• Nenhum resultado encontrado

Estrategias dos unicos : a questão autoral na fotografia

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Estrategias dos unicos : a questão autoral na fotografia"

Copied!
174
0
0

Texto

(1)

Mestrado em Multimeios

ESTRATEGIA DOS UNICOS.

A

QUESTAO AUTORAL NA FOTOGRAFIA.

MAURICIUS MARTINS FARINA

(2)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

Mestrado em Multimeios

,

,

ESTRATEGIA DOS UNICOS.

A QUESTAO AUTORAL NA FOTOGRAFIA.

MAURICIUS MARTINS FARINA

Dissertayao apresentada ao programa de p6s-gradua9iio em Multimeios como requisito parcial para a obten9iio

do Titulo de Mestre sob a orienta~ao

do Prof. Dr. Julio Plaza Gonzalez

(3)

F226e

Farina, Mauricius Martins.

Estrategia dos unicos : a questao autoral na fotografia I Mauricius Martins Farina - Campinas, SP : [s.n.], 1997.

Orientador: Julio Plaza Gonzalez.

Disserta9ao (mestrado)- Universidade Estadual de Campinas, lnstituto de Artes.

1. Fotografia.

I.

Plaza Gonzalez, Julio.

II. Universidade Estadual de Campinas. lnstituto de Artes. Ill. Titulo.

(4)

Para Marta, para o Lui, e para meu pai.

(5)

Resumo

Esta dissertar;ao propoe uma leitura sobre a questao da "fotografia de autor". Sao abordados, neste trabalho, a dimensao estetica da fotografia e sua estrategia criativa a partir, principalmente, dos estudos criticos da linguagem e da comunicar;ao de Roman Jakobson.

Dividido em seis capitulos, o trabalho apresenta reflexoes sobre o stgno fotognifico e suas especificidades, enquanto meio de articular;ao de ideias; sobre o engajamento entre o fot6grafo e seu referente; os sentimentos e as emor;oes do fot6grafo; a fisicalidade do processo, e sobre os aspectos da sintaxe do signo fotognifico e suas rela<;:oes como signo criativo.

A problematiza.yao da ideia de uma "fotografia de autor"; e uma questao relativa

a

precariedade dessa fotografia enquanto "genero".

Neste trabalho, nao se objetiva resolver essa falta, mas apenas constituir urn paralelo entre imagens fotograficas e o seu conceito - a partir de aspectos de forma e de conteudo - para evoluir numa compreensao que possa transcender essa aparente precariedade que se torna relativa no dominio de uma "fotografia de autor".

(6)

IN

DICE lntrodw;ao -Capitulo I 1.1 0 signo folognifico -1.2 - Modelos de Cl<pressao -1.3 -A questiio autoral

1.3.1 0 problema de uma idcia de genero -1.3.2 -A inforrna9iio singular

-1.4- 0 cspelho e a lupa

1.5 Bibliografia -Capitulo II

2. 1 -lnforma,ao documental c informa9iio semantica 2.2 A fotografia documentaria: uma ideologia -2.3 -Sebastiao Salgado: uma poetica documental -2.3. I -Uma belcza que cstranha

2.3.2 Uma pedra na cabe9a -2.33 - Proximo do naturalismo

2.4-Uma irnagcm verossimil x uma irnagcm dcrnag6gica 2.5 Bibliografia

-Capitulo III

3. I - A fotografia como expressiio do autor

-3.2-0 problema dos limites na imagem emotiva -3.3 -Uma consciencia infeliz

-3.4-0 simulacro

-3.5 -Bibliografia -Capitulo IV

4. I -Uma indicativa para o receptor

-4.2 -A fotografia dirigida

-4.3 -A mensagem como produto

-4.4-Perda da aura em favor da mensagcm -4.5-Bibliografia

-Capitulo V

5. I -Na natureza 6ptica do dispositivo -5.2 - Urna fotografia na pelc da imagem -5.3 - 0 distante co p r o x i m o

-5.4-Brassal: a luz como contato 5.5 Bibliografia

-Capitulo VI

6. I - A fotografia autorcferente

-6.2 -A fotografia como experiencia

-6.3 Alexandre Rodtchcnko: o estranhamento da visao

-6.4-Uma poetica da instantaneidade 6.4. I 0 obturador co olho

-6.5 -Trcs cxcmplos e um contrario -6.6-Bibliografia

Conclusao Bibliografia geral Outras fontes de pesquisa indice da imagcns --01 -05 -07 -10 - 16 -20 -22 -29 -30 -33 -39 -44 -47 -49 -52 -58 -59 -64 -66 -73 -78 -79 -82 -83 -93 -96 - 97 -99 - 101 - 108 - 115 - 116 - 121 - 129 - 138 - 143 - 152 - 157 - 158 - 164 - 167 -168

(7)

Podemos situar a "fotografia de autor" como uma fotografia em que os fot6grafos sao abra<;ados por uma inequivoca dimensiio estetica, sendo este ato compreendido na rela<;:iio entre o autor e a sua obra e entre esta obra e a sua dimensiio publica. Ou seja denomina-se como "fotografia de autor", a fotografia de urn sujeito que articula urn discurso que reflete uma singularidade autoral; o que implica numa ideia de frui<;iio de uma obra estetica no ambito cultural de uma sociedade.

A utiliza<;:iio desta provavel categoria denota uma necessidade de defini<;iio territorial desta "fotografia" em rela<;iio a existencia de outras: fotografia publicitaria, jomalistica, amadora, etc. A ideia de uma "fotografia de autor" parece querer indicar para uma dimensiio estetica, criativa, ja que o conceito de autor, nesse caso, implica numa pessoa que organiza urn sistema poetico proprio.

Esse aspecto, no entanto, serve apenas ao destino comunicativo que se estabelece entre o universo dos autores e a frui<;ao de suas obras, ja que o problema de fundo, a "fotografia de aut or", nao e uma categoria mas uma generalidade, e niio suporta a menor das verifica<;:oes enquanto uma conceitua<;iio que possa dar conta de definir uma estrategia comunicativa em suas especificidades.

Niio se pode supor que Sebastiiio Salgado perten<;:a it mesma "categoria" de urn fot6grafo como Ansel Adams, mas ambos podem ser considerados ''fot6grafos autores". Neste trabalho, a fotografia aparece enquanto urn "meio expressivo e autoral" essa dificuldade e o corpo da sua base pragmittica.

Se ha algum embara<;:o inicial em niio poder contar com classifica<;oes aferidas precisamente sobre as diversas vertentes que existiriam na fotografia de autor, ja que como se disse o conceito de fotografia de autor e bastante precario estarei pensando na "fotografia de autor" enquanto urn procedimento criativo implicado em significa<;oes estruturais diversas.

(8)

Minha estrategia operativa advem de uma leitura que ocorre no interior de urn processo comunicativo autoral, onde, verifica-se a ac;:ao de uma dominante, de urn assento determinante que informa a especie de seu funcionamento enquanto sistema de comunicac;:ao: urn dispositivo que funciona de acordo com uma estrutura.

Ja neste momento caberia uma tomada de posic;:ao para dizer que nao se trata de mais urn trabalho estruturalista ou alguma pretensiosa ontologia de formas. Se "as estruturas nao levam em conta as pessoas" (Barthes, 1977) resta considerar que as estruturas que tratamos aqui sao as estruturas de funcionamento da signagem fotografica e nao estruturas sociais e politicas que orbitam nessa tensao, entre o sujeito e suas correlac;:oes mais amplas, no ambito de uma filosofia do ser.

Objetiva-se entao, a partir dessa perspectiva, refletir sobre a natureza da fotografia enquanto uma estrategia criativa, considerando as estruturas de funcionamento desses discursos enquanto uma mensagem/imagem, mas ainda assim, sem perder o foco nos sujeitos singulares.

Para isso foi preciso localizar as ferramentas que poderiam tornar mais claras as perspectivas de analise do proprio discurso das imagens produzidas por "fotografos-autores". Nesse sentido, uma contribuic;:ao significativa foi obtida atraves dos estudos criticos linguagem e da comunicac;:ao, em particular atraves de Roman Jakobson.

Com o famoso trabalho de Jakobson sobre as fun96es da linguagem vislumbrou-se uma possibilidade de reflexao sobre as diversas atua96es do conjunto significante das mensagens "foto-autorais". Atraves do conceito da dominancia de uma sobre outra, trabalhando no interior de suas diferenc;:as segundo uma classifica.yao que tern como base uma articula.yao da mensagem partindo de urn processo metalingiiistico, e nao como classifica.yao estilistica ou tematica simplesmente.

