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da cidadania fiscal à cidadania cultural Luiz Carlos Diógenes de Oliveira

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XXIV ENCONTRO NACIONAL DO

CONPEDI - UFS

TEORIA DO ESTADO

ARMANDO ALBUQUERQUE DE OLIVEIRA

ILTON NORBERTO ROBL FILHO

(2)

Copyright © 2015 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

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T314

Teoria do estado [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFS;

Coordenadores: Ilton Norberto Robl Filho, Armando Albuquerque de Oliveira, Sérgio Urquhart de Cademartori – Florianópolis: CONPEDI, 2015.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-066-4

Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: DIREITO, CONSTITUIÇÃO E CIDADANIA: contribuições para os objetivos de desenvolvimento do Milênio

1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. 2. Teoria do estado. I. Encontro Nacional do CONPEDI/UFS (24. : 2015 : Aracaju, SE).

CDU: 34

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XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - UFS

TEORIA DO ESTADO

Apresentação

Na contemporaneidade, a discussão conjuntural de temas tais como os dilemas da

democracia, a globalização e seus desafios, as novas tecnologias e os impasses suscitados por

elas etc. não obstam - e até favorecem - a revisitação às bases teóricas que fundamentam a

política e o Direito. Trata-se de examinar mais uma vez os fundamentos ideológicos e - por

que não dizê-lo - lógicos que viabilizam o exercício do poder e a soberania populares. Daí a

extrema importância que o Grupo de Trabalho "Teorias do Estado", constituído no XXIV

Encontro Nacional do CONPEDI - UFS, adquiriu ao oportunizar a apresentação das mais

variadas reflexões sobre esse tema clássico. Relembre-se com Bobbio, abordando a obra de

Max Weber, que um clássico é aquele que por mais revisitado que seja, sempre deixa uma

lição para os estudiosos em todas as épocas. Sem dúvida este é o caso. Assim, a temática

enfrentada acerca das teorias do Estado apresentou-se bastante diversa, com estudos

envolvendo os seguintes assuntos: a) uma releitura das teorias clássicas, tais como a

separação de poderes, as bases contratualistas do Estado de Direito, a teoria weberiana do

Direito e do Estado, o liberalismo clássico e a abordagem kantiana da paz entre os Estados;

b) a adoção de uma perspectiva histórica, abrangendo um estudo comparativo entre os

Estados europeus e o brasileiro; c) estudos de conjuntura, tais como os que envolvem a

globalização, o neoliberalismo e a pós-modernidade; e d) enfoques pontuais, debatendo

temas específicos, tais como aquisição e perda da nacionalidade, papel dos militares,

princípio da subsidiariedade, exação fiscal, municipalismo como teoria da federação,

planejamento participativo etc. A riqueza dos debates suscitados pelas apresentações de todos

esses assuntos ficou evidente na extensão do tempo empregado para desenvolvimento de

todos os trabalhos: quase sete horas de candentes discussões, envolvendo não só os

apresentadores, como também os coordenadores do Grupo de Trabalho, todos entusiastas dos

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TEORIA DA EDUCAÇÃO FISCAL: DA CIDADANIA FISCAL À CIDADANIA CULTURAL

TEORÍA DE LA EDUCACIÓN FISCAL: DE LA CIUDADANÍA FISCAL A LA CIUDADANÍA CULTURAL

Luiz Carlos Diógenes de Oliveira

Resumo

Este trabalho é uma tentativa de se montar um arcabouço teórico e ideológico em torno do

tema Educação Fiscal. Tentativa de criar-lhe uma teoria própria, em que se revelem natureza,

princípios e objetivos singulares a este tema transversal, preservando-lhe o eixo estruturante

que lhe dá alguma autonomia. Na Europa, irrompe como manifestação do Estado social,

ainda na primeira metade do século XX. Tributos e orçamentos públicos raiando no espaço

da cidadania europeia. São os albores da Educação Fiscal. A luz desta temática aclara os céus

latino-americanos só em períodos muito recentes. Pelo desabrochar do novo milênio, a

Educação Fiscal , ganha travejamentos ósseos. O Estado social insculpido na Constituição do

Brasil de 1988 fornece uma base jurídica e política que assenta, em legitimidade, as políticas

públicas equalizadoras das antigas e abissais divisões sociais praticadas no país.

Desconcentrar a renda nacional e distribuí-la de forma mais equitativa é a grande batalha a

ser travada no solo nacional. Isto far-se-á, estamos a crer, com muita (in)formação,

persistência e continuidade em uma pedagógica política pública que termine por consensuar e

concluir que o tributo é o ingresso individual ao teatro da vida social. É a garantia da

liberdade, da existência subjetiva, ao nível da co-existência coletiva, única forma de

sobrevivência humana. É a proporção real e pessoal que o pacto societário exige.

Palavras-chave: Estado; tributo ; política

Abstract/Resumen/Résumé

Este trabajo es un intento de establecer un marco teórico e ideológico en torno al tema de la

Educación Fiscal. Intento de crearte una teoría propia, en la que demuestra la naturaleza,

principios y objetivos únicos a este tema transversal, preservando su eje estructural que le da

una cierta autonomía. En Europa, estalla como una manifestación del estado de bienestar, en

la primera mitad del siglo XX. Las tasas y los presupuestos públicos surgen en el espacio de

la ciudadanía europea. Es el amanecer de Educación Fiscal. La luz de esta cuestión aclara los

cielos de América Latina sólo en tiempos muy recientes. El florecimiento del nuevo milenio,

la Educación Fiscal, gana fuerza. El insculpido estado de bienestar en la Constitución de

Brasil, en 1988, ofrece una base jurídica y política basada en la legitimidad, las políticas de

igualación de viejos y abismales divisiones sociales practicadas en el país. Descentralizar la

renta nacional y distribuir de manera más uniforme es la gran batalla a se hacer, en solo

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continuidad de una política pública educativa que debe terminar en un consenso y llegar a la

conclusión de que el impuesto es el billete individual al teatro de la vida social. Es la garantía

de la libertad, la existencia subjetiva, el nivel de convivencia colectiva, la única manera de

sobrevivir. Es la proporción real y personal de que el pacto social requiere.

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Introdução

A tenra idade da Educação Fiscal ainda não lhe permite a forma de uma teoria, sob pena de

atrofiar-lhe, à força de artificial estrutura, o livre e natural desenvolvimento. No Brasil, agora é que

está a despontar. O tempo, como um deus ancestral, sábio senhor de tudo, dar-lhe-á não só a forma,

mas também a substância, no momento conveniente.

O bruxo do Cosme Velho, Machado de Assis, tratando da "Sereníssima República" das

aranhas , se reportava ao pedagógico tempo, necessário e suficiente, para construí-la. Assim como

não se pode esperar a perfeição de "um povo recente, que não pode trepar de um salto ao cume das

nações seculares''(MACHADO,2008, p.121), o tempo também não é "operário que ceda a outro a

lima ou o alvião; ele fará mais e melhor do que as teorias do papel, válidas no papel e mancas na

prática."( MACHADO,2008, p.121). Alguma coisa cabe ao tempo, outra cabe à engenhosidade

humana.

Maquiavel, em O Príncipe, falando da pressa na constituição de Estados, da qual me sirvo

para tratar da constituição do PNEF ( Programa Nacional de Educação Fiscal), dizia que os

''Estados que surgem de súbito, como todas as outras coisas da natureza que se desenvolvem muito

depressa, não podem ter raízes ou membros proporcionados, e, ao primeiro golpe da adversidade,

aniquilam-se''(MAQUIAVEL, 1983, p.27). Que o conselho maquiaveliano não se preste à escusa

para a inação ou omissão.

Não se pode exigir da árvore que antecipe a maturação do fruto. No mesmo conto

machadiano, o protagonista cônego Vargas elenca a perseverança como uma das virtudes essenciais

à duração de um Estado. Tomo-lhe emprestado este valor para discorrer, advertido pelo princípio

gramsciano "pessimismo da inteligência, otimismo da vontade", em torno dos propósitos da

Educação Fiscal, enquanto neófita política pública do Estado social, vocacionada, pelo menos em

seu ideário, à formação do livre e crítico cidadão republicano. Quanto mais próximo deste

chegarmos, mais distante, pressupõe-se, estaremos de contemporizações com práticas corruptas.

