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VINCULAÇÕES METAFÍSICA DA CIÊNCIA E AS TRANSGRESSÕES DE GALILEO

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(1)

vrNcuLAçÕES

METAFÍSICAS

DA

CÉNCIA

E

AS

TRANSGRESSÕES DE

GALILEO

A,F.R. DE TOLEDO PIZA

Irutituto

de Física

Universidødede

Ma Paub

tória

mais

remota

sói

ser consideravelmente condicionado

por

tantos

elementos de

história

menos

remota, invertendo,

de fato, no nível

interpretativo,

toda

possível

t

ua

ciência

e, de

forma muito

s

nas quais

a

ciência ainda nâ'o

s

€stabelecimento, o crescimento

e a

difusão, posteriores, ,da

atividade

cie

poder condicionante

sobre nossa compreensão e análise de

tais

os_aproximaf da

ques-tão e das origens da cÍência, dada

a

clênci

'

E fácil, assim, deixar escapal

o

envolvimento

ali

de

questões dete¡minantes,

mas

que posteriomente ou

¡efluíram

ou

foram

trivializadas até

a

invisibilidade. O resultado disso, senÍio distor-ção,

é

pelo menos parcialidade, algo como uma particular projeçâ'o de uma realidade

õo.n

tnãir

dimensões. Correspondcntemente,

a identificação de

questões

hoje

desa-tivadas, mas que tenham

tido

articulações determinantes

com

o

Processo histórico,

pode revelar contornos que de

outro

modo pertnaneceriam ocultos.

Costaria de retomar brevemente

aqui, dentro

desse

espírito,

uma faceta

particu'

lar do

ainda

hoje

rumoroso caso que envolveu

a

corldenaçâ'o

de

Galileo pelo Santo

Ofício.

Essa laceta

foi

bastante enfaüzada ¡ror

Giorgio

de Santillana ern diversos

es-critos

(1963;

1964a;

1964b;1968),

rnas apesar disso parece nâ-o

ter

sido ainda

sufi-ciclltcrnente notada, talvez pela

própria

desativação

-

mas não por isso irrelevância

-das idéias envolvidas

ou

até

lnesmo pelos tennos

em

que é formulada, com alguma

especificidade técnica

essencialmente esquecida, ¡relo ¡nenos

fbra

de

círculos-res-trilos

que não incluem os domínios da ciência de hoje, As circunstâncias que a revelam

(2)

46

A.F.R. deToledo

Hza

sío

bastante documentadas

e

conhecidas

tendo sido

amplamente invocadas

no

sen-ticlo de buscar

um contexto

razoável para a má disposição cla Igreja e, eventualmente

de

modo particular,

de Maffeo Barberini, entroniz relação ao sucesso

público

do

Diálogo

de Galileo,

primátur

múltiplo

e um

ltovo

título

dado pelas rnai

sas circunstâncias

foram

resumidas,

por

exemplo

(The trial

of

Gatiteo Gøtitei)

de

1964, ocasião do quarto centenário do nascimeuto de

Galileo, da seguinte fo¡ma:

Como é bem conhecido, Galileo efetivamente

incluiu

o

argumento aludiclo em seu

livro,

onde ele é apresentado nas últimas páginas, por u

palavlas;

"tertho

ante os olhos da mente uma dout¡ina

uma

pessoa

muito culta

e eminente,

e

Para

a

qual

n

vel

.

.".

Salviati

o

recebe com o comentário de clue se

como a de Jauch. Mais claro nesse

particular, no

entanto, é um relato do embaixador

florentino

Francesco

ì*Iiccolini, de

uma audiência

com

o

Papa,

ern

13

de março de

1633,

na

qual

pretendeu salvar a posiçâ'o de Galileo, cuja convocação

havia então sido decidida pelo Santo

Ofício

(SANTILLANA

1963'221).

. , .

