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Wesley Duke Lee : um estudo de caso do Triunfo de Maximiliano I e os Trabalhos de Eros em uma análise poética

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE ARTES

THALES CAETANO LIRA

WESLEY DUKE LEE: UM ESTUDO DE CASO DO TRIUNFO DE

MAXIMILIANO I E OS TRABALHOS DE EROS EM UMA ANÁLISE DE SUA

POÉTICA

CAMPINAS

(2)
(3)
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(5)
(6)

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Marco Antonio Alves do Valle, pela sugestão, condução, apoio e

confiança durante toda pesquisa.

À CNPQ/CAPES pela concessão da bolsa, sem a qual a pesquisa não teria

sido a mesma.

À Cacilda Teixeira da Costa e o Instituto Wesley Duke Lee, pela disponibilidade

e conhecimentos compartilhados.

A todos os amigos que de alguma forma ajudaram, mesmo que indiretamente.

A Amália, Isabela, Fábio, João, Monique, Natália, Thiago. À Gabriela, mesmo

que em caminhos diferentes.

À minha família, Marcos, Neide, Nathália e Thaisa, foram e continuam sendo o

apoio necessário nessa jornada.

(7)

RESUMO

A presente pesquisa teve como finalidade estudar dois trabalhos do artista Wesley Duke Lee (1931 – 2010), “O Triumpho de Maximiliano I” de 1986, que tem como base um conjunto de gravuras produzidas por Albrecht Dürer e Hans Burgkmair de mesmo título, e “Os Trabalhos de Eros” de 1991, baseado nos frisos das colunatas do Grand Palais, buscando pontos de intersecção com sua poética e com a história da arte. Ambos os trabalhos foram analisados na procura pelos seus materiais constituintes, referências e relações com a poética do artista. Dessa análise extraímos alguns

pontos chaves que compõem a poética de Wesley, sua relação com o tempo, memória e mito.

Palavras-chave: História da Arte Brasileira, Artes Visuais, Wesley Duke Lee, Memória, Mito.

(8)

ABSTRACT

This research aimed to study two works by the artist Wesley Duke Lee (1931 – 2010), “The Triumph of Maximilian I” from 1986, based on a work with the same name by Albrecht Dürer and Hans Burgkmair, and “The Eros’ Works” from 1991, that takes as a starting point the reliefs on the base of the Grand Palais columns, intending to find intersection points with his poetics and the history of art. Both works were analyzed in a way to bring the sources, references and relations with the artist’s poetics. After that we came up with some focal points that we believe are crucial to Wesley’s work, his

relationship with time, memory and myth.

(9)

SUMÁRIO

Introdução 1

Capítulo 1 – Histórico e Contexto Artístico 3

1.1 O Começo 3

1.2 Aprendizado com Karl Plattner 5

1.3 Formação Continuada 6

1.4 De aprendiz a provocador 12

1.5 Artista e Professor 21

1.6 Realismo Mágico e Desenvolvimentos Poéticos 25

1.7 Grupo Rex 33

1.8 Bienais e Trabalhos no Exterior 38

1.9 Poética e Considerações Gerais do Trabalho 43

1.10 Aby Waburg 45

Capítulo 2 – “O Triumpho de Maximiliano I” 49

2.1 Introdução 49

2.2 Contexto Inicial 50

2.3 O Triunfo de Maximiliano I 53

2.4 Xerox 63

2.5 Desenho 65

(10)

2.9 Os Tempos de Wesley 82

Capítulo 3 – “Os Trabalhos de Eros” 115

3.1 Introdução 115

3.2 O Grand Palais 115

3.3 Criação da Obra – Contexto 121

3.4 Os Trabalhos de Eros 125 3.5 Mnemozyne 135 3.6 Mito 139 3.7 Catálogo e Narrativa 147 Conclusão 163 Referências 168 Anexo I 173 Anexo II 183

(11)

Introdução

A presente dissertação pretende discorrer sobre a poética do trabalho de Wesley Duke Lee, artista paulista fundamental para o desenvolvimento da arte contemporânea no contexto paulista e brasileiro, desde os anos 60. Estamos nos propondo analisar como recorte de nossa pesquisa duas de suas séries realizadas num momento considerado mais maduro de sua produção, a saber: O Triumpho de Maximiliano I e os Trabalhos de Eros. Buscamos analisar e interpretar ações e motivos recorrentes que acontecem em sua poética nestes trabalhos, e como ela se relaciona com o todo de sua produção e em especial com o contexto histórico que se insere.

O recorte proposto se baseia em alguns tópicos: memória, mito e tempo. Tais tópicos se relacionam com a poética de Wesley e são apontados pelo mesmo em seus escritos, trabalhos e falas. A inclinação do trabalho para esse sentido de pesquisa se deve para além do material em si, com suas questões inerentes, a também referências bibliográficas apontadas tanto pelo artista, quanto no desenvolvimento do processo de pesquisa, e aqui destaco a importância dos artigos “Arquivos da Memória: Aby Waburg, a História da Arte e A Arte Contemporânea”1 da Profa Dra Cláudia Valladão de Mattos2 e “Os Arquivos da Arte Moderna”3 de Hal Foster4.

Sobre o material bibliográfico utilizado durante a pesquisa, devemos destacar a contribuição fundamental de Cacilda Teixeira da Costa5, que desenvolveu durante vários anos um trabalho de documentação sobre a obra de Wesley, sendo nesse sentido a principal e às vezes a única referência sobre a obra do Artista. No presente

1

Disponível em:

http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2006/DE%20MATTOS,%20Claudia%20Valladao%20-%20IIEHA.pdf

2

Professora de História da Arte no Instituto de Artes, Unicamp.

3

Disponível em: http://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/ae22_Hal_Foster.pdf

4

Historiador e crítico de arte Estadunidense possui alguns livros editados no Brasil, talvez o de maior destaque seja “O Retorno do Real”, editado pela Cosac Naif.

5 “Doutora em artes pela Universidade de São Paulo. Especialista em arte moderna e contemporânea no

Brasil. Foi coordenadora do setor de vídeo-arte Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, Curadora do setor de vídeo-arte na XVI Bienal de São Paulo, Chefe de programação da Divisão de Artes Plásticas do Centro Cultural São Paulo, Diretora técnica Museu de Arte Moderna de São Paulo, Curadora independente de várias exposições; Consultora das séries “Arte e Matemática” e “Grandes Mestres” na TV Cultura São Paulo; co-autora de “Todo passado dentro do presente” série de programas para televisão. Autora de várias obras como “O sonho e a técnica, Arquitetura de ferro no Brasil”- vencedor do Prêmio Jabuti 1995.” Biografia disponível em: http://www.escolasaopaulo.org/quem/cacilda-teixeira-da-costa

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capítulo, a grande maioria das notas biográficas derivam de seu trabalho, apresentados em dois livros “Um Salmão na Corrente Taciturna” (COSTA, 2005), fruto de sua tese de doutorado e do capítulo “Cronologia da Vida e Obra de Wesley Duke Lee” do livro editado para sua retrospectiva na Pinakotheke Cultural6

(COSTA et al, 2010). Além de escrever os textos críticos presentes nos catálogos dos trabalhos estudados.

Tendo isso em vista, reafirmamos o sentido de nossa pesquisa em prover um olhar aprofundado sobre a obra do artista e ajudar a criar um corpo mais diversificado de estudos sobre a obra de Wesley Duke Lee.

6

Para uma visão da exposição veja: WESLEY Duke Lee – Retrospectiva – Roda da Moda, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=HVM_WlwJwfk

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Capítulo 1

Histórico e Contexto Artístico.

O Começo.

Wesley Duke Lee (São Paulo, 21 de Dezembro de 1931 – São Paulo, 12 de Setembro de 2010), foi uma figura controversa, ainda que essencial para o meio artístico brasileiro desde a década de 60. Dono de uma trajetória singular, durante todo o seu percurso artístico manteve uma forte traço de independência, tendo um trabalho bastante distinto no contexto artístico brasileiro. Sua formação artística pode ser traçada desde sua infância, os avós maternos e paternos, apesar de não serem artistas profissionais, possuíam estudos em belas-artes (avó paterna), bem como pintura e decoração de interiores (avô materno). Ainda na infância, Wesley, junto de seu irmão William, viveu um período na casa dos avós paternos, onde sua avó possuía um ateliê pintura, tendo um contato ainda que indireto, pois a avó não o deixava mexer.

