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Regiane RODRIGUES e Rute CONCEIÇÃO

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Academic year: 2021

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DA LEITURA PARA A ESCRITA: UMA ANÁLISE DA QUALIDADE DISCURSIVA CONCRETUDE EM TEXTOS DO 2º ANO DO ENSIMO MÉDIO

Regiane Ferreira Araujo RODRIGUES (FACALE/UFGD)1 Rute Izabel Simões CONCEIÇÃO (FACALE/UFGD)2 RESUMO: Apresentaremos os resultados de uma investigação que alia uma proposta de ensino de leitura e produção textual a uma pesquisa-ação com a finalidade de promover a compreensão da qualidade discursiva concretude em textos escritos e reescritos por estudantes do 2º ano do Ensino Médio. Para a geração dos dados foi aplicada uma proposta de ensino de leitura e produção textual com enfoque na compreensão e no desenvolvimento dos aspectos discursivos do texto, fundamentada em quatro categorias: qualidade discursiva unidade temática, questionamento, objetividade e concretude. A análise dos dados centrou-se, sobretudo, na busca de indícios da construção do conceito da qualidade discursiva “concretude” por meio da análise comparativa entre a 1ª e a última versão dos textos escritos/reescritos pelos sujeitos. Os resultados apontam para o fato de que os sujeitos apresentaram melhoria no nível de compreensão da qualidade discursiva trabalhada na leitura e na escrita.

PALAVRAS-CHAVE: Leitura; Produção textual escrita; Qualidade discursiva concretude.

Introdução

Neste artigo apresentamos os resultados de uma pesquisa-ação em que buscamos analisar a qualidade discursiva concretude na leitura e na produção textual. O trabalho realizado para a geração de dados enfocou o desenvolvimento discursivo do texto com base em quatro qualidades discursivas propostas por GUEDES (2009). Foi dada especial ênfase no estudo da qualidade discursiva concretude, objeto de análise nas produções escritas pelos sujeitos.

Aliamos à pesquisa-ação uma proposta de ensino de produção textual em sala de aula, com vistas a possibilitar aos alunos do 2º ano do Ensino Médio de uma escola estadual no município de Dourados-MS a melhoria qualitativa da leitura e da produção textual escrita.

Vários autores têm se dedicado à análise das dificuldades nas redações de estudantes (PÉCORA, 1992; COSTA VAL, 1994; CONCEIÇÃO, 2000 e GUEDES, 2009) e, dentre eles, tomaremos por base as pesquisas de Guedes (2009) e de Conceição (2004) a respeito do trabalho com textos baseado nas qualidades discursivas unidade temática, objetividade,

questionamento e concretude.

Para esta apresentação, o recorte da análise corresponderá à descrição dos indícios de compreensão e de construção do conceito da qualidade discursiva “concretude” em 2 textos escritos por 1 sujeito do 2º ano do Ensino Médio, durante o ano de 2013. O corpus total da

1Graduação Licenciatura em Letras – Faculdade de Comunicação, Artes e Letras (FACALE)/Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)/Bolsista PET Letras. regi_dodo@hotmail.com

2Professora da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras (FACALE)/Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Bolsista MEC/SESu/DIPES - Tutora PETLetras. ruteconceicao@ufgd.edu.br.

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pesquisa correspondeu a 76 textos escritos e reescritos por 31 estudantes: 31 textos em 1ª versão, 27 textos em 2ª versão e 18 textos em 3ª versão.

1 Aspectos teóricos

1.1 A leitura na escola e os problemas na compreensão e no desenvolvimento da discursividade

Ao analisar os resultados de pesquisas com textos escritos por estudantes em diferentes níveis de escolarização (Fundamental, Médio e Superior), constatamos que as dificuldades com relação à leitura e à escrita têm acompanhado os estudantes desde a educação infantil até o Ensino Superior. Um dos principais questionamentos daqueles que se dedicaram a analisar o assunto tem sido a respeito da relação entre o desempenho ineficaz na escrita daqueles que apresentamuma leitura deficiente.

Perini3 (citado por ZILBERMAN, 1995) declara que “a maior parte da população brasileira é funcionalmente analfabeta. [...] não integra o significado de um texto apresentado na forma escrita” (p.106). De acordo com o autor, os analfabetos funcionais não conseguem apreender informações simples, nem mesmo de um jornal e “a escola não está conseguindo vencer este problema” (p.107). O principal problema tem sido o fato de que o maior contato das pessoas com a leitura tem se dado, quase exclusivamente, por meio de livros didáticos, na escola.

