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Naturalização da indústria cultural nos meios de

comunicação religiosos de matriz cristã

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Rodrigo Tarcha Amaral de Souza

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação – Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP. Mestre em Educação pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, unidade de Americana, SP. Professor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL, unidade São José/Campinas, SP. E-mail: ir.tarcharo@hotmail.com

Cesar Francisco dos Santos

Graduado em Filosofia pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL, unidade de Lorena, SP. E-mail: cesar.bsp@salesianos.com.br

Resumo

Este artigo é fruto de um trabalho de conclusão de curso em Filosofia sobre a intensificação da indústria cultural nos meios de comunicação cristãos. Sob diversos aspectos, este artigo amplia o texto anterior, cujo objetivo é investigar sobre os mecanismos de naturalização da indústria cultural nos meios de comunicação religiosos de matriz cristã. Utilizar-se-á de fundamentação teórica adorniana para o desenvolvimento de reflexões conjunturais e hipotéticas sobre causas e efeitos da relação dialética entre indústria cultural e campo religioso. Resulta existir uma reconceituação da indústria cultural mediante a intensificação de sua inserção nos novos campos societários, como a comunicação midiática religiosa. Conclui-se que, em meio a confrontações de ordem estratégica e ideológica no uso dos meios de comunicação religiosos, para além de certa corrosão identitária, numa leitura antropológica, mantêm-se como um eficaz instrumento de potencialização humana. Palavras-Chave

Indústria Cultural, Meios de comunicação, Campo religioso. Abstract

This article is the fruit of a work of conclusion of course in Philosophy on the intensification of the cultural industry in the Christian means of communication. In several aspects, this article extends the previous text, whose objective is to investigate the mechanisms of naturalization of the cultural industry in the religious media of Christian matrix. It will use theoretical Adorian fundamentals for the development of conjunctural and hypothetical reflections on the causes and effects of the dialectical relationship between cultural industry and religious field. There is a reconceptualization of the cultural industry by intensifying its insertion in the new societal fields, such as religious media communication. It is concluded that, in the midst of strategic and ideological confrontations in the use of the religious media, in addition to a certain identity corrosion, in an anthropological reading, they remain an effective instrument of human empowerment.

Keyword

Cultural Industry; Media; Religious field.

1 Trabalho de Conclusão de Curso em Filosofia defendido em 2017, intitulado “A subjetiva atualização da

Indústria Cultural nos meios de comunicação cristãos como canal de manipulação do homem em Theodor Adorno” sob a orientação do prof.º Dr.º José Marcos Miné Vanzella. Para maiores detalhes, ver Santos (2017). Este trabalho reflete sobre o campo religioso de matriz cristã, alinhando-se substancialmente a vertente católica apostólica romana ao longo do texto.

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Introdução

O conceito de indústria cultural foi desenvolvido e aprofundado ao longo do tempo pelos seguidores da Escola de Frankfurt, principalmente Adorno, cujo legado teórico tem permitido orientar as novas gerações do perigo que representa a indústria cultural como mecanismo ideológico de manipulação de massa. Passadas algumas décadas do contexto original dessas reflexões, tanto dos seguidores da Escola de Frankfurt como de Adorno, seus pressupostos teóricos se mantêm atuais, na medida que ocorre uma intensificação e ao mesmo tempo ressignificação da indústria cultural, ganhando fôlego e credibilidade na esfera pública pelo modo exitoso de operacionalizar estratégias a sua naturalização no campo religioso.

O campo religioso, bem sabemos, tradicional por apoiar-se em doutrinas, hermenêutico por sua capacidade singular de correspondência ao tempo presente, consolidam-se e consolidam-se expandem na medida que cumprem consolidam-seus desígnios, o primeiro deles: “ide e anunciai a boa nova” (Mc, 16 – CNBB, 2008). Numa ótica sociológica, essa característica expansionista exige perspicácia de seus representantes religiosos para utilizar os melhores recursos e ferramentas disponíveis, mormente, veículos de comunicação em massa.

Para tanto, buscar-se-á investigar sobre a naturalização da indústria cultural nos meios de comunicação religiosos de matriz cristã, inquirindo sobre suas implicações no âmbito institucional religioso e de seus seguidores. Este trabalho segue a linha crítico-analítica a partir do referencial teórico escolhido, iniciando com uma abordagem histórica da indústria cultural, sua imersão e naturalização no campo religioso e seus desdobramentos na esfera pública e religiosa.