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voltadas à sua formação, mormente no campo da educação e da cultura, já que a mudança que se

espera desce às profundezas da ética para a consciência de uma nova moral social e sobe às

elevações da espiritualidade para a plenitude das potencialidades de um ser humano criativo. Sem

esperança e crença no homem, este cidadão dificilmente desabrocha. Mas por acreditar nas

virtualidades civilizacionais da sociedade e nas possibilidades, sempre abertas, de criação para o

sujeito autônomo, poderíamos dizer, com Gramsci, que

não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual. Não se pode separar o

homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade

intelectual qualquer, ou seja, é um 'filósofo', um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção

de mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou modificar uma

concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar(GRAMSCI, 2010, p.53),

a fim de reinventar as formas de vida, modelar a sociedade em que deseja viver e criar o Estado,

como obra cultural sua. Melhor que esta criação se dê ao nível de sua consciência crítica e de sua

capacidade de efetivar o que sonha, mesmo estando condicionado por uma miríade de fatores que

lhes são exteriores.

Se o Estado, assim, for obra da cidadania, não há como imaginar que aquele será o carrasco

desta. Não o sendo, será o algoz, sim, da prática social que lhe queira corroer seus laços estruturais,

como é o caso da corrupção e de outros vetustos costumes de sociedade autoritária e de poder

político oligárquico, o qual, lenta e embaçadamente, percebe que o Estado democrárico de direito já

não é só uma utopia longínqua, para os despossuídos de tudo, mas um pesadelo para os vezeiros em

dilapidar e se apropriar do patrimônio público.

Se não representar a farsa da conveniência governamental, mas a face do legítimo

compromisso constitucional democrático, uma política pública de Estado social deve perseverar no

tempo. Ter continuidade, até que o espírito da teoria se encarne e se ossifique em práxis, ou seja, em

prática refletida, conscientizada. Porém necessita-se daquela clareza de que nos fala Gilberto

Bercovici no estudo da Constituição econômica, em que ''sua materialização não significa a

imediata exigência da prestação estatal concreta, mas uma atitude positiva, constante e diligente do

Estado''(BERCOVICI, 2005, p.37). Clareza, portanto, de que já se está no caminho, perseguindo

um objetivo.

Educação Fiscal, desta forma, pretende reunir tributo, orçamento, cidadania e ética como

disciplinas informativas e formativas do Estado social. Objetiva reforçar a cultura do respeito à

dignidade humana e à democracia, a partir da prática educativa, crítica, estendida a todos os

segmentos e espaços sociais. A cidadania cultural que se sonha, no alto, passa antes pela cidadania

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e coletiva de que relacionar aquelas disciplinas é um caminho de acesso a uma ordem social mais

justa e sustentável. A corrupção se esconde mais facilmente na ignorância, popular, do patrimônio

comum e na desenvoltura, consentida, de valores anti-republicanos. Este é desafio da instauração

do processo pedagógico da Educação Fiscal , que tem o todo, como princípio da realidade, o

cidadão autônomo como seu objetivo central, o Estado democrático de direito como seu objeto de

debate e a dignidade humana como fim que se basta a si mesma à aplicação de toda política pública.

Uma teoria para Educação Fiscal

Educação fiscal, educação tributária e educação financeira são temáticas que abordam

objetos distintos. As duas últimas chamam o indivíduo à responsável gestão do dinheiro público

(tributo) e particular ( orçamento familiar ). Educação fiscal foca mais longe, olha para o tributo na

perspectiva do orçamento público, observa o indivíduo como cidadão que faz cultura e é sujeito

histórico construtor da realidade social em que deseja viver. É educação complexa que mira o

homem em sua dupla condição humana: sujeito individual e sujeito coletivo. É o que tentaremos

mostrar.

Boaventura de Sousa Santos expressa, em seu opúsculo ''Um discurso sobre as ciências'', a

necessidade de ver o todo, pois ''a excessiva parcelização e disciplinarização do saber científico faz

do cientista um ignorante especializado''(SANTOS, 2003, p.74). O modelo autopoiético, oriundo da

Biologia do Conhecimento do chileno Humberto Maturana, inutilizou velhas dualidades cartesianas

e mecanicistas, como indivíduo x coletividade; Estado x sociedade; razão x emoção; objetivo x

subjetivo. A quântica deslocou, irremediavelmente, as estruturas mecanicistas que imperaram por

quatrocentos anos. Prigogine, Capra, Heisenberg, Lovelock não mais duvidam da fusão das ciências

naturais às ciências sociais. A física social de Durkheim foi invertida: '' fenômenos naturais

estudados como se fossem fenômenos sociais''(SANTOS,2003, p.68). Impressiona, pela revolução

paradigmática, a teoria do fim das certezas. Esta visão do todo é que nos permite compreender que,

como sugere o nobel de Química, ''a negação do tempo foi uma tentação tanto para Einstein, o

físico, quanto para Jorge Luís Borges, o poeta. Einstein afirmou muitas vezes que aprendeu muito

mais com Dostoievski do que com qualquer físico''. (PRIGOGINE, 1996, p.197).

O desenvolvimentista Celso Furtado percebera toda esta relação apertada entre as ciências.

No livro ''O Brasil Pós-Milagre'' acentua o caráter complexo da vida social e cultural: ''O que nos

ensinam as ciências sociais, inclusive a economia, descobre-nos uma modesta parcela da realidade

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apreendemos os valores que estão subjacentes em toda ordenação social''(FURTADO, 1983, p.56).

Um economista falando em valores que estão a ordenar a vida do homem em sociedade, está a dizer

que pelos valores é que o indivíduo e a sociedade vivem. Este é o princípio da realidade. Portanto,

ele próprio, mais a frente, defende que ''a política, como forma de conhecimento transborde do

campodas ciências sociais para o da filosofia''(FURTADO,1983,p.56).

Como ''o futuro não é dado'', e ''vivemos o fim das certezas'' ( PRIGOGINE, 1996, p. 193),

podemos melhor entender o apelo furtadiano ao pensar filosófico, no sentido de se construir valores

republicanos, para um real e sustentável desenvolvimento. Algo muito além do crescimento

econômico. Desenvolvimento implica cidadania plena. ''O Brasil não se desenvolveu;

modernizou-se. O desenvolvimento verdadeiro só existe quando a população em seu conjunto é

beneficiada''( FURTADO, 2002, p.21).

Para o Brasil, que é o que mais nos interessa neste trabalho, poderíamos dizer que a

plenitude da cidadania vai se efetivar quando vivermos a prática cultural da concretização dos

valores insculpidos na Constituição de 1998. Aí poderíamos dizer, com Bercovici, que '' afinal,

segundo Peter Haberle, a Constituição é também a expressão de certo grau de desenvolvimento

cultural, um meio de auto-representação própria de todo um povo, espelho de sua cultura e

fundamento de suas esperanças''(BERCOVICI, 2005, p. 43). Por este entendimento poderíamos

fundear a Teoria da Educação Fiscal, migrando dos estreitos lindes da cidadania fiscal ao vasto

campo da cidadania cultural. Não nos custa imaginar a corrupção na mira destes dois canhões.

Importa esta digressão para alcançarmos Educação Fiscal na simbiose de cidadanias a

apontarem para o mesmo centro: o pleno desenvolvimento do ser humano, que seria, nas palavras

de Clémerson Merlin Clève, ''o cidadão , como ser, sujeito e homem a um tempo''. Neste estágio de

desenvolvimento, ''o cidadão é o agente reivindicante possibilitador, na linguagem de Lefort, da

floração contínua de direitos novos''(CLÈVE, 1993, p.16). Este cidadão na medida que destrói, ou

não permite, um modelo de Estado que não lhe garanta os direitos de cidadania, está, de fato, a

construir um outro. O Estado social da Constituição Dirigente, como muitos a definem a

Constituição do Brasil, é o modelo delineado pelo ideário da Educação Fiscal.