Após essa temporada na casa dos avós, Wesley volta a morar com os pais, nessa nova morada, seu pai William possui uma oficina e marcenaria, e é lá que desenvolve seus primeiros projetos. Sua iniciação formal num curso artístico acontece em 1951, quando passa a frequentar o Curso Livre de Desenho do MASP7, dirigido por Roberto Sambonet. No curso tem aulas com Pola Rezende, desenhando modelos vivos, esculturas e objetos durante o curso. No mesmo ano é realizada a primeira Bienal de São Paulo, a qual traz obras de Pollock, de Kooning, Rothko e Max Bill, este último crucial para o desenvolvimento da arte concreta no Brasil.

Concluindo o colegial, viaja aos Estados Unidos onde estuda na Parsons School of Design de 1952 a 1955, não chegando a concluir a formação, faz também um curso de tipografia no American Institute of Graphic Arts. Durante sua estadia nos EUA,

7

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acompanha também o início da mudança de paradigma no cenário internacional, a abstração na sua corrente mais forte de expressionismo abstrato, especialmente em Nova Iorque, começa a dar lugar para outras proposições, muito ligadas a figuração, objetos cotidianos e populares. Muito se deve esse retorno a uma redescoberta e reavaliação crítica da obra de Marcel Duchamp, já residente nos EUA por muitos anos.

Bastante influenciados por Duchamp, bem como o trabalho de John Cage, Robert Rauschenberg e Jasper Johns despontam como uma espécie de reação a força vigente do expressionismo abstrato. Wesley tem contato com a obra de ambos, bem no início de suas carreiras, quando ainda eram chamados de Neo-Dadá. Esse contato com a vanguarda americana e mais tarde com os expoentes europeus (transitou pela Europa entre 1958 e 1961, alternando estadias em Nova York e Brasil), foi fundamental para a sua formação.

Haja visto que mesmo com as iniciativas das Bienais em trazer artistas internacionais, o contato brasileiro com a produção de fora ainda era muito incipiente e inconstante, sendo o contrário também verdade. De fato, não se promulga aqui um juízo de valor, no sentido de o que existe além-mar seja melhor ou necessário para uma formação artística, mas que acreditamos que artistas necessitam de contatos diversos, para formar um solo fértil para a criação. Por causa de suas vivências no exterior, quando fixa residência no Brasil, Wesley traz consigo referências que serão importantíssimas para o meio artístico brasileiro, especialmente se fomos levar em conta os artistas da Escola Brasil8, os quais foram seus alunos por um breve período.

A sua volta para o Brasil se deve, entre outros fatos, a não querer realizar uma espécie de campanha publicitária para a finalização do curso. Considera não ser uma boa forma de iniciação, mas ao mesmo tempo tem consciência que a publicidade é apenas uma forma de ganha-pão, e toma como consolo uma frase dita por Paul Klee, um dos seus heróis: “(...) Primeiro de tudo, a arte de viver; depois como minha profissão ideal, poesia e filosofia, e como minha profissão real, artes plásticas; no último recurso, por falta de ganhos ilustração”9. Escreve no seu diário: “por acaso, coincide”.

8

MATTOS, 2006, pg. 11

9 No original: “(...) First of all, the art of living; then as my ideal profession, poetry and philosophy, and as

(15)

A publicidade vai ser para Wesley algo que por mais que não seja seu foco principal, vai orbitar nas bordas, sendo seu sustento até conseguir se firmar como artista independente. Vale mencionar que apesar de ser para ele só um ganha-pão, seu talento foi reconhecido tanto quanto estudante, ganhando prêmios, quanto profissional, realizando campanhas para multinacionais como a Renault e a Ford10.

Aprendizado com Karl Plattner

O fato de ter sido assistente de Karl Plattner11 (1919 – 1986) durante 3 anos – de 1957 a 1960 – contribuiu bastante para sua formação, nas palavras de Cacilda Teixeira da Costa:

O que o aproximava de Plattner era a excelência técnica, o conhecimento do métier e, sobretudo, sua postura definida de artista-pintor e não de inventor de gêneros ou nomenclaturas estéticas. Com Plattner, ele procurava encontrar os meios e as trilhas oferecidas pelos cânones. Se iria confirmá-los ou modificá-los, não entrava nas suas reflexões (COSTA, 2005, p. 31)

Esse aprendizado, realizado após suas incursões aos EUA, mostra Wesley ainda preocupado com sua posição como artista. Buscava em Plattner uma forma de entender, de se aproximar ao mundo artístico, de vivenciar no dia-a-dia do estúdio o que é se dedicar as artes, no caso mais específico da pintura. Com o mestre, também pode ver como certas correntes disputavam os seus modos de fazer, ver como existia um racha além de estético, ideológico até sobre a abstração e figuração.

10

COSTA et al, Op., cit., p. 24

11 “Karl Plattner (Valle Venosta Itália 1919 - 1986 s.l.). Pintor, desenhista e professor. Em 1946, inicia os

estudos artísticos em Florença e, no ano seguinte, transfere-se para Milão. Em 1948, freqüenta a Académie de la Grande Chaumière, em Paris, e tem aulas com André Lhote (1885-1962). Expõe, em 1952, no 1º Salão Nacional de Arte Moderna (SNAM), no Rio de Janeiro. Realiza individuais no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP) em 1952, 1953 e 1954. Participa da Bienal Internacional de São Paulo em 1953, 1955, 1957 e 1959 e, em 1956, integra a comitiva brasileira da 28ª Bienal de Veneza, na Itália. Durante o período em que vive no Brasil, é professor de Maria Bonomi (1935), Gisela Eichbaum (1920-1996) e Wesley Duke Lee (1931 - 2010). Retorna à Itália em 1954, devido a prêmio para realização de um painel na cidade de Bolzano. Em 1956, de volta ao Brasil, é premiado com medalha de prata no Salão Paulista de Arte Moderna e trabalha em painel para o jornal Folha de S. Paulo, cuja inauguração será acompanhada de uma mostra individual. No mesmo ano, publica um desenho de capa no primeiro número do Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, obra que viria a figurar em exposição das ilustrações desse caderno no MAM/SP em 1993. Em 1957, expõe individualmente no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ). A partir de 1958, retornando definitivamente à Europa, executa

murais na Itália, França e Áustria.” Biografia disponível em:

(16)

Plattner ainda que mantivesse fiel a figura, uma “violenta fidelidade a figura”, nas palavras de Lourival Gomes Machado (COSTA, 2005), deixava em aberto a possibilidade da integração com elementos abstratos a figuração. Em suas próprias palavras, escritas em um catálogo diziam: “Afinal por que não se poderia chegar a um Realismo concreto?” 12.

Percebe no mestre certa vontade conciliadora, tanto porque, sendo um estrangeiro em terras brasileiras, Plattner não contava com uma boa vontade natural ou mesmo um grupo que pudesse lhe fornecer apoio, mas, além disso, tinha como proposta continuar trabalhos que se inscreviam na história da arte, para além das vanguardas do começo do século XX. Tendo vivenciado a Segunda Guerra Mundial, a vontade de conciliação e retorno a uma tradição, eram compreensíveis, ainda que não ignorasse os feitos dos grupos vanguardistas.

O fato de buscar ser aprendiz de um pintor remete a uma vontade de pertencer a uma tradição, de entrar num espaço por meio de aprendizado, uma forma até retrograda de inserção no campo artístico, tendo em mente os desdobramentos da arte no século XIX e XX. Cacilda escreve sobre seu tempo de aprendizado:

O seu aprendizado com Plattner se encerra em 1958, logo após uma mal-fadada temporada na ilha de Panarea na costa italiana. Lá, junto de Plattner conviveu com os artistas Leonardo Cremonini, Matta Echauren, Anselmo Francesconi e Lucien Ferrari, compositor. Os ânimos e os egos dos artistas fazem como que o projeto de estabelecer uma comunidade artística na ilha fracasse, e em Setembro do mesmo ano parte para Bruxelas, no qual trabalha num documentário sobre o café dirigido por Geraldo Junqueira de Oliveira.