Desse modo, essas fun96es apresentam-se como uma estrategia operativa que permitiu compreender uma comunica.yao por imagens conectada numa dominante discursiva a partir de urn funcionamento e de uma compreensao da sua forma como urn conjunto de significa<yoes que se articulam.

Sendo assim, esta dominante discursiva p6de permitir a supera.yao de uma tendencia de classifica-la segundo temas e nao segundo sua propria condi.yao estrutural, urn entrave basico presente na discussao da fotografia como urn "meio de

(9)

expressao". Por isso, niio cabe aqui nenhuma pretensiio em adaptar urn modelo para criar outro e nem tao pouco fazer encaixar (for<yosamente) poeticas fotograticas pessoais em "caixas de r6tulos".

Ha ainda urn pressuposto - que aceito - de que uma analise desse tipo niio pode prescindir das reflexoes mais atuais sobre a natureza da fotografia enquanto signo, como em Arlindo Machado, Jean-Marie Floch, Philippe Dubois, Jean-Marie Schaeffer, entre outros, que contribuem com suas obras.

No primeiro capitulo desta dissertas;ao apresentamos exatamente os pontos de ancoragem dos pressupostos que diio origem e que fundamentam a sua metodologia. Ha a questao da autoria, os problemas de compreensiio da especificidade da fotografia como uma pratica, que pode ser urn paradigma do ponto de vista, uma afirmas;ao da singularidade. Tratar-se-a ainda do signo fotografico e de suas especificidades enquanto urn meio de articula<yao de ideias; os modelos de expressiio, uma problematizas;iio da questiio do genero; o espelho e a lupa, urn pensamento que se coloca no problema de uma fotografia automatica e despersonalizada ( ordem do espelhamento) e de outra, a fotografia de aut or, como urn paradigma da criatividade e da descoberta ( ordem da lupa).

No segundo capitulo fala-se de da fotografia documental, uma fotografia que se estabelece atraves de uma engajamento entre o fot6grafo e o seu referente que tern uma natureza de base social e uma maneira ideol6gica de operar. Sobretudo, uma fotografia que indica para a possibilidade de uma poetica da referencia, ou seja de uma informaviio fotografica que apesar de extremamente ligada ao seu referencial possui uma base de significado que implica numa rela<;iio inalienavel entre o aut or, o referente e o receptor.

No terceiro capitulo o assunto e uma fotografia estabelecendo-se como expressao de seu autor, uma imagem que expoe os sentimentos e as emos;oes do fot6grafo e que revela urn aspecto sensivel dessa operaviio trabalhando no sentido da declaras;iio explicita da sua carga de emo.yiio expressiva atraves de frontalidade na pose. Tambem a fotografia como uma encena<;ao, como urn apagamento expressivo do outro pelo encenado do eu sob a egide de uma nos;ao de frontalidade. Casos especificos de Diane Arbus e Cindy Sherman.

(10)

No quarto capitulo sera discutido o caso de al!,'llmas imagens do fotografo Oliviero Toscani que apresentam uma serie de procedimentos como a construc,:iio de uma forma simbolica, a recodificac,:iio e o agrupamento das informac,:oes, invertendo, num certo sentido, a propria pragmatica do signo publicitario. 0 assunto sera a funviio do receptor atraves de uma fotografia que faz da propria mensagem o seu produto. A historia apresenta diversos exemplos de uma fotografia que se articula na dire9iio imediata do receptor.

E

o imperative encaixando-se nas mensagens da propaganda.

0 tema do quinto capitulo e uma modalidade da fotografia que tern no aspecto topologico, na cromaticidade de sua impressiio, o seu motivo que e o de explorar a propria fisicalidade do processo - optica e quimicamente - para constituir uma possibilidade de autonomia da fotografia como uma imagem.

E

a forma de contato da fotografia com a superficie do papel, com a superficie do referente, forrnas que tocam o 'sublime' como em Ansel Adams, ou ainda as de Edward Weston que exploram a for<;:a dos volumes orgiinicos.

A questiio de uma fotografia "auto-referente" aparece no capitulo seis, quando a sintaxe do signo fotografico amalgama-se com suas rela96es enquanto signo criativo e ha uma determina<;:iio no sentido de sua mensagem como uma dominante. Tecnicas e mensagens experimentais que puderam ser conhecidas atraves da obra de artistas-fotografos como Moholy-Nagy, Man Ray. Ha tambem os aspectos compositivos que deterrninam uma concentraviio no codigo fotografico como nas imagens que se configuram segundo o conceito de estranhamento: caso de Alexandre Rodtchenko.

Tratar -se-a da funviio poetica na fotografia, de como a mensagem fotografica que se volta para si mesma, onde tambem as poeticas do acaso - o instantiineo na fotografia -, especialmente em Robert Doisneau e Cartier-Bresson, evidenciam a predominiincia de urn aspecto meciinico da fotografia, o obturador, como urn articulista material de uma poetica da intui<;:iio.

0 recorte que se estabelece nesta pesquisa

e

o de orientar seu estudo, niio para os aspectos mais gerais da fotografia como urn meio de comunica<;:iio, mas sobre uma produ<;:iio fotografica que funciona como uma possibilidade singular, modelar e criativa.

(11)

- Capitulo I

-1.1 - 0 signo fotognifico

A fotografia converte apenas as informac;:oes possiveis de serem traduzidas em termos 6pticos, ela reduz o tridimensional ao bidimensional, dai o seu carater indicia! e planar. Segundo a maioria dos autores contemporaneos, dentre os quais Philippe Dubois, a fotografia e urn indice, urn trac;:o luminoso:

"( ... )como todo indice, a fotografia procede de uma conexiio fisica com seu referente:

e

constitutivamente urn trac;o singular que atesta a existencia de seu objeto e o designa com o dedo por seu poder de expansiio metonirnica. "1

A fotografia tern ainda urn carater monofocal que procede da estrutura 6ptica do aparelho fotografico que e da ordem da perspectiva artificialis renascentista2• Arlindo Machado ( 1984) aponta para a natureza de urn olhar perspective na fotografia que se traduz como urn olhar ideol6gico. A construc;:ao da imagem ocidental poderia ser diferente se ao inves da perspectiva artificialis estivessemos

amparados em outro tipo de construc;:ao da imagem:

"A imagem produzida pela camera niio faz seniio confirmar e redobrar o c6digo da visiio renascentista que coloca urn olho abstrato no centro do sistema de representayiio, impedindo ao mesmo tempo a ocorrencia de qualquer outro sistema e assegurando dessa forma a dominac;iio do olho sobre qualquer outro 6rgiio da percepyiio. "3

0 carater de imagem fixa da fotografia acompanha a escolha de urn operador ( o fot6grafo ), que elege os pontos de vista segundo seus criterios, implicando portanto numa eleic;:ao significativa do campo visual.

Na fotografia monocromatica, se altera tambem a qualidade tipica do cromatismo presente na cena fotografada, ja que o que era policromatico se torna

1 Dubois, Philippe. 0 ato fotogriifico e outros ensaios, Campinas: Papirus, 1994. p. 94

2

Conccito desenvolvido por Leone B. Alberti em 1495 no Tralado sobrc a pintura.

3

(12)

monocromittico. Mas tambem na fotografia colorida ocorre uma altera<yao cromatica, apesar de buscar-se de todas as maneiras pelieulas que possam representar o mats fidedignamente a cena original.

Uma imagem fotogrilfica supoe, de manetra automatica, a escolha de urn espa<yo que se quer mostrar e a elimina<yao simultiinea do espa<;:o que fica alem dos limites do enquadramento, ou ainda, pressupoe uma sele<;:iio do espa<;:o visual, mesmo que esta nao tenha sido intencional. Por ultimo, a imagem fotogrilfica estabelece uma rela<yao dialetica entre o poder de resolu<;:iio do olho humano e sua estrutura descontinua. 4

Como instrumento operativo, com rela<;:iio a interpreta<;:iio das obras fotogrilficas, os conceitos desenvolvidos pela semi6tica - a partir de Charles Sanders Peirce - definem as categorias dos signos de acordo com o modo que eles se coloquem diante do objeto representado.