Porém, entre o que se diz e o que se faz, às vezes, o abismo é um acinte. Um gramsciano foi

ao ponto sensível, o nó górdio das políticas públicas do Estado social, que muito demoram e caem

no descrédito antes de se efetivarem : "o intelectual tem a tarefa de transformar a vida em palavras,

mas muitas vezes esquece que esta é apenas metade da sua tarefa. A outra metade da tarefa é ajudar

diretamente no processo de transformar as palavras num novo tipo de vida"

(COUTINHO,2003,p.159).

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tem probidade, mas se tem talento; nem de um livro se é útil, mas se é bem escrito (…) e há mil

prêmios para os belos discursos, nenhum para as belas ações''(ROUSSEAU, 1983, p.348). Se o

tempo do filósofo corria com menos pressa, fazendo-o assim um crítico demolidor do quadro de

corrupção instituída pela moral social da época, o que dirá dos tempos pressurosos dos dias atuais,

porquanto ''as consequências do não agir podem ser catastróficas''(ZIZEC, 2011, p. 14). Assim

previne Slavoj Zizek, ao alarmar que ''nossa época é como o que disse Stalin a respeito da bomba

atômica: não é para quem tem nervos fracos''(ZIZEC, 2011, p. 14).

Tempos de efetivarmos mais concretamente a Constituiçaão de 1988, onde a democracia e

os direitos humanos se apresentam como valores maiores do Estado e da sociedade brasileira.

Valores que reclamam uma política pública , que fira, simultaneamente, o indivíduo, pela ética, e a

sociedade, pela política, ou seja, a plena cidadania, que se dá entre o ser indivual e o social. Esta é a

Educação Fiscal , em palavras. Como transformá-las num novo tipo de vida? Educação é o

processo. Educação "visando ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da

cidadania"(CF/88, art.205).

Educação Fiscal pulsa nas veias do Estado social, o qual , segundo Manuel García-Pelayo,

recepciona outras denominações, como ''Welfare State, Estado de bienestar, Estado

socialdemócrata(...), también se le ha llamado Estado de partidos... y Estado de

associaciones''( GARCÍA-PELAYO, 2005, p 13/14). Registre-se que para o autor citado '' Estado

social se refiere a los aspectos totales de una configuración estatal típica de nuestra

época''(GARCÍA-PELAYO, 2005, p.14).

O substrato jurídico da Educação Fiscal é a Constituição, porém, necessariamente, do

Estado social. O ideário da Educação Fiscal se alicerça , pelos âmbitos político, social, econômico e

cultural , no ideário deste Estado. Na experiência brasileira, portanto, a Educação Fiscal mostra-se

como política pública que se compagina com os valores e os fundamentos da Constituição de 1988 ,

que ''é basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado

social''(BONAVIDES,2005,p. 371) , nas palavras do jurista Paulo Bonavides. Portanto, como ele

mesmo acrescenta, ''Constituição de valores refratários ao individualismo no Direito e ao

Absolutismo no Poder''(BONAVIDES, 2005, p.371)

Entendamos valores, por uma perspectiva ética e política, que estão a sugerir a criação de

novos paradigmas a guiar os passos dos indivíduos, da sociedade e do Estado. Se esta é a vontade

da Educação Fiscal brasileira também o é da Constituição de 1988, que, inteira, se mostra ''pelos

princípios que lhe servem de fundamento e pelos valores superiores que consagram''(ROCHA,

1995, p. 109). Mas princípios e valores não existem para contemplação, mas para efetivação. Isto

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ferramenta para superar as antigas estruturas e,por consequência, para emancipar as classes

populares, assumindo, assim, um claro significado democrático-social''(ROCHA, 1995, p.109).

Oportunamente, observemos, com Celso Antônio Bandeira de Melo, o desafio que está posto

às sociedades civil e política brasileiras, pois ''a Constituição não é um simples ideário, (…) é a

transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em

comandos. Em preceitos obrigatórios para todos: órgãos do Poder e cidadãos“(BANDEIRA DE

MELO, 2009, p.11). Aos órgãos do Poder, aos governos, cabe abrirem os caminhos do

desenvolvimento constitucional, executando-o..

No que tange aos cidadãos, a Educação Fiscal propõe informá-los para bem formá-los,

porém dentro de uma perspectiva complexa do real, em que indivíduo e sociedade, ética e política,

tributos e orçamentos, conhecimento intuitivo e conhecimento racional componham o quadro de

uma estrutura autopoiética, que não aparte o que nasceu junto . Um outro paradigma, para viver, se

faz necessário, pois conforme Celso Furtado, ''certeza temos apenas de que os acontecimentos se

atropelam uns aos outros e as dimensões do mundo se estreitam, ao mesmo tempo que se desvanece

a visão prospectiva da história de que os economistas tanto se envaideciam''(FURTADO, 2002, p.7).

Não há mais lógica para o puro conhecimento racional humano. Já não se fala só da mente humana,

para dentro do indivíduo. Boaventura, citando Bateson, fala do conceito de mente ampliada,

''reconhecendo a existência de fenômenos mentais para além dos indivíduos e humanos''(SANTOS,

2003, p.64). Registre-se que isto é produção científica, e não especulação ficcional.

Não é outra a indefinição do mundo que acomete Boaventura de Sousa Santos, porquanto

vivemos um tempo atônito que ao debruçar-se sobre si próprio descobre que os seus pés são um

cruzamento de sombras, sombras que vêm do passado que ora pensamos já não sermos, ora pensamos não

termos ainda deixado de ser, sombras que vêm do futuro que ora pensamos já sermos, ora pensamos

nunca virmos a ser(SANTOS, 2003, p.13).

Qual cidadão para lidar com este tempo, que desnorteia de Celso Furtado a Boaventura?

Talvez, só o cidadão complexo que é o ser humano inteiro, possa dar conta de algo tão vasto.

O indivíduo livre e criativo: autor e ator, a escrever e a representar a realidade. Vê-la como uma

obra de arte, para o seu ''agir como uma espécie de anticongelante intelectual e emocional, que

previna a solidificação de qualquer invenção a meio caminho para um cânone gelado que detenha o

fluxo de possibilidades''(BAUMAN, 1998, p.136). Zygmunt Bauman, em ''O mal-estar da

pós-modernidade'', coloca a arte com esta missão redentora, educadora, pois ''ela acentua a liberdade por

manter a imaginação desperta e, assim, manter as possibilidades vivas e jovens. Também acentua a

liberdade ao manter os princípios fluidos, de modo que não se petrificassem na morte e nas certezas

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Este ser artístico, criativo, questionador, imaginamos como o cidadão identificado a este

novo paradigma de compreensão da realidade. Por isto a cidadania não se encerra nas esferas

básicas dos direitos sociais, nem nas esferas intermediárias e instrumentais como é o caso da

cidadania fiscal, mas vai além, em busca deste ser inteiro. Este estágio é o da cidadania cultural que

aposta no pleno desenvolvimento do homem, por todas as suas virtualidades. Nesta esfera , ainda

com Bauman, ''a cultura não é uma gaiola nem a chave que a abre. Ou, antes, ela é tanto a gaiola

quanto a chave simultaneamente''.(BAUMAN, 1998, p. 175).

Este cidadão enleado a uma moral social elevada, inspirada em valores artísticos e estéticos ,

cria uma nova substância para o ser da sociedade, eivada de discussões e divergências, que são

inerentes à democracia. Marilena Chauí caracterizando-a, cita ''em primeiro lugar, a legitimidade e a

necessidade do conflito(...) e sua segunda característica é a de ser o único regime político que não se

apóia na noção de privilégio, mas na idéia de direito.''(CHAUÍ, 2006, p.138).