Formação Continuada

Segue depois para Paris em Outubro, por recomendação de Plattner, onde frequenta o ateliê do gravador Friedlaender e classes na Académie de La Grande Chaumiére, porém não encontra mais o centro efervescente que foi em outrora. Na época Nova Iorque já despontava como centro da arte mundial, tendo o expressionismo abstrato como força maior vigente.

12

(17)

Encontra na cidade luz resquícios do surrealismo, visto que Breton havia retornado a cidade depois da guerra e buscava retomar a força do movimento. Essa tentativa não ocorreu sem obstáculos, Tzara, Sartre e Camus criticavam o movimento e seu potencial revolucionário enquanto outras correntes de pensamento se tornavam mais fortes. Breton organizou exposições surrealistas, junto a Duchamp, mas com a distância histórica da origem do movimento, uma aura de retrospectiva histórica pairava sobre as exposições.

Figura 1. Bed, Robert Rauschenberg, Fonte:

https://www.moma.org/learn/moma_learning/robert-rauschenberg-bed-1955

Com objetivo de atualizar o movimento e estabelecer ligações com artistas correntes, Breton realiza em 1958 Exposition Internationale du Surréalisme, onde expõe obras de Rauschenberg e Jasper Johns. Wesley tem a oportunidade de ver essa exposição e se impressiona com dois trabalhos de Rauschenberg: Bed (1955) e Canyon (1958). Nas obras dos dois artistas norte-americanos sente uma identificação maior do que os artistas em destaque nessa época em Paris, como Lucio Fontana e Jean Debuffet.

Durante sua estadia na cidade, compõe uma série denominada Templários, onde cria uma narrativa reinterpretando a saga desses cavaleiros, passando pelo seu passado histórico e também por representações atuais como as histórias em quadrinhos do Príncipe Valente. É na Europa que Wesley tem contanto no presente com um passado quase mítico, que conhecia de reproduções e histórias, e essa fusão de tempos diferentes vai ser algo que acompanhará sempre sua obra. Os cavaleiros templários são uma visão auto-referencial para Wesley, que nesse mergulho histórico ajuda-o a entender seu processo pessoal de descobrimento artístico, refletindo sua vida. Arkadin D’y Saint Amer, é o nome concedido ao seu alter-ego, onde Saint Amer é Santo Amaro, bairro onde cresceu e viveu durante boa parte da vida:

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Em uma carta aos pais escreve como sente que a atmosfera de Paris não é aquilo que busca, tendo já passado por Nova Iorque, é lá que se identifica: “sinceramente eu prefiro Nova York; aqui pensam que eu sou louco porque é quase um desafio, mas eu estou vivo hoje e não há cem anos (quem sabe seja questão de raiz)” (Carta aos pais, s.l., 27. Set. 1958) 13. Escreve em seu diário sobre a decepção que Paris trouxe: “Paris não funciona para o que eu procuro, é pena...Ficou o mito e uma geração perdida, misturada com os outros que pensam que ainda existe...Friedlaender me decepcionou. Vou me preparar para partir para o Japão...Será a última tentativa!14

Nem tudo foi decepção durante a estadia em Paris, pois foi lá que conheceu Carlos Felipe Saldanha, diplomata brasileiro que seria amigo seu de longa data. No ambiente intelectual de jovens diplomatas e artistas brasileiros, entrou em contato com a ciência da soluções imaginárias, a patafísica15 de Alfred Jarry16, qual foi influente para Duchamp, Breton, Raymond Roussel. O que instigava esse círculo de pessoas nas obras de Jarry era o clima de nonsense, de humor e ironia, de uma subversão da lógica, o que na poética de Wesley iria se afirmar depois com o humor como elemento fundamental no fazer artístico.

É curioso pensar que um dos artistas que exerceu influência no processo formativo de Wesley, Robert Rauschenberg também em sua formação se locomoveu para Paris, em busca de uma capital artística efervescente, porém ambos descobrem que o brilho que imaginavam a cidade ter, já não era mais ou mesmo e decidem buscar em outro lugar essa vitalidade artística.

Não devemos também enxergar Paris nessa época como um deserto cultural. De fato diversos artistas que antes tomavam a cidade como morada, vindos dos mais diversos países, agora escolhiam Nova York como sua residência. Isso se deve ao fato que durante a Segunda Guerra Mundial, Paris foi ocupada e muitos tiveram que fugir dos

13

COSTA, 2005, Op., cit., p. 38

14

Idem.

15 “A ‘Patafísica é, possivelmente, o mais heterodoxo dos campos filosóficos. Entendida também como a

“ciência das soluções imaginárias”, concentra-se no estudo das exceções do universo, substituindo a observação de fenômenos repetidos pela engenhosa prática da atribuição de propriedades simbólicas aos

objetos, a partir de suas potencialidades.” Disponível em:

http://www.repia.art.br/ear/index.php?pag=38&prog=163&id=18 Acesso em 06/10/2105

16 (1873 – 1907) Escritor e dramaturgo francês conhecido por obras de caráter surrealista mesmo antes

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horrores da guerra, escolhendo os EUA como destino de refúgio. Duchamp talvez seja um dos mais famosos exilados, mas junto a ele, uma miríade de artistas e intelectuais também migrou para o novo mundo, ajudando a fomentar uma cena que agora no pós-guerra ganhava cada vez mais destaque.

Porém, a ebulição cultural e social que a década de 60 trouxe para o campo artístico não foi exclusiva de Nova York, em Paris um grupo de artistas, tendo talvez Yves Klein17 como seu principal expoente, também começava a mostrar seus trabalhos e assinalar uma mudança no eixo da prática artística. Os novos realistas, como foram chamados pelo crítico Pierre Restany18 buscavam uma nova interpretação do real no sentido da prática artística, de não só realizar uma pintura de cenas cotidianas, mas sim fundir o cotidiano com a prática artística.

Essa fusão também era vista como motor no trabalho de Rauschenberg, segundo consta na sua famosa frase que seu trabalho era feito no limiar entre a Arte e a Vida, nas palavras de Alan Solomon (COSTA, 2005):

Começamos a operar aqui em área um tanto indeterminada, de certo modo localizada entre a arte e a vida, de maneira tal que o potencial de enriquecimento da vida como arte funde-se de maneira inseparável com a possibilidade de tornar a obra de arte uma experiência a ser sentida de maneira muito mais direta do que as precedentes formas e pintura e escultura jamais o permitira..19

Wesley em dezembro de 1958 retorna ao Brasil, um pouco confuso e frustrado com a experiência europeia, porém certo de sua vocação como artista, ansiava ter mais conhecimento e se aprofundar mais: “As minhas preocupações mudaram por completo

17 (1928 – 1962) Artista francês conhecido por suas pinturas monocromáticas em azul. Expôs na galeria

parisiense de Iris Clert uma obra chamada “O Vazio” onde apresentou somente o espaço expositivo, sem obras. No tocante da sua obra, lidou com questões da desmaterialização da obra de arte, muito presentes na década de 1960.

18

(1930 – 2003) Foi um crítico de arte francês muito atualmente no cenário artístico mundial desde a década de 1960. Cunhou o termo “Novos Realistas” com Yves Klein, por ocasião em que este participava de uma exposição em Milão. Acompanhou também com bastante interesse os desenvolvimentos artísticos na America Latina, em especial a Bienal de São Paulo. Sobre sua relação com a Bienal de São Paulo e suas críticas ao modelo ver SCHROEDER, Caroline Saut. Pierre Restany: A Passagem para a “Anticarreira” In: Encontro de História da Arte – Unicamp, VII, 2011. Campinas, Atas... Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 2011, p. 107-110. Disponível em

http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2011/Caroline%20Saut%20Schroeder.pdf

19

(20)

e levei o choque de quem acredita em idealismos e depois vê os ideais com os próprios olhos... Eu tenho que me instruir mais e trabalhar muito” (Costa, 2005).

Em sua volta a São Paulo, trabalha dois meses na agência de publicidade AD Publicidade com Affonso Celso de Aquino, mas logo recebe um convite de Geraldo Junqueira para trabalhar em um documentário sobre a construção de Brasília para a Real Aerovias, fazendo a rota Buenos Aires/Nova York, passando por diversas cidades latino-americanas.