Nosso aluno, aquele tipo de aluno com quem estou preocupado, vai se alfabetizar funcionalmente através do texto didático ou não vai se alfabetizar funcionalmente de maneira nenhuma, por razões práticas, pois ele não vai ter grande convívio com o resto da produção escrita (p.109).

Perini destaca, ainda, que não é possível adquirir fluência na leitura só com exercícios escritos ou orais, é preciso expor o sujeito a uma prática vigorosa de leitura, afinal

Só se aprende a ler, lendo. (Note-se que não estou falando da alfabetização propriamente, mas da leitura fluente.) Isto é um problema porque nos coloca, obviamente, em um círculo vicioso: nosso aluno vai ter que aprender a ler, lendo e o que ele tem para ler é o livro didático (p.109).

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Transcrição da fala de Perini em mesa redonda realizada no 6º Cole, em Campinas - 1987 e publicado por Zilberman em 1995.

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Na mesma perspectiva do autor, Antunes (1937) ressalta que as atividades de ensino da leitura nas escolas são geralmente “centradas nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita, sem dirigir a aquisição de tais habilidades para a dimensão da interação verbal” (p.27). Em outros termos, nessas circunstâncias, praticamente não há leitura, “porque não há ‘encontro’ com ninguém do outro lado do texto”.

Pécora (1999) frisa que esse diagnóstico não é um caso isolado, é um problema nacional: há ineficácia tanto na leitura como na produção textual escrita. No âmbito da escrita, o escrevente não tem se tornado verdadeiramente autor de seu texto, mas um mero reprodutor de frases feitas e discursos prontos. O que se espera de um escrevente, no entanto, é um texto que vá além de um aglomerado de palavras sem sentido, é a produção escrita com unidade de sentido e que atenda aos critérios mínimos de textualidade. Costa Val (1995, p. 5) destaca que a textualidade pode ser entendida como um “[...] conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases”.

Problemas tais como os relacionados à oração, à coesão textual, dentre outros, culminam no comprometimento da “compreensão do período ou do contexto em que se inserem” (PÉCORA, 1992, p. 32) e, tais problemas, geralmente se iniciaram no processo de alfabetização do estudante perpetuando-se nos níveis posteriores de escolarização. O resultado disso é que os estudantes ficam inseguros de sua proficiência na escrita e quando produzem textos, geralmente são de baixa qualidade discursiva.

Em muitos casos, no ensino da escrita, Antunes (2003, p. 26-27) destaca que o que se tem visto é uma prática de “uma escrita improvisada, sem planejamento ou revisão, na qual o que conta é, prioritariamente, a tarefa de realizá-la, não importa ‘o que se diga’ e o ‘como se faz’”. Essa escrita improvisada, não planejada e sem objetivo claro leva o escrevente a conceber a escrita como uma tarefa escolar e não como uma proposta de interlocução à distância. Não é exagero afirmar que nas aulas de redação ainda se pede ao aluno que produza um texto, geralmente relacionado a temas tradicionalmente estabelecidos (tais como “minhas férias”; “amor de mãe”; “poluição” e por aí vai). A primeira versão é avaliada para a nota do bimestre e nem se fala em reescrita. A correção avaliativa geralmente é feita com base em critérios pouco claros aos escreventes que, geralmente, ficam sem saber por que, para quem e para quê está produzindo tal “texto”. Tampouco sabem de onde saiu a nota que recebem. O critério mais evidente de correção tem sido os aspectos formais, ficando esquecidos os aspectos discursivos.

Tal didática de ensino de produção escrita resulta em sérios problemas de discursividade na escrita. Conceição constatou, assim como os demais autores investigados,

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que essas “produções textuais [...], em sua maioria, são pobres de significados, repetitivas, repletas de estereótipos o que as torna cansativas e chatas de serem lidas” (1999, p. 09).

No que se refere aos critérios discursivos, na proposta implementada nesta pesquisa-ação, foram utilizados como critério de análise dos textos as quatro qualidades discursivas já mencionadas.

De acordo com a autora, não há sentido no ensino da escrita se o objetivo não for o de melhorar qualitativamente o discurso do aluno e isso se dá através da reescrita do texto produzido por ele a partir de uma orientação fundamentada em critérios bem determinados (CONCEIÇÃO, 1999, p.14). O processo contrário resulta na crescente “destruição” do discurso do aluno. Essa “destruição” do discurso do escrevente, para a autora, corresponde ao fato de que, quanto mais adiantado na escolarização, mais dificuldade o escrevente apresenta para assumir a autoria do seu dizer. É partindo desse pressuposto que a autora defende a necessidade de uma “(re)construção da discursividade do escrevente”. Segundo Conceição (2002, p. 50), para que o aluno possa “(re)construir” seu discurso, é necessário que o ensino de produção textual procure centrar-se mais numa correção formativa e que oriente o processo de reescrita com foco no desenvolvimento das qualidades discursivas do texto do que nos aspectos formais e na correção avaliativa.