Se as divergências não são alheias aos regimes democráticos, mas lhes são necessárias, mais

do que nunca em função do epistemológico princípio da incerteza, mostra-se, de bom alvitre,

municiar a cidadania de uma elevada cultura política, ética e estética, a fim de se atingir um mínimo

de igualdade no enfrentamento do salutar debate que deve oportunizar consensos, motivos de

coexistência, razoabilidades argumentativas fundantes de pontos comuns invioláveis.

Esta deve ser a substância social imprescindível à cultura de uma democracia concreta, que

o gênio de Maquiavel já previra, pois ''onde a matéria não é corrupta, o tumulto e outros escândalos

não causam danos''(MAQUIAVEL, 2007, p.71). Assim se o debate é honesto e transparente resta

pouca chance para a corrupção , pois aqueles valores se prendem de alguma forma na moral de uma

práxis política republicana, porém quando não houver transparência e honestidade, cabe a força

legítima do Estado encontrá-las e defendê-las, cabe a uma elevada cidadania exigi-las.

Enquanto esta cidadania não chega e esta nova moral social tarda, e não se trabalha com

uma matéria sã, ouçamos o que o relismo político maquiavelino revelava: ''onde ela é corrupta, de

nada valem leis bem ordenadas, se estas não forem criadas por alguém que as faça observar, a tal

ponto que a matéria se torne boa''(MAQUIAVEL, 2007, p. 71). Ouvindo Maquiavel os governos

federados brasileiros, apoiados na Constituição de 1988, parecem ter uma boa forma que pode

solidificar uma sadia matéria. Insistida, persistida, perseguida e atualizada , a Constituição, além de

ser Carta Magna poderá ser a nova moral da sociedade brasileira, que vai orientar os passos do

novo cidadão, plenamente desenvolvido em suas potencialidades. O Estado será o espelho que este

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Educação Fiscal: projeto político-ético-pedagógico

Se a sociedade civil não enxergar os subterrâneos da pública realidade fiscal, como poderá

exigir satisfatórias políticas públicas voltadas à educação, saúde, bem-estar coletivo? Como poderá

entender que a cultura, como refinamento da alma humana, base da sustentabilidade do Estado

cultural e educador , depende de recursos orçamentários, os quais nunca são suficientes para todas

as demandas sócio-estatais? Como entender que é dever do Estado social investir na formação de

um novo homem e preparar a sociedade para a paz, para o fim da corrupção, se não perceber que

isto só se faz com recursos financeiros, advindos da solidariedade tributária,da desconcentração de

renda, da distribuição equânime da riqueza nacional, produzida pelos nacionais?

A materialização dos direitos de cidadania, que não são poucos, dependem da

sustentabilidade fiscal, que se expressa num justo e, socialmente, justificado sistema tributário,

pelos sagrados valores que afirmam a dignidade humana . Por isto é assunto de primeira ordem para

uma autônoma cidadania. O cidadão tem de conhecê-lo, porquanto, como adverte Clémerson

Merlin Cléve, ''não há possibilidade de participação sem informação'', e o que é mais importante,

''sem informação correta, sem o aparato institucional transparente, qualquer tipo de participação

pode se transformar em mera cooptação transformadora''(CLÈVE, 1993, p.29). Neste sentido há de

se avaliar da qualidade da informação e da participação. O aparelho cultural e educativo estatal

informa, criticamente, ou trabalha com informações descontextualizadas? A quem serve? Serve à

cidadania ou a interesses de grupos?

Humberto Maturana faz o questionamento decisivo a respeito da qualidade da prática

pedagógica que tanto pode formar, como deformar o ser humano e a sociedade, do seu país. Assim,

afirma que

se a educação média e superior do Chile se funda na competição, na justificativa enganosa de vantagens e

privilégios, numa noção de progresso que afasta os jovens do conhecimento de seu mundo limitando sua

abordagem responsável da comunidade que os sustenta, a educação média e superior do Chile não serve

para o Chile nem para os chilenos.(MATURANA, 2009, p.33) .

A informação completa e complexa, contextualizada e problematizada, é condição para

formação cidadã crítica. Forma o homem, que interfere na sociedade e formata o Estado pelo seu

agir.

Educação Fiscal é projeto político-ético-pedagógico, destinado ao convencimento de que a

democracia é uma prática pedagógica, continuada, visando a formação do sujeito capaz de

transformar a sociedade, a partir de uma consciência que sopesa as suas ações, avalia livremente os

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dizer que as coisas não estão certas como estão. É uma questão de ressaltar em que espécies de

suposição, em que espécies de modo de pensar familiares, não discutidos, irrefletidos se baseiam as

práticas que aceitamos''(BAUMAN,1998, p.141).

Esta é a crítica que o cidadão pleno deve fazer: crítica para dentro dele mesmo, para se

conhecer e saber das suas incompletudes, e critica para fora dele, a partir dele no contexto sócio-

político, fiscal e cultural em que ele vive.A crítica da realidade do mundo e da sociedade em que

vive. A crítica do Estado que existe para servi-lo, mas que só irá fazê-lo satisfatoriamente se ele,

cidadão, primeiro fizer sua autocrítica. Para atuar responsavelmente na sociedade em que vive, e

controlar num nível de razoabilidade as mais diversas práticas corrosivas aplicadas no nosso

desnivelado tecido social, o cidadão teria que estabelecer a dúvida originária que Rousseau lançara:

''como conhecer a fonte da desigualdade entre os homens, se não começar a conhecer a eles

mesmos''.(ROUSSEAU, 1983, p. 227).

Sem a reflexão ética, permanente, sobre o que somos, qual a nossa constituição, e a que

ponto podemos controlar nossas paixões, seríamos somente as bestas irrefreadas. Sem a busca do

autoconhecimento o que seria da ''alma humana, alterada no seio da sociedade por milhares de

causas sempre renovadas, pela aquisição de uma multidão de conhecimentos e de erros, pelas

mudanças que se dão na constituição dos corpos e pelo choque contínuo das paixões''(ROUSSEAU,

1983, p. 227)? A cultura, enquanto trabalho de criação humana, educa o ser humano pelo

pensamento e pela sensibilidade. Conhecendo, minimamente, a si próprio, o cidadão potencializa o

conhecimento do outro, o respeito pela diferença. Capacita-se, assim , a viver em sociedade, a

assumir-se como ser político e sujeito solidário.

Este sujeito autônomo, ético e solidário mais facilmente entenderá que as políticas públicas,

no Estado social, dependentes do reino fiscal , existem para compensar e reordenar os excessivos

desequilíbrios sócio-econômicos instaurados no correr da história. Como modificar este quadro se a

vítima , o povo, não compeendê-lo? E por não compreendê-lo, como alterá-lo? Resta a questão

maior: para onde alterar? Que rota seguir? Para a sustentabilidade, como fazem os índios, pensando

nos desdobramentos de suas ações até a sétima geração, ou para a reprodução do mesmo modelo,

apenas com outras variantes?

Sustentabilidade se faz com largueza de visão, retrospectiva e prospectiva, como está a

sugerir o projeto ético-político, para a cidadania fiscal, e estético, para a cidadania cultural, através

de uma pedadagogia da emancipação humana, que, em outros termos, se aproxima de uma

pedagogia do desenvolvimento. Estas pedagogias encaminham o cidadão à leitura do mundo, do

todo da realidade. A sustentabilidade da cidadania demanda este nível de consciência crítica, que

(15)

mesmo uma verdade, sem sugestões e ajudas exteriores, é criação, mesmo que a verdade seja velha,

e demonstra a posse do método; indica que, de qualquer modo, entrou-se na fase da maturidade

intelectual, na qual se podem descobrir verdades novas''(GRAMSCI, 2010, p. 40).

O cidadão que avalia suas ações, no nível da consciência reflexiva, e suas relações, com o

Estado e com a sociedade, já tem o mundo como uma escola, já vive a descoberta das ''verdades

novas''. Para se chegar a este elevado, e idealizado, estágio de cidadania, pressupõe-se,

primeiramente, uma longa convivência com verdades velhas, e simples, mas que foram esquecidas.