Ele

tou que o senhor Calileo havia sido seu arnigo, que tirlhanr

lieqüen-teìÌlellt

u nr"io, c t¡uc senlia nluito subnrctêlo a tais itrconveniôncias, mas

que

se

t¡ucstao dc lé c religiâo. Penso ltave¡ entlo notado que, quatttlo

i;ulil.o

e¡ia scnt dificuldadc dar todas as explicaçõcs requeridas O Pa¡ra nrc

(3)

--Vinculações Metaflsicas du Ciêncit e as Transgresúes de

Gulileo

47

Esse

rclato

de

Niccolini,

contcmporâneo da c¡uestã'o refereute ao argumento teoló-gico resumido

por

Jaucli, indica de

forma

bastante clara e

explícita

que

o

ponto

cru-cial

é

menos

o

de cornprovar

ou

refutar,

ern algum setttido,

o

sistema de Copérnico

que

o

de garantir',

por

assirn dizer, a inviolabilidade dogmática da oniþotência divina em termos daclos

-

o

argurnento teológico, contrariamente à afirmaçâo de Jauch, não pode ser entendido, portanto, como

ullt

argumento "contra Copéruico". Uma carta

en-viada

por

Niccoló

Riccardi,

o

censor romano c¡ue concedeu urn dos imprimátures ao

'Diálogo para

o

lnquisitor

de Florença',

em24

de

lnaio

de 1631, discorre maislonga-mente sobre esse rnesrno ponto

(SANTILLANA

1963,317):

Lenlbro-lhe [cscrcvc Riccardil que é intt'nção de Sua Santidade que o título e tenla [do li-vro de Galilcol nâo sejarn sobre o fluxo e ¡efluxo [a teoria das marós] mas rþorosamentc sob¡e a consideraçalo ntateluática da posição copernicana a respeito do movimento da Te¡-ra, de modo a provar que, ressalvada a revclação de Deus e a Santa Doutrina, scria possível

salvar as aparências colìl cssa posiçâo, resolveldo todos os argurìÌentos contrários quc a

experiência e a filosofia peripatética ¡rodcrianr avançar, de modo que a verdade absolttta não

deveria ser concedida a essa opinião, lìtas apenas a hipotética, e senl Bscritura'

Algum tempo

depois

(19

de

julho),

Riccardi

acrescentou

em outra

carta

(SANTIL-LANA

1963,317):

O autor deve inclui¡ as razõcs de onipotôncia divina clitadas a ele ¡ror Sua Santidade, as quais

fuão apazigux o intelecto, mesmo que fosse intpossível escapar da dout¡ina pitagórica.

A

colocaçâo de Jauch,

".

.

. um de scus Ido Papa] argumentos prediletos contra

Co-përnico

.

.",

a¡lenas

ilustra

a facilidade com que a questão central na controvérsia é

hoje iludida, e isso prccisamente em virtude da prevalência posterior de uma das partes,

no

caso, da posição galileana.

Tal tipo

de mal-enteDdido pode conter, no entanto e

inclusive,

um

elemento de utilidade, à medida que serve para ressaltar algo do que pos-sa

ter

sido urn dos aspectos identificados na situação

por

Parte

do próprio

Galileo. A

ênfase exclusiva nesse

ponto,

digarnos

"científico",

da questão, porém, é inteirarnente

insuficientc

para compreendê-la ern seus aspectos ntais radicais e profundos. Que

es-tes fossem também absolutamente claros para Galileo é óbvio na

última

fala de

Salvia-ti

no Diálogo:

Salviati

Unra doutrilla adntiriívcl e vc¡tlatlciLallrentc angélica, que é perieitarìlettte

corres-pondida por a<1ucla outra, igualnrcnte divirra, (lue r)os conccde pernrissalo de argutrtentar a

rcspoito da constituiçâo do Univcrso, lnas dis¡ro-e aintla (talvez para o lint tJe que a atividade

das Incntes hulnalas não ccsse ou se tornc preguiçosa) que não possalnos nu¡tca desvellda¡ as

ob¡as fcitas por Suas rnalos. Deixenlos, portanto, t¡uc a irrvestigaçâo pernritida e o¡denada a

¡ós por Deus nos assista no conlìecinterlto e, nluito rnais, na admiraçâo <Je Sua grandeza e

talÌto mais quânto menos nos vejantos capazes tle puuetrar os profundos abisuros de Sua in-finita sabedoria.