Logo após o encerramento do documentário, recebe uma proposta da Renault para realizar uma campanha institucional nas novas linhas de montagem da empresa. Viaja para Paris em Julho e com o dinheiro obtido no trabalho, consegue se manter na Europa por praticamente um ano. Ao término da campanha convida a mãe para vir a Europa e viaja até Portugal para encontrá-la, passando pelo norte da Espanha. Depois viajam pelo Norte de Portugal, passando por Altamira, San Sebástian, Florença e por fim França. Wesley já havia combinado com Plattner que iria ajudá-lo a realizar um painel de 86 m² para a Neufestspielhaus em Salzburgo, viaja então em Dezembro para o ateliê do mestre em Bolzano, onde trabalha por quatro meses.

Durante esse período tem a oportunidade de viajar frequentemente para Zurique, Munique e Salzburgo, podendo assim ver as coleções de obras de Klimt e Schiele, conhecer de perto os trabalhos de seu herói pessoal Klee e do Blauer Reiter. Essa estadia também permite o encontro com outros jovens brasileiros, muito deles diplomatas, como Rogério Corção, a pianista Gilda Osvaldo Cruz e o reencontro com Carlos Felipe Saldanha. Essa atmosfera de cultura, requinte intelectual e de uma certa aristocracia decaída (COSTA, 2005) contrastam com a educação protestante que teve, muito mais austera e pragmática.

É durante esse período que no seu diário escreve as figuras importantes para seu trabalho:

Nova Geração Alemã:

Klaus J. Fischer, Jürgen Schmidt, Wolff Barth

Heróis: Antoni Tapiès, Alberto Burri,Lucio Fontana, Wols, Dubuffet, Juan Miró Influências Sadias: Schiele, Egon. Klimt, Gustav

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Anjos: Paul Klee, Picasso.20

É notável a influência europeia, nada mais claro haja visto o ambiente que estava imerso, mas ao mesmo tempo que evoca contemporâneos, Wesley também se mira para o passado, ainda que recente ou não tão longínquo. A sua predileção por desenho também é vista, elegendo grandes mestres do traço como Picasso e Klimt.

Durante essa nova estada, também trabalhou na sua série de Templários, e foi seu amigo Rogério Corção que lhe concedeu o nome Arkadin, mais tarde D’y Saint Amer. Arkadin refere-se ao arcaico, além de ser um personagem de Orson Welles, Mister Arkadin que traz uma referência a Arcádia. Dentro dessa concepção, já podemos perceber a ligação de Wesley com o passado, criando uma personagem e uma série em que articula um mundo medieval, da mesma forma que irá articular no futuro com o “Triumpho de Maximilano”, esboçando desde então essa ligação tênue de diversos tempos, que coexistem graças a poética do artista, filtrados por suas experiências pessoais.

Dos seus amigos dessa época, também criou obras e expandiu o universo dos templários que vinha trabalhando. Pintou Retrato do Marcelo (1958), fez um desenho para Gilda, Valnéria D’y Pompéia (c.1960), e criou outro alter-ego para orientação, chamado de Marcadium d’y Capua (1961).

Podemos enxergar com a sua produção na época buscava um auto-descobrimento, uma formação de artista, que como um cavaleiro, partia em peripécias pela Europa, buscando trilhar o seu caminho único e pessoal. Talvez por isso que durante sua estadia em Bolzano se sentia preso, em tédio, em seu diário escreve: “Os Plattner levam uma vida antissocial” (COSTA, 2005), que apesar de Wesley se reunir com amigos intelectuais e desfrutar de uma cena artística, no dia-a-dia do trabalho a realidade e a rotina o massacravam.

Ainda em formação como artista, buscando sua poética própria, Wesley decide seguir pela carreira de cineasta e pretende ir até a Suécia, onde segundo seu plano tornar-se-ia aprendiz de Ingmar Bergman. Em maio de 1960, empreende a viagem junto ao irmão, ambos numa vespa, numa releitura moderna do cavaleiro com seu cavalo e escudeiro em busca do mago que iria ajudá-lo em sua jornada. O cineasta acaba por

20

(22)

receber Wesley, porém não o aceita como membro de sua equipe, preferindo aconselha-lo a trabalhar em seu país de origem, Brasil.

É interessante ver como nesse momento, Wesley vacilava sobre a sua vontade de ser artista, no caso como pintor, muito por influência de Plattner. Sem querer entrar em psicologismos, busca no cinema talvez uma fuga da influência do mestre pintor, uma forma de buscar novos ares, traçar outros caminhos. Podemos enxergar sua estadia na Europa como um processo de amadurecimento, em que ao retornar ao Brasil em Julho de 1960 encerra sua fase de aprendizado.

De aprendiz para provocador

Ao voltar para o Brasil, se estabelece em São Paulo, abrindo um ateliê na Rua Augusta, ponto de característico até hoje da vida cultural paulistana. A partir daí começa a produzir e pintar, no que podemos entender como a consolidação de sua postura como artista. Desenvolve nesse período talvez uma de suas séries mais conhecidas, certamente uma das primeiras a ter destaque no circuito artístico.

A série chamada de Ligas é uma exploração do universo feminino, com viés de erotismo e voyeurismo. A modelo, Lydia Chamis, tinha um relacionamento com Wesley na época, e durante os trabalhos da série podemos ver além da representação da mulher, um desenrolar intimo do casal, análogo a relação modelo e pintor.

Já olhando em retrospecto, Wesley elabora sobre as questões da série:

[...] hoje me parecem míticos, primitivos. Era um rito de iniciação primário, uma homenagem à origem, à grande mãe, alguma coisa interior, parte de minha evolução. Contudo, lidava instintivamente com um assunto muito complicado (e que para os homens é um terror): o princípio feminino. Como manejar o feminino dentro de si? Estava me aproximando do vaso, o vaso máximo eu é o útero, onde se põe tudo. Comecei pela púbis, tentando vencer o medo; dele fui avançando até conseguir fazer uma figura inteira, o que levou 10 anos. A imagem aparecia sempre por partes, faltando pedaços. Agora, “colando as figurinhas”, é fácil ver como eu fui me aproximando do problema lentamente, timidamente, até formar uma visão. Era um trabalho ritual. (Costa, 1980, p. 22)

A série Ligas parece servir como um molde temático para os outros trabalhos que desenvolve num período de 3 anos, todos com a temática feminina, que oscila entre um lirismo e uma transgressão erótica, buscando uma compreensão de uma parte de

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si mesmo, uma liberação “de seu próprio intelectualismo, [o] retornar inteiro diante da mulher”, em suas próprias palavras.

Entre 1960 e 1964, desenvolve os trabalhos com essa temática: “Ode Erótica a Lydia (1960), Série das Ligas I (1962), O Cinturão de Afrodite (1962), Série das Ligas 2 (1962), Série das Ligas 3 (1962), Série das correias (1962) e o álbum A história da moça que atravessou o espelho (1964), numa busca de explorar uma temática tanto quando motivo artístico, como um processo psicológico na qual toma parte à partir de sua vivência, em lidar com o feminino.

Figura 2: No Espelho Mágico, 1964, Wesley Duke Lee, fonte: Enciclopédia Itaú Cultural. http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa3154/wesley-duke-lee

Em 1962, por convite de Arturo Profili, viaja a Itália onde produz alguns trabalhos e expõe a série de Ligas, na Galeria Sistina II, onde encontra uma certa resistência no ambiente local, apesar de outros trabalhos serem apreciados:

Os desenhos estão sendo bem recebidos, encontrei um clima de respeito pelo meu trabalho e o nível é bem igual ao deles. [Apenas a série das Ligas] deixa a turma um

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pouco quieta, mas chacoalha bastante, o que me faz pensar que aí (no Brasil) temos muito mais liberdade.21

A exposição da série Ligas no Brasil ocorreu em 1963, e foi feita de uma maneira que também evidenciava o caráter erótico e voyeur do trabalho, realizado no João Sebastião Bar, não mais operante hoje, “O grande espetáculo das artes” consistia em filme feito com Otto Stupakoff, de 15 minutos em que Maria Cecília Gismondi, vestida com roupas de alta costura, caminha pelas ruas, terminado o filme, Lydia Chamis, vestido como a personagem, rompe a tela de projeção, onde realiza anti-striptease, que no final não revela nem uma parte do seu corpo, havia também um ventilador que jogava espuma de sabão, penas de galinha e confete colorido sobre os espectadores.

Figura 3: Still do Vídeo de Otto Stupakoff. Fonte: A Última Viagem de Arkadin D’y Saint Amer, DVD, Cores.