Indústria cultural como conceito cambiante: da intensificação à

ressignificação

A filosofia de Theodor Adorno apresenta diversos conceitos que partem de um mesmo ponto, e o ponto em questão é a sociedade. A sua tentativa não foi de fazer um estudo antropológico, mas apontar os elementos que ocasionavam a dominação por inteiro das ações dos homens (ADORNO, 2008). A estratégia de alienação que se estabelecia nas atividades sociais e principalmente nos meios utilizados para a manipulação das massas ganhava uma nova definição e segundo a teoria de Adorno, esse processo de alienação não será chamado mais de cultura de massa, mas de indústria cultural por sobressaltar a interferência do modelo capitalista na cultura vigente (ADORNO, 2002).

A indústria cultural pode ser entendida como uma instrumentalização da razão sendo utilizada como mecanismo de manipulação. Contribui ainda para a falsificação dos desejos, das vontades e das relações entre os indivíduos, tornando as pessoas cada vez mais individualistas, pacíficas, indiferentes e sem sentido frente aos acontecimentos da sociedade, visando somente as alucinações criadas pela indústria (ADORNO, 1998). Cenário este que coincide com a atual ação e influência do mercado produtivo, utilitário e consumista no âmbito sociocultural, inibindo a pessoa de modo anestésico de perceber o seu real nível de inserção na sociedade devido ao encantamento no qual está submetido. “[...] quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo” (DEBORD, 2003, p. 25).

A intensificação da ação estratégica da indústria cultural faz parecer natural que o indivíduo assimile o desejo da indústria, digamos, hoje, mercado, e realize uma experiência de individualidade, contribuindo para que os objetivos de dominação cultural, sejam de viés

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econômico, religioso ou qualquer outro matiz ideológico, sejam implantados com êxito. O que é apresentado na tela do cinema ou por meio da música tocada no rádio, mormente, agrada e salienta a expectativa e imaginação, de modo que, gradativamente, perde-se o sentido de comunidade existente pela derrocada do valor de alteridade ou respeito à dignidade do outro.

A sociedade refletida por Adorno está constantemente tensionada pela relação de dominação, haja vista a ganância da burguesia que oprime a classe menos favorecida. Não é apenas a exploração do trabalho que transforma o indivíduo em uma máquina, mas a ação manipuladora e ideológica que faz com que as pessoas se coloquem umas contra as outras e não percebam o fim trágico que estão prestes a se submeter (ADORNO, 1985).

Ao tratar da indústria cultural, Adorno explicita de que maneira esse poder é manifesto na sociedade e qual a influência que ele realiza na vida dos indivíduos, tendo ciência de que a sua crítica se torna um ato de subversão ao que é desejado pela indústria. Para tanto, propôs um caminho crítico-reflexivo que nos faz perceber como os elementos depositados, estrategicamente, pela indústria cultural interferem de maneira direta no comportamento das pessoas, com a sua alienação que se torna um parâmetro de igualdade, causando uma permanente cegueira social.

Esse processo massificante da industrialização adquire uma elevada proporção e com ela toda forma de lucro se torna uma possibilidade para a classe abastada consolidar seu status, legitimando sua hegemonia, tanto em relação às condutas dos indivíduos por ela manipulados ou sobre o capital que está sendo acumulado, sendo este o seu maior interesse.

A cultura através da técnica é transformada em mercado e a vida da população é representada, superficialmente, nos cinemas por meio das imagens das capas de revistas ou nas composições musicais (ADORNO, 1974).

A relação social tornou-se uma espécie de relação comercial, guiada por contatos raros e protocolares, visando apenas o interesse e as vantagens de uma pequena parcela de pessoas que detém recursos financeiros. Existe nessa ação uma exploração da consciência de cada pessoa e com isso os elementos utilizados pela indústria cultural perpassam pelas necessidades cotidianas que fazem com que os processos de manipulação se tornem efetivos.