Isto

é, há

uln

obstáculo levantado, de 1àto, não contra

o

caso enì favor do sistema

(4)

I

48

A.F.ll.

de Toledo Pizu

a validade ou nâ'o mesmo de qualquer sislema, ern ternros cle verdade. Essa própria

ati-tude, clue é essencial à empleitada

científica

como

tal,

e não os resultados a que possa

conduzir, é que configura uma trausgressão à afirnraçâo axiomática dc que "não deve-rnos nec essitar o To do-poderoso

".

Gosta¡ia de

propor

a seguir algunras considerações c cxtrapolações a respeito dcssa frase curiosa e crucial.

A

"liecessidade", nesse axiorna, ¡rode nos rerneter, por exenrplo, ao Timeu de Platão (47e, ss.)

(CORNFORD,

1952):

No discurso ptececleute (.

.

.) apresentamos as obras feilas pelas habilidatles da razâ'o;

preci-sanros agora coloca,r ao lado delas as coisas que decorrenr tla necessidade. Pois a geraçalo cleste universo

foi

urn resultatlo da cornbinação da necessidadc e da :azão. A raz.iîo prcdo-lni¡rou sobre a neccssidade, persuadirtdo-a a dirigir a ntaior parte das coisas tlue evolvent ent

direçaio àquilo que é rrtelltor;dessa forma o unive¡so foi folnado no infcio pcla vitória da persuasâ'o razoável sobrc a necessidade. Se, então, pretenclcnlos ¡calnrentc rlizer colno ele sc

originou desse princlpio, é lrreciso trazer tanll¡ónr à cena a causa cr¡ante

-

s conlo ó de sua nat urcza causat lìlovfu n ento

-'Ial

necessidade,

corno

argu¡nenta

Cornfbrd eÌn

seu cuidadoso estudo

do

Tùneu,

deve ser tomada

num

sentido contraposto à idéia de

objetivo

(propósito), associada a

espontaneidade, autotromia

e

até acaso. Objetivos

e

propósitos se atingem através do

rionrínio

petsuasivo da

nzão

sobre a necessidade. Tonrando esse mesrno sentido para

a "uecessidade" ¡efe¡jda no

axionral

de Urbano

VIII,

ele se tortra de imediato trampa-rente:

a

onipotência divina deve ser correlata de um caráter propositalmente dirigido

(por

Deus) de todos os fenômenos e c

apriori

inadnlissívcl atribuir-lhes, como

suposi-ção de verdade, quaìquer elemento de espontaneidade ou autonomia que

limite

a força dos propósitos divinos. I)essa fclrma,

toda

teoria deve necessariatnente se

r

vista como utn exercício a

posteriori

cle salvar os fenômenos, equilibrando-os ern algum esquema

cocrente

e

engenhoso, sem esperanças

de

chegar a qualcluer coisa que possa ser tida

coulo

elemento da ve¡dade desses mestnos fenôutenos. Nas palavras de Galileo,

tal

po-siçâ'o

dispõe que nâo

possanlos nunca

efetivamerte

desvenda¡ as obras

feitas

pelas

mãos de Deus,

o

que poderá ser

útil

para martter a atividade e combater a preguiça das mentes humanas.