As obras eram expostas numa meia luz, de modo que para conseguir vê-las, era necessário portar uma lanterna. Houve excesso de público e a polícia teve que intervir. Na abertura também foi lido um protesto contra a crítica de arte (um embate que perdurou durante muito tempo):

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Todas as manifestações que estão diretamente ligadas aos problemas filosóficos de Origem ou Mytho são dificilmente percebidas ou compreendidas de imediato. Por isso, eu gostaria de aproveitar este momento para publicamente fazer uma homenagem à Crítica que desde o começo de minha carreira vem me incentivando e ajudando neste muito minha e particular pesquisa. Pela perspicácia e sensível observação, pela originalidade na classificação artística, nas nuanças do metier. Gostaria que este crítico aqui presente recebesse a totalidade de minha gratidão, transcrevendo e decifrando ao grande Público os curiosos e inesperados caminhos que o desenvolvimento artístico atravessa. (COSTA, 2005, p. 87)

Paralelamente ao desenvolvimento da série dos Templários e das Ligas, Wesley desenvolve outra série, O Chefe. Na trilogia de trabalhos dessa época, o Chefe parece surgir como o elemento ordenador na tríade. Se por um lado temos o Templário como o cavaleiro quase romântico, que vive aventuras e está sempre em busca de algo, junto com as Ligas, representando tanto a possível donzela em perigo, necessária para o cavaleiro, quanto o lado feminino, o oposto do cavaleiro (oposto não necessariamente no sentido de embate, mas mais como uma forma complementar, o outro lado da moeda, por assim dizer), do outro lado surge a figura do chefe, como o elemento que põe em cheque os outros dois, uma espécie de pilar central para que os outros lados não se percam.

Executou nessa temática da série o primeiro trabalho no mesmo ano que faz Ode Erótica a Lydia e o Templário Ark, chamado de Renascimento do fauno ou chefe ainda sobre disfarce (todos de 1960). Sobre a série, Millôr Fernandes escreve em Elegia para um artista vivo, de 1964 (COSTA, 2005):

O Chefe, reminiscência das histórias em quadrinhos (“Pegamos o homem, chefe!”) é, sobretudo, ânsia social dos países livres cansados de sua liberdade e de sua falta de chefia (“O Bigodudo vem aí”) e terror dos países totalitários e socializados, onde pode faltar tudo, menos o chefe. Wesley Duke Lee é, assim, um artista que pensa, mas sua plástica, já se percebe, antecipa-se à ideia – ele só pensa depois que vê. E o que ele vê são magos, magias, távolas redondas, cavaleiros templários e inúteis cintos de castidade – a carne é forte.

Busca com ela um sentido de ordem, algo que mesmo diante da profusão criativa possa se estabelecer como uma disciplina, num caráter ético e até mesmo utópico, diferente das outras séries, que possuem um caráter pessoal, sentimental.

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[...] tive um momento lúcido, de uma de minhas necessidades, o constante poder de influenciar, lento mas seguro, a necessidade do líder, sem as responsabilidades que forçam com a tomada de posição. [E completa]: então guardar o anonimato, a independência de movimento...Ah! Samurai do séc. XII, no meu atraso total eu vos sigo com oito séculos de retardamento.22

Uma característica da série O Chefe, é que a personagem principal nunca aparece de forma completa, ou demonstra claramente sua função. Nas obras da série, sempre há uma nebulosidade, pedaços daquilo que se entende pelo personagem principal. É semelhante o procedimento feito nas Ligas onde partes e mais partes vão sendo criadas e adicionadas para podermos compreender melhor essa figura nebulosa e instigante. Podemos ver isso nas obras: Estudo para o maxilar superior do chefe (1961), Estudo para o crânio do chefe (com influência do Mabe) (1961), Estudo para o embrião do chefe (1962), Estudo para molaris triturante do chefe (1962).

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Figura 4: Estudo para a Tráqueia do Chefe, Wesley Duke Lee. Fonte: Um Salmão na Corrente Taciturna.

Por mais que o Chefe apresente esse sentido de ordenação, nunca foi num sentido programático ou panfletário. Tinha o seu caráter utópico, de centralizar em uma só figura o poder de mediação entre diversas partes, mas nunca chegou a ser uma força repressora dentro do âmbito do trabalho. Podemos enxergar em Wesley um diálogo pessoal, onde busca entender as forças que regem seu processo criativo, onde elas se encontram numa narrativa pessoal.

Embora Chefe, Ligas e Templário sejam séries simultâneas, vemos uma certa distinção entre seus motivos que no decorrer de seu percurso poético irão se cruzar e prover diversos frutos, como podemos enxergar em “O Triumpho”, onde Wesley parece articular a figura do Chefe, ou seja, o Imperador Maximiliano I, as Ligas, presentes na modelo que desfila junto a procissão triunfal e o templário, como parte da escolta e personagem do triunfo.

O clima da época também era favorável a esse tipo de pesquisa e descobrimento, a década de 60 trouxe diversos movimentos contestatórios, tanto no âmbito social quanto no político. Chega até ser presciente a figura do chefe ser trabalhada apenas alguns anos antes do golpe militar, que institui literalmente a figura de um chefe de estado repressor.

Apesar desse conjunto de séries não serem propriamente os primeiros trabalhos realizados por Wesley, podemos ver neles uma das primeiras expressões dum artista formado, que começa a construir sua própria poética e caminho. Apesar disso, a recepção de seus trabalhos ainda causa desconforto, não tendo o diálogo que esperava, ou melhor dizendo ansiava. Na ocasião de sua exposição na Itália, escreve aos pais:

O Famoso diálogo que pensava encontrar parece que não existe senão entre algumas pessoas, o resto é todo um trabalho particular, e no mundo da criação o caminho é muito sozinho mesmo. Mas, uma vez contato isso, as coisas ficam mais simples e aparentemente mais fáceis. (COSTA, 2005, p. 73)

A sua primeira individual foi realizada na Galeria Sistina, de Enrica e Arturo Profili, a mesma galeria que o abrigaria na Itália alguns anos depois, em Abril de 1961. Profili era diretor do jornal Fanfula, ex-secretário geral do MAM-SP, além de ser secretário

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particular de Cicillio Mararazzo no MAM-SP e na Bienal de São Paulo. Tinha como marchand um transito entre artistas europeus de renome, mas buscava também trazer artistas brasileiros, tendo Manabu Mabe um exemplo de artista que ganhou reconhecimento através de sua galeria (ainda que não sem protestos e críticas de outros grupos).

Apresenta na exposição cerca de 50 trabalhos emoldurados, 57 reunidos num álbum chamado O espírito da coisa. Dentre os trabalhos, cerca de 15 são relacionados aos Templários, 3 da série denominada Botânica, dois trabalhos de temática pessoal, Vovó e eu (1958 – 1960) e A avó e a mãe da moça (1958 – 1960) entre outros.

Sobre a exposição, José Geraldo Vieira (COSTA. 2005) escreve na Folha de São Paulo duas críticas. Na primeira, se foca mais na figura do artista, comparando a Alfred Jarry, Antonin Artaud e Jacques Vaché, tendo pouco material sobre as obras em si:

De qualquer maneira, o homem existente no artista chama a atenção nas rodas artísticas, nas galerias, nos museus, primeiro que tudo por lembrar um remanescente do dadaísmo de Colônia, Zurique, Berlim e Hannover. Quanto aos títulos de suas têmperas, de suas gravuras e de seus desenhos, há ainda laivos de classificações no gênero, sobretudo de Marcel Duchamp.