Todos sabem que a vida humana só se viabiliza, e o projeto de paz só se estrutura, se as ações

estatais e sociais concretizarem, em suas últimas implicações, os velhos valores éticos e políticos da

liberdade, igualdade e solidariedade. Ler e lutar para viver esta verdade elementar já pode ser um

bom início. Só o processo da luta, que é ético-político-estético, já modifica e altera tudo aquilo que

estava consagrado, e intocado.

Este cidadão leitor da realidade pode forçar a mudança de paradigma, por exemplo, dos

agentes públicos, a serviço da sociedade e do Estado social, fazendo com que, como imagina Juarez

Freitas, ''o exame da discricionariedade supõe mudanças pedagógicas, na ciência de que condutas

viciosas deitam raízes em pré-compreensões, impeditivas da promoção de políticas públicas

endereçadas ao desenvolvimento''(FREITAS,2009, p.16). O cidadão perceber o agente público

como aliado, por forças éticas e políticas, antes mesmo de serem legais, pode encetar um

empoderamento social inestimável, e de resultados imponderáveis. No limite poderíamos imaginar

a democracia em consubstanciação, uma religião civil que congrega a todos por um mesmo credo.

Um círculo virtuoso de cumplicidade entre o cidadão e o agente público deve ser resgatado,

pelo conhecimento conscientizado de que ambos podem construir o Estado e a sociedade que

desejam. Assim a Administração Pública redimiria, em partes, muito de patrimonialismo e

autoritarismo ainda renitentes, uma vez que ''a ineficiência e a ineficácia da gestão pública têm a ver

com as crônicas disfunções da mentalidade ética, que tem impedido o Estado brasileiro de ser o

grande indutor do desenvolvimento humano''(FREITAS, 2009, p.16).

Um efetivo processo de desenvolvimento, avençado neste projeto pedagógico de vertentes

éticas, políticas e estéticas , que é a Educação Fiscal, sustenta-se na qualificação continuada deste

cidadão pleno, pois ''uma abordagem adequada do desenvolvimento não pode realmente

concentrar-se tanto apenas nos detentores do poder. É preciso mais abrangência, e a necessidade da

participação popular não é uma bobagem farisaica''(SEN, 2000, p.283). A participação, assim, passa

a ser uma prática que deve virar cultura. Concretizar-se em costume, em moral social. A democracia

participativa cobra um cidadão com ''maturidade intelectual'', que Gramsci falava, mas cobra,

(16)

O realismo pede que meçamos a altura intelectual deste cidadão, idealizado por este projeto

educativo multifacetado, que o Estado deve perseguir, porém sem esquecer que, é este mesmo

cidadão que deve exigir a corporificação das possibilidades abertas ao desenvolvimento pelo

Estado social, no caso brasileiro, formalizado na Constituição de 1988. A cidadania brasileira deve

entender, com Eros Roberto Grau, que ''a Constituição do Brasil, de 1988, define(...) um modelo

econômico de bem-estar'', logo, por sua força inconteste, ''os programas de governo deste e daquele

Presidentes da República é que devem ser adaptados à Constituição, e não o inverso''(GRAU, 2008,

p.45). Qual a cabeça que deve ter o cidadão brasileiro para entender e exigir esta verdade?

Maquiavel, talvez, apontaria um esclarecimeto: ''há três espécies de cabeça – uma que

entende as coisas por si mesma, outra que sabe discernir o que os outros entendem, e , finalmente,

uma que não entende nem por si nem sabe ajuizar do trabalho dos outros (a primeira é excelente, a

segunda é muito boa e a terceira é inútil)'' (MAQUIAVEL, 1983, p.97). A primeira cabeça é de

alguém com consistente conhecimento intelectual agregado ao sublime conhecimento intuitivo,

seria o sábio, como o próprio Maquiavel. A última cabeça é a cabeça cheia de vento, de um bicho

em manada: vai para qualquer lugar que um vento mais forte impulsionar. A segunda cabeça é a do

cidadão responsável, sujeito ético que pensa antes de agir, para agir melhor, sujeito estético que

sabe do belo ou feio do resultado de sua ação na vida da coletividade. Este é o cidadão, garantidor

do desenvolvimento sustentável, pois é capaz de entender, com Rousseau, que ''enquanto o poder

estiver sozinho de um lado, de outro sozinhas as luzes e a sabedoria, os sábios raramente pensarão

grandes coisas, os príncipes mais raramente farão belas coisas e os povos continuarão a ser abjetos,

corrompidos e infelizes''(ROUSSEAU,1983, p.351).

Esta segunda cabeça, que não é a excelente , mas a muito boa, é aquela necessária não à

democracia dos deuses, mas a dos homens. O Estado educador, cultural, determinado na afirmação

do pleno desenvolvimento das virtualidades humanas, deve instaurar políticas públicas a fim

universalizá-la. A educação formal é uma delas. Aliás esta já deve ser a missão maior da escola

cidadã, para a qual Paulo Freire é o referencial humano maior , no Brasil. Porém Gramsci, no

primeiro quartel do século XX, vislumbrara, teorizando que

a escola unitária ou de formação humanista(...) ou de cultura geral, deveria assumir a tarefa de inserir os

jovens na atividade social, depois de tê-los elevado a um certo grau de maturidade e capacidade para a

criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na orientação e na inicativa(GRAMSCI, 2010, p.

36).

Já não custa imaginar que este projeto pedagógico da Educação Fiscal não mais sugere,

como exige, novos paradigmas de caráter ético, político e estético. Estas três dimensões estruturais

(17)

ordem social, pedem não mais reparo, mas substituição de seus fundamentos. Do contrário, tudo

continuará como está. Numa visão apocalíptica, apenas o fim será apressado. Portanto o

pensamento linear, cartesiano, disciplinado, mecanicista, por ainda ser ''o paradigma dominante(...)

é que constiutui o verdadeiro problema de que decorrem todos os outros''(SANTOS, 2003, p. 76),

na síntese de Boaventura de Sousa Santos. Seriam as vigas de uma elevada civilização cultural que

a Educação Fiscal está a defender?

A literatura furtadiana é pródiga em dizer que ''em realidade, a apreensão do que está criando

uma sociedade – no campo das artes, da ciência, da técnica, da ideologia – pode ser bem mais

esclarecedor do que os mais elaborados modelos dos economistas''(FURTADO, 1983, p.57). Assim

este cidadão, orientado por novos paradigmas, percebe que ''para conjecturar sobre o futuro,

necessitamos de uma visão global da realidade social, a qual se funda mais na compreensão do que

na explicação''( FURTADO, 1983, p.57).

Não deve interessar à Educação Fiscal, bem como à democracia, nem ao Estado social, a

inserção popular no mercado econômico, simplesmente para o consumo, mas, sim, para o

atendimento à dignidade humana que a vida material embasa e propicia. Deve interessar à Educação

Fiscal, à democracia, ao Estado social a inserção popular no mercado político, para a cidadania.

Aquele, por si próprio, não conflui à consciência desta. Porém, o consumo torna-se mero

consectário da cidadania, quando esta torna-se cultura, práxis.

A Educação Fiscal pretende preparar a sociedade civil para esta compreensão e o embate

político-ideológico que esta provoca. Se assim não o for, seria deseducação . Deseducação fiscal. A

informação deve servir à formação. Ambas municiam a sociedade civil com o conhecimento e a

determinação para a luta travada, cotidianamente, na arena pública da democracia.

Educação Fiscal não se conforma a uma disciplina estanque, presa a dogmas explicativos de

causa e efeito, aos racionalismos ortodoxos. Se não bastasse a interdisciplinaridade que a Educação

Fiscal arrasta para entendimento da esfera fiscal , o que já remeteria a uma teoria complexa para

apreensão de seu conteúdo, ainda temos que considerar o seu caráter transversal, que lhe permite

avançar por todos os endereços onde pulsa vida humana. Interessa-lhe o homem e a a sociedade, e a

história que os engalfinha.