Segundo Peirce, "urn signo, ou representiimen, e aquilo que sob certo aspecto, representa algo para alguem"5. Para entender melhor o pensamento de Peirce, o conceito de pragmatismo e fundamental para a aplica<yao de sua sistematica. 0 pragmatismo e a concep<yiio que afirma, serem as coisas aquilo que elas podem fazer. Para Peirce, nao e possivel qualquer ato de cogni<;:iio que nao seja determinado por outra cogni<;:iio previa, uma vez que urn pensamento implica na interpreta.yao ou representa.yao de uma coisa por outra. 0 pensamento estil ligado as fun<yoes da representa.yao, e nao e capaz de interpretar a si mesmo. Dessa manetra, a interpreta<;:ao so se pode realizar atraves dos signos. Isto levou Peirce a elaborar uma teoria dos signos6

Na classifica.yao petrctana, os signos sao divisiveis em tres tricotomias. Na primeira o signo e mera qualidade ou possibilidade, na segunda o signo e considerado em rela.yao a si mesmo ou em sua rela.yao existencial para com o objeto ou em sua rela.yao para com o interpretante e a terceira trata desta representa<yao para o interpretante7 Com rela<yao ao signo em si mesmo temos: quali-signo, sm-stgno e legi-signo. 0 signo em rela<yao ao objeto: icone, indice e simbolo.

'Zunzuncgui, Santos. Pcnsar Ia imagcm, Madrid: CatCdra, 1989. pp. 132- !33

5 Peirce, Charles Sanders. Scmiotica, Sao Paulo: Pcrspcctiva, 1977. p.46

6

Rector, M. c Yunes, E. Manual de scmantica, Rio de Janeiro: Ao Livro Tecnico, 1980. 'Ferrara, L. D' Alessio. A cstratcgia dos signos, Sao Paulo: Pcrspcctiva, !981

(13)

Esta classifica~ao comporta discussoes quanto ao fun,cionamento do icone do indice e do simbolo. Pode-se considerar a fotografia como urn indice porque ela representa por contato luminoso uma aparencia da natureza e tambem como urn icone na sua natureza de imagem.

Enquanto uma imagem que se articula primeiramente como urn indice e em segunda articula<;:ao como urn icone8, a fotografia se traduz tambem como urn hipoicone, ou seja, em determinadas circunstiincias ela possui o estatuto de uma imagem simb6lica (por exemplo na fotografia de Oliviero Toscani para a campanha da Benetton, em que urn padre e uma freira se beijam).

Sendo assim, declarada a evidente natureza semi6tica de uma opera~ao fotognifica resta considerar tamoem as no~oes que ocorrem a partir do eixo de uma classifica~ao funcional de imagens fotognificas, o conceito das fun<;:oes da linguagem.

1.2 - Modelos de Expressao

Elabora-se um mode/a para indicar uma forma comum a diversos fenomenos.

Umber/a Eco

Arist6teles (384-322 A.C) ja teria se preocupado com o problema da comunica<;:iio: a busca de todos os meios de comunica<;:iio possiveis implica a pessoa que fala (quem), o discurso que se pronuncia (o que), e a pessoa que escuta (quem).

Neste sentido, a comunica<;:iio pode ser definida sob tres perspectivas diferentes que resumem fun<;:oes fundamentals da linguagem. Na perspectiva de quem fala e urn sintorna; de quem ouve: urn sinal; da cornunica.;:ao: urn simbolo.

"Fun<;:ao" vern do latim functione, e significa "execu<;:ao de uma tarefa". Dessa maneira, portanto, ao falarmos em func;oes da linguagern estamos falando de

(14)

instrumentos que sao da ordem das possibilidades comunicativas que se utiliza de acordo com a intenvao de uma mensagem que se quer transmitir.

Karl Buhler, psic6logo alemao e participante do Circulo Linguistico de Praga propos uma trilogia lingiiistica das funyoes da linguagem, apoiado nas Investigat;oes L6gicas de Husser! e nas concepyoes propostas por ele acerca da necessidade de se compor uma gramatica pura da linguagem e sobre a exisH~ncia de leis estruturais9 Em

Teoria da Linguagem ( 1934) desenvolve urn modelo triadico: expressao, apelo, representayao; insiste na predominiincia da funyao representativa, o que nao implica na anulac;ao das demais. Para ele as tres funviies de sentido dos fen6menos lingiiisticos sao: o simbolo, orientado para o referente; o sintoma (indicio) em virtude de sua dependencia do emissor; e o sinal como urn apelo ao ouvinte.

0 esquema de Buhler foi desenvolvido por Jakobson a fim de determinar os fatos que sao inerentes ao proprio ato de comunicac;ao, nao dependem das intenc;oes e do projeto do receptor, Jakobson executa inter-relayoes entre as funvoes da linguagem e os elementos da comunicayao. Seu esquema abrange seis funvoes: 1. Referencial - dirige-se ao contexto; 2. Emotiva - voltada para o remetente; 3. Poetica

- e

a enfase na mensagem; 4. Conativa- voltada para o destinatario; 5. Fatica - serve para verificar o canal; 6. Metalingiiistica- e voltada para o c6digo.10

Jakobson diz que "a linguagem deve ser estudada em toda a variedade das suas funvoes" e "para se ter uma ideia geral dessas func;oes, e mister uma perspectiva sumaria dos fatores constitutivos de todo o processo lingiiistico". Com isso aponta para a inalienavel relavao entre as diferentes func;oes o que fica mais evidente a seguir:

"0 REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATAR10. Para ser eficaz, a

mensagem requer urn CONTExro a que se refere (ou "referente", em outra nomenclatura algo ambigua), apreensivel pelo destinatario, e que seja verbal ou suscetivel de verbalizayiio; urn comoo total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatario (ou em outras palavras, ao codificador e decodificador da mensagem); e finalmente urn CONTAI"O, urn canal fisico e uma conexao psico16gica entre o remetente e o destinatario, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunica¥iio."11

9

Malmberg, Berti!. Les nouvelles tendanees de la linguistigue. Paris: Puf, 1972. p. 3!2

10

Jakobsen, Roman. Lingiiistica c comunicac;'io, Sao Paulo: Cultrix, 1973.

11

(15)

Entao, segundo o enunciado de Jakobson, temos:

coNmxro

REMETENTE MENSAGEM DESTINATA.RIO CONTATO

COD! GO

No qual, "cada urn desses fa to res determina uma diferente func;:iio da linguagem". A orientac;iio para o coNTEATO define a func;iio REHlRENCIAL, para o REMETENTE a fun<;aO EMOTIVA, para a MENSAGEM a func;:ao POETICA, para 0 DESTINATARIO a CONATIVA, para 0 COI\'TATO a funyaO FATICA e finaJmente, para 0 CODIGO a funyaO MET ALINGOlSTICA. EMOTIVA REFERENCIAL POETIC A FATICA MET ALINGUfSTICA CONATIVA

Jakobson fala entao sobre a dominante, advindo da constata<;iio de que dificilmente encontrariamos mensagens que "preenchessem uma unica func;iio". Diz que "a estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da func;:ao predominante". Obviamente esta constatac;ao aplica-se tambem as outras linguagens.

E

entao que, sob a dominante metalingiiistica de uma func;iio, ou de uma orientac;:ao para isto ou aquilo, que Jakobson define as func;oes da linguagem.

(16)

1.3 - A questao autoral

Utilizo-me de urn conceito que define o autor como aquele que na l6gica de seus significados revela uma coerencia interna na constituio;ao de seu 'discurso'12 Sendo assim estou pensando na fotografia de aut or tal qual urn 'discurso' que revel a uma natureza expressiva numa dupla via: em seu sentido comunicativo e em seu dimensionamento estetico.

Se por fot6grafo-autor define-se o sujeito que desenvolve uma poetica coerente em seu conjunto de manifestao;oes expressas pelo meio fotognifico, qualquer pessoa que fao;a uma fotografia pode e deve se considerar o autor daquela fotografia, mas nao e necessariamente urn fot6grafo-autor. Exatamente porque nao M a coerencia de uma obra para respaldar a sua atuao;ao.

A fotografia de autor pode ser compreendida provisoriamente numa categoria generica implicada na existencia de urn procedimento proprio e singular que

e

o de se constituir uma fotografia com uma dominante estetica. Mas, exatamente em funo;ii.o da personalidade singular de cada autor, essa "categoria" de fotografia nii.o permite explicar as diversas possibilidades da signagem fotognifica e de seus autores, ela apenas envolve tudo numa grande generalidade. Portanto, nii.o pode ser definida como urn modelo. A partir disso acaba-se misturando numa mesma categoria procedimentos e poeticas que sao diferentes entre si.