No trabalho com as qualidades discursivas, a leitura e a análise qualitativa de diferentes textos (textos modelo, que apresentem boa qualidade discursiva; ou textos em fase de elaboração, que se apresentam em fase de escrita e reescrita) é sempre o ponto de partida. Leem-se muitos e variados textos que são analisados com base nas quatro qualidades discursivas para que os escreventes possam estabelecer parâmetros qualitativos para as suas produções.

Sendo assim, o processo de ensino da escrita efetivado nesta pesquisa-ação foi conduzido priorizando atividades de leitura, de análise, de compreensão e de produção textual que visavam possibilitar ao escrevente o desenvolvimento qualitativo do seu texto.

1.2 As qualidades discursivas direcionando o processo de leitura e de escrita 1.2.1 Qualidade discursiva unidade temática

Todo texto precisa de um fio condutor, de uma questão central em torno da qual o discurso se desenvolverá. Ao se definir a questão central, tudo o que for tratado no texto deverá estar de tal maneira “amarrado”, que seja possível ao leitor identificá-la no percurso de leitura e de análise de todo o texto.

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Conforme orienta Guedes (2009), ao se produzir um texto com tipologia predominantemente narrativa deve-se tratar apenas de um aspecto central, podendo ser uma dificuldade, uma paixão, um hábito, uma particularidade, dentre outros. O narrador precisa colocar, diante do seu leitor, somente o que seja de mais importância a respeito da questão tratada. Tudo o que não estiver de alguma forma relacionado à questão central do texto, deve ser suprimido, pois prejudicará a unidade temática. Em outros termos, um bom texto, não apresenta questões concorrentes entre si. Estabelecida a questão central, tudo no texto deverá girar em torno dela.

Conceição destaca que a unidade temática é a primeira questão a ser observada,

analisada em um texto, visto que “sem ela não é possível averiguar a presença das outras

qualidades discursivas, nem sequer é possível falar em textualidade” (1999, p.49). Em outros termos, um texto sem unidade, não será um texto, será um amontoado de frases em “forma de texto”.

1.2.2 Qualidade discursiva questionamento

Um bom texto narrativo (independente do gênero) precisa levar o leitor a encontrar um bom motivo para lê-lo. Deve prender a atenção do leitor envolvendo-o na trama que cria. Para isso, segundo Guedes, é preciso considerar o tema de que vai tratar como “um problema a ser resolvido, ou, pelo menos, a ser equacionado, a ser apresentado” aos leitores (2009, p. 103), ou seja, deve-se fugir do “lugar-comum”, dos discursos prontos. É preciso dar ao tema, que é de todos, um olhar único, inédito. A presença dessa qualidade no texto evita que o escrevente caia no lugar-comum e permite que se torne autor de sua narrativa.

Afirma Conceição (1999) que o questionamento “é a qualidade que leva o leitor a ser convocado a agir, a mover-se junto com o texto, a mobilizar energias intelectuais para concordar com as soluções propostas ou mesmo para discordar delas”. (p. 52).

1.2.3 Qualidade discursiva objetividade

As duas primeiras qualidades estão voltadas para uma análise mais global do texto, enquanto esta qualidade e a qualidade concretude estão voltadas para as particularidades do desenvolvimento textual. Assim, a objetividade está intimamente relacionada à concretude, ambas se completam. A objetividade consiste em oferecer ao leitor elementos textuais que o levem a entender o que está sendo proposto, sem que se veja na obrigação de adivinhar aquilo que não está passível de inferir. Para isso, é preciso que o escrevente se antecipe às possíveis dúvidas de seu leitor:

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Para adotar tal atitude, o autor precisa desprender-se de si mesmo e movimentar-se em direção ao outro, pôr-se no papel dele, transformar-se em leitor do seu texto, calculando quais seriam os dados necessários para que o leitor fizesse o movimento intelectual que se deseja que ele faça (GUEDES, 2009, p. 119).

Um texto que não traz informações suficientes, ou que traz elementos desnecessários, provavelmente estará falhando na qualidade objetividade. Essa qualidade tem íntima relação com o grau de informatividade que deve ser proporcionado na justa medida ao leitor. É essa justa medida de informatividade que desperta o interesse do leitor pelo texto.