Alguns dias depois, retoma a escrever sobre a exposição:

As rodas artísticas caracterizam-se por diferentes grupos; mas nelas há indivíduos que por si só, convivendo com sua artes penas, valem por um grupo, devido exatamente a polivalência de sua expressão, mesmo que esta permaneça marginal ao tachismo ou ao concretismo, por exemplo. Esse é, sem dúvida, o caso do artista Wesley Duke Lee, que não exterioriza sua arte através da clave tachista, nem da pauta concreta e sim através de processos artesanais como a têmpera, o desenho e a gravura cujos timbres elemodifica pelos bemóis do surrealismo objetivo ou abstrato. (...) O conjunto é bom, quase excelente, resultando decerto daquilo que os concretistas chamariam “espontaneidade controlada”. Conjunto denso, variado quase heteróclito; evidencia da parte quem o fez a direção intelectual sobre a mão artesanal, resultando não direi tarefas mas inspirações sadias, duma ambiguidade irônica e comprovando o velho slogan davinciano: Arte é coisa mentale.23

23

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Na crítica de José Geraldo Vieira podemos notar duas coisas que serão constantes no diálogo crítico sobre Wesley: A primeira, é sua formação e proposição de trabalho diferente do contexto brasileiro da época, mas especificamente a sua não aderência a elementos concretos, certamente algo herdado do ensino com Plattner. A segunda é a individualidade do artista, que ao menos num primeiro momento, não possuía muitos congêneres no campo artístico. Com o passar dos anos a situação muda, mas não nunca chegou a ser parte de um movimento, que digamos assim, era o mais popular.

É notável também uma certa fixação com a aparência e os modos de Wesley, o jeito como ele se comporta perante a sociedade. Certamente, a biografia e modo de vida de um artista exerce alguma, ainda que difícil de quantificar, influência no seu trabalho (e claro, aqui estamos fazendo isso), porém a fixação da crítica na época, era desmerecer o trabalho com base nesses atributos. Wesley estabelece uma postura combativa, de enfant terrible.

Tendo em vista o contexto da época, uma ebulição de causas sociais e integração latino-americana, a postura de Wesley era vista como algo excessivamente estrangeira, o que é fruto de sua formação, tendo ascendência estadunidense e passado alguns anos na Europa. Era visto como alguém colonizado, que falava para alta sociedade e não se interessava por uma questão social. De fato, Wesley frequentava os círculos da alta sociedade, possuindo amigos no meio, mas no histórico da sua vida, o poder econômico nunca foi alto, vindo de uma família classe média e tendo durante grandes períodos dificuldades econômicas.

Quando expôs na Itália, na filial da Galeria Sistina, Wesley também se questiona sobre a recepção do seu trabalho. Tinha esperanças de talvez em outro contexto, ter uma recepção melhor, mas se frustra ao final:

O famoso diálogo que pensava encontrar parece que não existe senão entre algumas pessoas, o resto é todo um trabalho particular, e no mundo da criação o caminho é muito sozinho mesmo.24

Uma das figuras que parecem ser predecessoras de Wesley, é Flávio de Carvalho, artista que ele já tinha conhecimento, desde a época de seu primeiro experimento, em 1956 com Passeata em Traje de Verão. Da mesma forma que Flávio se tornara uma figura controversa, após a exposição do João Sebastião Bar, Wesley parece ter ser

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torando também. Não quero fazer aproximações num nível de repercussão em cadernos sociais, mas ambos possuíam e de certa forma herdeiros, de uma tradição da polêmica como método artístico, muito comum nas obras do Dadá e Surrealismo. Além de serem artistas essencialmente cosmopolitas e urbanos, em que a convivência na cidade e seu círculos sociais era essencial para o trabalho e circulação. Wesley se interessa pela obra de Flávio e busca conhecer o artista, num sentido de presta uma homenagem ao seu trabalho, que se torna uma grande referência.

Outra grande referência para Wesley é a figura de Oswald de Andrade, apresentado para ele por Lívio Xavier. Uma figura que era muito criticada no meio, em contraste a Mário de Andrade, assumindo assim um papel de defensor de sua obra. Tanto Flávio como Oswald, representam para Wesley precursores, tanto na maneira que se portavam, quanto no seu trabalho, mas ao mesmo tempo um sinal de alerta, de como a recepção e o modo de se portar podem causar na convivência e inserção do artista.

O fato de seu círculo de amizades não consistir de artistas (ou pelo menos não exclusivamente), também era mal visto, tachando-o de individualista, que não tinha apreço dos seus pares. O círculo consistia me fotógrafos, como Otto Stupakoff, publicitários (afinal, sua formação profissional) como Marcelo Corção, poetas como Hilda Hist e Lupe Cotrim Garaude. Tinha também um círculo de amizade que consistia em jornalistas do O Estado de São Paulo, como Lívio Xavier, Cláudio Abramo e Thomaz Souto Côrrea. Muito disso se deve ao seu processo de formação no exterior, onde passou alguns anos fora, assim não desenvolvendo um “networking” no meio das artes propriamente ditas.

Isso não é dizer que Wesley vivia ostracizado, ele encontrou acolhida em dois diretores de museus: Pietro Maria Bardi e Walter Zanini, que ao longo de sua carreira iriam convidar para participar de importantes mostras que organizaram durante a década de 1960. Nesse momento também já é possível identificar alguns pontos que serão crucias na sua carreira, pontos esses contraditórios que irão só se agravar ao longo do tempo, algo como ânsia para expor e obter algum diálogo, ao mesmo tempo que a relação com marchands se mostra insatisfatória e irritante, um isolamento no meio artístico, ainda que consciente do que estava acontecendo; comunicação na mídia de forma frustrante, apesar de espaços dados e por último uma relação de alegria e ódio com a crítica especializada, a qual travou diversos embates.

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Em Fevereiro de 1962, Wesley recebe o convite de Flávio Motta de montar um curso de iniciação às artes gráficas aplicadas a ser realizado na FAAP. A escola tinha em seu quadro de professores, artistas como Marcelo Grassmann, Darel Valença Lins e Renina Katz. Sua ideia era de fazer algo voltado para a publicidade e comunicação visual, tendo ajuda de Otto Stupakoff e Alexandre Wollner. Infelizmente o curso não foi organizado do jeito que esperava pela FAAP e acabou não realizando o projeto.

Isso não seria o fim de sua atuação como professor, já que no mesmo ano recebeu em seu ateliê Frederico Nasser, jovem poeta que buscou Wesley com intenção de ter aulas e se formar um artista. Frederico começou a frequentar o ateliê e desenvolver trabalhos com o mestre. Wesley também via na proposta do aluno, uma forma de criar um círculo artístico, em que pudesse conviver e expressar suas ideias, como escreve em seu diário: “Eu devo realmente procurar um novo grupo de gente para conviver!”25

Artista e professor

Apesar de Wesley relutar em assumir um cargo de professor como uma faceta sua, Plattner o fez prometer que ajudaria a formar outro artista, como pagamento pelo seu aprendizado. Em 1963, outros três amigos de Frederico se juntam, estes eram Carlos Fajardo, José Resende e Luiz Paulo Baravelli, no qual no total ficaram 2 anos sobre a tutela de Wesley.

O curso em si consistia em dois encontros por semana, sendo uma aula de desenho e outra de composição. Desenho, para Wesley era a pedra angular de uma formação artística, o filtro por qual todos os processos, inclusive pessoais eram tratados. O seu método durante as aulas, pode ser descrito como algo experimental, ainda que baseado em uma conceituação prévia. Tentou mesclar as aulas que teve na Parsons e o seu período com Plattner, buscando desenvolver exercícios para que a poética de cada aluno se desenvolvesse.

Não só exercícios práticos e formais eram feitos durante as aulas, a história da arte também tinha um papel fundamental, mas sempre surgiu em discussões que estavam relacionadas a prática dos trabalhos, numa apresentação mais informal. Não deixava também de comentar sobre desenvolvimentos artísticos recentes, algo que tinha muita proximidade com os jovens alunos.

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Apesar de um certo foco técnico e talvez até formalista, a intenção de Wesley não era formar meticulosos virtuosos, via na técnica um sentido de libertação. Era necessário ter domínio sobre ela para que pudesse realizar trabalhos artísticos, nunca aparecendo como um fim em si mesmo.

Anos depois, relembra sua experiência:

Nunca tinha ensinado antes e o ensino não me interessava. Quando os quatro me procuraram, aceitei-os por uma dívida pessoal que tinha com meu mestre e por insistência deles. A dívida era a seguinte: o tempo que Plattner dedicar a mim era impagável. O pagamento seria formar um outro. Formei quatro... [...] tive muito lucro porque me deu a oportunidade de entrar numa onda, com a informação de toda uma geração que estava dentro do meu estúdio. As coisas aconteciam naquele estúdio!