Parece que nii.o teria sentido falar em escultura de autor, em pintura de autor, mas faz sentido uma fotografia de autor quando esta ideia depende imediatamente da noo;iio de seu sistema e de seu suporte de "natureza tecnica" (Bense, 1971 ). Ha relevancia em falar -se na fotografia de au tor porque pode ser possivel uma fotografia sem autor: por exemplo as fotografias de transito que podem atraves de dispositivos pr6prios flagrar os infratores em seu ato ilicito.

0 termo tambem esconde certa necessidade de distanciamento do problema da fotografia enquanto arte. 0 conceito de uma "fotografia artistica" complica-se ja que semanticamente esta impregnado por urn passado "picturalista" e por nos:oes de estilo

12

(17)

que nao correspondem a autonomia requerida pelo signo fotografico em seu estatuto estetico/comunicativo.

Nao podemos encarar a fotografia de autor numa ideia de estilo, embora reconhecendo ao menos o esbo<;o do paradigma. A fotografia de autor serve apenas enquanto titula<;iio inicial e abrangedora para diversas possibilidades de articulayiio de urn signo fotognifico. 0 problema permanece vivo quando pretende-se compreender as estrategias autorais sob o vies da signagem fotografica em suas particularidades diversas.

Para compreender a diversidade da poetica fotografica penso que seria melhor observar essa no<;iio de autoria fotografica no ambito das vitrias possibilidades de funcionamento do conjunto de significantes que estao presentes nesta pratica. Insisto na pertinencia da compreensao da singularidade de cada autor, surgindo de uma estrutura mais geral, mas que !eve em considera<;iio a sua dominante. Ainda que o problema se mantenha - ja que urn autor pode transitar em varias estruturas -, o importante

e

observar a dorninante dessa mensagem.

Roland Barthes quando nos fala do "punctum", como algo que nos atinge, que aponta para nos urn detalhe da imagem fotogritfica e que apesar da subjetividade da escolha pessoal de cada urn - ja que a percep<;iio desse "punctum" pode variar em cada interpretante -, abre-se uma perspectiva para a leitura de urn elemento de qualidade na apreensao do espectador. Ele descreve tambem o "studium", referindo-se ao aspecto de uma estrutura mais geral que da conta de estabelecer o eixo temittico, o eixo semiintico da imagem. 13

Levando em considera91io essa perspectiva de leitura de uma fotografia, considerando que o proprio Barthes insistiu na liberdade de sua subjetividade pessoal ao redigir suas "notas sobre a fotografia", penso que, tambem, deve-se considerar o eixo de uma dorninante que atua numa deterrninada estrutura. Dessa posi91io amalgama-se urn eixo sensivel em urn instrumento algo mais preciso para compor uma leitura na diversidade de fotografias construidas sob o dorninio da autoria.

Susan Sontag, em seu "Ensaios sobre a fotografia"14 diz que: "para ser legitimada como arte, a fotografia tern de cultivar a noviio do fotografo como wiler",

13

Barthes, Roland. A cfunara clara. Nota sobrc a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Frontcira, 1994. " Sontag, Susan. Ensaios sobrc a fotografia Lisboa: Dom Quixote, 1986. p. 124

(18)

e ainda: " todas as fotografias tiradas pelo mesmo fot6grafo" devem constituir "urn

corpus". Entendo que a questiio niio e a fotografia ser ou niio legitimada como arte, o

que mais uma vez revela o rebaixamento de sua estetica. A questiio esta em reconhecer pa poetica, nos c6digos formais, e na natureza fenomenol6gica do trabalho de urn autor, a possibilidade do surgimento de urn universo singular. Uma obra que e particular e potencialmente {mica, uma pragmatica do ato fotografico na sua estetica operativa.

"( ... ) uma "obra"

e

dificilmente identificavel no ambito da imagem isolada: se o autor de urn Unico livro pode ser, no maximo, urn grande escritor, ninguem qualificaria de grande fot6grafo o autor de uma Unica imagem caso ela fosse genial. Para ver em urna imagem isolada o resultado de urn talento fotografico especifico, temos de coloca-la em paralelo com uma serie completa de imagens do mesmo fot6grafo." 15

Neste apontamento de Schaeffer aparece a no<;iio de obra, de conjunto de trabalhos - o "corpus" referido por Sontag - como uma no<;iio da autoria que s6 pode se estabelecer no conjunto de uma obra. Seria de fato falacioso admitir a possibilidade de uma unica fotografia poder definir a qualidade de urn fot6grafo e muito menos seu objetivo.

A fotografia fixa e uma imagem unica e se realiza nos limites de seu enquadramento, uma imagem indicia! que surge por contato fisico com o seu referente. Nessa perspectiva surge outra questiio: a fotografia que se torna urn icone como por exemplo a fotografia "Tomoko no Banho"(foto 2) de Eugene Smith. 0 fot6grafo realizou milhares de imagens, mas nenhuma tao famosa e unica como "Tomoko no Banho". Donde se conclui que apesar da necessidade de uma obra para urn autor, niio se pode negar a potencia singular de cada imagem.

Pensando numa articula<;iio autoral que

e

constituida por uma obra, por urn conjunto de trabalhos, esbarro num ideario pessoal que se coloca como uma manifesta.yiio operativa do procedimento fotografico ao servi<;o de urn imaginario; uma comunica<;iio inventiva constituida por c6digos que se exteriorizam do particular para o social, o que

e

comum a todo universo da arte.

15

Schaeffer, Jean-Marie. A imagem precaria. sobrc o disoositivo fotogr:ifico. Campinas: Papirus,

(19)

Existe no desenho, na pintura, na escultura, nas artes manuais, a marca da mao de quem fez, o que pode ser tao pessoal como uma impressao digital, tambem na fotografia, urn sistema de capta<yao fisico-quimica da imagem existe uma marca deste tipo, so que de outra natureza.

Atualmente determinados valores esteticos, como uma certa apologia

a

imagem transgressora e mutilada, bern como a presen<ya constante da condi<yao de uma memoria que se perde ou se torna impossivel, contaminam a produ<yao fotogrilfica que se mistura com procedimentos provenientes da cultura do objeto e da instala<yao como modalidades artisticas ( ver por exemplo os trabalhos de Christian Boltanski, Barbara Kruger e no Brasil, Rosilngela Renno). Hoje talvez seja muito complicado falar de uma imagem que nao tenha hibridismos. Mas nos anos 30 e 40 havia os que pregavam a pureza e a autonomia da imagem fotogrilfica.

Nos dias atuais a fotografia tern uma rela<yao muito intensa com os procedimentos de recodifica<yao e mesmo de reutiliza<yao das 1magens, e que questionam de pronto a no<yao de autoria. Desse ponto de vista a ideia de uma fotografia de autor parece estar datada historicamente ja que e afeita apenas ao territorio de uma imagem puramente fotogrilfica. Se na conversao de procedimentos criativos, a propria no<yao de autoria parece desgastada, ainda assim ela permanece VIVa.

De fato como linha demarcatoria, o conceito de fotografia de autor me parece mais adequado ao exercicio de uma fotografia que se realizou do pos-impressionismo ate os anos 80 deste seculo.

Hoje parece ser mais correto falar de uma estrategia conceitual na fotografia, uma estrategia que pode ser configurada como uma significa<yao que e afinada diacronicamente com os processos de satura<yao e recodifica<yao da imagem e que parece autorizar alguns pensamentos que indicam para urn conceito de "pos-fotografia", o que me parece exagerado.

Parece que estil em jogo nao a querela sobre a natureza mimetica ou artistica da fotografia mas a possibilidade estrategica de uma visao e de uma presen<ya especifica da imagem fotogrilfica como uma forma de constru<yao de significados em permanente muta<;ao.

(20)

A possibilidade de autoria traduz uma manifesta.yao da natureza critica e expressiva dos individuos. Os novos meios de produ.yao visual entre eles a camera de video portiltil, o computador pessoal e seus programas self-service e tambem a fotografia sao vendidos com urn conceito subliminar: agora todos podem ser artistas, todos pod em criar ( essa posi.yao ja era ocupada pela fotografia desde que George Eastman inventou a camera para amadores).

Essa mensagem que faz parte da publicidade desses meios surge como uma possibilidade que e oferecida aos consurnidores, aonde as ferramentas com as quais se pode veneer as dificuldades operacionais dos meios tecnol6gicos surgem constantemente e agem como uma possibilidade de vingan<ya sobre o elitismo representado pelo dominio das tecnicas e pelo talento criativo do artista, do sujeito diferenciado: do autor.