Segundo Conceição (1999), a objetividade “consiste em dar ao leitor os dados necessários para que ele entenda o texto apenas lendo-o, pois conteria todos os elementos necessários ao entendimento da, digamos, mensagem [...]. A objetividade leva um texto à

concretude” (p.49).

1.2.4 Qualidade discursiva concretude

A qualidade discursiva concretude pretende levar o escrevente a atentar-se ao fato de que o leitor precisa “visualizar” a cena daquilo que se relata no texto.

Um texto com concretude foge do chamado “lugar-comum”, evita repetições de frases feitas e de discursos prontos: “Há concretude no texto quando se evitam as generalidades e imprecisões dos signos abertos, cujo significado o leitor pode preencher com o sentido que quiser atribuir a eles” (CONCEIÇÃO, 1999, p.50).

A concretude, como o próprio nome já diz, tem o sentido do que é concreto. Essa qualidade exige que o escrevente procure ir além do dizer que expressa o lugar-comum. Essa qualidade diz respeito ao fato de que o texto deve “mostrar” muito mais do que apenas dizer ou informar o leitor. Um texto com “concretude”, no sentido em que aqui está sendo tomada, deve proporcionar clareza ao sentido do que se está querendo dizer. Desse modo, ao trabalhá-la, o intuito foi levar os estudantes a produzirem seus textos com uma “concretude” tal que possibilitasse ao leitor confrontar o “sentido particular” que já tem para si, das palavras e ações com o que o texto diz (CONCEIÇÃO, 2000, p. 113). Para exemplificar, apresentamos um trecho de um dos textos produzidos em 1ª versão por uma escrevente, sujeito desta pesquisa, em que se pode constatar a ausência da qualidade discursiva concretude:

Será que vai rolar?

Era a pergunta que mais habitava meus pensamentos. Ele era do tipo perfeito, o

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Quando a escrevente relata que o “menino dos sonhos” era “perfeito”, o leitor não consegue confrontar o sentido do termo “perfeito” apresentado no texto com o sentido particular que já possui para si. O uso da expressão “perfeito”, nesse caso, corresponde a uma avaliação que o escrevente faz do personagem, deixando o leitor sem informações suficientes para concordar ou discordar. O que é um “menino perfeito” para o escrevente, pode não o ser para o leitor. Nesse caso, devem ser dadas informações descritas nas cenas que permitam que o leitor avalie e conclua o quão perfeito ou não é o personagem..

Na 3ª versão de seu texto, a escrevente procura dar certa concretude à expressão “perfeito”:

Ele era do tipo perfeito. Olhos castanhos claros, alto, estudioso, simpático e muito amigo, o menino dos meus sonhos.

A qualidade discursiva concretude pretende levar o escrevente a atentar-se para a necessidade de tratar das informações e das particularidades do seu texto com riqueza de detalhes sem torna-lo cansativo ao leitor. O escrevente atento à qualidade concretude irá preocupar-se em tornar o texto atrativo e interessante ao leitor, levando-o a sentir prazer na leitura.

Na proposta aplicada, procuramos seguir uma perspectiva de ensino orientada por Conceição (2000), a partir de quem planejamos o desenvolvimento de uma proposta de ensino de leitura e produção textual para alunos do 2º ano do Ensino Médio que promovesse o desenvolvimento qualitativo dos textos. As produções resultantes dessa experiência foram analisadas com o objetivo de avaliarmos se houve melhoria qualitativa, em especial, na qualidade discursiva “concretude”.

2 Metodologia: a pesquisa-ação, os sujeitos participantes e o critério de análise dos textos

Este trabalho trata-se de uma pesquisa-ação e, como tal, além dos estudantes que participaram das atividades, esta pesquisadora em formação, também se constituiu sujeito da pesquisa para alcançar o objetivo proposto. O trabalho didático para o ensino da produção textual deu-se por meio da aplicação de uma proposta de ensino de produção textual que envolveu planejamento, observação, ação e reflexão a respeito das experiências vivenciadas.

Dentre os objetivos, destacam-se o intuito de acrescentar melhorias à qualidade discursiva das produções escritas dos sujeitos participantes por meio da interação professor-texto-escreventes, pois, como afirma Antunes (2003), “A escrita, como toda atividade

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interativa, implica uma relação cooperativa entre duas ou mais pessoas” (p.44). Sendo assim, o professor-pesquisador em formação na qualidade de sujeito participante, cooperador, teve papel essencial no processo de aprendizagem dos alunos e também aprendeu ao tornar as aulas de produção textual um encontro de parceria de indagações, de reflexões, de dúvidas e de busca de respostas para as questões que não estavam pré-estabelecidas, entre os sujeitos envolvidos.