(COSTA, 2005, p.76)

O ensino continuou por 2 anos, período no qual os alunos participaram de fatos relevantes do trabalho de Wesley, como o happening do João Sebastião Bar. Ao final, Wesley realizou um retrato a duas mãos de cada aluno: A zona: It’s all very silly (retrato de Frederico Nasser + Wesley Duke Lee) (1967); A zona: Rembrandt (retrato de Luiz Paulo Baravelli + Wesley Duke Lee) (1968); A zona: it’s about painting (retrato de Carlos Fajardo + Wesley Duke Lee) (1968); e A zona: retrato de José Moura Resende + Wesley Duke Lee (1968).

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Figura 5: A zona: It’s all very silly (retrato de Frederico Nasser + Wesley Duke Lee), Wesley Duke Lee, Fonte: Um Salmão na Corrente Taciturna.

Os alunos, depois de iniciarem suas carreiras como artistas profissionais, criaram uma escola de arte, chamada Escola Brasil, que recebeu cerca de 400 alunos. Funcionou de 1970 até 1974. Em depoimento acerca da Escola Wesley escreve:

Trabalhamos durante dois ou três anos? Basicamente aulas de desenho,exercícios que eu dava e a conversa. Depois desse tempo, chamei os quatro e falei: acabou a aula, o que tinha para contar já contei, está na hora de cada um pôr o pé na estrada. Transmiti o compromisso que havia recebido de Plattner: cada um por sua vez deveria formar um artista também. Talvez esteja aí o embrião da Brasil (...) Eles montaram um curso muito bacana e desenvolveram uma filosofia de ensino particular deles. Fizeram um curso adaptado à realidade brasileira. Funcionou até o dia em que eles largaram a

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fraternidade e passaram para a paternidade: é quando começam as divisões e a individualidade.26

Sobre uma exposição realizada pelos 4, no MAM do Rio de Janeiro, Aracy Amaral escreve:

No Rio de Janeiro, um certo número de jovens artistas, entre eles Tunga e Waltércio Caldas, foi efetivamente influenciado por uma exposição, no Museu de Arte Moderna dessa cidade, de quatro sofisticados artistas de São Paulo, em 1970, ainda então bastante jovens. Estes, recusando-se a qualquer tipo de arte de participação, discípulos que eram do pintor Wesley Duke Lee – diretamente filiado à informação norte-americana em particular, e internacionalista em geral – impressionaram de forma significativa seus colegas do Rio. Entre seus atrativos apresentavam (em contraposição à arte precária e efêmera dos anos 60) a preocupação com o acabado, a nobreza dos materiais – até alabastro e mármore, além de madeira polida e envernizada; a valorização do desenho era uma das suas bases diretrizes, além do cuidado acurado com as molduras. Enfim, todo um sistema de trabalho e apresentação do produto como procedente de sistema da tecnologia mais avançada.27

Reynaldo Roes, num tom mais elogioso, escreve no catálogo da sua retrospectiva em 1992:

Fala-se muito da sua influência sobre a geração paulista de Nelson Leirner e da Escola Brasil:, de Luiz Paulo Baravelli, Carlos Fajardo e José Resende, e muito pouco sobre o “efeito Wesley” fora do circuito da Paulicéia. Mas, na verdade, a ele muito deve toda a geração da crise brasileira, do Rio a Brasília: geração de Antônio Dias, Rubens Gerchman e Carlos Vergara, de Cildo Meireles e Luiz Alphonsus, Antonio Manuel, Artur Barrio e Ivald Granato (que naquele tempo estava ainda no Rio) – para mencionar apenas estes. A sua dívida para com Wesley certamente não está na visualidade que ele estabeleceu (embora aqui e ali reconheçamos procedimentos formais que viriam alimentar toda a arte dos 60 e muita dos 70), mas nos fundamentos que sustentaram toda a arte da resistência do período, a capacidade de, sem perder o pé da realidade da arte (e está aí toda a dificuldade), transformar a realidade do lado de fora da arte.28

26

SAWAYA, 2007, p. 23.

27 AMARAL, Aracy A. Arte e meio artístico: entre a feijoada e o x-burguer. Artigos e Ensaios (1961 –

1981), São Paulo, 2013, Editora 34, p. 323.

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Outra oportunidade surgiu em 1964, quando foi convidado a ser professor de desenho da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, muitas críticas surgiram pelo fato de substituir um professor que fora cassado por razões políticas, e mesmo dentrodo curso enfrentou dificuldades em implementar suas ideias, esbarrando na burocracia da instituição de ensino. Demitiu-se após um ano frente a cadeira.

Atuou também como professor em 1965, convidado por Pedro Caminada Manuel-Gismondi para dar um curso de fundamentos do desenho na Escola Superior de Desenho Industrial de Ribeirão Preto. Chegou a elaborar um plano de aulas, mas teve que se desligar devido a participação na 8a Bienal de Tóquio. Quem assumiu foi aquele que já tinha sido seu aluno, Carlos Fajardo.

A sua última experiência docente aconteceu em 1969, quando participou do projeto Art & Technolgoy, no Los Angeles County Museum. A convite de Robert Irwin lecionou desenho num curso de pós-graduação em artes da Universidade do Sul da Califórnia, em Irvine. Em suas palavras (Costa, 2005): “uma boa experiência, porque o nível dos alunos era muito bom”.

Devido ao contexto social a partir de 1964, o meio artístico se polarizou entre aqueles que se engajavam ou não com o a situação política vigente. Daisy Peccinini escreve sobre esse embate:

(...) o cosmopolitismo de sua poética integrada às similares internacionais, e pelo qual o artista pagou um alto preço no ambiente artístico brasileiro, onde pontificava uma crítica de arte de esquerda que condenava a efusão lírica-simbólica e o fabulismo das obras de Wesley.29

A crítica Aracy Amaral é ferrenha ao descrever o trabalho de Wesley, descrevendo como um publicitário que faz a vez de artista, fazendo vontades das madames da alta sociedade paulistana, irradiando um “excesso de bom gosto, requinte e sofisticação, em contraposição ao “popular”, que seria “a manifestação mais autenticamente latino-americana” (AMARAL, 2013).

Realismo Mágico e Desenvolvimentos Poéticos

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A partir de 1964, sua produção passar por algumas mudanças, se antes possuía uma coloração mais sóbria, quase sombria, agora passa a ser mais colorida, viva. A expressão do seu desenho, marca registrada de sua poética também ganha força, apresentando diversos grafismos e uma linha solta, que percorre o quadro, como podemos ver na Figura

Figura 6: Arkadin D’Y Saint Amer (1964), Wesley Duke Lee, fonte: Enciclopédia Itaú Cultural30

O chamado realismo mágico, surgido no contexto de uma exposição de Wesley realizado na Galeria Seta, em agosto de 1963 e que teve vigência até a fundação do grupo Rex, em 1966, é uma tentativa de exprimir o que é a realidade pelo filtro subjetivo de mitologia pessoal.

A denominação realismo mágico reunia dois termos contraditórios: o primeiro denunciava seu compromisso com a realidade, precisamente com a realidade cotidiana, escavada, recortada e reapresentada, seguindo os esquemas

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imaginativos a mitologia pessoal do artista; segundo, suas raízes fantásticas e surrealistas.31

Sendo uma expressão mais pessoal do que um grupo arregimentado, isso não impedia de ter um círculo que constituísse o realismo mágico. Eram compostos pelos pintores Maria Cecília Gismondi e Bernardo Cid, compositor Sergio Mendes, Carlos Felipe Saldanha, Otto Stupakoff e o crítico Pedro Caminada Manuel-Gismondi. O termo realismo mágico já havia sido discutido e fazia parte da relação com Carlos Felipe, já mencionado anteriormente, mas foi a denominação que Manuel-Gismondi deu para a obra de Wesley e seus associados.

O Realismo Mágico surge mais uma vez como uma vontade de Wesley buscar seus pares, de formar um círculo em que possa ser compreendido e ter o seu trabalho divulgado. Serviu também como forma de estreitar laços que viriam a se concretizar no grupo REX. Tem também como predecessor, na visão de Wesley, o grupo da semana de 22, inclusive criando fotos que emulavam os materiais da época. Além de prestar uma homenagem a Oswald de Andrade, figura cara a Wesley.