A indústria cultural enquanto ação estratégica de mercado e ao mesmo tempo como pano de fundo de uma epistemologia produtivista e utilitária, é apresentada aos indivíduos de maneira encantadora em um mundo desencantado. A realidade, nesse momento, deixa sua forma distorcida e ganha sentido lógico e emocional diante da criatividade apresentada na tela. O enredo do personagem que sofre é um retrato do homem que é massacrado pela indústria cultural e os seus aliados. Não obstante, as mensagens subliminares carregadas de simbolismos de acordo com o interesse dos produtores, organizadores e digamos ainda, colonizadores de mentes, nem sempre são capturadas pelos ouvintes de modo crítico, favorecendo, por sua vez, a intensificação da indústria cultural como epistemologia e ação estratégica de manipulação sociocultural. “A cultura sempre contribui para domar os instintos revolucionários bem como os costumes bárbaros. A cultura industrializada dá algo mais. Ela ensina e infunde a condição em que a vida desumana pode ser tolerada” (ADORNO, 2002, p. 31).

Com a intensificação da indústria cultural o ser humano passa a ser concebido como um objeto descartável. Suas necessidades não importam, ele só precisa estar ligado naquilo que a indústria oferece e aceitar de bom grado. Essa cultura, que é instaurada, favorece apenas a uma pequena parcela social, por isso é considerada como uma indústria, pois ela foi criada para beneficiar a burguesia através da manipulação da massa.

Adorno alargou a busca reflexiva realizada pelos pensadores da Escola de Frankfurt, proporcionando uma ampla compreensão da realidade social vivida no século XX. Deixou

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pistas que evidenciassem a influência das instituições na vida das pessoas, seja pelo quanto as dominam e manipulam, seja pelo potencial de introjetar no indivíduo a convicção e desejo de defender a cultura recém assumida, podendo ser comercial, sexual, valores etc. Neste momento, quando o indivíduo deixa de apenas consumir para defender a cultura vigente, fruto de alguma manobra política e/ou econômica, percebe-se a transição, sempre cambiante da intensificação da indústria cultural para sua ressignificação epistêmica, em que o valor maior não é somente obter lucro ou poder ideológico, mas execrar convicções discordantes. Neste sentido a indústria cultural pode se tornar uma “máquina de guerra ideológica”.

A partir deste momento tentar-se-á refletir sobre a influência e naturalização dos pressupostos e juízos de valor da indústria cultural nos meios de comunicação religiosos de matriz cristã. Para os integrantes da Escola de Frankfurt a religião é parte integrante da sociedade e, por fazer parte dela, deve ser compreendida mediante a função que exerce nas relações sociais (MOGENDORFF, 2012). Diante desses pressupostos, as instituições religiosas também adotaram alguns mecanismos disponibilizados pela indústria cultural, para assim, garantir a continuidade do seu processo comunicativo da mensagem religiosa, cujos meios tecnológicos possibilitam um maior alcance de transmissão (MARTINO, 2003).

O campo religioso: abertura e adaptação aos tempos ou

conveniência e sobrevivência num novo cenário sociocultural?

A ação arquitetada num contexto de indústria cultural tem revelado o poder de influência e manipulação que dela provêm, refletindo-se no modo de pensar e agir das pessoas. A busca por compreensão da realidade e da própria existência é uma tentativa de resposta ao não conformismo criado pela anestesia a qual a sociedade foi submetida pelos mecanismos impingentes da indústria cultural. Essa tentativa de saída tem se apoiado em linhas humanísticas que robustecem o embate intelectual contra os meios alienantes que imperam na sociedade.

Nesse sentido, uma estratégia possível de ser exitosa quanto a fuga do círculo vicioso da ideologia da indústria cultural é a complementaridade entre a fé e a razão. Esse processo de circularidade da fé e da razão é salutar na medida que permite o ser humano se reequilibrar em suas esferas místicas e materiais (JOÃO PAULO II, 1988). Diante deste cenário de fragilização do ser humano pela intensificação e ao mesmo tempo ressignificação da indústria cultural, o campo religioso tem demonstrado poder agir, refratariamente, a partir de seus fundamentos históricos e hermenêuticos, salvo, todavia, pelos seus procedimentos e estratégias sempre renovados com os tempos, que podem ser considerados por alguns como uma ingenuidade e/o reprodução dos mecanismos da indústria cultural no trato com os meios de comunicação.