Usando entâ-o a linguagem e

o

cenário

do

Timeu e supondo correta essa interpreta-ção, podenros

dizer

que, segundo prctendia Urbarro

VlIl,

a onipotência de Deus

sig-nificava a

situaçãolimite

de

do¡nínio

total

da razâ'o sobre a

'tecessidade, o que exclui

qualquer pretensão de verdade

por

parte das ciências, corìdenadas a salvar os

fenôrne-!Noto orr"r"",rtada após o aprcsentaçoo no

I

(blót¡rÌo de tlßlðria da (.)iôucio: Llssa ¡ssociaçriîo,

urn tauto b¡utallucntc direta, tla neccssitJatlc platònica â tlc tJrl¡ano Vf

ll

tbiconlcstada na discr¡ssa--o.

lÌla nâo devc set, rlo entanto, lornada conìo urìì¿r idclrtil'icaça--o rlas duas irìéìas, A conexfo prctcn-dida cntre as duas nccessidades é de

lìto

apcnas irssociativa, e a relerência nìais extensa ao texto de Platão pretendc antes desalojar, larnbénr urn lanlo brutaln)cntc, t.¡ scntitlo hoje usual de

ncccs-sidadc conro corn¡rulsaì, incscapubilidadc. Dc fà1o, crrrbora scja posslve I a1é onterrdor o uxiorna

pa-pal ncssc scntido lltais cspccÍlìco, ntosnto o scntid<.¡ lr¡ais liaco de urlra necessid¿ide acessível à per-suasalo parece

jií

suficientcnrer)tc inconìpítívcl colrr

I

oni¡rotôncia divina.

Os

c<i¡llenlá¡ios rlc Cornford, citados r:ln scguitla tro tuxto, que apontajtì conot¡jçôcs tl4 tratliçâ'o jurlcu+rislâ'cnl ccrtas

(5)

Vùntlações Metafísicas dø Ciêncio e as Tmngresúes de

Galìteo

49 nos do melhor modo possível e de modo

um tanto

vão.

Cornford

(1952,163),

aliás, associa à

influencia

"talvez inconsciente" do desejo de tornar Platão compatívelcom a

doutrina

judeucristã

de um criador onipotente, interpretações das obscuridades dessa

pasagem do Timeu que tendem a tornar a necessidade subordinada à razão e a

interpre-tar cousa ermnte em termos de inescrutabilidade e nâ'o de espontaneidade autônoma. Nesse quadro, a posição de Galileo tende a se colocar como completamente oposta a

essa

-

poderíarnos até

falar

e¡n termos de uma predominância da necessidade sobre a

razão,

pelo

menos

no

se¡rtido

particular de

que os fenômenos que observa e de que

trata, em

algum sentido significativo e permanente, esgotam-se em si mesmos, inde-pendentemente, ern

particular,

de uma remissão obrigatória e constante a urna

instân-cia transcendente inescrutável.

E

é de

fato

nesse sentido que Galileo defende o

esque-ma copernicano,

o

que, do

ponto

de vista ern que se coloca Urbano

VIII,

efetivamente "necessita o Todo-poderoso",

Podemos ainda ¡rerguntar-nos, certamente, quais seriam os pressupostos que teriam conduzido Galileo a colocar as suas inquirições ace¡ca dos fenômenos em termos tão

fo¡temente

necessários

e

a vincular

essa necessidade

tão

explícita

e conspicuamente

-

na últirna fala

nâ'o

perfunctória

do seu controvertido Dùúbgo

-

à

própria

possibi-lidade de jarnais "desvendar as obras feitas pelas mã'os de Deus",

Uma

resposta

a tal

pergunta pode ser encontrada a

partir

do

fato

de que Galileo adotava a formulação matemática, quantitativa, como a expressão cabal da necessida-de.

A

presença, a acessibilidade da necessidade prende-se, assim, a uma posição

metafÍ-sica derivada

do

forte

componente pitagórico do platonismo entâ'o vigente. Na primei-rajornada

doDitilogo,é

Salviati que afirnra que

. . . o intelecto do homem concebe algumas verdades tão perfeitamente e está tâo absoluta-mente seguro dclas como pode estar a natureza, São exemplos os conhecimentos matemáticos

puros,asabcraGeometriaeaAritnrética. Êcertoqueamentcdivinaconhecemuitomais

ve¡dades nratcmzíticas, posto que as conhece todas. Mas, no conhecimento das poucas que a

¡nente hurnana contpreendeu, creio quc há uma certeza objetiva igual à do conhecimento di-vino, já que clrcgou a apreendcr sua neccssidade e nâo pode haver um grau maior de certeza.

