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“É dando que se recebe?”: Dificuldades Metodológicas para Mensurar a Corrupção

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Academic year: 2021

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“É DANDO QUE SE RECEBE?”: DIFICULDADES METODOLÓGICAS PARA MENSURAR A CORRUPÇÃO

“IT IS IN GIVING THAT WE RECEIVE?”: METHODOLOGICAL DIFFICULTIES FOR MEASURING CORRUPTION

“ES EN DAR QUE RECIBIMOS?”: LAS DIFICULTADES METODOLÓGICAS PARA MEDIR LA CORRUPCIÓN

Diego Freitas Rodrigues1 Ranulfo Paranhos2

Marina Félix de Melo3 Dalson Britto Figueiredo Filho4

Mônica Sodré Pires5

RESUMO

A corrupção desvia recursos destinados ao desenvolvi-mento; mina a habilidade governamental de promover serviços básicos; fomenta a desigualdade e desenco-raja o auxílio externo e o investimento, aumentando, em medida constante, a instabilidade política por meio do desgaste das instituições democráticas e da deslegitimação da burocracia. Neste sentido, a cor-rupção poder ser vista como uma anomalia no espa-ço mais amplo da relação entre principal-agente. As definições sobre corrupção são várias e entendemos, genericamente, que o ato corrupto pode ser classifi-cado como o aproveitamento da função ou poder pú-blico para fins privados. Ainda que existam parâme-tros consolidados na literatura especializada quanto à definição conceitual da corrupção, existem

dificul-dades metodológicas em categorizar e mensurar este fenômeno. O objetivo deste artigo foi promover uma revisão da literatura especializada sobre corrupção, seja na Ciência Política, Direito, Economia ou Socio-logia e, dado esse suporte dos campos de pesquisa, distinguir suas principais metodologias e indicadores, subjetivos e objetivos, a mostrar robustez e fragilida-des metodológicas ao categorizar e mensurar o fenô-meno da corrupção.

Palavras-chave

Corrupção. Metodologia. Indicadores. DOI - 10.17564/2316-381X.2016v4n3p43-58

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Abstract

Corruption diverts development resources, under-mines the ability of government in promoting to the basic services; fosters inequality and discouraging foreign aid and investment increasing in extent con-stant political instability through the erosion of demo-cratic institutions and the delegitimization of bureau-cracy. On this way, corruption seems to be an anomaly in the wider arena of “principal-agent” relationship. Definitions of corruption are many and we under-stand, generally, that the corrupt act can be classi-fied as the function or use of public power for private purposes. Although exist parameters in the literature, there are methodological difficulties in categorizing

la categorización y la medición de este fenómeno. El propósito de este artículo es el de promover una re-visión de la literatura sobre la corrupción, ya sea en Ciencias Políticas, Derecho, Economía o Sociología y dado que el apoyo de los campos de investigación, distinguir sus principales metodologías e indicado-res, objetivos y subjetivos, para mostrar la fuerza y metodológicas debilidades a clasificar y medir el fe-nómeno de la corrupción.

Palavras-clave

Corrupción; Metodología; Indicadores.

and measuring this phenomenon. This paper aims to provide a review of the literature on corruption by the Political Science, Law, Economics and Sociology, and distinguish its main methodologies and indica-tors, subjective and objective, to show robustness and methodological weaknesses to categorize and meas-ure the phenomenon of corruption.

Keywords

Corruption; Methodology; Indicators.

Resumen

La corrupción desvía recursos para el desarrollo; so-cava la capacidad del gobierno para promover los ser-vicios básicos; fomenta la desigualdad y desalienta la ayuda exterior y la inversión creciente, medir constan-temente la inestabilidad política a través de la erosión de las instituciones democráticas y la deslegitimación de la burocracia. De esta manera, la corrupción puede ser vista como una anomalía en el espacio más am-plio de la relación entre principal-agente. Las defini-ciones de corrupción son muchas y comprenden, por lo general, que el acto corrupto puede ser clasificado como el uso de la función o poder público para el be-neficio privado. Aunque existen parámetros consoli-dados en la literatura sobre la definición conceptual de la corrupción, hay dificultades metodológicas en

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1 INTRODUÇÃO

Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a corrupção configura-se como um fenômeno comple-xo, de abrangência social, política e econômica que afeta todos os países. As definições sobre corrupção são várias e adotamos neste trabalho o entendi-mento de que, de maneira genérica, o ato corrup-to pode ser classificado como o aproveitamencorrup-to da função ou poder público para fins privados/particu-lares. O fenômeno de desviar recursos destinados ao desenvolvimento, mina a habilidade governa-mental de promover serviços básicos, fomenta a es-tratificação social e desencoraja o auxílio externo e o investimento, retardando o desenvolvimento econômico, aumentando a instabilidade política, corroendo as instituições democráticas e deslegiti-mando a burocracia.

Especificamente com referência ao âmbito inter-nacional, diversos esforços de cooperação têm sido realizados para lidar com o problema da corrupção. Dentre os principais compromissos nesse sentido, po-demos citar aConvenção sobre o Combate da Corrup-ção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Tran-sações Comerciais Internacionais, firmado no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE); a Convenção Interamericana contra a Corrupção, firmada no âmbito da Organiza-ção dos Estados Americanos (OEA) e a ConvenOrganiza-ção das Nações Unidas contra a Corrupção.