Tal qual um Quixote que reveste a realidade do mundo concreto com o manto de sua

libertária realidade mental, a Educação Fiscal não quer ''aguardar mais tempo para pôr em prática

seu pensamento(...),tais eram os agravos que pensava em desfazer, os tortos que endireitar, as

sem-razões que emendar, e os abusos que corrigir e as dívidas que satisfazer."(CERVANTES,2010,

(18)

A Europa do pós-guerra ouviu o cavaleiro andante. Não só ouviu. Vestiu-se. Verdade que foi

fustigada, em décadas recentes, por fortes ventos neoliberais que, hoje, ameaçam encolher-lhe as

vestimentas. Mas o Brasil ainda está nu, nu de cidadania. Pior: nu e sem nenhum pudor. A promessa

de cobertor chegou-lhe na Constituição Federal de 1988. Convém lembar, com Filomeno Moraes,

que ''mais do que um simples pacto a firmar as condições do exercício do poder político,

elaborou-se, em 1988, uma 'constituição dirigente', com um programa de transformações políticas,

econômicas e sociais.'' (MORAES,2010, p. 40).

Celso Furtado em O Brasil Pós-Milagre adverte-nos, entretanto , das diferenças dos

processos de industrialização ocorridos na Europa e no Brasil. Aquela, desenvolveu-se, enquanto

este modernizou-se. A cidadania acompanhou o desenvolvimento europeu, o que não ocorreu no

Brasil. ''A luta de classes das sociedades que se industrializaram já no século dezenove situou-se

dentro do sistema econômico, ocorreu entre atores desse sistema, sendo seu objetivo central o preço

da força de trabalho, pedra angular da estrutura de preços e da magnitude do

excedente''( FURTADO, 1983, p. 73). Veja-se portanto que a peleja já se dava em torno da produção

da riqueza, produzida pelos operários que detinham a força para a produção, porém concentrada

pelos industriais que detinham os meios de produção. O Estado de bem-estar nasce pelo

desdobramento destes conflitos, uma vez que ''as projeções políticas dessas lutas de classes

produziram uma nova visão da sociedade que penetrou no próprio pensamento liberal, dando lugar

a um certo consenso em torno da responsabilidade social do Estado''(FURTADO, 1983, p. 74).

Reportando-se as crises do capitalismo, Márcio Pochmann acentua como a Depressão de

1929, também foi ''capaz de fazer com que ricos e poderosos aceitassem as reformas civilizatórias

potencializadoras de um dos mais formidáveis ciclos de expansão sócioeconômica que durou quase

três décadas''(POCHMANN, 2009, p.104/105).

Na Europa, na visão furtadiana, as conquistas sociais obtidas através das lutas de classes,

forçando o Estado a produzir desconcentração de renda e divisão da riqueza produzida, pelo âmbito

fiscal, foram acompanhadas da consciência política destas conquistas. De certa forma andaram

juntos direitos sociais, políticos e civis. Aqui, se dá diferentemente.''O tipo de industrialização que

ocorre no Brasil não leva a essa forma de evolução social. Não desempenhando o operariado

industrial o mesmo papel, a luta de classes dentro do sistema econômico tende a ficar circunscrita ,

sem poder de irradiação'' (FURTADO, 1983, p. 74).

Estas visões retrospectivas do Brasil e da Europa nos ajudam a entender melhor dos distintos

projetos civilizacionais aplicados nos dois continentes: Europa e América Latina. Educação Fiscal

para a democracia real se apresentou na Europa com a diferença de quase um século em relação à

(19)

desenvolvem, a direção e extensão de sua viagem dependem inteiramente de outras

coisas...''(BAUMAN, 1998, p. 160) . Desta forma se podemos imaginar o conceito de Educação

Fiscal, enquanto projeto ético, político e estético, em formação na América Latina, podemos

enxergar, outrossim, as ''bombas'' que a economia desregulada de mercado lhe desfere, no

continente europeu, atingindo-a pelo seu esteio maior: o Estado de bem-estar social.

Programas sociais, governamentais, no Brasil, como o bolsa família, mais revela e faz

emergir a nossa histórica ausência de cidadania do que a atende satisfatoriamente. Há muito por

desenterrar. ''Uma cidadania plena, que combine liberdade, participação e igualdade para todos, é

um ideal desenvolvido no Ocidente e talvez inatingível. Mas ele tem servido de parâmetro para o

julgamento da qualidade da cidadania em cada país e em cada momento histórico"

(CARVALHO,2003, p.9). Nas palavras acima, José Murilo de Carvalho traçando as linhas

valorativas da cidadania, também traçara os limites ideológicos da Educação Fiscal.

O Ocidente, em crise, hoje dá mostras do que lhe custou ''o alinhamento automático às

premissas e conclusões que giravam em torno do Estado mínimo'' (MORAES,2010, p. 182) . A

América Latina, em crise social histórica, percebeu o quanto a falta de cidadania lhe envergonha. O

Brasil caminha de esguelha: cobre-se à sombra das polítcas públicas do Estado social, sempre

fustigadas pelos ventos neoliberais. Porém, há análises econômicas que apontam mudanças de

rumo, e revelam a desenvoltura realista e esperançosa de uma gestão estatal criativa, que estimula o

crescimento econômico, sem deixar de relacioná-lo com políticas redistributivas de renda. O IPEA

trabalha nesta perspectiva. Ouçamos o que diz um ex-presidente do órgão:

somente com o intervalo na adoção das medidas neoliberais desde o início do atual século, que se

percebeu uma melhora relativa nos indicadores socioeconômicos da nação. Essa melhora nos indicadores

econômicos e sociais (expansão significativa dos investimentos e da produção, queda da desigualdade de

renda e na pobreza), mais evidente desde 2004, caso a ousadia criativa e responsável não seja vencida

pelo medo conservador.(POCHMANN, 2009,p. 123)

Pela primeira vez em sua história o Brasil não mais figura no mapa da fome da ONU. Talvez

possa-se deduzir que a democratização e os direitos da pessoa humana, em seus níveis primários de

sobrevivência física, estão sendo levados a sério. Se a caminhada é lenta, o passo parece firme.

Mais forte será se o cidadão souber da sua consciente e decisiva participação, avançando em busca

dos direitos de terceira e quarta dimensões/gerações.

Se atentarmos ao que diz Miguel de Cervantes no destaque acima, não muito nos custaria

perceber a esperança e a luta como combustível que alimenta o motor de um possível mundo justo,

que não se faz sem consciente desprendimento individual e coordenado empreendimento

(20)

Ver-se-á, no momento oportuno, que Educação Fiscal nasceu, como o menino "roseano", na

esperança de satisfazer, pela luta, enquanto praxis, históricas dívidas sociais, como as que o

justiceiro da Mancha, em seu delírio, concebia . Não significa, entretanto, que a Educação Fiscal as

esteja satisfazendo. Nem muito menos que irá satisfazê-las. Não esqueçamos, repito, que a crise da

economia européia, de hoje, ameaça subtrair direitos sociais, árdua e cumulativamente

conquistados. Como nos adverte Márcio Pochmann,

a crise atual é sistêmica e estrutural. Começou pelo coração do capitalismo central, que define o sistema

monetário-creditício, e passou a contaminar pelo mundo o tecido produtivo generalizadamente, com

efeitos sociais e políticos sem paralelo nas últimas sete décadas e ainda não plenamente

conhecidos(POCHMANN, 2009,p. 104)

No Brasil há um pedregoso caminho a vencer. A América Latina ainda ignora o discurso de

uma política fiscal desconcentradora de renda, que eleve o princípio da capacidade contributiva e da

solidariedade tributária , ideologias da cidadania fiscal, aos patamares político, jurídico e moral de

uma sociedade desenvolvida. Para facilitar a compreensão de uma teoria complexa, como é o caso

da Educação Fiscal, enquanto política pública do Estado social, imaginemo-la como cabo de força

estendido entre as pilastras da cidadania fiscal e da cidadania cultural. Se não o cabo de força, a

força do equilíbrio a percorrê-lo, quando distendido.