E

prossegue, tendo

Sirnplício

dito

<¡ue

"a

isso chama

falar

corn presunção e

ousa-dia",

afìrma¡rdo que essas proposições nã'o contrariarn de forrna alguma a onisciência

divina,

porque, ernbora a verdade

cujo

conhecinlenlo é proporcionado pelas demons-trações nratemáticas seja a mesrna que a clivina sabedoria conhece, esta é absolutamen-te irnediata e conrpleta, enquanto a dos ho¡nens é penosa e gradual.

Essas passagens

ilust¡am

sufìcientemente,

como

coloca

Ciorgio

de Santillana, que

"Galileo

confìava em urna rnetafísica nratemática como o Papa não confìava nasua,

que estava rodeado de avisos alertando para a inescrutabilidade de Deus"

(1964,458-70).

Resta, porérn, ainda um

ponto

a scr considerado. Galileo argumenta claramente a

respeito da conciliação dos poderes da sua posiçã'o pitagórica com a onisciência divina. Mas, e quanto à onipotência?

Afìnal,

é

enl torno

dessa questão c¡ue gira o argumento

"irrcspondível"

de Urbano

VIII.

É possível conciliar a necessidade, que é pré-requisito indispcrrsável para a verdatle da ciência quantitativa, com a orìipotência divina?

(6)

50

A.F.R.

de Toledo Piza

Dado, como

ponto

de partida, que admitamos dar consideração a

tal

questão, ela é, de fato, bastante mais delicada que a anterior, podendo ser tratada em diversos

contex-tos2.

De fato,

Santillana itrdica,

por um

lado,

nutna curiosa

nota

de rodapé de seu ensaio sobre necessidade, contingência e

lei

natu¡al

(1964,458'70),

corno seria

possí-vel

ter,

"dentro

da

ortodoxia", justificativa

para

u¡n

"seguro" suficiente contra a

pos-sibilidade

de

"desmandos casuísticos

da

onipotência", como

talvez seja maip

com-preensível caracterizar

o

problema para nós, brasileiros de hoje, Ela se baseia na com-binaçâ'o escolástica

do

Deus Onipotente do Gørcsis com a

Aralogia

ezf¡'s aristotélica (coexistência

no

nous

divino

de

todos os

universais

em

estado

atual).

Isso

exclui

a

interferência de Deus na natureza pelo

fato

de que, com

tal

interferência, Deus estaria

divergindo de sua

própria

essência.

O

caráter curiosa

e

abstratamente

artificioso

de uma

tal

argumentação serve pelo menos como um testemunho eloqüente das alterações

introduzidas

nos mecanismos de pensamento pelo florescimento da seara da ciência.

Por

outro lado, urna posiçâ'o bem mais óbvia, nesse sentido, e que poderá até se aproxi-mar do que possa ter sido a posição galileana e do que possa ser a posiçã'o atual da

Igre-ja

diante

do

problema,

é

afastar Deus

do

governo

imediato

dos fenômenos, sujeitos

simplesmente a leis que são também parte da criaçã'o tradutíveis

eln

termos

matemá-ticos

(as "leis

da natureza").

A

idéia de uma divindade que abandona

a

nalureza à própria sorte

-

ou, mais

es-pecifìcamente, abandona

à

necessidade

-

ocorre, em particular, no

PoltTico de

Pla-teo

(268d e

ss.).

A

obviedade dessa

alternativa,

contudo,

deve ser historicamente

circunscrita pela

própria

revolução

científica.