Para isso, diversas tecnicas sao desenvolvidas todas em reboque do controle pessoal e afim com o despersonalizado, baseadas sempre numa certa homologia automatica e num dorninio do aparato tecnico como urn mecanismo quase auto-suficiente. Sao as 16gicas das maquinas automaticas, dos dispositivos feitos para oferecer urn resultado "satisfat6rio" e quase sempre: "mediano".

0 conceito de autoria contrapoe-se a 16gica de uma constru.yao formal despersonalizada. Entendo que na fotografia a questao das estrategias singulares, que funcionam num sistema significante serve nao apenas para a configura.yao de urn procedimento estetico mas tambem para a conformavao de urn sistema cultural dotado amplamente de repert6rios os mais variados.

Nao se trata de combater aqui as estrategias industriais dos mews de comunica<yao e de cria.yao mas, de contrapor e demonstrar urn eterno jogo de cena em que a maioria dos sujeitos atua como combustive! para interesses econ6rnicos.

0 problema da autoria enquanto uma facilidade perrnitida pelos metos tecnol6gicos nao se traduz como uma questao identificada com as vaidades de urn sujeito "sem talento". A autoria trata de aspectos culturais e filos6ficos que sao amplos, cuja deterrninante mais fundamental seria a de que atraves da autoria podemos perceber as singularidades potencializadas da cultura, e portanto a propria no<yao da arte como uma manifesta.yao sensivel e singular.

(21)

Nos sistemas de produs:ao "nao-autoral", a possibilidade da arte nao se sustenta, exatamente porque nesses sistemas a significas:ao nao e articulada de uma maneira pragmittica. Sao sistemas que operam apenas como mera funcionalidade.

Uma questao que me parece interessante, se refere

it

uma problematizas:ao de uma ideia estruturalista do sujeito, segundo a qual, o autor seria uma manifestas:ao das estruturas, uma conseqiiencia hist6rica das derivas:oes sociais e culturais e, portanto, desse ponto de vista, o autor como urn individuo teria o seu peso bastante reduzido, resultando mesmo numa ideia de falencia do autor. Dessa perspectiva o autor seria uma derivas:ao e nao uma emanas:ao.

Contrapor essa ideia com uma nos:ao positivista do individuo e do sujeito enquanto autor, descaracterizando essas rela.yoes estruturais evidentemente nao constitui uma boa premissa. Esse problema aparece aqui apenas para instaurar uma tomada de posi.yao.

(22)

1.3.1 - 0 problema de uma idCia de genero

Considerando que o problema mais imediato e a dificuldade que se observa na constituis;iio de categorias visuais que incluam de uma maneira efetiva os aspectos da forma, da semiintica e do conteudo na compreensiio das produs;oes autorais na fotografia como procedimento, niio se trabalha com elementos estilisticos mas sim com a ideia e o problema do genero na fotografia de autor.

Haroldo de Campos ao se referir

a

questiio dos generos na literatura aponta para urn "simples horizonte de expectativas" ja que ha singularidade na obra de arte. No caso da fotografia existe uma ideia de genero que niio e ainda bern compreendida no ambito de suas possibilidades autorais. Fotografia de arte, fotografia de autor, termos que aparecem imprecisamente, de forma generalizadora, para abarcar uma ideia que simplesmente aponta para urn aspecto criativo da fotografia.

"A obsolescencia da ideia de generos levou a sua rejeivao pura e simples na estetica de Croce, que a julgava indefensavel diante da singularidade de toda a obra de arte. Essa posiviio radical foi, evidentemente, dessacralizadora, mas niio resolveu o problema em termos cientificos (...) aqui o genero

e

despojado de seus atributos normativos e mesmo de suas prerrogativas classificat6rias, para ser reformulado em termos de urn simples "horizonte de expectativa", que permite avaliar a novidade e a originalidade da obra, perfilando-a de encontro a uma tradiyiio, a uma serie hist6rica e as regras do jogo nela prevalentes. (. .. ) a teoria dos generos passa assim, na pOOtica modema, a constituir urn instrumento operacional, descritivo, dotado de relatividade hist6rica, e que niio tern por escopo impor limites as livres manifestayiies da produyiio textual em suas inovayiies e variantes combinat6rias."16

Esse comentario sobre a ruptura da ideia de genero na literatura leva em considera<;:iio uma estrutura, uma tradis;ao hist6rica, que ao Iongo de diversas escolas e de estilos rigidos, buscou normatizar o modo de produs;iio dos procedimentos

16

Campos, H. de. Ruptura dos gcncros na litcratura latino-amcricana, Sao Paulo: Pcrspcctiva,

(23)

liten'lrios. Com o modernismo essa condi9ao dorninante do modo vai ser questionada e redimensionada segundo os conceitos de "relatividade hist6rica" e de "singularidade" que estao presentes na obra de arte.

Nunca existiu na fotografia uma ideia de genero como urn modo sistematizado de procedimcnto, ao contritrio, como uma "arte rnimetica", a fotografia prescindia de uma autonornia e nao poucas vezes assemelhou proccdimentos pict6ricos convencionais com urn claro objetivo de enobrecimento da sua fatura. Somente quando a fotografia se volta para suas possibilidades intemas, no exercicio de sua metalinguagem e que se descobre a sua potencialidade criativa: sua autonomia.

Nessa medida, a propria considerac;ao acerca do estatuto artistico da fotografia e polemica. Nao se trata evidentemente de discutir se a fotografia e uma arte ou nao, mas de reconhecer a sua possibilidade, como a de qualquer outro meio, de realizar urn projeto artistico: o que significa considerar uma diferen9a entre uma "inforrna9ao comunicativa" cujo apelo ao significado de sua mensagem e lirnitado e funcional e uma "informa9ao estetica" cujo significado e polissernico e subverte a no9ao simplista de uma simples comunicac;ao.

Jean-Marie Schaeffer aponta para a precariedade do signo fotogrilfico como arte, exatamente no que diz respeito il "ausencia de eongrueneia entre uma pn'ltica especifica e a instituiyao desses paradigmas esteticos" apontando para a falta de l6gica na organizac;ao de colec;oes fotogrilficas nos museus, quando: "ao !ado de imagens que sao de autoria de fot6grafos que se consideram criadores de valores esteticos encontramos igualmente fotos de reportagem, cliches cientificos, retratos de album de familia, imagens documentais, etc." De fato como ele mesmo observa "as imagens nao sao selecionadas unicamente em virtude de uma canone estetico solidamente estabelecido".

"(,,) se o termo "arte fotografica" dever ter um sentido,

e

apenas na condiyiio de designar um estatuto pragmatico da imagem onde esta vale como tal e nao como meio para qualquer estrategia comunicacional transcendente: a arte fotografica nada mais

e

que a arte da imagem fotografica,

A fotografia e com freqiiencia qualificada como arte menor, expressao que designa seu carater a um so tempo precario e nao canonico, Deve-se distinguir aqui: se a precariedade e intrinseca

a

foto, seu estatuto niio canonico considera antes as rela9<)es conflituosas que ela mantem com

(24)

o pensamento estetico dominante. Esses dois fatores niio tern o mesmo significado. "17

De que maneira entao considerar urn ciinone estetico solidamente estabelecido para a fotografia se ao constituir-se maquinalmente como imagem surge uma possibilidadede conflito entre sua natureza especular e sua potencialidade expressiva?

Uma folha de papel, por exemplo, tal como qualquer meio de comunica<;;ao, pode servir para uma simples anota<;;iio, para suporte de urn poema, ou para urn , desenho. Se a anota<;;ao fosse feita pelo presidente da republica ela poderia ter urn valor hist6rico, se o poema fosse de Joiio Cabral de Melo Neto ou se o desenho fosse do artista Pablo Picasso, evidentemente, esse acrescimo da singularidade de cada personalidade, por si, indicaria para uma no9iio de qualidade que uma folha em branco, como urn simples meio, nao tern.

"E

claro que a fotografia em si mesma e apenas um "meio", como o oleo ou o pastel, usado para criar arte, niio podendo, so por si, reclamar-se como tal. No fim das contas, o que distingue a arte de uma tecnica e a raziio por que, e niio 0 como, ela

e

produzida. "18

A fotografia como urn meio especifico de capta<;;ao de uma imagem situa algumas conven96es que constituem a sua particularidade. A principal delas, talvez seja seu estigma de maquina registradora de uma referencia aparente e luminosa: apenas o que se pode ver pode-se fotografar.

0 apelo ao imagimirio surge entiio como urn demonstrativo de seu potencial criativo:

"a fotografia, tal como a arte, implica em criatividade, porque, pela sua

' • ' • ' -. ,1 19

propna natureza, recorre a IIUagiUa\'l!O .