Da miúda consciência individual , que reflete sobre a prática subjetiva, à vasta conscência

coletiva, que interfere nas políticas estatais, pelo caminho da educação deve-se marchar da

cidadania fiscal à cidadania cultural. Educação Fiscal, por ser emprendimento multi e

transdisciplinar, vive, como a teoria da incerteza de Ilya Prigogine que o fez procurar construir um

''caminho estreito entre essas duas concepções que levam igualmente à alienação, a de um mundo

regido por leis que não deixam nenhum lugar para a novidade, e a de um mundo absurdo, acausal,

onde nada pode ser previsto nem descrito em termos gerais''(PRIGOGINE, 1996, p. 198). Para

fugirmos ao perigo de ter de viver em um destes dois mundos extremos, um projeto abrangente e

integrado entre a ética, a política e a estética pode apontar novos paradigmas para o futuro, que não

seja o dos apocalípticos, sempre pessimistas, nem o dos integrados, demasiadamente otimistas,

usando uma terminologia atribuída a Umberto Eco.

Educação fiscal e uma possível política de emancipação humana

(21)

encontrá-las no terreno da ética e da cidadania, ou seja, na conscientização, reflexão, enquanto

processo permanente e continuado, das ações individuais e sociais. Medir , em cada gesto,

individual ou coletivo, a responsabilidade no fazer, no construir um país justo e desenvolvido

fornece um bom diagnóstico do estágio de liberdade ou de dependência do sujeito histórico e

cultural, que é o homem, bem como do nível de cidadania experienciado.

A ferrugem da corrupção não se encrespa, facilmente, na tez de indivíduo autônomo,

principalmente se esta autonomia está cravada no miolo da sua consciência. Consoante Rousseau, ''é

muito difícil reduzir à obediência aquele que não procura comandar e o político mais esperto não

conseguiria submeter homens que só desejassem ser livres''(ROUSSEAU, 1983, p. 278).

A consciência do agir cria a cultura da cidadania, da responsabilidade pela conquista dos

direitos à formação do cidadão complexo, o qual é indivíduo, é sociedade, é Estado, e é o diálogo e

o combate entre estas esferas. A formação moral de uma outra ordem social é responsabilidade de

todos. Ao Estado social, desenvolvimentista, constitucional, cabe através de seus aparelhos,

planejamentos, instituições, órgãos, legítima e soberanamente constituídos, convocar a sociedade, e

o indivíduo, para a reflexão profunda, de fundamentos reformadores, os quais Gramsci alocara na

cultura e na educação, como cimentos contra-hegemônicos. Por estas instituições, cultura e

educação, a sociedade poderia se aparelhar, melhor e mais consistentemente, ao entendimento

crítico da realidade constituída e a se constituir, estabelecer que

o conceito de equilíbrio entre ordem social e ordem natural com base no trabalho, na atividade

teórico-prática do homem, cria os primeiros elementos de uma intuição do mundo liberta de toda magia ou

bruxaria, e fornece o ponto de partida para o posterior desenvolvimento de uma concepção histórica,

dialética, do mundo, para a compreensão do movimento e do devir, para a avaliação da soma de esforços e

de sacrifícios que o presente custou ao passado e que o futuro custa ao presente, para a concepção da

atualidade como síntese do passado, de todas as gerações passadas (GRAMSCI, 2010, p.43). .

O pleno desenvolvimento da capacidade humana é o estágio, se não último, pelo menos o

mais elevado desta empreitada. O potencial criativo do ser humano e sua espiritualização passam a

ser resgatados da cultura massificada, da economia de mercado, pela cidadania cultural. Se a

entendermos, em conformidade com o pensamento de Marilena Chauí, como prática social, como

''o direito à participação dos cidadãos de intervir na definição de diretrizes culturais e dos

orçamentos públicos, a fim de garantir tanto o acesso como a produção de cultura pelos

cidadãos''(CHAUÍ, 2006, p.138).

No Brasil já temos uma boa base legal e institucional para o cultivo deste novo cidadão, que

deverá ser autor e ator de uma nova ordem social. Temos a vontade soberana popular, expressa na

(22)

se efetiva, de quase nada serve.

A cidadania cultural é o direito do cidadão desenvolver-se culturalmente a fim de tornar-se

um sujeito autônomo, criativo. É o direito à emancipação humana. Pressupõe-se que este cidadão

culto estará melhor preparado para lutar contra toda forma de opressão, a começar pela opressão do

mercado que imprime os valores estéticos, a serem a-criticamente absorvidos pelos indivíduos, com

os olhos voltados para o lucro. Portanto cabe ao Estado, amigo da cidadania e da dignificação

humana, espalhar cultura, amparar e difundir as artes, as manifestações do pensar e do sentir, como

expressões da criação, ou reinvenção humana.

As obrigações constitucionais para este Estado da cultura só aumentam. A música, torna-se

disciplina escolar obrigatória, a literatura é de obrigatoriedade curricular. Ambas bem aplicadas

poderiam ser uma relevante estratégia de estruturação da mudança paradigmática da escola formal,

sensível à sedimentação de um nova cultura cidadã e a formação de um novo sujeito. Pelo sentir e

pelo pensar. Sentir, já que isto é dado a todos, é uma forma, livre e espontânea, de pensar.

Agregue-se às artes, a filosofia e a sociologia, duas novas disciplinas obrigatórias do ensino

escolar brasileiro, e o caldo cultural poderia engrossar. Entretanto, cronologicamente vivendo a

pós-modernidade, vivemos ainda sob os preconceitos pedagógicos e estéticos massificados da

modernidade. Neste sentido o desalento de Nietzsche, que vivera o tempo da modernidade,

antecipando, iconoclasticamente, os valores culturais da pós-modernidade, é atual, por retratar um

tempo desatinado, escravizado pela avidez de um materialismo cobiçoso e esquartejado no

consumismo insaciável do mercado. Como ele diria,

um tempo que sofre da assim chamada cultura geral, mas sem civilização e sem nenhuma unidade de

estilo em sua vida, não saberia fazer nada de correto com a filosofia, ainda que ela fosse proclamada pelo

gênio da verdade em pessoa nas ruas e nas feiras. Em tal tempo, ela permanece monólogo erudito do

passeador solitário, presa fortuita do indivíduo, oculto segedo de gabinete ou inofensiva tagarelice entre

anciãos acadêmicos e crianças(NIETZSCHE, 1983, p. 32)

Esta cultura geral de que fala o filósofo nada mais é do que a falta geral de cultura, o

amesquinhamento e a desqualificação da alma humana que não permitem ao homem conhecer sua

situação histórica, nem mesmo se conhecer a si mesmo e experienciar suas potencialidades, uma

vez que, de acordo com os ensinamentos de Rousseau, não consegue mais ''separar o que pertence a

sua própria essência daquilo que as circunstâncias e seus progressos acrescentaram a seu estado

primitivo e nele mudaram''(ROUSSEAU, 1983, p. 227).

A cultura geral, totalitária, padronizadora, conseguiu a proeza de despersonalizá-lo. Isto

explica, talvez, o ostracismo e o desprezo em que se encontram a filosofia e as artes, mesmo onde

(23)

sobretudo para lobrigar a única saída, sustentável, possível, num mundo de valores éticos

fragmentados e cidadania corrompida: o pensar e o sentir profundos. Por estas pegadas, sigamos o

filósofo:

a filosofia não tem direitos; por isso o homem moderno , se pelo menos fosse corajoso e consciencioso,

teria de repudiá-la e bani-la, talvez com palavras semelhantes às com que Platão expulsou os poetas

trágicos de seu Estado. Sem dúvida, restaria a ela uma réplica, como também restou àqueles poetas

trágicos uma réplica contra Platão. Ela poderia talvez, se a obrigassem a falar, dizer: 'Povo miserável! É

culpa minha se em vosso meio vagueio como uma cigana pelos campos e tenho de me esconder e

disfarçar como se fosse eu a pecadora e vós meus juízes? Vede minha irmã , a arte! Ela está como eu:

caímos entre bárbaros e não sabemos mais nos salvar. Aqui nos falta, é verdade, justa causa: mas os juízes

diante dos quais encontraremos justiça têm também jurisdição sobre vós e vos dirão: - Tende antes uma

civilização, e então ficareis sabendo vós também o que a filosofia quer e pode'(NIETZSCHE, 1983, p.