Embora a corrupção não seja exclusividade de alguns Estados, seu impacto é sentido de maneira assimétrica pelas diferentes sociedades, apresentan-do efeitos mais perversos nos países em desenvolvi-mento. A ampliação da corrupção gera deficiências que comprometem (ou mesmo impedem) a eficácia administrativa, resultando, neste contexto, um fraco desempenho das instituições responsivas às políticas (KAUFMANN ET AL., 2007).

A corrupção se estende em diversas dimensões sociais, políticas e econômicas e se caracteriza, do ponto de vista da promoção de externalidades, como altamente interdependente. Ao desenhar um mapa da corrupção no mundo, medida por indicadores con-solidados como o Worldwide Governance Indicators (World Bank) e o Corruption Perceptions Index (Trans-parency International), inúmeras inferências podem ser contabilizadas. Por exemplo, a vinculação entre (1) renda per capita; (2) estabilidade política; e (3) distribuição de renda, pode ser associada, como va-riáveis de dupla direção, ao desenvolvimento de insti-tuições de controle e combate à corrupção.

No caso, correlação entre potencial de corrupção em um país (por suas falhas institucionais oriundas da instabilidade política) e distribuição de renda, mensurada pelo Índice de Gini1, entende-se que em sociedades mais desiguais, as instituições perdem sua legitimidade e assim ocorre uma maior oportuni-dade para que as elites se apropriem das instituições em benefício próprio, ampliando as possibilidades de corrupção (ALONSO; GARCÍMARTIN, 2011).

No caso correlação entre potencial de corrupção em um país (por suas falhas institucionais oriundas da instabilidade política) e distribuição de renda, mensurada pelo índice de Gini, entende-se que em so-ciedades mais desiguais, as instituições perdem sua

1. Utiliza-se o Índice de Gini por este ser um dos mais acessíveis meto-dologicamente para a presente proposta de análise. Entretanto, considera--se seus limites matemáticos no momento de abstrações mais precisas. Criado pelo estatístico Conrado Gini (1912) e publicado pela primeira vez na Revista “Variabilidade e Mutabilidade”, o Índice de Gini dedica-se a in-terpretações de estudos sobre distribuição de renda, bem-estar social, po-breza e desenvolvimento econômico etc. Baseado na curva de Lorenz, uma curva quociental, varia entre 0 e 1, sendo 1 a representação da “desigualda-de perfeita”. Um “desigualda-de seus limites é que o Índice baseia-se na Semana Anual de Referência, não tendo aplicação mais ampla. Igualmente, nota-se que o Gini é pouco sensível à distribuição de renda que afeta os extremos infe-riores da distribuição, partindo do pressuposto de distribuições normais, o que o deixa com pouca sensibilidade matemática na medida em que, para alteração de uma casa centesimal de seu resultado, é preciso que haja uma grande diferença entre as realidades sociais em análise.

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legitimidade e assim ocorre uma maior oportunidade para que grupos específicos se apropriem das insti-tuições em benefício próprio, ampliando as possibili-dades de corrupção (ALONSO; GARCÍMARTIN, 2011). Mas como construir indicadores para captar “as possibilidades de corrupção” com maior precisão? E os índices consolidados são metodologicamente ro-bustos para mensurar adequadamente a corrupção?

Para responder as duas perguntas, buscamos pro-mover, primeiramente, uma revisão da literatura es-pecializada sobre corrupção, identificando, de acordo com a literatura em Ciência Política, Sociologia e Eco-nomia sobre o tema, suas principais causas e efeitos e, dado esse suporte dos campos de pesquisa, distinguir as principais metodologias e indicadores (de natureza subjetiva e de dupla direção), de caráter subjetivo e objetivo, utilizados em organismos governamentais e não-governamentais, identificando robustez e fra-gilidades metodológicas ao categorizar e mensurar o fenômeno da corrupção.

2 COMO DEFINIR A CORRUPÇÃO?

A corrupção configura-se como um fenômeno complexo, de causas, definições e efeitos variados e cujas interpretações não são consensuais por parte dos analistas. De acordo com Alonso & Garcimartín (2011), a corrupção poder ser vista como uma anoma-lia no espaço mais amplo da relação entre principal--agente. De maneira mais específica, um principal que decide onde serão empregados os recursos e oportu-nidades e um agente que detém controle efetivo sobre estes recursos e oportunidades e possui condições de impor sua vontade. Uma das explicações para esse cenário é que o marco institucional – ao qual se situa essa anomalia – é não somente inadequado por não dar suporte às penalizações (pouco transparentes), mas também porque seu grau, tanto de legitimidade como de eficácia, em exercer controle é baixo.

Uma conceituação acessória sobre a corrupção é a que a situa como um problema na relação entre ad-ministrador e administrado, o que configuraria uma espécie de anomalia na relação entre os poderes pú-blicos e os agentes privados, cabendo mesmo situar a corrupção no espaço mais amplo das relações princi-pal-agente (ALONSO; GARCÍMARTIN, 2011).

Um dos critérios de classificação é quando o ato de corrupção é destinado a reduzir o custo (cost-redu-cing), a fim de que o corruptor obtenha determinado serviço e, de outro lado, a forma de corrupção é desti-nada a ampliar o benefício (benefit – enhancing) deri-vado de uma determinada atividade. A essa distinção, outra pode ser agregada: a forma da corrupção loca-lizada no centro do poder decisório da gestão pública e a forma dispersa da corrupção em níveis diversifica-dos do processo decisório.