Nessa ideia, a propria compara9iio com a arte - "tal como" - e portanto, a sua nao incorporac;ao, jit indicia o quanto esta questao e problemittica. Recorrer ao imaginitrio pode surgir como uma defesa de uma possivel sublimaviio do automatismo, de uma visao "criativa", apesar de mediada por urn aparelho e por dispositivos tecnicos.

17 Schaeffer, Jean-Marie. Ibid. p. 141

18

Janson, H. W. Hist6ri.!!.da arte, Sao Paulo: Martins Fontes, 1992. p.613 19 Janson, H. W. Ibid p. 6!3

(25)

Entretanto, esse apelo apenas refor9a a existencia de uma condi9iio "precitria" da fotografia no seio das representayoes artisticas. Exatamente porque essas justificativas parecem inclinadas it imposiyiio de 16gicas que qualifiquem urn estatuto criativo para a pratica da fotografia. Como que dizendo, de si para si, que o aspecto maquinal niio desqualifica seu conteudo possivel, mas que a fotografia s6 e arte porque pode apelar ao imaginario.

0 aspecto formative da fotografia, o seu processo de captayiio, revelayiio e impressiio ao contritrio do que se pode supor qualifica exatamente a singularidade da imagem fotogritfica. No entanto, como em qualquer outro meio, a forma e funcional ja que atua como urn dispositive da sintaxe.

E

a possibilidade de significa9iio polissemica que, no fim das contas define uma obra de arte; dependendo da qualidade do operador e do seu repert6rio.

A configurayiio de uma estetica da fotografia dirigida na forma de urn procedimento estruturado nas possibilidades oferecidas pela classificayiio de aspectos presentes na articulayiio integral da sua forma e de seu conteudo permite a abordagem critica da fotografia. Emanando da sua singularidade, conformada em aspectos gerais, que determinam a sua estrutura de funcionamento como uma "forma-mensagem", onde podem ser aferidos e categorizados seus aspectos dominantes.

Dessa posi9iio pelo menos niio se separa, niio se mistura, nem se hierarquiza procedimentos que podem ser os mais diversos e que talvez niio possam ser compreendidos numa 16gica de comparayiio com a estetica da pintura ou de outras artes visuais. Esse e nosso paradigma metodol6gico.

(26)

1.3.2 -A informa~iio singular

Uma fotografia que se constitui em principio como urn mew de expressao pessoal se volta acentuadamente para a expostula<;ao de uma mensagem operando numa dimensao estetica.

0 pendor da mensagem para alem da informa<;ao mais imediata, a utiliza<;ao do meio fotognifico como uma expressao de conceitos esteticos configura urn territ6rio determinado por uma dominante. Entretanto, essa dominante estetica, que e generica, pode ceder Iugar a outras que, de urn modo mais afinado, indicam qual e a fun<;ao significante de cada mensagem. Ainda que num alinhamento geral ela possa ser entendida como uma "informa<;ao estetica".

Segundo Max Bense, "informa<;ao estetica" e uma informa<;ao "que nao pode ser codificada senao pela forma em que foi transmitida pelo artista"20 No caso especifico da fotografia, Bense aponta para uma "informa<;ao estetica generalizada" que seria da ordem dos "sistemas-suporte" maquinais.

"Sustentamos a tese de que a infonna<;:ao estetica de uma fotografia

pertence it classe daquelas cujo sistema-suporte e de natureza tecnica; isto

quer dizer que, do ponto de vista de sua classifica<;:ao, a infonna<;:iio produzida por uma fotografia e infonna<;:iio estetica generalizada. "21

A discussao acerca da singularidade da produ<;ao do fot6grafo-autor e a generalidade de uma estrutura que o contem problematiza uma de minhas questoes iniciais. A produ<;ao de uma fotografia num paradigma criativo, com suas rela<;oes significantes anexa uma estrutura formal diferenciada. A questao e como compreender esta diversidade.

Precisamente no aspecto das informa<;oes singulares, na especificidade das imagens de urn fot6grafo, que e em si urn auter, encontro as condi<;oes para uma estrategia de compreensao, no universo da signagem fotognifica, estruturas que

2

°

Campos, Haroldo de. Mctalinguagcm. Ensaios de tcoria c critia~litcr.lrii!, Pctropolis: Vozcs, 1967. p.22 21 Bcnsc, Max. Pcgucna cstctica, Sao Paulo: Pcrspcctiva, 1971. pp.204 - 205

(27)

permitem perceber que as mensagens, niio devem ser entendidas apenas como tematicas de natureza estilistica ou generos tematicos, mas enquanto estruturas comunicativas que funcionam adequadas como significados e significantes.

Jakobson foi como disse Haroldo de Campos, "urn poeta da linguagem", e suas preocupa96es te6ricas sempre ultrapassaram as barreiras da linguagem restrita. Jakobson sempre esteve atento aos problemas da arte e da comunicayiio e entre seus temas de interesse inclui-se alem da propria poesia, a pintura, a musica, etc. Dessa maneira, niio encontro incompatibilidade ao aplicar seu conceito de funcionamento da linguagem verbal numa transposi9iio para o visual.

Se estou diante de uma fotografia e percebo nela uma mensagem que corresponde aos enunciados que se articulam em estruturas determinadas estou diante de conteudos informativos que explicita ou implicitamente carregam caracteristicas que se configuram em modelos que atuam funcionalmente como manifesta9oes especificas da signagem fotografica.

"( ... ) numerosos tra9os poeticos pertencem nao apenas

a

cienc1a da linguagem, mas a toda a teoria dos signos, vale dizer,

a

Semi6tica geral. Esta afirmativa, contudo,

e

valida tanto para a arte verbal como para todas as variedades de linguagem, de vez que a linguagem compartilha muitas propriedades com alguns outros sistemas de sigt1os ou mesmo com todos eles (tra90s pansemi6ticos)."22

22

(28)

t. 4 - 0 espelho e a lupa

Trabalho aqw com a nor,:ao de uma tmagem fotografica que se impoe ao mundo com uma "essencia fraca" e de outra, em oposir,:ao, que opera com uma "essencia forte". Esses conceitos sao trar,:ados provisoriamente, apenas como simples sinais de territorio. No entanto estabelecem urn jogo, que vai alem de uma suposir,:ao maniqueista em que o forte supera o fraco; servem para demonstrar uma certa dialetica presente entre urn que e meramente mimetico e outro que pertence it natureza do criativo.

"A fotografia, considerada como meio de criayiio visual, deve enfrentar hoje, fora do circulo de iniciados, urn prejuizo coletivo fortemente enraizado: a opiniao corrente s6 ve urn simples mecanisme de reprodu.,:ao que encontra sua expressao nurna tiragem ilimitada de capias utilitilrias e em milhiies de fotos de recordavao muito comuns. Uma tecnica do progresso que se aplica continuamente em se aperfei.,:oar, e urn desenvolvimento industrial que, ao mesmo tempo, simplifica o processo de obten.,:ao de imagens, tern contribuido, na atualidade, para abrir o campo da fotografia, instrumento ao alcance de todos, para urn publico desprovido de dom tecnico e incompetente ao conceber imagens. Este aumento enorme da quantidade de fotografias tern se intensificado pela necessidade de cria<(iio formal e gosto pela imagem que existe em todos os homens, porem a sua vez teve, necessariamente, como sequela o fato de que a fotografia tenha se nivelado com o gosto das massas. Com rela.,:ao a este fenomeno, a falta de estilo e a alteraviio da qualidade constituem uma base de partida favoravel para as possibilidades praticas da cria.,:iio fotografica; porem, isso tern urn inconveniente grave no que refere

a

concep.,:ao te6ricas dessas possibilidades em si mesmas. "23

Por "essencia fraca" defino o universo das imagens que estao imbuidas apenas de servir ao mundo como urn espelho de permanencia, urn "fetiche" onde se pode

23 Steinert, Otto "Sobre las posibilidades de crcaci6n en Ia fotografia" in Estctica fotogn\fica.

selecci6n de textos, Fontcubcrta, Joan (org.), Barcelona: Blume, 1984. p. 219 [tcxto publicado

(29)

capturar a imagem e guarda-la "para sempre".

E

o Iugar de suposi.yao de uma "mistica da homologia automatica"24

Existe na fotografia urn mito de captura de almas, de registro da realidade, mito este que no fim das contas e o Iugar da imagem banalizada que tern por voca.yao a facilidade. Dal a aplica<;:ao de urn conceito de "essencia fraca" para definir urn territ6rio. A populariza<;:ao da pratica fotografica, numa dimensao industrial tern por principio adapta-la em maneiras cada vez mais facilitadas de capta9ao das imagens.