A professora-pesquisadora em formação, graduanda em Letras/Literatura pela Universidade Federal da Grande Dourados, teve a oportunidade de cursar, dentro da grade curricular, uma disciplina4, na qual se deparou frente a uma realidade desafiadora: houve

momentos no desenvolvimento da disciplina que a pesquisadora em formação chegou à conclusão de que não sabia escrever tão bem como imaginava. Nessa disciplina, a proposta de ensino foi pautada no uso das qualidades discursivas como critério de análise e correção dos textos produzidos em sala, fato que despertou o interesse desta pesquisadora em formação de experimentar a realização desta pesquisa.

Na pesquisa-ação que desenvolvemos, o envolvimento dos sujeitos participantes, os alunos-escreventes, foram de suma importância para que tal trabalho pudesse ser realizado. A turma era composta por 31 estudantes. A classe era conhecida na escola como uma “boa turma” pelo fato de serem alunos disciplinados, que procuravam desenvolver as atividades propostas pelos professores. Em outros termos, eram estudantes que não apresentavam problemas comportamentais, o que, de certa forma, facilitou a realização da pesquisa. Porém, com relação à leitura e à escrita, a turma demonstrou ter sérias dificuldades de compreensão de leitura e de produção textual.

As aulas foram realizadas no período matutino, nas duas primeiras aulas (50 minutos cada), somando-se um total de 10 aulas. Foram 5 encontros de março a abril de 2013. Esse período, embora considerado insuficiente por nós, foi estipulado pelo professor titular da turma que alegou que haveria prejuízo no desenvolvimento dos conteúdos, caso o tempo fosse estendido. Conclui-se dessa observação, que há uma dificuldade em “enxergar” o ensino da leitura e da escrita como um conteúdo a ser ensinado, ainda que os PCN-EM proponham exatamente essa aliança entre os conteúdos a serem ensinados nas aulas de Língua Portuguesa.

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Para a análise comparativa dos 49 textos, sendo 31 textos em 1ª versão e 18 textos em última versão, e do texto aqui apresentado para exemplificar a análise, foi utilizada a seguinte Lista de Controle5 das qualidades discursivas.

Quadro 1 – Lista de controle para análise das qualidades discursivas

*Lista de Controle das qualidades discursivas utilizada na disciplina Escrita e Ensino/FACALE/UFGD.

5 Lista de Controle criada pela profª da Disciplina Escrita e Ensino da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras/UFGD, Dra Rute Izabel Simões Conceição, para analisar os textos dos alunos de sua disciplina e gentilmente cedida para esta pesquisa.

LISTA DE CONTROLE DAS QUALIDADES DISCURSIVAS Tema: “Relato de uma emoção forte” - Aluno:

ASPECTOS RELEVANTES 1ª Versão última

Versão QUALIDADE DISCURSIVA UNIDADE TEMÁTICA Sim Não Sim Não Há uma questão central que funciona como um fio condutor em todo o texto?

Os fatos e informações estão todos correlacionados com a questão central? Há questões concorrentes no texto com o mesmo destaque da questão central? Há informações secundárias que, eliminadas, não prejudicam a compreensão?

QUALIDADE DISCURSIVA QUESTIONAMENTO A questão central é problematizada adequadamente? Há algum conflito?

A questão central é trabalhada de forma inusitada no texto, marca um “olhar particular” do autor sobre a questão proposta?

A proposta de solução ou o equacionamento da questão está bem trabalhado? O autor assume o seu dizer e evita o lugar-comum, as frases de efeito?

QUALIDADE DISCURSIVA OBJETIVIDADE Há suficiência de informações a respeito da questão central para que o leitor consiga apreendê-la satisfatoriamente?

Há informações em excesso – é desconsiderada a capacidade de inferências? Há a presença de fatos ou informações sem correlação com a questão central? A previsão de contra-argumentos ou dúvidas do leitor está adequada? As informações estão numa sequência lógica, sem antecipação inadequada?

QUALIDADE DISCURSIVA CONCRETUDE Há cenas e dados convincentes, que prendem a atenção do leitor no texto? Evita “termos abstratos” que diluem a especificidade dos sentidos no texto? Há trechos em que a descrição dos fatos não é convincente ou os dados são incompletos para que o leitor formule hipóteses e tire conclusões próprias?