No caso brasileiro e de alguns países da América Latina, estamos habituados ao lugar comum que, ao analisar as causas do fenômeno, atribui separações poucos expressivas entre as esferas, pública e priva-da, associada a uma orientação geral para a leniên-cia, fatores que criariam um ambiente propício para a apropriação de uma pela outra com poucas possibili-dades de punição.

A literatura sobre corrupção é vasta. Vai desde tra-balhos com forte viés normativo, passando por estu-dos de caso, trabalhos em perspectiva comparada e diagnósticos realizados por agências internacionais. Ao se considerar a clivagem por disciplinas, tem-se estudos em Direito, Sociologia, Ciência Política e, principalmente, Economia (MAURO, 1995; DREHER; SCHNEIDER, 2006; HELLMAN; JONES; KAUFMANN, 2002; BENSON; BADEN, 1985).

As pesquisas sobre corrupção ganharam conside-rável fôlego no século XX e, de acordo com Filgueiras (2008), duas grandes agendas podem ser identifica-das nos estudos. A primeira está relacionada à teo-ria da modernização e associa o mau funcionamento

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do sistema político à ideia de subdesenvolvimento. A segunda agenda, inaugurada nos anos 1980, adota premissas da escolha racional e do novo institucio-nalismo e distingue-se da primeira por conferir menos ênfase aos elementos da estrutura social, mais ênfase aos agentes políticos e suas posições frente a preferên-cias em contextos específicos e ao chamar a atenção para os efeitos perversos da corrupção na Economia.

Ainda de acordo com o autor, essa segunda agen-da foi adotaagen-da, em especial, por instituições multi-laterais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional para defender um tipo de reforma polí-tica e econômica do Estado. Por essa razão, sua abor-dagem sobre o fenômeno da corrupção se confunde com abordagens econômicas, com peso para as prefe-rências individuais dos agentes de acordo com a sua racionalidade e capacidade de acumular utilidades. Em suma, essa abordagem aponta a necessidade de reformas institucionais que restrinjam os incentivos à corrupção, diminuam o papel da burocracia e, no limi-te, auxiliem na consolidação da democracia.

Além das duas agendas identificadas por Filguei-ras (2008), podemos considerar a existência de uma terceira, que qualifica a corrupção como fruto de des-vios morais e de uma dada cultura política. Para além das questões institucionais, a corrupção floresceria em sociedades onde estivessem presentes determi-nadas características religiosas, de obediência à lei e confiança interpessoal. Nesse sentido, Power e Gon-zález (2003) argumentam que o nível de corrupção em determinado país varia, essencialmente, em função do regime político adotado e do nível de desenvolvi-mento econômico, mas ressaltam que características culturais podem auxiliar nas explicações.

Explicações moralizantes (como a prerrogativa de um desvio moral “natural” a uma cultura que não tenha sofrido determinado processo sociopolítico ou “modernização”) perdem poder explicativo, especial-mente por enveredar em elucubrações normativas fortemente distorcidas.

A corrupção não é um fenômeno restrito a pou-cos países e, muito menos, identificada a uma cultu-ra política específica estacionada em algum gcultu-rau de desenvolvimento econômico. Ainda que não exista uma “cola” da corrupção (enquanto fenômeno socio-político) a determinadas características culturais dos países, mesmo assim é possível inferir alguns fatores próprios, identificáveis como causas da corrupção.

Duas principais explicações podem ser assim agru-padas: (1) ligada a fatores histórico-culturais e (2) li-gada a fatores de desenvolvimento e gestão pública. A primeira explicação configura-se num suporte “des-tino manifesto”, associando historicidade e aderência social ao problema da corrupção, “acorrentando”, desta forma, a dificuldade estrutural a conjuntural em combatê-la; enquanto a segunda abordagem associa a debilidade das instituições, seja por sua ineficiência ou ilegitimidade, seja pela excessiva burocratização da gestão pública (GOLDEN; PICCI, 2005).

Nesta última abordagem, é reforçada a percepção de que há uma relação entre (1) nível de desenvolvi-mento de um país e (2) qualidade de suas instituições públicas, especialmente ao se observar que países com menor desenvolvimento registram problemas de corrupção mais significativos, abordagem que, em contrapartida, permite mais controle por meio da ação pública. Em torno desse aspecto, quanto mais tempo de regime democrático, mais controle e melhores ní-veis de qualidade institucional. A institucionalização democrática faz diferença, desde que suas “raízes” institucionais se encontrem suficientemente forta-lecida, o que termina por gerar, portanto, uma ques-tão: quanto tempo para que um regime democrático seja significativo?

Longe de tentar responder à questão acima, a pró-xima sessão faz uma revisão específica sobre a litera-tura em Economia, envolvendo relação entre ações de agentes privados e o Estado.

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3 CORRUPÇÃO E UMA PERSPECTIVA DA ECONOMIA

Parte da literatura em Economia, mais especifica-mente a que enfatiza a interação entre interesses pri-vados e o Estado, via tributação (BUCHANAN; TULLO-CK, 1962; PINCUS, 1975; STIGLER, 1971; POSNER, 1971; McCHESNEY, 1997; MITCHEL; MUNGER, 1991) busca estimar em que medida a regulação será formu-lada para beneficiar o interesse público, minimizando os efeitos de externalidades negativas2 ou será captu-rada pelos regulados.