De fato,

etn

que pesem as refutações

nominalistas de Ockham, a visão aristotélica do movimento à época de Galileo exigia

que

"tudo o

que sc move seja

movido por outra

coisa", sendo aqui

o

movimento

en-tetrdido

corno qualquer

tipo

de

alteração e não apenas deslocalnento espacial. Nessa

linha,

é possível pensar que a facilidade

com

que Deus pode hoje ser mantido em po-sição de descanso diante de urna criação em ¡novimento se deve à permeação, através de vários níveis e formas de pensamento, da lei de inércia, esse labo¡ioso

produto

pra-ticamente oferecido ao consumo pela ¡rrópria ciência galileana. Parafraseando uma

ob-servaçâ'o de Ortega

y

Gasset

(1958)

ern seu estudo sobre

o

sentido histórico da teoria de Einstein, isso nâ-o significa que

o triunfo

dessa

lei influi

sobre os espíritos, inrpon-do{hes detemrinada

rota,

o

que é evidente e banal. O interessante é o inverso:a lei de inércia ¡rôde

triunfar,

porque os espíritos tomaram espontanearnente determinada rota.

Como

diz

ainda Ortega: "as idéias, quanto rnais sutis e técnicas, quanto mais remotas

pareçam dos afetos humanos, sâ'o sintornas rnais autênticos das variações profundas que sc produzem na ahna histórica".

Ao

concluir,

é

preciso

enfatizu

quc

as questões discutidas de

fonna

alguma dão

quadro

reslístico

do

que

esteve

envolvido

no

processo de

Galileo. Os

problemas e

confrontos

conceituais rnais graves e profundos forarn reduzidos a lneras personagens,

2Além rlo exposto ern seguida, no texto, outras possibilidadcs (e. g. Necessitos ex suposilione , f'oram sugcridas rra discussa-o. A nlenos do envolvillrcrrto rlc conccituaço-es abstratas scnlelhantcs às

da primeira das duas possibilìdades nrc¡rcionatlas adiantc, clas cnvolvcrialÌr, evuntuahrìcrìte, o

(7)

Virrculações Metafísicas da Ciênciø e øs TransgresØes de

Galileo

5l

e

interesses

e

manobras

políticas

e, decisiva

no

processo de pontos que

é pela carta, tensa, de Galileo a Elia

Diodati

de

15

de

janeiro

de

1633, poucos meses antes

do

desfecho, Galileo escreve

ali

extensamente a respeito da questâ'o, que descrevemos como secutdária, de estar ou

nâ'o a Terra em ¡novimento segundo as escrituras (transcrita em HEISENBERG 1969):

Porque, quando desejamos conhecer as dife¡entes partes do Universo, teríamos de investigar

as palavras de Deus em vez de suas obras? Sá'o por acaso os feitos menos nobres que os di-tos? Se aþuém promuþa que é heresia dizer que a Terra se move, e se depois a demonst¡a-çâo e a experiência nos provam que de fato se ¡nove, em que dificuldade se encontrará a

Igreja! Se, pelo contrário, nos casos em que as obms nâo se most¡am de aco¡do com as

palavras, se considerar como secund¿í¡ia a Sagrada Escritura, pouco dano se haverá de causar; tantas vezes se acomodou seu texto à opinião da massa, atribuindo a Deus propriedades in-tefamente falsas. Por isso, digo eu, potque nos empenhamos em que, quando se fala do Sol e da Te¡ra, se expresse com tanûo acetto?

Questões simples e marcantes, convenientemente articuladas com os interesses em

jogo,

mesmo quando identificáveis como marginais ou até como equívocas, sÍio sempre

politicamente

mais eficientes que as idéias envolvidas nos

conflitos

mais profundos.

Mas

os

resultados conseguidos através

de

tais

expedientes, à margem das questões maiores, nâ'o podem ser assegurados por

muito

tempo.

LISTA BIBLIOGRÁFICA

I

CORNFORD, Francis M. Plato's cosmology, the Timaeus of Plato translated, with a running commentaty.Indi¿napolis/New York, The Library of Libe¡al A¡tsiBobbs Merril , 1952.

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8

-

Referências

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