Mas media religiosa: seara fértil para a naturalização da indústria

cultural

O desenvolvimento dos meios de comunicação tem favorecido maior acesso as informações, tornando-se o mecanismo mais influenciador de alinhamentos teóricos que se queira difundir. Ainda que o cenário social brasileiro apresente considerável índice de pessoas abaixo da linha da pobreza, torna-se cada vez mais difícil imaginar uma moradia que, num contexto de urbanização, não tenha sequer uma televisão ou qualquer outro aparelho de informação rápida. O frenético ritmo de informações tem levado a sociedade a permanecer

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conectada aos aparelhos por um longo período do dia. Essa situação é um diagnóstico e ao mesmo tempo cenário de atuação de grupos religiosos que dispõem de tecnologias para se inserir nesse campo de trabalho. “Ligada ao desenvolvimento tecnológico está a crescente presença dos meios de comunicação social. [...] parece verdadeiramente absurda a posição de quantos defendem a sua neutralidade, reivindicando em consequência a sua autonomia relativamente à moral que diria respeito às pessoas” (BENTO XVI, 2009, p. 49).

As instituições religiosas encontraram nos meios de comunicação inúmeras possibilidades de um anúncio mais atrativo e capaz de ajudar o homem a refletir sobre sua existência.

[...] o uso dos meios de comunicação social para a evangelização comporta uma exigência a ser atendida: é que a mensagem evangélica, através deles, deverá chegar sim às multidões de homens, mas com a capacidade de penetrar na consciência de cada um desses homens, de se depositar nos corações de cada um deles, como se cada um fosse de fato o único, com tudo aquilo que tem de mais singular e pessoal, a atingir com tal mensagem e do qual obter para esta adesão, um compromisso realmente pessoal (PAULO VI, 2008, p. 17).

Os meios de comunicação social não favorecem a liberdade nem globalizam o desenvolvimento e a democracia para todos simplesmente, porque multiplicam as possibilidades de interligação e circulação das ideias. Para alcançar tais objetivos, é preciso que estejam centrados na promoção da dignidade das pessoas e dos povos, animados expressamente pela caridade e colocados ao serviço da verdade, do bem e da fraternidade natural e sobrenatural. De facto, na humanidade, a liberdade está intrinsecamente ligada a esses valores superiores. Os mass media podem se constituir em válida ajuda para fazer crescer a comunhão da família humana e o ethos das sociedades, quando se tornam instrumentos de promoção da participação universal na busca comum daquilo que é justo (BENTO XVI, 2009).

Para pessoas de critérios e convicções pautadas nos princípios genuínos da fé cristã, parece óbvio e lógico que a mensagem anunciada pelos meios de comunicação religiosos de matriz cristã seja autêntica e coerente com a doutrina e hermenêutica cristã, não podendo fazer do anúncio uma ponte para uma conquista fácil de capital e outros recursos. Contínuos desajustes de ordem moral e econômica nos meios de comunicação religiosos são um reflexo do nível elevado de inserção na cultura secular capitalista, fortemente alinhada com pressupostos de ordem econômica neoliberal, que em certa medida, trata-se da intensificação da indústria cultural fazendo uso do aparato religioso na/para a sociedade (MATTOS, 2017).

Entende-se que a facilidade de acesso às informações faz com que o indivíduo não procure mais a convivência com a comunidade ou o contato com a realidade ao seu redor, mas crie os seus próprios elementos de fé, orientado apenas por aquilo que ouve ou assiste.

A realidade não é mais imitada ou representada, mas simulada. No entanto, em se tratando de televisão não é errado dizer que a realidade é, na verdade, dissimulada. Pela simulação se põe em cena o que não está, pela dissimulação não se deixa ver o que está. A sensação de enganação que a TV espalha nas próprias multidões que a assistem não serve para eliminar o engano, nem para causar revolta contra o enganador. Antes, certa crença de que a televisão “é o que é” vem deixar claro que a realidade se tornou desimportante diante dos meios de simulá-la (TIBURI, 2011, p. 150).

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religiosos não aparentam estar totalmente alinhadas com os princípios referenciais da doutrina cristã (MARTINO, 2003). Há de se reconhecer, todavia, que uma considerável parcela dos recursos e investimentos na área da comunicação provêm de financiamento privado, restringindo o grau de autonomia de grupos religiosos em estabelecer sua pauta religiosa sem interstício de informações e propostas de outras esferas que não religiosas.

Refletindo por outro ângulo, o mercado religioso tem se firmado no cenário midiático. Hoje, uma considerável parcela de músicas religiosas não estão mais reclusas a ambientes de tradição cristã, além de se firmarem como gênero musical de consumo popular. A literatura, filmes, produtos e emissoras televisivas, rádios, shows e grandes eventos tem sido um sinal visível da força e do capital que esses aparatos religiosos possuem.