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3 Análise dos dados e discussão dos resultados

Antes de demonstrarmos a análise dos textos, descreveremos sucintamente a primeira aula que, de certo modo, serve de parâmetro para se ter uma noção geral do desenvolvimento da proposta. No primeiro dia de aula, a pesquisadora em formação se apresentou informando o que mais gostava de fazer e solicitou aos alunos que se apresentassem da mesma forma. Essa foi uma estratégia de “quebra-gelo” uma vez que os estudantes e pesquisadora em formação não se conheciam.

Após as apresentações, a pesquisadora em formação informou aos estudantes a respeito da proposta de trabalho sobre leitura e produção textual escrita e explicou que o objetivo seria o de levá-los a desenvolverem a capacidade de compreensão de leitura e de escrita. A reação não foi muito agradável. Houve reclamações do tipo “detesto escrever”,

“odeio redação!”.

Pediu-se que escrevessem um texto para o tema “relato de uma emoção forte”, escrito na lousa, no qual poderiam relatar um fato que tivesse marcado suas vidas. Depois de escrita a 1ª versão, foi feita uma leitura silenciosa de um texto modelo6: O homem nu, de Fernando Sabino. A primeira atividade de leitura, que denominamos de nível 1 de compreensão, os estudantes fizeram uma leitura individual para estabelecer um primeiro contato com o texto.

Em seguida foi feita uma leitura oral do texto modelo, pela pesquisadora em formação. A esta leitura denominamos de nível 2 de compreensão. Neste caso, a leitura foi feita com entonação, respeitando-se os sinais de pontuação, dentre outros aspectos que poderiam contribuir para uma melhor compreensão.

O nível 3 de compreensão consistiu em explorar, analisar o texto coletivamente segundo as quatro qualidades discursivas estabelecidas como critério de análise para os textos-modelo e para os textos em fase de elaboração pelos alunos: as qualidades discursivas

unidade temática, questionamento, objetividade e concretude.

Do segundo dia de aula em diante, trabalhou-se cada uma das qualidades discursivas em particular, sendo que a qualidade discursiva concretude foi a mais frisada durante as aulas, visto que o foco da nossa pesquisa recaiu sobre ela. Os estudantes foram sendo incentivados e orientados a descobrirem os aspectos discursivos tanto nos textos apresentados como modelo como em seus próprios textos.

6 Textos com autoria, já publicados, que apresentam as quatro qualidades discursivas utilizadas como critério de análise.

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A seguir apresentamos os resultados das análises realizadas em 31 textos analisados comparativamente entre 1ª e última versão7, em que demonstraremos, através de recortes selecionados, o processo de construção da qualidade discursiva concretude.

Foram analisados 49 textos de 31 alunos8, divididos em: 31 em 1ª versão e 18 em última versão, em que se procurou buscar indícios do desenvolvimento das qualidades discursivas trabalhadas em sala de aula, conforme tabela 1 a seguir.

Antes de apresentarmos a Tabela 1, cabe esclarecer o porquê da quantidade de textos em 1ª e última versão serem diferentes:

 Os alunos não eram obrigados a reescreverem um nº “x” de textos. Deveriam reescrever até que apresentassem todas as qualidades discursivas (cada aluno tem um ritmo diferente);

 Era comum na sala a oscilação na frequência às aulas;

 O tempo estabelecido pela escola para a realização da proposta chegou ao fim e tivemos que interromper o trabalho, mesmo sendo necessária a continuidade para que os alunos pudessem reescrever novas versões;

 Os estudantes tiveram muita dificuldade de compreender o conceito de reescrita. Eles entendem reescrita como sinônimo de “passar o texto a limpo”. Tal fato foi observado ao reclamarem que não haviam recebido nota na primeira versão;

 Algumas aulas tiveram que ser utilizadas para o diagnóstico e o trabalho com questões formais, visto que os alunos apresentavam grande dificuldade nesses aspectos também.

Tabela 1 – Resultado quantitativo da análise das qualidades discursivas para o tema “Relato de uma emoção forte”

PRESENÇA DAS QUALIDADES DISCURSIVAS Qualidade

Discursiva 1ª versão – 31 textos Última versão – 18 textos

Unidade temática 26 (indícios) 15 (indícios)

Questionamento - 6 (indícios)

Objetividade - 9 (indícios)

7 Textos transcritos ipsis litteris.

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Concretude - 9 (indícios)

Conforme descrito na tabela 1, dos textos analisados em 1ª versão, 26 possuíam apenas a qualidade discursiva unidade temática. Faz-se necessário observar que quando dizemos “apresentou a qualidade discursiva” estamos nos referindo a indícios de presença de determinada qualidade discursiva e não à presença suficientemente explicitada, no texto, dessa qualidade. Dos 18 textos em última versão, 15 apresentaram indícios da qualidade discursiva unidade temática; 6 apresentaram indícios da qualidade discursiva

questionamento; 9 apresentaram indícios das qualidades discursivas objetividade e concretude.