Segundo Stigler (1971), os principais objetivos da teoria econômica da regulação são explicar quem re-ceberá os benefícios ou os custos da regulação, que forma ela tomará e os seus efeitos sobre a alocação de recursos. Mediante essa lógica, um ente regulador é pressionado a responder às demandas não só dos grupos de interesse, mas também dos usuários dos seus serviços. À medida que pequenos grupos tendem a ser mais efetivos em implementar seus interesses (OLSON, 1965), a regulação tende a beneficiar esses grupos e não a proteger o consumidor. A Figura abaixo ilustra o funcionamento do modelo de Stigler (1971).

Figura 1 – Teoria Econômica da Regulação

Fonte: Stigler (1971).

2. De acordo com Mankiw (2008), uma externalidade surge quando uma pessoa se dedica a uma ação que provoca impacto no bem-estar de um tercei-ro que não participa dessa ação, sem pagar nem receber nenhuma compen-sação por esse impacto. Se o impacto sobre o terceiro é adverso, é chamado externalidade negativa; se é benéfico, é chamado externalidade positiva.

Na exposição clássica, D representa a demanda por um determinado bem ou serviço. Se todas as empresas apresentarem os mesmos custos marginais de produção (C), a competição entre as firmas produzirá o resultado Qc ao preço Pc. Logicamente, nenhuma firma terá interesse em vender seu produto a um preço maior, por exemplo, Pm, já que sua lucratividade será negativamente influen-ciada. Todavia, é possível que, em conjunto, as empresas concordem em não competir pelo preço (cartel) e ado-tem um preço mais elevado (Pm) do que o preço de equi-líbrio (Pc). A diferença no preço em relação à quantidade vendida, representada pela área do retângulo PcPmBA, é renda artificialmente criada para os produtores.

Dentro dessa perspectiva, Barro (1973) utiliza o modelo de principal-agente para analisar o conflito entre a representação dos eleitores, por um lado, e a efetivação das demandas dos grupos de interesse, por outro. Isso porque se a regulação for eficientemente capturada pelos regulados, o preço dos produtos so-frerá incrementos, elevando a lucratividade das em-presas reguladas, mas reduzindo o bem-estar coletivo dos consumidores. Na medida em que o Estado pode legalmente tributar seus cidadãos e, assim, gerar ren-da, ele se torna alvo dos interesses de diferentes gru-pos. Esses grupos buscam elevar a quantidade de be-nefícios auferidos da ação estatal e, para isso, podem se engajar nas mais diversas formas de influenciar as decisões governamentais (rent creation model), inclu-sive, em atividades de corrupção.

3.1 REGULAÇÃO E RENT SEEKING

A respeito da literatura sobre rent seeking, Gordon Tullock (1967) examinou o efeito das tarifas e mono-pólios sobre o bem-estar. Ele analisou três principais fenômenos: (1) a busca por melhores tarifas (tariff seeking); (2) a busca por monopólios (monopolies se-eking) e (3) a busca por rendas ilegais (theft sese-eking). O conceito de rent seeking diz respeito à atividade de grupos de interesse que competem para obter benefí-cios (renda) das decisões governamentais – conside-rado como ato de corrupção.

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No caso da regulação, esse comportamento se verifica quando um grupo persegue benefícios con-centrados, o que pode ser na forma de restrições à entrada, redução da competição, criação de cartéis ou alíquotas de impostos. Pecorino (1992) afirma que a busca pelo monopólio pode assumir muitas formas, incluindo práticas anticompetitivas pelo qual uma empresa pode tentar monopolizar o mercado. Pode também incluir esforços de lobby por uma empresa na tentativa de receber um monopólio do governo.

Para Krueger (1974, p. 291),

em

muitas econo-mias orientadas ao mercado, as restrições gover-namentais sobre a atividade econômica são fatos comuns que criam rendas de formas variadas, e os agentes públicos ou privados competem por rendas. Algumas vezes, essa competição é perfeitamente le-gal. Em outras, a prática do rent-seeking toma formas diferentes, como propina, corrupção, contrabando e mercado negro.

Pra Murphy, Shleifer e Vishny (1993), a atividade de rent seeking produz obstáculos ao desenvolvimen-to e à inovação tecnológica. Lenway, Morck e Yeung (1996) concordam com esse argumento e utilizam o caso da indústria do aço nos EUA para demonstrar que a atividade de rent seeking é nociva ao desenvol-vimento industrial. A existência de incentivos a essa atividade geraria, dentro dessa visão, um círculo vi-cioso. Quanto mais incentivos, menos inovação, mais perdas e menos desenvolvimento. Kamath (1989) chegou a conclusões similares ao analisar o caso do comércio do açúcar na Índia. Para ele, os resultados apontam para a rejeição da teoria do interesse públi-co da regulação e são públi-consistentes públi-com a hipótese da captura da regulação pela indústria regulada.

Bohman, Jarvis e Barichelo (1996) ao examinarem os efeitos dos rent-seekers no comércio internacional do café, chegaram à conclusão de que o preço do pro-duto foi positivamente influenciado enquanto o bem--estar dos consumidores foi negativamente afetado. Da mesma forma, Appelbaum e Katz (1987) afirmam

que os próprios reguladores (políticos) podem se en-gajar em práticas maximizadoras e oportunistas.

