinando uma investigação democrática conforme diretrizes do Estado Democrático de Direito, a fim de zelar pelos direitos fundamentais.66

O cargo de Delegado de Polícia tem um caráter híbrido, possuindo tanto função policial, inserido na carreira policial, no qual desempenha a atividade de Polícia Judiciária (cumpre mandados judiciais com o uso da força, preside as investigações e chefia a própria instituição policial responsável pela apuração das infrações penais), quanto função jurídica de Estado, devendo ser bacharel em direito, aprovado para concurso público específico, sendo uma atividade técnico-jurídica, conforme definido no artigo 2º da lei 12.830/13.67

66 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura. Constitucionalização da Investigação Policial. Rio de Janeiro, RJ:

Freitas Bastos, 2020, p. 306.

67 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura. Constitucionalização da Investigação Policial. Rio de Janeiro, RJ:

Freitas Bastos, 2020, p. 306.

(38)

Sobre o tema do Delegado de Polícia enquanto carreira jurídica, Avena observa que:

O art. 2º da Lei 12.830/2013 estabelece que “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado”.

Tal previsão fulminou o entendimento que decorria da interpretação literal do art. 144 da CF, que sustentava não serem jurídicas tais funções, mas tão somente atividades de segurança pública. E está correto isto, pois os atos que compreendem a investigação criminal, direta ou indiretamente, são disciplinados por leis que inserem regras jurídicas, como é o caso do CPP. Além disso, em determinadas hipóteses, a atuação do delegado condiciona-se a prévio pronunciamento judicial, a exemplo da busca e apreensão domiciliar, da quebra do sigilo telefônico, bancário e fiscal, da apuração da insanidade mental do investigado etc. Por fim, acrescente-se o fato de que o art. 3º da L.

12.830/2013 refere que o cargo de delegado é privativo de bacharel em direito, devendo-se a ele dispensar o mesmo tratamento protocolar conferido aos magistrados, membros do Ministério Público, Defensoria Pública e advogados. E qual a consequência dessa natureza jurídica das funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais? A consequência é que restou afastada aquela ideia de que a autoridade policial verifica apenas a tipicidade formal (adequação do fato à norma incriminadora), podendo, então, adentrar em aspectos relacionados à tipicidade material, afastando, por exemplo, a partir do princípio da insignificância e do princípio da adequação social. Hoje, entende-se, enfim, que, sendo a atividade do delegado jurídica, pode, inclusive, deixar de indiciar

(39)

se constatar excludentes de ilicitu de, de tipicidade ou culpabilidade (salvo a inimputabilidade). O delegado, então, pode verificar se há ou não crime sob todos os seus elementos.68

Assim, com o Constitucionalismo da investigação policial, “é perfeitamente possível reavaliar conceitos a fim de amoldá-los à realidade de um Estado Democrático de Direito efeito.”, conforme entende o Delegado de Polícia Marcelo Xavier69. O conceito de inquérito policial deve relacionar-se com o paradigma garantista, bem como na releitura da função exercida pelo Delegado de Polícia, a fim de ser efetivamente um cargo que preza coibir abusos Estatais, acusações infundadas e invasões indevidas na vida dos particulares.

Nesse sentindo, é notório que o cargo de Delegado de Polícia deve ser visto como uma carreira híbrida, no qual trata-se de uma autoridade policial e ao mesmo tempo carreira jurídica, ou seja, um cargo jurídico-policial. Que deve ter como primazia o princípio da legalidade, da aferição de constitucionalidade, do respeito aos direitos e garantias fundamentais, dos direitos humanos, da dignidade da pessoa humana, de todos os envolvidos, em especial o conduzido preso/ indiciado. Logo, o Delegado de polícia exerce um papel fundamental no Estado Democrático de Direito, e deve ser visto como tal.

68 AVENA, Norberto. Natureza Jurídica da Atividade do Delegado de Polícia. Brasil, 2017. Disponível em:

www.nobertoavena.com.br. Acesso em: 06/09/2021

69 XAVIER, Luiz Marcelo da Fontoura. Constitucionalização da Investigação Policial. Rio de Janeiro, RJ:

Freitas Bastos, 2020, p. 326

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