É nítida a grande barganha existente nesses meios, colocando em risco a legitimidade da tradição cristã, até mesmo valores e convicções éticas na medida que são postas de lado em detrimento da aquisição de maior capital.

Essa modificação no modo de conceber e propagar a doutrina cristã nos meios de comunicação revela a tensão existente de finalidades díspares: de um lado, utilizar de aparatos tecnológicos para anunciar a doutrina cristã, de outro, utilizar-se da doutrina cristã para obter lucro. Ainda que a segunda situação não esteja na condição de discurso oficial, apresenta-se como finalidade primeira na medida que se acentuam desajustes de ordem moral, econômica e até doutrinal de alguns grupos religiosos.

Na ótica da indústria cultural: o “homem” como meio e os meios

de comunicação religiosos como fim

Com a aceleração de informações pelos canais de comunicação, torna-se fundamental o anúncio de acontecimentos e transmissão de eventos em tempo real, carecendo em certos momentos do devido aprofundamento teórico. No que corresponde à dimensão religiosa, acreditando que o campo religioso, inequivocamente, também é guiado por critérios da secularização, percebem-se, então, episódios de programas, anúncios televisivos entre outros que tem metamorfoseado a mensagem do evangelho em ideologias contrárias à doutrina cristã (BERGER, [S/D]). Desde interpretações ortodoxas às excessivamente liberais que entorpecem a mente dos seguidores, cujos preceitos equivocados, muitas vezes pautados em discursos e práticas que levam à intolerância, ao rigorismo, ao individualismo, à prosperidade e a outras tantas formas de diminuição do valor do ser humano a partir de leituras enrijecidas, quando não equivocadas da doutrina cristã. Questionar-se-á, portanto, a diferença dos mass media religiosos com qualquer outro meio de comunicação secular. Equiparados por critérios de mercado, talvez alguns grupos seculares se distingam por posturas éticas.

[...] uma religião do medo, cujo lideres fizessem da administração da angústia um modo de manter e aumentar o poder sobre uma comunidade aterrorizada por fantasias de ordem religiosa seria uma religião doentia. Como um tumor maligno, acaba acentuando seu potencial maléfico, ou seja, em linguagem religiosa: potencial diabólico. Quanto mais se pratica tais formas de religião mais aumenta o medo, a ansiedade, a obsessão, o escrúpulo, a culpa, a rigidez do moralismo, do legalismo, do autoritarismo, e a necessidade de expiação com a correspondente necessidade de vítimas expiatórias inclusive em termos sociais (SUSIN, 2017, p. 201).

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Tratando-se estritamente do campo religioso, tem sido comum viralizar músicas sem fundamentos eclesiológicos, quando não contrários à doutrina cristã por apresentarem disparates. Próprio desta época ou nova onda cultural, percebe-se certa acentuação de produções musicais e televisivas que destacam o sentimentalismo, o intimismo, a dependência humana da fé numa perspectiva de subjugação da pessoa ao discurso institucional religioso. Preocupação maior se dá por perceber que o alinhamento proposto no ato religioso midiático proporciona ao ouvinte “cliente” a sensação de prazer pela experiência realizada, sem ponderar, criticamente, sobre a legitimidade e limites do retorno financeiro dos produtores do ato religioso físico e/ou midiático.

Este cenário evidencia uma tensão entre o fiel seguidor de um determinado credo e do emissor e facilitador do respectivo credo. A respeito do segundo, corre-se o risco de arrogar para si o direito de inferir sobre o conhecimento, estrutura e procedimentos de intensificação da fé e os meios de captação de recursos. Este último sempre suscetível à crítica pela ausência de transparência nos números arrecadados e coesão com as finalidades estabelecidas de aplicação da receita. Virtudes como simplicidade, esperança e fé tem sido cooptadas como manobras ideológicas, que naturalmente, por meio de discursos convincentes e encantadores, fidelizam pessoas a seguir determinado credo e suas respectivas exigências, muitas vezes de modo irrestrito.

Entre tantas ações presentes nos chamados espetáculos da fé, a necessidade material dos fiéis é colocada como meio para alcançar os próprios interesses, não dos fiéis, mas dos líderes religiosos que manipulam essa massa anestesiada. A busca pela prosperidade ganha um novo vigor nos discursos realizados no púlpito, transformando um lugar de oração em centro de barganha, enganando assim, em nome de Deus, aqueles que desprovidos de uma educação satisfatória não conseguem perceber as artimanhas dos promotores dessa ação alienadora. Desse modo, tal cenário não se diferencia em nada do contexto histórico de surgimento da indústria cultural. Pelo contrário, representa, inequivocamente, a ressignificação da indústria cultural pelo viés religioso, na medida em que pessoas, na condição de objetos, defendem a cultura vigente de serem manipuladas. Realidade entristecedora.