Em conjunto, os trabalhos produzidos sugerem que: (1) influenciar as decisões governamentais pode se justificar em termos econômicos; (2) a ação organi-zada de grupos de pressão concentra benefícios para seus membros enquanto divide os custos de forma di-fusa com a sociedade.

3.2 O MODELO DE EXTRAÇÃO DE RENDA (RENT EXTRACTION MODEL)

McChesney (1997) demonstra que os interesses privados não pagam apenas por favores políticos (cor-rupção), mas principalmente para evitar desfavores dessa natureza. A Figura abaixo ilustra a essência do modelo de extração de renda.

Figura 2 – Modelo de extração de renda (rent extraction model)3

Fonte: Bill Waterson ([s.d.]).

O modelo de extração de renda versa sobre a “não--legislação” e “não-regulação”. McCherney (1997) argumenta que nesse modelo, a extração de renda é essencialmente um modelo de extorsão dos políticos. Em outros termos, eles são pagos para não legislar. O status de legislador confere poder não só para criar, mas também para impor custos que destruiriam ren-das privaren-das. Com o intuito de proteger esses lucros, proprietários privados têm um incentivo para barga-nhar com os legisladores, desde que o pagamento aos políticos seja menor do que as perdas esperadas pela eventual aprovação da lei.

3. A utilização de tirinhas foi feita originalmente por McChesney (1997) para ilustrar o funcionamento do seu modelo. Como o objetivo dessa seção é reproduzir fielmente seus argumentos, optou-se por empregar a mesma me-todologia. Para maiores informações sobre as tirinhas ver Watterson ([s.d.]).

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À medida que a burocracia do Estado pode legal-mente tributar e, dessa forma, expropriar riqueza da sociedade, os políticos podem extorquir dinheiro de indivíduos e/ou grupos privados sob a ameaça de ex-propriar os seus rendimentos. Por exemplo, o governo pode anunciar o aumento de uma alíquota específica. No modelo de extração de renda, os produtores que seriam prejudicados pela regulação pagarão para evitar a expropriação de seus rendimentos. A Figura abaixo sintetiza o funcionamento desse modelo.

Figura 3 – Modelo de extração de renda para bens substitutos4

Fonte: Stigler (1971).

No gráfico acima, P1 e Q1 representam o mercado em equilíbrio. Com a imposição de novos custos (regu-lação) sobre o bem X, o custo marginal de produção é positivamente afetado, influenciando negativamente a oferta S1 que passa a ser S2. O efeito desse procedi-mento é auprocedi-mento do preço. Em um segundo moprocedi-mento, caso o aumento seja repassado para os consumidores, a demanda pelo bem ou serviço sofrerá decremento (Q1 à Q2). Como X e Y são bens substitutos, os com-pradores consumirão mais de Y. A conclusão lógica do modelo de extração de renda é de que os produtores

4. Dois bens para os quais, tudo o mais mantido constante, o aumento no preço de um deles aumenta a demanda pelo outro. Por exemplo, manteiga e margarina; álcool e gasolina, etc.

que serão prejudicados pela regulação pagarão para evitar a expropriação de seus rendimentos5.

Além disso, para que os políticos sejam pagos para não legislar, as ameaças devem ser críveis, pois caso contrário haveria poucos incentivos para dissuadir a ação de extração de renda. A Figura abaixo ilustra esse pressuposto.

Figura 4 – Ameaças críveis no modelo de extração de renda

Fonte: Bill Waterson ([s.d.]).

Em síntese, seja para se beneficiar das decisões públicas (modelo de criação de renda), seja para evi-tar desfavores políticos (modelo de extração de ren-da), os grupos de interesse procurarão influenciar as decisões governamentais. Nesse trabalho, considera-mos que a atividade corrupta, pode ser também, uma das formas de interação entre grupos e reguladores.

4 EFEITOS PERVERSOS DA CORRUPÇÃO: MAIS

ACCOUNTABILITY FAZ A DIFERENÇA

Segundo O’Donnell (1998), muitos países torna-ram-se democracias políticas/poliarquias nas últimas décadas e, embora, na maioria, estejam assegura-dos mecanismos consideraassegura-dos como de accounta-bility vertical, a exemplo da existência de eleições livres e regulares e a possibilidade de os cidadãos poderem expressar livremente suas opiniões e rei-vindicações, os mecanismos de accountability

hori-5. Como bem lembrou Olson (1965), uma empresa de determinado setor industrial quererá evitar que novas empresas venham compartilhar de seu mercado e desejará que o maior número possível de empresas já no setor saiam dele. Ela quererá que o grupo de empresas de seu setor industrial se reduza até que sobre, de preferência, apenas uma empresa no setor: ela. Esse é o ideal de monopólio (OLSON, 1965, p. 49).

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zontais ainda são frágeis, haja vista os inúmeros e recorrentes casos de corrupção.

Dada maior debilidade na accountability horizon-tal, maior a fragilidade institucional diante da corrup-ção, especialmente porque seus danos se compartem em aspectos econômicos (onde geram, por exemplo, insegurança ao investimento privado), sociais (por exemplo, ao elevar o custo de acesso aos serviços pú-blicos e reforçando a estratificação social) e institu-cionais (estimulando a instabilidade governamental e fragilidade das instituições políticas).