Nao se nega que sendo a fotografia, uma 'marca', uma prova de que "isto foi", sua voca<;:ao seja a de urn meio registrador das importancias da vida de cada pessoa. Por isso fica clara sua liga<;:ao imediata com conceitos como a 'memoria' e a 'identidade'.

"A Fotografia nao fala (forsoosamente) daqui/o que niio

e

mais, mas

apenas e com certeza daquilo que foi." 25

Essa demarca<;:ao de territ6rio na fotografia e tambem uma complicada configura<;:ao de sua genese, cujos conflitos intemos sao gerados na sua compreensao · enquanto uma "forma-mensagem", que nao se constitui efetivamente como uma

"imagem precaria" senao como "informa<;:ao estetica generalizada".

A precariedade referida por Schaeffe~6 em rela<;:ao

a

fotografia diz respeito ao seu carater "nao canonico", aos efetivos complicadores culturais de seu estatuto como imagem criativa: os problemas que enfrenta junto ao pensamento estetico dominant e.

Ao pensar uma "imagem forte" enquanto ferramenta de articulavao de signos esteticos, trata-se a fotografia como urn passive] de singularidade. Nesse sentido, a afirma<;:iio de Schaeffer quanto ao carater "nao-canonico" da fotografia fica problematica.

Uma imagem tecnica nao e necessariamente uma tmagem pasteurizada e muito menos destituida de "metafisica". Nao importam as condi9oes do aparato, o que implica em pasteuriza9ao, em estiliza9ao de maneiras e de modos de constru.yao

e

o tipo de olhar que coordena o trabalho de forma9ao dessa imagem. Nao sao as letras

24

Machado, Arlindo. Ibid. p.30

25

Barthcs, Roland. A camara clara. Nota sobrc a fotografia, Rio de Janeiro: Nova Frontcira, 1994. p. 127

26

(30)

ou as palavras que determinam urn escritor de talento mas suas ideias. Da mesma forma nao e 0 equipamento quem define 0 talento de urn fot6grafo.

0 problema da "imagemmaquina" seja num nivel amador ou profissional -ao apontar apenas para a tarefa utilitaria de urn registro pode, numa aplicay-ao especifica, traduzir a ausencia de urn paradigma criativo na fotografia, aonde a tecnica seria apenas uma atividade mimetica, urn espelho que confere permanencia a imagem.

Com esse tipo "pobre" de imagem esta uma situayao de permissividade formal que fica completamente alienada do criativo. Esta condiyao induz ao aparato tecnol6gico a mistica de proponente e realizador das mensagens. Estas constituem-se aleatoriamente, com enquadramentos 6bvios e ayoes sem a presen<;a de uma poetica expressiva. Assim, neste sentido, a fotografia surge como uma simples maneira de fixar imagens. 0 operador praticamente desaparece.

Phillipe Dubois, no primeiro capitulo de "0 ato fotografico e outros ensaios"27, traya urn importante panorama do pensamento te6rico sobre a fotografia, on de se pode constatar que as diferentes posivoes se devem (a! em de preconceitos naturais) a maneira de encarar a fotografia.

Charles Baudelaire, urn dos maiores poetas da lingua francesa foi desde o seu inicio o maior opositor da fotografia. Para ele a fotografia poderia "ate se prestar a atividades funcionais de uso aplicado", mas jamais poderia ser utilizada como urn modo imaginativo o que entao seria a derrocada das artes naturais: principalmente a pintura. Escreveu Baudelaire:

"Estou convencido de que os progresses mal aplicados da fotografia contribuiram muito, como alias todos os progresses puramente materiais, para o empobrecimento do genio artistico frances, ja tao raro ( ... ) Quando se permite que a fotografia substitua algumas das fun90es da arte, corre-se o risco de que ela logo a supere ou corrompa por inteiro grayas it alian9a natural que encontrara na idiotice da multidao.

E

portanto necessario que ela volte ao seu verdadeiro clever, que

e

o de servir ciencias e artes, mas de maneira bern humilde, como a tipografia e a estenografia, que niio criaram nem substituiram a literatura.( ... ) Que salve do esquecimento as ruinas oscilantes, os livros, as estampas e os manuscritos que o tempo devora, as coisas preciosas cuja forma desaparecera e que necessitam de urn Iugar nos arquivos de nossa memoria, seremos gratos a ela e iremos aplaudi-la. mas se !he for permitido invadir o dominie do impalpavel e do imaginario,

21

(31)

tudo o que so e valido porque o homem lhe acrescenta a alma, que

desgra~a para nosl"28

Urn problema que surge entao aqui seria o de colocar a fotografia como urn simples instrumento, como urn "servi9al" da memoria. Para Dubois o que sustenta esta posiyao de Baudelaire

e

uma concepyao evidentemente "elitista e idealista da arte como finalidade sem fim, livre de qualquer funyao social e de qualquer arraigado na realidade", ja que para Baudelaire, "uma obra nao pode ser ao mesmo tempo artistica e documental, pois a arte e definida como aquilo mesmo que perrnite escapar ao real". Entao, segundo este tipo de concepyao, a fotografia deve cumprir uma funyao eminentemente documentaria, enquanto que a pintura deve buscar a arte, o imaginario.

Sabe-se que com a inven9ao da fotografia, os canones da arte mimetica e de representa9ao sofreram serias transforrnayoes. Existia urn medo de que a fotografia viesse a substituir a pintura, o que de fato nunca aconteceu, ou se aconteceu foi apenas no caso das pequenas miniaturas onde os pr6prios retratistas se tornaram fot6grafos. 0 que a fotografia de fato possibilitou foi uma experiencia 6ptica singular, a fotografia e uma imagem geneticamente 6ptica e quimica, e nesse sentido sua influencia e absoluta. A fotografia nao arte e possibilidade de arte, assim como a pintura ou qualquer outro meio, por certo Baudelaire sabia que uma pintura nao era necessariamente uma arte.

"Na fotografia possuimos urn instrumento extraordinario de reprodu~iio.

Porem a fotografia e muito mais do que isso. Atualmente esta bern encaminhada para indicar (opticamente) algo completamente novo para o mundo. Os elementos especificos da fotografia podem ser separados das complicayi)es que os acompanham, niio so de forma te6rica seniio tambem de U\llil forma tangivel e manifesta em sua realidade. "29

De modo antagonico it visao que desautoriza a fotografia enquanto possibilidade de arte propoe-se urn sentido de territ6rio da pragmatica do ato e da interpretayao da atividade singular na fotografia.

E

preciso combater a ideia especular

28 Baudelaire, Charles in Dubois, Philippe. Ibid p.29

29 Moholy-Nagy, Lilzl6 "Del pigmcnto a la luz" in Estctica fotogrilfica. p. 164 [publicado

(32)

de uma fotografia que se constitui como urn "culto ao reflexo", mesmo sendo este reflexo urn indice:

"A visiio fotografica baseada no culto do "reflexo" pode aparecer tanto como a cren_,a ingenua do "homem comum", quando sob a forma de urn raciocinio mirabolante, pleno de acrobacias te6ricas. Em qualquer das hip6teses o observador se faz cego ao mecanisme optico que esti informando a imagem e se deixa fascinar pela mistica das emana"iies luminosas que se fixariam automaticamente na pelicula, por for~ de algum poder magico inerente ao aparelho.(p.38) ( ... ) Barthes sentencia: sem referente niio ha fotografia; mas nos poderiamos completar: so com o referente muito menos. Se nao existir a camera escura, a lente com seu poder organizador dos raios lurninosos, urn diafragma rigorosamente aberto como ruanda a analise da luz operada pelo fotometro, urn obturador com velocidade compativel com a abertura do diafragma e a sensibilidade da pelicula, se niio houver ainda uma foote de luz natural ou artificial modelando o referente e urn operador regendo tudo isso, tambem nao haveni fotografia, muito embora o candidate a referente possa estar disponivel." 30

Nesse territorio diverso ao "culto do rcflexo", se percebe a singularidade "poetica" na autoria fotografica. Neste quadro, o 'isto e' (a imagem como objeto dinamico) substitui o 'isto foi' (testemunho inefavcl do espelho da memoria). Desvela-se entao o veu de nostalgia e a maldi¢o de mascara mortuaria que agregaram it fotografia. Derrubado o paradigma do espelho os veus da ilusao sao desfeitos: o espelho se quebra e como a fotografia que se contamina, nao dura para sempre. Nenhuma imagem dura para sempre.