Como se pode observar na tabela 1 houve uma grande dificuldade, por parte dos alunos, em compreenderem o conceito das qualidades discursivas e, consequentemente, em se produzir textos com boa discursividade.

3.3. Resultado da análise qualitativa da qualidade discursiva Concretude

Apresentamos o texto de S1 em 1ª versão, com comentários do pesquisador em formação e, em seguida, destacamos a lista de controle a partir da qual fizemos a análise comparativa entre a 1ª e a última versão.

S1 – 1ª versão - tema: relato de uma emoção forte

Perda, sinônimo de saudade

Posso dizer que tive um avô muito presente, cuidadoso, mas que por reflexos de uma vida desregrada com abuso de bebidas alcoólicas na juventude e acompanhada de cigarros o levou a enfisema pulmonar. Meu avô Celso transmitiu princípios, histórias do seu tempo de boêmio, muita atenção e amor.

No inverno de 2005 sua saúde ficou debilitada, com várias internações, mudou a rotina da família que frequentemente se instalava no hospital Santa Rita Por maior que fosse a dor, o incômodo que ele sentia, sua resposta para a pergunta: “Como o senhor está?”, sempre era em meio a um sorriso, dizendo: “Neguinha do avô, não precisa se preocupar!”. Um homem que até hoje sinto orgulho, mesmo com os defeitos de ter sido

2. Quais princípios e histórias? Como era esse tempo de boêmio? Leve o leitor acreditar no que você está contando! 4. Como o quê, por exemplo? 1.presente e cuidadoso como? 3. Sistemátic o de que forma? Que regras eram essas?

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sistemático, cheio de regras. Nos deixou no dia primeiro de julho daquele mesmo ano.

Então naquele momento realmente senti o grande impacto que é a perda de um alguém tão fundamental e com passar dos dias, meses e anos a saudade só aumenta, penso na falta que me faz, nas tantas coisas que poderíamos ter feito juntos. O importante é que com tudo isso também aprendi que devo ser o melhor que eu puder para que, como o meu avô, eu transmita bons sentimentos e quando me for deixe ótimas memórias.

Comentário do pesquisador em formação: Você tem uma boa história para contar, só precisa problematizá-la. O leitor não conhece a história, é preciso convencê-lo do que você está dizendo.

Destacaremos alguns recortes do texto de S1, para demonstrar os indícios de construção da qualidade discursiva concretude a partir do que foi trabalhado em sala de aula:

Recorte 1 - 1ª versão do texto de S1 para o tema “Relato de uma emoção forte” Perda, sinônimo de saudade

Posso dizer que tive um avô muito presente, cuidadoso, mas que por reflexos de uma vida desregrada com abusos de bebidas alcoólicas na juventude e acompanhada com cigarros o levou a enfisema pulmonar. Meu avô Celso transmitiu princípios, histórias do seu tempo de boêmio, muita atenção e amor.

[...]

No recorte 1 do texto de S1, verificamos que o escrevente afirma: “tive um avô

muito presente, cuidadoso [...] transmitiu princípios, atenção e amor”. Essas

características do avô precisariam ser especificadas, descritas, dadas a “ver” concretamente ao leitor. Essas são expressões que podem ter diferentes sentidos e, se o escrevente não informar o leitor a respeito do “exato” sentido que pretende dar a elas, este terá que “interpretá-las” a partir de suas experiências e não a partir do que o texto propõe ao leitor. Em outros termos, ao ler o texto, o leitor se depara com informações que podem ter um significado pretendido para S1, contudo, o leitor distante, terá que “adivinhar” ou ficar se perguntando: “muito presente”, como? “Cuidadoso” em que sentido? “Transmitiu” que tipo de “ princípios”? E assim por diante. Em resumo, o comentário do pesquisador em formação-leitor evidencia a fragilidade das qualidades discursivas objetividade e concretude no texto do sujeito.

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Recorte 2 – última versão do texto de S1 para o tema “Relato de uma emoção forte” Perda, sinônimo de saudade – última versão

Posso dizer que tive um avô que me cuidava, me ensinou a nadar, toda vez que ele

ia ao centro da cidade me trazia algo, um acessório ou então alguma coisa de comer.