Powell (2007) considera que a responsividade de-mocrática ocorre sob um cenário no qual os governan-tes programam as políticas que os cidadãos querem. Consideramos que os problemas fundamentais sobre accountability vertical e horizontal são acolhidos na esfera das instituições políticas democráticas, na maneira com a qual essas instituições podem propor-cionar mecanismos de controle dos representantes. Esses meandros institucionais dependem de um qua-dro institucional muito próximo daquele oferecido por Dahl (2005) para regimes poliárquicos e que contém o princípio da responsabilização.

A baixa accountability, especialmente a horizon-tal, gera, portanto, um cenário que tem por conse-quência o estímulo de fragilidades institucionais nos mecanismos de controle interno e externo, fundamen-tais para o melhoramento da administração pública e para a qualidade democrática e, por conseguinte, de combate e redução da corrupção. Desta forma, um dos efeitos políticos mais diretos desse cenário é a baixa institucionalização de mecanismos de controle que assegurem maior controle e transparência go-vernamental. No “melhor dos casos” há lentidão na implementação de medidas institucionais preventivas de combate à corrupção.

Os danos causados peça corrupção podem ser identificados em três dimensões interdependentes: (1) econômica: a corrupção altera mecanismos de

mercado e cria distorções e insegurança jurídica ao investimento privado; (2) social: a corrupção resulta em impactos distributivos perversos ao elevar o custo de acesso aos bens e serviços públicos, reforçando, desta forma, o quadro de desigualdade e insegurança jurídica; e (3) político-institucional: práticas de cor-rupção resultam em tensões distributivas e promovem a instabilidade política-governamental.

A existência de debilidade institucional prejudica fortemente a accountability e alimenta a corrupção. Para Bardham (2005), a corrupção é um fenômeno cujo equilíbrio é dependente da frequência: na medi-da em que se amplia o número de corruptos, menor o estímulo existente para que um agente se comporte de forma honesta. Para José Luís Alonso (2011, p. 15):

Si existe corrupción es porque el marco institucional disponible es inadequado, bien porque su diseno de incentivos y penalizaciones no es el más apropriado, bien porque su grado de legitimidade y eficácia es bajo, bien por uma combinación de ambos factores.

A corrupção pode afetar não apenas a estabilida-de econômica dos países, mas especialmente a esta-bilidade democrática, em especial por causar danos nos níveis de eficiência e legitimidade das institui-ções democráticas. Uma consequência direta desse cenário é a maior dificuldade na disponibilização de recursos para combater a gestão de problemas distri-butivos, pois em tese há um estímulo à promoção de gastos superiores aos níveis ótimos de mercado.

Segundo Pellegrin & Gerlagh (2007), o maior nível de desenvolvimento econômico permite que os países disponham de maiores recursos para gerar instituições de maior qualidade, terminando por repercutir sobre os níveis de corrupção vigentes. A democracia não elimina a corrupção, mas como regime político constitui-se mais favorável à detecção e penalização de práticas de cor-rupção, o que demanda estabilidade política a um país. Quanto a ultima dimensão supracitada, a insta-bilidade política, ela impede a consolidação de um

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marco institucional eficaz, condição sine qua non para combater a corrupção. A instabilidade acentua a provisionalidade das normas, dando lugar a vazios le-gais sobre os quais se atuam as condutas corruptas. É fundamental à qualidade democrática a ausência de crises institucionais que impeçam o desenvolvimento de mecanismos de accountability e reforço institucio-nal de controle para impedir a debilidade da accoun-tability horizontal diante da corrupção.

Muito mais do que um regime, a democracia é um sistema de interações políticas. Consideramos que para maior qualidade democrática – por meio do apri-moramento das instituições – há uma conexão direta entre maior accountability (vertical, horizontal e so-cietal) e o reforço institucional de controle estimulado pela separação dos poderes, altamente dependente da estabilidade democrática que é condição fundamental para expansão de melhores indicadores de gestão go-vernamental (como o combate a corrupção).

D. Samuels (2007) reconhece uma implicação de vínculo entre a separação dos poderes e a accounta-bility, tanto vertical quanto horizontal, e estabelece uma pergunta interessante: de que forma a separação dos poderes, em suas diversas ramificações, afeta a qualidade democrática? E, particularmente, para os regimes democráticos latino-americanos, a separa-ção dos poderes tem relasepara-ção com o colapso de regi-mes democráticos?

5 ROBUSTEZ E FRAGILIDADES METODOLÓGICAS

NA MENSURAÇÃO DA CORRUPÇÃO

O estudo sobre corrupção além de ser interessan-te é metodologicameninteressan-te desafiador. Como qualquer modalidade criminal, a atividade corrupta tende a ser subestimada. Isso porque os agentes envolvidos têm incentivos para maximizar a discrição de suas ações. O resultado prático disso é a baixa confiabilidade das medidas empregadas nos diferentes trabalhos sobre corrupção. Para You e Khagram (2005, p. 136), os

es-tudos estatísticos sobre corrupção são dificultados pela falta de dados quantitativos confiáveis. Nesse sentido, medir corrupção é um dos principais desafios enfrentados pelos estudiosos do assunto, mas tam-bém pelos formuladores de políticas públicas. Esse argumento ganha ainda mais força ao considerarmos a realidade de países em que a instituição responsá-vel por regulamentar/fiscalizar o sistema judicial não oferece tecnologias para a coleta, o processamento e a divulgação sistemática de informações6.