Ja sabemos que a fotografia nao e a 'coisa' que fotografa mas a cmsa 'fotografada'. Acreditar em espelhos nesse momenta seria afundar na propria contemplac;:ao.

0 "fotografo-autor" nao constroi torres para chegar a "Deus"( o milo biblico de Babel) nem mergulha numa imagem de papel para contemplar o seu passado, ele esta imerso no ato que faz a imagem surgir e, em cada urn, particularmente, esse ato reproduz uma vida propria. Ao perceber na fotografia uma imagem-processo, ao contnirio de se equipar com o espelho que simplesmente e por ato de "magica" impregnou-se com uma imagem definitiva, ele se poe diante de uma experiencia optica, de uma experiencia da imagem que 6 de natureza ampla.

30

(33)

" ... com a fotografia, nao nos e mais possivel pensar fora do ato que a faz ser . A foto nao e apenas uma imagem ( o produto de uma tecnica e de uma a<;:iio, o resultado de uma fazer e de uma fazer saber-fazer, uma representa<;:iio de papel que se olha simplesmente em clausura de objeto fmito), e tambem, em primeiro Iugar, urn verdadeiro ato iconico, uma imagem, se quisermos, mas em trabalho, algo que nao se pode conceber fora de suas circunstancias, fora do jogo que a anima sem comprova-la literalmente: algo que e, portanto, ao mesmo tempo e consubstancialmente, uma imagem-ato, estando compreendido que esse "ato" nao se limita trivialmente apenas ao gesto da produ<;:iio propriamente dita da imagem (o gesto da "tomada"), mas inclui tambem o ato de sua recep<;:iio e de sua contempla<;:iio. A fotografia, em suma, como inseparavel de toda a sua enuncia<;:iio, como experiencia de imagem, como objeto totalmente pragmatico"31

A fotografia, na perspectiva do operador e primeiramente urn processo latente. Quando o dispositivo fotognifico e acionado, a imagem fica armazenada na pelicula fotografica, a luz que indicia o referente submerge nesse estado de latencia e repousa sabre o aspecto fisico do filme. Para que a imagem fotografica se materialize ela necessariamente deve ser processada, revelada e possivelmente impressa e ampliada numa superficie fotossensivel. Esse

e

seu processo, seu paradigma tecnico, cientifico.

0 "fot6grafo-autor" tern em sua natureza empreender urn processo anal6gico ao proprio processo de materializa<;:iio da imagem, processo que implica numa possibilidade investigante, ou mesmo experimental. Com a considera<;:ao sabre a media<;ao da imagem como urn ato de pragmatica - em que as imagens se dao por uma especie de "mistica" - o fot6grafo pode tamar parte no jogo da singularidade, que esta na ordem da amplia<;:iio, da descoberta, da revela<;:iio, e nao da reflexao especular gratuita.

A lupa, como instrumento 6ptico de amplia<;ao seria portanto uma imagem de diversa da especularidade, mas tambem corre o risco de tamar o fot6grafo urn detetive, e nao e isso que conta. A metafora aqui opoe urn "olhar mistico" e "automatico" do dispositivo" que captura almas de coisas e de pessoas, com urn "olhar-atraves", urn olhar para investigar, expressar, descobrir, mas numa dimensao estetica, que nao e nem policial nem cientifica, uma dimensao que para a desgra<;a de Baudelaire toea o imaginario.

(34)

Dessa posi<;:iio, nao cabe olhar para uma fotografia como se fosse urn espelho, ainda que nao se possa olhar para uma fotografia descaracterizando integralmente sua · 16gica especular.

Quando se esta falando de uma imagem que na sua genese e de natureza tecnica, niio se esta necessariamente tratando de uma imagem "fraca" como signo criativo. Nem tao pouco se fala de uma imagem de dificil constru<;:iio por sua condi<;:iio tecnologica.

0 problema da criatividade na fotografia e da sua correspondente contribui<;:iio no universo da expressao humana, niio se encontra exclusivamente na sua formatividade, mas sim, na ideia de urn autor; na sua capacidade de fusao entre urn mecanismo que e formativo e a mensagem que dele se utilize atraves da frui<;:iio de sua obra.

Falar de "imagem forte" e de "imagem fraca" funciona num apontamento para a separa<;:iio de procedimentos, o que por conseqiiencia indica que a fotografia nao e uma unica coisa. Existe a lingua portuguesa e tambem uma literatura em lingua portuguesa. Ha uma linha demarcatoria. Imagem forte corresponde a uma exalta<;:iio do procedimento criativo de urn autor: ordem da lupa. Imagem fraca corresponde a uma aceita<;:iio inconsciente de urn jogo pre-fabricado pelas facilidades tecnologicas: imagem - cliche.

Estabclecido o territorio que procede de urn jogo, ao impor urn certo e urn errado, urn criativo e urn alienado, penso que podemos redimensionar essa questao. Se, a partir dessa dicotomia, estabelecida entre "espelho" de urn !ado e "lupa" de outro insinuar -se uma compreensao da tensao entre esses do is aspectos. Como urn estigma daquilo que e presente na propria genese da fotografia. Esse eterno jogo entre o manual e o maquinal, entre o intelectual e o ocasional como que para justificar ou desautorizar urn estatuto criativo na fotografia.

(35)

1.5 - Bibliografia

Barthes, Roland. A ciimara clara. Nota sobre a fotografia Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1994.

Bense, Max. Pequena estetica, Sao Paulo: Perspectiva, 1971.

· Campos, Haroldo de. Ruptura dos generos na literatura latino-americana, Sao Paulo: Perspectiva, 1977.

Campos, Haroldo de. Metalingnagem. Ensaios de teoria e critica lit~ Petr6polis: Vozes, 1967.

Dubois, Philippe. 0 ato fotognilico e outros ensaios, Campinas: Papirus, 1994. Ferrara, L. D' Alessio. A estrategia dos signos, Sao Paulo: Perspectiva, 1981 Foucault, MicheL A ordem do discurso, Sao Paulo: Loyola, 1996.

Jakobson, Roman. Lingiiistica e comunicaciio, Sao Paulo: Cultrix, 1973. Janson, H. W. Hist6ria da arte, Sao Paulo: Martins Fontes, 1992.

Machado, Arlindo. A ilusiio especular. Introducao

a

fotografi!!, Sao Paulo: Brasiliense, 1984.

Malmberg, Berti!. Les nouvelles tendances de Ia linguistique, Paris: Puf, 1972.

Moholy-Nagy, Lazl6 "Del pigmento a Ia luz" in Estetica fotografica. Selecci6n de textos , Barcelona: Blume, 1984.

Peirce, Charles Sanders. Semi6tica, Sao Paulo: Perspectiva, 1977.

Rector, M. e Yunes, E. Manual de semiintica, Rio de Janeiro: Ao Livro Tecnico, 1980.

Schaeffer, Jean-Marie. A 1magem precaria. sobre o dispositivo fotografico. Campinas: Papirus, 1996

Sontag, Susan. Ensaios sobre a fotografia Lisboa: Dom Quixote, 1986.

Steinert, Otto "Sobre las posibilidades de creaci6n en Ia fotografia" in Estetica fotografica. selecci6n de textos, Barcelona: Blume, 1984.

Referências

Documentos relacionados

Os resultados são apresentados de acordo com as categorias que compõem cada um dos questionários utilizados para o estudo. Constatou-se que dos oito estudantes, seis

Para analisar as Componentes de Gestão foram utilizadas questões referentes à forma como o visitante considera as condições da ilha no momento da realização do

There a case in Brazil, in an appeal judged by the 36ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (São Paulo’s Civil Tribunal, 36th Chamber), recognized

The focus of this thesis was to determine the best standard conditions to perform a laboratory-scale dynamic test able to achieve satisfactory results of the

to values observed in mussels exposed to contaminated seawater (conditions A, B, C) (Figure 426.. 4B,

que sa oU serva a dita complicação nos últimos anos 4 devido a que actualmente sa operam muito mais ulceras am actividade qua anteriormente. Urrutia diz que e por- que se eomeQa

O mecanismo de competição atribuído aos antagonistas como responsável pelo controle da doença faz com que meios que promovam restrições de elementos essenciais ao desenvolvimento

forficata recém-colhidas foram tratadas com escarificação mecânica, imersão em ácido sulfúrico concentrado durante 5 e 10 minutos, sementes armazenadas na geladeira (3 ± 1