Usando de ironia, é irreprochável o trabalho de grupos religiosos, seja por ingenuidade ou “lucidez” maquiavélica de transformar a experiência de fé numa mercadoria.

O fundamentalismo como ideologia infiltrada

O reflexo dos interesses movidos pelo capitalismo e a facilidade de atingir a grande massa social com a sua propaganda, têm ocasionado discursos na esfera pública com sentidos e interpretações distorcidas como ódio, indiferença, preconceito e legalismo. Essa ação vem conquistando, cada vez mais, espaço entre os grupos religiosos em seus meios de comunicação. Essa maneira de pensar e agir revela certa propensão de que a dimensão religiosa seja mais difundida numa perspectiva de doutrina do que hermenêutica, ou seja, mais tradicional que contextualizada à realidade singular das pessoas (TEIXEIRA, 2007).

É comum encontrar na televisão, internet, textos em blogs e em tantos outros canais de comunicação, pseudos defensores da fé cristã que incitam a massa a agirem de forma hostil, alegando ser uma forma de esclarecimento e defesa fiel de determinada doutrina religiosa. Tais elementos se assemelham aos apresentados pelos seguidores da Escola de Frankfurt, sobretudo Adorno, quando denuncia as manobras da indústria ao apresentar pressupostos que levem a uma cultura do culto à imagem, à sensação, ao prazer, à imitação, ao consumo etc. “A indústria cultural finalmente absolutiza a imitação. Reduzida a puro estilo, trai o seu segredo: a obediência à hierarquia social. Falar de cultura foi sempre contra a cultura” (ADORNO, 2002, p. 14).

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O retrocesso da mentalidade que se deseja implantar, ou melhor, impor, não tem permanecido nos discursos, mas também se naturalizado na estética. As vestes e outros adornos se tornaram um meio de anúncio e forma de convencimento do alinhamento religioso que se deseja impor. Podemos observar o uso da batina por alguns seminaristas e padres, incentivados é claro, por uma forte onda conservadora que não procuram o real sentido do uso dessa vestimenta, mas uma maneira de legitimar o poder e status que o próprio estado eclesial proporciona aos que fazem parte da Igreja. Outro meio de chamar a atenção é através da tentativa do retorno da língua latina ou de ritos superados nas liturgias, utilizando das brechas deixadas pela linha eclesiológica estabelecida no Concílio Vaticano II. Recuperando os pressupostos teóricos de Adorno, entende-se que a indústria cultural tende a se naturalizar no campo religioso na medida em que consegue oficializar uma única maneira de conceber a ideia do que venha a ser correto, exitoso e prazeroso. “A indústria cultural tem a tendência de se converter em um conjunto de protocolos e por essa mesma razão, de se tornar o irrefutável profeta do existente” (ADORNO, 2002, p. 27).

A falta de compromisso com a verdade é um dos elementos perceptíveis nesse processo causado pela indústria cultural. “Pela demonstração de sua divindade o real é sempre e apenas cinicamente repetido. Essa prova fotológica não é precisa, mas é esmagadora” (ADORNO, 2002, p. 17).

Nesse sentido, o alinhamento e prática fundamentalista vêm ganhando espaço no cenário religioso cristão, seja pelo enrijecimento no entendimento das doutrinas, seja por práticas desconexas com a secularidade. Recorde-se que todo fundamentalismo vem circundado de uma potencialidade de violência, podendo ser simbólica, moral ou física. Diante de qualquer ameaça, ele reage com a afirmação da tradição. Rejeita-se todo e qualquer engajamento dialogal com a modernidade, bem como qualquer possibilidade de reflexividade da tradição. Na raiz do fundamentalismo, há o sentimento de insegurança, desorientação, ou anomia resultantes de uma dinâmica modernizadora e a busca desenfreada por um fundamento seguro (TEIXEIRA, 2007). Nesse momento, o fundamentalismo como ideologia é assumido como natural na medida que se torna critério para pensar e agir.