Diante da falta de dados confiáveis sobre os níveis de corrupção, a maior parte dos trabalhos utiliza in-dicadores de percepção. Para Gehlbach (2009), os es-tudos comparativos utilizam dois principais tipos de dados: surveys no nível individual e/ou de empresas e surveys com especialistas7. No entanto, a despeito da importância dessas informações, as limitações dos dados de surveys são bem conhecidas pelos especia-listas e as inferências realizadas a partir desses dados devem ser consideradas com bastante cautela8.

De acordo com Silva (1996), a principal dificuldade dos teóricos está em definir e classificar uma ativida-de cuja principal característica resiativida-de na ilicituativida-de e na dissimulação. Segundo Seligson (2005), ao contrário do que ocorre com outros fenômenos institucionais, não há uma classificação uniformemente aceita para mensurar o fenômeno da corrupção. Há, até mesmo, uma ironia sobre a dificuldade de se mensurá-lo, como observa Tanzi (1998, p. 176): “si la corrupción pudiera ser medida, provablemente podría ser elimi-nada”. Apesar das dificuldades, Kligaard (1997, p.

6. A falta de informações sobre o funcionamento do sistema judicial inibe a realização de estudos em perspectiva comparada, restringindo a di-fusão de práticas institucionais eficientes. Além disso, reduz a transparência das ações públicas, violando o princípio da publicidade. Isso porque não é possível estimar em que medida os procedimentos adotados por indivíduos, burocratas e instituições obedecem às prescrições legais. Em conjunto, esses obstáculos comprometem não só o funcionamento do sistema judicial, mas principalmente o aperfeiçoamento do regime democrático.

7. Os indicadores da Freedom House e do Political Risk Services são exemplos de dados produzidos a partir de questionários com especialistas. Os indicadores utilizados pelo Banco Mundial constituem exemplos de dados produzidos a partir de questionários aplicados a indivíduos e empresas.

8. Para um trabalho seminal sobre técnicas de survey ver Converse e Presser (1986). Para uma introdução em português ver Babbie (2005).

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252) a define como “el uso indebido de los ámbitos oficiales para la obtención de resultados no-oficiales, por lo general ventajas personales, aunque frecuen-temente sólo para el beneficio de la propia empresa o partido politico”.

De todo modo, consideramos que é útil distinguir, minimamente, a classificação da corrupção em duas vertentes (que podem ocorrer no centro decisório da Administração Pública ou em diversos níveis do processo decisório): (1) a corrupção destinada a ob-ter deob-terminado serviço (cost-reducing) e a forma de corrupção destinada a ampliar o benefício (benefit--enhacing), derivada de uma determinada atividade. Dado esse cenário, existem dois tipos de indicadores de mensuração do fenômeno da corrupção: (1) indi-cadores subjetivos que trabalham com percepção ou experiências de agentes públicos e/ou privados; (2) indicadores objetivos que trabalham com denúncias e processos judiciais ou, então, diferenciais de preços nas compras ou serviços oferecidos pelo Estado.

Existem tanto indicadores ordinais quanto cardi-nais para mensuração da corrupção. Os primeiros, or-dinais, apresentam um resultado estabelecendo uma ordem hierárquica entre os países ou instituições, sem necessariamente quantificar a corrupção, en-quanto os indicadores cardinais quantificam a corrup-ção. Um exemplo de indicadores ordinais agregados (que consistem na combinação de outros indicadores de qualidade institucional e divididos em seus marca-dores que podem ou não se relacionar diretamente ao fenômeno da corrupção) são os Indicadores Mundiais de Governabilidade do Banco Mundial.

Sobre a metodologia dos Indicadores Mundiais de Governabilidade, Kaufmann, Kraay e Mastruzzi (2010) resumiram da seguinte forma: primeiramente os auto-res separaram a governança em três áreas (a) proces-so pelo qual os governos são escolhidos, monitorados e substituídos; (b) a capacidade do governo de efeti-vamente formular e implementar políticas adequa-das e (c) o respeito dos cidadãos e do Estado com as

instituições que governam as interações econômicas e sociais entre eles. A partir destas definições, estes autores construíram duas medidas de governança correspondentes a cada uma dessas três áreas, resul-tando, assim, em um total de seis dimensões.

O Country Risk Index, elaborado pelo Political Risk Service Group, é um índice agregado de três indicado-res: risco político, risco financeiro e risco econômico. Os indicadores “risco econômico” e “risco financeiro” são compostos por subindicadores amparados numa série de dados objetivos, enquanto no indicador “risco político”, composto pela quantificação da opinião de especialistas, no qual a variável corrupção é um su-bindicador do “risco político”.

Ambos os tipos de indicadores, entretanto, pos-suem fragilidades metodológicas.

Primeiramente, não existem realmente indica-dores político-institucionais puramente “objetivos”, especialmente relativos ao fenômeno da corrupção, ainda que existam trabalhos que busquem construir metodologias robustas para enfrentar essa dificul-dade de mensuração (GOLDEN; PICCI, 2005; HSIEH; MORETTI, 2005). Um trabalho que chama a atenção é o de Di Tella & Shargrodsky (2003), nesse artigo, os autores quantificaram a corrupção por meio da dife-rença de preços na compra de diversos bens nos hos-pitais de Buenos Aires.