32).

Desenvolver o pensar crítico, reflexivo, é muito mais fácil num ambiente possuído pelas

artes que inspira imaginação, criatividade. A literatura, que já é a palavra, sentida e pensada, está no

limite da formação reflexiva cidadã. Neste sentido a Educação Fiscal, que objetiva o pleno

desenvolvimento do ser humano, não poderia deixar de agregar valores culturais, filosóficos,

estéticos ao tecnicismo dos tributos e dos orçamentos públicos. Afinal de contas pela movimentação

destes é que se chega à concretização daqueles. A potencialidade da cidadania cultural vira pura

abstração, fantasiosa utopia, deleite de nefelibatas, quando desarticulada dos cordões políticos que

movem as esferas tributárias e orçamentárias. A filosofia e a arte ajudam a tributar com mais

equidade a cidadania, bem como protegem-na com mais substância financeira os seus orçamentos ,

pelo simples, porém determinante, fato de educar o cidadão pelo pensar e pelo sentir..

Qual a ligação entre Educação Fiscal e educação pelas artes? As duas extrapolam o muro

escolar, vai da criança, do ensino fundamental, ao seu mundo externo familiar e comunitário.

Ambas buscam o cidadão inteiro, querem-no pensante, crítico para uma outra ordem social possível.

Cidadão que saiba encadear respostas para as perguntas que a realidade intercontextualizada se lhe

apresenta. Mário de Andrade sabia deste papel revolucionário que as artes inspiram, tanto pelo

aspecto estético como pelo político, tanto pela forma pura como pelo conteúdo engajado, e dizia

contrariado:

ora, a arte sempre teve função social. Nasceu como coisa social e sempre viveu como coisa social que

é(...), a arte pode ser evidentemente um instrumento de combate e aí estão admiráveis instrumentos de

luta como o 'Inferno' de Dante, o D. Quixote, de Cervantes, o Guerra e Paz, do Tolstoi, e tantos mais.

Porém, o que ninguém pode negar é que todos esses combatentes foram admiráveis artistas e que é

justamente pela beleza, de exposição formal de seu pensamento, que eles adquiriram o valor de combate

(24)

Se Mário de Andrade está falando do papel das artes no momento da criação, não podemos

esquecer que elas se destinam, como obras de finalidades e sentidos que são, para um segundo

inabdicável momento que é o da recriação. Portanto a arte é o veículo de comunicação e

transferência do belo entre o autor e o espectador. Este, se não completa aquele, bebe, pelo menos,

da riqueza de sua fonte no simples contato com a obra de arte, por força da energia comunicativa

que esta estabelece entre a emoção que despertou no espectador, agora co-autor, e o mistério da

(in)compreensão, que cada espectador desenvolve.

Fugindo aos preconceitos de classe e a cultura bacharelesca nacional, poderíamos dizer que

todo e qualquer indivíduo é, potencialmente, um artista (Gramsci o vira como filósofo), se não

originário, o que é dado a poucos, com certeza, derivado, o que é permitido a quem guarde as

faculdades emocionais e sentimentais. Este é o papel transformador que a arte incita, e que

Nietzsche também observara na filosofia.

Para a pós-modernidade que reclama sobretudo um cidadão criativo, inovador, a cidadania

cultural, estágio mais espiritualizado da cidadania, exige investimento estatal suficiente para a

formação deste novo cidadão. Zygmunt Bauman pensando a virtualidade da arte moderna, concebe

sua energia inovadora como desafio à criação do novo, uma vez que

a observação de Hans Gadamer de que é incriminador para um objeto de arte simplesmente evocar nos

espectadores os cânones de sua educação estética, ou fazer-lhes recordar outros artistas, em vez de

enfrentá-los com nova e original 'energia de ordenação espiritual' que tanto desafia os cânones que eles

aprenderam como os hábitos memorizados da visão(BAUMAN, 1998, p. 137).

Pela cidadania cultural, algumas questões deveriam ser arguidas, e coletivamente

entendidas. Vejamos algumas. Quem financia a "democratização do acesso aos bens de cultura"

(CF/88, art.215, §3º, IV)? A cultura é necessária à construção de um país desenvolvido? Há

orçamento público suficiente para atender a exigência constitucional acima? Praticamos a

solidariedade tributária, no Brasil, ou prevalece a competitividade tributária, entre classes sociais? A

solidariedade tributária fundamenta-se na força da lei ou na força da cultura e da moral? Já que a

racionalidade permanece insuficiente para instauração de um sistema tributário equânime e

solidário, o que as políticas públicas direcionadas à educação da sensibilidade e da criticidade

cidadã poderiam incitar?

Estas perguntas formam a síntese da cidadania fiscal com a cidadania cultural. Tudo levar a

crer que só o ordenamento jurídico, e os órgãos governamentais, não serão suficientes para

satisfazer a preocupação central daqueles questionamentos. A cidadania parece que não se

implementa, de forma tranquila por lei, mas melhor e mais fortemente com a moral, com a

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realismo político que sua obra inaugura, não descarta a moral para calçar as leis: "assim como os

bons costumes precisam de leis para manter-se, também as leis, para serem observadas, precisam de

bons costumes" (MAQUIAVEL,2007, p.72).

Este ainda parece ser o cerne do conflito dos dias atuais: juspositivismo desprezando o

jusnaturalismo; a ciência , ainda, "se faz do cientista um ignorante especializado faz do cidadão

comum um ignorante generalizado" (SANTOS,2003, p.88), aviltando, assim, o senso comum;

competitividade massacrando a solidariedade; arrogância e prepotência do capital divinizando a

matéria pelo embotamento cultural e o impedimento, sistemático, de qualquer manifestação do

espírito autônomo, criativo e livre.

Por esta falsa dicotomia, que mais revela preconceitos epistemológicos e ideologias elitistas,

o mundo atual ainda está a se debater. Desnecessário relatar o Brasil de leis de país desenvolvido,

amargando os costumes de país corrompido. Depois de mais de duas décadas, a grande maioria do

povo brasileiro ainda espera a Constituição cidadã.

A Educação Fiscal pode conter um olhar novo não só para responder, criticamente, a estas

perguntas, mas para mostrar as relações enredadas de matérias que, num olhar descuidado, parecem

separadas. Um novo paradigma, científico, já está delineado. Resta persegui-lo. É a revolução da

pós-modernidade, trazida pela física quântica, pelo holismo, pela teoria da complexidade, pela teia

da vida. Este é o paradigma que a Educação Fiscal está a sinalizar. Se trata de muitos

conhecimentos é porque quer enxergar o todo e não mais o fragmento de uma disciplina. O

"complexo significa o que foi tecido junto" (MORIN,2011,p. 36).

A verdade é sistêmica, é o todo, é holística. Uma imagem ao mesmo tempo que é

hegeliana, é também autopoiética, é simpática à teoria da complexidade, à cidadania planetária, à

sustentabilidade sócio-ambiental, à tributação solidária e à democracia orçamentária participativa.

A Educação Fiscal investe em muitas frentes, em disciplinas diversas, porque pretende tirar

o cidadão comum da condição de "ignorante generalizado", conforme a percepção de Boaventura

Sousa Santos, e dar-lhe mínimas compreensões da realidade complexa em que ficou a vida, no

mundo pós-moderno, da sociedade pós-industrial. Sem esta visão integrada a cidadania seria uma

dúvida, e a corrupção uma ameaça constante, quando não, uma prática sistêmica e cultural, ou uma

moral naturalizada. Uma teoria da sustentabilidade é o que se prega com a ecotributação: sujeito

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