A própria função das ideologias torna-se manifestamente cada vez mais abstrata. A suspeita dos antigos críticos culturais se confirmou: em um mundo onde a educação é um privilégio e o aprisionamento da consciência impede de toda maneira o acesso das massas à experiência autentica das formações espirituais, já não importam tanto os conteúdos ideológicos específicos, mas o fato de que simplesmente haja algo preenchendo o vácuo da consciência (ADORNO, 1998).

Não é raro encontrarmos pessoas aparentemente equilibradas, assumindo posicionamentos extremistas por ter ouvido a mensagem de comunicadores religiosos eficientes que os convencem do que venha a ser certo ou errado. Não nos é possível fazer juízo de valor da intencionalidade dos representantes religiosos ao realizar o seu trabalho de anúncio da mensagem cristã. Cabe apenas questionar sobre os mecanismos e ferramentas que permitem, tanto ao emissor como ao receptor da mensagem cristã, seja falada ou por outro meio de comunicação, munir-se de critérios que não lhes permitam ser ideologizados e, portanto, enganados.

Alienação religiosa: um imbróglio incomensurável

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desconhecidas para cada pessoa. É questionável, todavia, por parte de grupos religiosos, ações institucionais discordantes dos princípios referenciais da doutrina cristã. O anúncio e incentivo de uma prática de fé alcançada por meio de uma relação intimista com o transcendente atinge um elevado número de adeptos por proporcionar a fuga da realidade e do convívio com os outros.

O homem se aliena quando fica sozinho ou se afasta da realidade, quando renuncia a pensar e a crer num Fundamento. A humanidade inteira se aliena quando se entrega a projetos unicamente humanos, a ideologias e a falsas utopias. A humanidade aparece, hoje, muito mais interativa do que no passado: esta maior proximidade deve se transformar em verdadeira comunhão. O desenvolvimento dos povos depende sobretudo do reconhecimento que são uma só família, a qual colabora em verdadeira comunhão e é formada por sujeitos que não se limitam a viver uns ao lado dos outros (BENTO XVI, 2009, p. 37).

Urge que os grupos religiosos e seus seguidores procurem os meios legais, acadêmicos e formativos para frear os meios de comunicação religiosos ideologizados, que, próprio da credibilidade moral do campo religioso, são assumidos como parâmetro e critério da existência humana (PAULO VI, 2008). “Um cristianismo que não está inserido na realidade social, que não luta pela libertação do indivíduo, pela justiça e igualdade acaba traindo por completo a mensagem do evangelho” FRANCISCO, 2013, p. 96).

A comunicação deve ter por essência o objetivo de apresentar a todos, de forma transparente, a mensagem da “verdade” cristã, sintetizando e ao mesmo tempo ressignificando qualquer doutrina religiosa aos novos contextos de singularidade humana em cada tempo histórico.

Considerações

O objetivo desse trabalho foi investigar sobre a naturalização da indústria cultural nos meios de comunicação religiosos de matriz cristã. Por meio de bibliografia especializada, tanto sobre a indústria cultural, como do campo religioso, percebe-se, ora uma intensificação, ora uma ressignificação dos pressupostos teóricos da indústria cultural nos meios de comunicação, sobretudo religiosos. Por intensificação se compreende a acentuação de ações estratégicas no âmbito de mercado que leva as pessoas a consumir a mercadoria ofertada como meio de realização humana. Por ressignificação, entende-se o ato da pessoa assumir a ideologia para si e defendê-la como objeto de verdade irrefutável ao ponto de que argumentos contrários reverberem em ações extremas.

Conclui-se, portanto, que a transição da indústria cultural de intensificada para ressignificada, embora sempre oscilante, tem no campo religioso, espaço fértil para o seu desenvolvimento, deixando de ser uma ação estratégica para ser uma linha epistêmica pragmática e utilitária na medida que altera completamente a cultura e o modo de se conceber como pessoa.

O campo religioso é, evidentemente, credível pela proposta de humanização que defende e carrega em sua história. Cabe, porém, uma urgente análise de posicionamentos de seus representantes religiosos, sobretudo daqueles inseridos nos meios de comunicação por serem comunicadores influenciadores de pessoas.

Para além dos desajustes de ordem conceitual e operativa sinalizados nesse trabalho em relação à comunicação midiática no campo religioso, reitera-se de que a crença na religião

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enquanto estrutura institucional, numa leitura antropológica e sociológica, continua sendo o principal meio para potencializar seu maior bem humanístico: libertar, legitimar e dignificar a existência humana.

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Referências

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