Quanto aos indicadores subjetivos, estes padecem, especialmente, de uma falha no seu reconhecimento cerceativo, ao lidar fundamentalmente com a percep-ção sobre corruppercep-ção de agentes econômicos, deixan-do outros importantes extratos sociais ausentes deixan-do processo de mensuração da percepção de corrupção no país. Entre esses últimos, o Índice de Percepção da Corrupção, da Transparência Internacional (TI), é um dos mais conhecidos.

A TI é uma organização da sociedade civil global, criada em 1993, e encarregada de lutar contra a

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cor-rupção ao redor do globo. Dentre as suas iniciativas está a criação do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) por meio do qual os países são classificados de acordo com os níveis de percepção da corrupção no setor público, numa escala que varia de 0 a 10. A classificação se dá a partir da criação de um indicador agregado que combina fontes diversas de informação sobre corrupção e que permite a comparação entre pa-íses/territórios. Quanto mais perto de 0, mais corrupto é percebido um país. Por outro lado, quanto mais perto de 10, menos corrupto é percebido um país.

Estamos cientes de que entre as críticas à utiliza-ção do IPC, como instrumento de mensurautiliza-ção, está o fato de serem indicadores compostos por meio de outros indicadores, todos referentes ao nível de corrup-ção que os sujeitos imaginam vigorar num país e que não guarda, necessariamente, nenhuma relação com as práticas corruptas que de fato tem lugar naqueles locais. É preciso ter em mente que a despeito das deficiên-cias do indicador, mensurar o tamanho da corrupção, suas práticas e o volume de recursos movimentados tornam-se uma impossibilidade dada à própria natu-reza da atividade. E mesmo os indicadores objetivos para mensurar a corrupção, ainda que melhores, sob determinadas condições, para precisar o fenômeno, padecem de parcialidade e dificuldade de elaboração.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os efeitos da corrupção, portanto, são altamente interdependentes, penetrantes e geradores de exter-nalidades – como ineficiência governamental – em domínios sociais, econômicos e políticos. Os limites do objetivo e do subjetivo colocam-se na necessidade de consideração ao passo que, ao falar-se sobre cor-rupção, grande dificuldade teórico-metodológica de apreensão do objeto reside na localização de seu ator principal, de seu sujeito. Neste espectro, tem-se em análise mais do que, meramente, o exame do jogo de cadeiras de variáveis pertinentes ao fenômeno da

cor-rupção. O que existe, concomitantemente, é a análise destas variáveis a partir de dimensões analíticas, de caracterização qualitativa, daquilo que podemos su-por a um estudo quantificável.

Ao indagar-se sobre a precisão de indicadores no estudo de possibilidades de corrupção fala-se, antes, sobre um processo elástico de construção dos argu-mentos que circundam limites teóricos pelos quais se pode enveredar. Por exemplo, uma variável é capaz de ter peso significativo em uma dada posição da aná-lise, possibilitando uma interpretação concomitan-temente qualitativa a formar dimensões analíticas suficientemente estruturadas para orientar outras possibilidades de cruzamento de variáveis exclusiva-mente quantitativas.

Este jogo de “vai e vem”, pelo qual as metodologias mistas orientam parte de suas técnicas, é, em si, o tal exercício de precisão questionado em páginas acima. Ora, não existe um modelo pronto e acabado de sele-ção de variáveis com seus respectivos pesos e mode-los estruturais de manipulação e análise pelo qual se poderia aferir pontualmente o fenômeno da corrupção. Posto um modelo teórico, gera-se desdobramentos daí resultantes que compõem a estrutura básica dos da-dos, no que se pode, para já, criar direcionamentos de estudo, mas não o fechamento do problema de men-suração da corrupção em si, sendo esta um fenômeno mais complexo do que em geral se supõe.

Diferenças de regimes políticos, econômicos e fi-nanceiros, bem como pressupostos culturais multifa-cetados, implicam em reelaborações, sendo estas, de fato, o trabalho mais braçal (ao mesmo tempo em que, ironicamente, intelectual) do cientista social. Eis, por suposto, a não redução de modelos criados cotidia-namente nos centros de ciências sociais aplicados e humanos a esquemas operacionais fechados de medição. A consideração de processos como dife-renças de modelos democráticos, a voltar-se à de-mocracia como um sistema de interações políticas, sob determinadas condições culturalmente

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“mora-lizantes” das sociedades, é imprescindível na orien-tação da construção de indicadores de corrupção.

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Data da submissão: 21 de março de 2016 Avaliado em: 26 de abril de 2016 (Avaliador A) Avaliado em: 2 de maio de 2015 (Avaliador B) Aceito em: 5 de maio de 2016

1. Doutor em Ciência Política. Professor do Programa de Pós Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas do Centro Universitário Tira-dentes (UNIT/AL). E-mail: diegofreitasrodrigues@outlook.com

2. Doutor em Ciência Política. Professor do Departamento de Ciências So-ciais da Universidade Federal de Alagoas. E-mail: ranulfo.al@hotmail.com 3. Doutora em Sociologia. Professora do Programa de Pós Graduação em So-ciologia da Universidade Federal de Alagoas. E-mail: melomarina@msn.com 4. Doutor em Ciência Política. Professor do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: dalson-britto@yahoo.com.br

5. Doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. E-mail: monsodre@gmail.com

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