Sobre a prática do Realismo Mágico, no contexto da obra de Wesley, associa-se a uma grande variedade de meios e técnicas expressivas, de pintura gestual a colagem, passando por texto, têmpera e outras técnicas, sobre essa postura Wesley diz:

Estou tentando realmente pôr em foco uma visão do mundo (...). Realizar então toda classificação para mim é a posteriori, porque misturo técnicas e não me incomodo a mínima.32

Assim como o Surrealismo, tinha um caráter de mudança no público, de levar em conta a reação possível frente às obras:

Valorizando o elemento criativo, estritamente ligado com o indívduo (...) propondo trabalhos com conteúdo, que desencadeavam associações de serventia, de meditação, de introspecção, contento o elemento do humor (...) é perceber nas coisas mais

31

Idem, p. 21

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simples um segundo significado, um prolongamento de significados que incite a imaginação a uma viagem.33

Daisy Peccinini escreve:

A práxis artística buscava desencadear um processo de imaginação que visava o lado mágico das coisas mais banis, criando vivências novas segundo as estratégias surrealistas. Entretanto, distanciava-se do surrealismo dogmático pelo conteúdo apresentado, captável racionalmente, e mais ainda pela utilização de esquemas publicitários de fácil apreensão e comunicação apropriados da linguagem pop.34

A menção do Pop serve como possível gancho para entendimento de um “mote” geral que caminhava nesses trabalhos. Nesse sentido podemos entender a aproximação de Wesley com o Pop, na busca do imaginário contemporâneo que o envolvia, sendo nas embalagens de manufatura industrial, nas revistas e gibis ou cinema. A realidade de uma época de franca expansão do mercado e do capital.

Apesar disso, Wesley (COSTA, 2005) rejeita a pecha de Artista Pop, já em 1963, na ocasião do seu happening: “Recuso essa classificação. O que absorvi da Pop e que é um das grandes contribuições para a arte é um novo sistema de figuração e um relacionamento da figura”.

Até 1964, o seu realismo mágico possui uma grande influência de um passado mítico, de origens e lendas, muito influenciado por um imaginário medieval, mas após 64, assumi um viés mais contemporâneo, preocupando-se com uma visão do agora, e não só evocações do passado. Por conta de experiências lisérgicas (algo em voga na época), o seu trabalho sofre uma modificação, rompendo com os motivos medievais:

O realismo mágico viveu então um processo de modificação importante, pois se desatou das evocações do passado medieval, passando da imaginação para a ação no presente: o mundo supra-real se ancorou no mundo conjuntural do momento. Segundo Wesley, foi a ação do lisérgico que desencadeou essa ruptura com o “círculo vicioso da fantasia medieval” e dispôs a hegemonia da “imaginação criativa”, atuando no

33

Idem, p. 22.

34

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presente. Em decorrência, o imaginário de Wesley adentrou as dimensões sígnicas do cotidiano.35

Entre os anos de 1964 e 1965, o Realismo Mágico teve seu período de maior destaque, iniciado com a mostra Pau Brasil, em 1964 na Galeria Atrium. No texto do catálogo da mostra, Carlos Felipe Saldanha, usando seu pseudônimo Kid Camarão escreve com ironia: “Mas nesta brasileira de hoje em dia tudo é novo, o romance novo, o novo novo, o ovo novo. Só o Realismo Mágico é Velho”. Podemos ver assim, uma consciência histórica de onde o movimento se encontrava, um caráter pós-moderno digamos assim, no sentido de historicizar algo que acaba de ser criado, ressaltando também suas ligações com o passado.

A exposição Pau Brasil, foi uma homenagem a Oswald de Andrade, que escreveu um poema com esse título. Assim como o poeta buscava elementos de humor, parodia jogo e erotismo, elementos tais já presentes e valorizados no seu trabalho, mas com essa exposição reafirma sua aliança com uma tradição brasileira, ao mesmo tempo que joga luz num aspecto que não estava em voga na época (haja visto a rixa entre concreto e neoconcretos que dominava o discurso oficial).

Costa escreve sobre a relação com Oswald:

Vale dizer: Wesley encontra-se em Oswald numa correspondência altamente inspiradora e rende-lhe homenagem por sua inquietação, intuição, pelo raciocínio contraditório e anti-sério, enfim tudo aquilo que tornava o poeta suspeito e tirava-lhe a credibilidade diante da crítica e do meio intelectual sério e taciturno. Ao convidar o público para brincar, o artista sinaliza que são essas características que ele valoriza, assume para si e, mais tarde, tem de enfrentar as consequências da escolha.36

O dia da abertura foi uma confusão, digna do ar de brincadeira e ironia que buscava, como foi reportado na revista Visão (COSTA, 2005):

A exposição de vinte trabalhos do artista foi pretexto para o álacre – leia-se térrible – festival. Já à descida da escada que conduz à cave da Atrium percebia-se que a coisa era para valer e para chocar. Sentados pelos degraus, jovens barbichas (nenhuma

35

PECCININI, Op. Cit. p. 24

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semelhança com as barbas de Fidel Castro) entoavam em coro uma litania profunda e monótona, valendo-se da letra e textos lidos em pedaços de jornal ou no próprio catálogo da exposição. Vez por outra um deles se levantava e desferia uma pancada num dos quadros metálicos, redondo e double face, que ressoava mais ou menos como um gongo que dá início aos filmes do Rank. Aí eles começavam de novo em tom gregoriano: “Nós não incomodaaaamos ninguéeeem”.

De repente, uma perturbação. Um corre-corre típico de briga (mas os cantores imperturbáveis, sempre entoando sua ladainha): era o pintor passando um pito em uma moça que acrescentara a um texto escrito sobre um quadro uma frase dela, feita de próprio punho.

Mais tarde, Wesley comenta sobre a importância dessa exposição para seu trabalho e carreira:

“Pau Brasil” (o nome da exposição era esse) foi sobretudo uma grande surpresa. Realmente não tinha noção do que tinha feito, mas era o que tinha feito, foi exposto e explodiu. Essa exposição da Atrium foi mesmo uma explosão! Os trabalhos [Da formação de um povo, e Zona] eram os que depois foram para Tóquio e ganharam um prêmio. (Costa, 2005, p. 109)

A exposição ainda traria uma semente do que seria outra fase no trabalho de Wesley, no texto do catálogo da mostra, Kid Camarão (Carlos Felipe Saldanha), propõe que o Realismo Mágico é Rex. Rex seria o nome da galeria que fundaria com Geraldo de Barros, Nelson Leirner e seus estudantes, a qual discutiremos mais a frente:

Biografia Mágica de Wesley

(capítulo 7983)

Vivem me perguntando o que é o Realismo Mágico. Se é movimento, escola, filosofia, religião, guestalte, baurraus, zen yê-yê, etc., etc. Eu respondo que não é nada disso, que o Realismo Mágico é Rex. Aí me perguntaram o que é Rex. É a resposta que eu dei, Bidu! Eureka ou pas Eureka, eis a questão. Arkadin Wesley Duke Lee d’y Saint Amer é Rex (...) Um livro preto e velho, de 1935, cheio de gravuras minúsculas em hachurado grosso, de finanças ou de gramática pode ser por si só um porca velharia. Mas basta os Rex dizerem:- “Isto é Rex” e pronto, o livreco caquetz passa a ser Rex, e portanto, uma consumada obra de arte.37

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Podemos ver na declaração que o trabalho de Wesley tem uma aguda consciência histórica, sabendo onde sua prática se insere no contexto da história da arte. Ao mesmo tempo que não proclama algo de vanguarda, no sentido de desbravamento, propostas novas. É mais uma consciência dos artifícios e esquemas já utilizados por outros movimentos, e como eles podem ser reinterpretados, e nessa caso com um forte viés surrealista e duchampiano, como visto na apropriação do livro, no humor e ironia.

Na ocasião de uma exposição sua realizada em Tóquio, em 1965, Wesley desenha uma figura em que expõe as bases do seu realismo mágico, enumerando suas raízes e afiliações, onde podemos ver que ele se filia tanto a arte do fim do século XIX (Schiele e Klimt) quanto as vanguardas do século XX, numa mistura visando tanto o passado quanto o futuro. Segundo Ichiro Haryu, em conversa com o pintor, Wesley disse que “continuaria derrubando barreiras avançando no caos em direção a uma paraíso terrestre”38.Vemos abaixo o esquema desenhado por Wesley:

38 COSTA et al. Antologia Crítica sobre Wesley Duke Lee. São Paulo: Galeria Paulo Figueiredo, 1981. P.

Referências

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