Na última versão reescrita, S1 procura “mostrar” o quão presente, cuidadoso, atencioso e amoroso foi esse avô. Ainda que pudesse ter descrito com mais precisão, nessa versão, o escrevente apresenta alguns dados ao leitor a respeito de “como” esse avô era cuidadoso, amoroso e presente. Certamente que outras cenas que evidenciassem esse “cuidado” do avô poderiam ser criadas, contudo, embora não estejam totalmente satisfatórios, esses dados já evidenciam indícios de que S1 começa a se preocupar com a qualidade discursiva concretude em seu texto.

Outro trecho que poderia ser melhor explorado pela escrevente é a afirmação que o avô era boêmio, conforme se pode verificar no texto seguinte: “Meu avô Celso transmitiu princípios, histórias do seu tempo de boêmio, muita atenção e amor”. Em vez de simplesmente afirmar que o avô era boêmio, S1 poderia ter criado cenas que dariam concretude e permitiriam que o leitor concluísse a respeito de tal característica do avô. Isso certamente leva o leitor a ter uma participação mais ativa na construção dos sentidos do texto prendendo sua atenção à leitura.

Considerações finais

Dentre as principais constatações que chegamos, destacam-se o fato de que os alunos desconhecem o conceito de reescrita e apresentam inúmeras dificuldades de compreensão daquilo que leem. Concebem o texto como passível de uma única versão escrita e de uma única interpretação.

Apesar de apresentarem essas dificuldades, constatamos que a utilização de critérios claros e previamente estabelecidos para a análise dos textos trabalhados com os alunos possibilitou-lhes alguns avanços no que tange à reformulação do conceito geral de leitura e de escrita. Contudo, esse trabalho deveria ser feito continuamente para que o resultado fosse satisfatório, o que não foi possível em 5 aulas de 50 minutos.

Ficou patente para nós, pesquisadora em formação, a nobre lição que aponta para o fato de que é necessário haver uma ressignificação do conceito de ensino de leitura e de escrita na escola, caso contrário ficaremos comodamente nos indignando do trabalho que não realizamos e que esperamos que os alunos aprendam.

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Além dos problemas discursivos que os textos apresentam, constatamos que os problemas formais são tão frequentes e diversificados quanto. Considerando os teóricos consultados, o que se tem estudado nas escolas são, sobretudo, regras gramaticais e, mesmo assim, verifica-se um alto índice de problemas dessa ordem, inclusive os ortográficos.

Um dos focos do problema, ao que parece, está no fato de ensinar as regras gramaticais por si só, por meio de frases destituídas de sentido. Não tivéssemos a firme certeza de que a discursividade precisa ser antes resgatada, certamente seríamos seduzidos pelo canto da sereia dos aspectos gramaticais que também precisam ser socorridos, mas não antes que os escreventes retomem as rédeas do seu dizer.

Outro problema detectado é o fato de que não se tem tempo para ler em sala de aula. Ler parece ser sinônimo de perda de tempo. Se, como afirma Perini, o aluno só aprenderá a ler, lendo, podemos dizer o mesmo a respeito da escrita: só se aprende a escrever, escrevendo. A sensação que fica é que urge uma mudança radical no processo de ensino de leitura e de escrita em língua portuguesa na escola.

Referências

ANTUNES, Irandé. Aula de Português: encontro & interação. – São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

CONCEIÇÃO, Rute I. S. O ensino de produção textual e a (re)construção da competência discursiva do aluno. In: Trabalhos em Linguística Aplicada. Campinas, SP: UNICAMP/IEL, 2002, n.40, jul/dez, p.45-62.

_____. A reconstrução da discursividade na escrita: da redação escolar ao discurso.

Dissertação de Mestrado em Letras. 229 f. Porto Alegre: PPG Letras UFRGS, 1999.

COSTA VAL, Maria da Graça. Redação e Textualidade. 1ºed. São Paulo: Martins Fontes,

1994.

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e Coerência textuais. 11ª ed. – São Paulo: Ática, 2009.

GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação à produção textual: o ensino da escrita. – São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

PÉCORA, Alcir. Problemas de Redação. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros Orais e Escritos na Escola. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004.

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ZILBERMAN, Regina. “Natureza interdisciplinar da leitura e suas implicações na metodologia do ensino” in: Antologia Comemorativa pelo 10 Cole. Campinas: Mercado das Letras, 1995.

Referências

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