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Fornecimento de alimentos provenientes da agricultura familiar quilombola para o Programa Nacional de Alimentação Escolar: uma abordagem etnográfica

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM NUTRIÇÃO

Clorine Borba Zanlourensi

Fornecimento de alimentos provenientes da agricultura familiar quilombola para o Programa Nacional de Alimentação Escolar: uma abordagem etnográfica

Florianópolis 2019

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Clorine Borba Zanlourensi

Fornecimento de alimentos provenientes da agricultura familiar quilombola para o Programa Nacional de Alimentação Escolar: uma abordagem etnográfica

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de mestrado em Nutrição Orientador: Prof. Janaina das Neves, Dra.

Coorientador:Prof. Maurício Soares Leite, Dr.

Florianópolis 2019

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Clorine Borba Zanlourensi

Fornecimento de alimentos provenientes da agricultura familiar quilombola para o Programa Nacional de Alimentação Escolar: uma abordagem etnográfica O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora

composta pelos seguintes membros:

Profa. Suellen Secchi Martinelli, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina

Profa. Giovanna Medeiros Rataichesck Fiates, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina

Profa. Patrícia De Fragas Hinnig, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Nutrição.

____________________________ Profa. Patrícia Faria Di Pietro, Dra.

Coordenadora do Programa

____________________________ Profa. Janaina das Neves, Dra.

Orientadora

Florianópolis, 2019

Documento assinado digitalmente Janaina das Neves

Data: 11/12/2019 13:37:23-0300 CPF: 912.995.199-20

Assinado de forma digital por Patricia Faria di Pietro:50739255991

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Dedico esse trabalho a todos os povos e comunidades quilombolas e suas lutas.

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AGRADECIMENTOS

À Deus, que me conduziu até aqui, me permitindo entender de que as dificuldades encontradas no caminho não eram obstáculos, mas sim parte da trajetória para consolidar a realização do mestrado.

À minha família, em especial aos meus pais, que dedicaram a mim as suas vidas. Minha mãe, Maria Clotilde Pereira de Borba, que sempre esteve ao meu lado, fazendo o possível e o impossível para que eu realizasse todos os meus sonhos. Todos os seus pedidos a Deus, novenas, orações escritas em seus caderninhos... por tantas vezes, quando as dificuldades chegavam, mesmo não estando perto (fisicamente) me pegou no colo e me mostrou que tudo iria passar, e no lugar da dor, com seu cuidado e paciência plantou flores no meu coração. Ao meu pai, Milton Antônio Zanlourensi que nunca mediu esforços para a minha formação, desde a infância até agora, me incentivando, apoiando e comemorando minhas conquistas acadêmicas. Sinto uma enorme tristeza por não poder compartilhar essa conquista em questão, pois apenas uma semana antes da minha defesa, partiu para outro plano.

Agradeço em especial aos meus orientadores, professora Janaina das Neves e professor Maurício Soares Leite que transmitiram conhecimento científico com muita responsabilidade, mas sem deixar de lado o carinho e dedicação, mostrando que é possível ter humanidade dentro do meio acadêmico. Por depositarem em mim tamanha confiança para que eu realizasse esse trabalho maravilhoso, sempre me incentivando e acreditando no meu potencial. Um dia, quando eu for professora e orientadora, quero, pelo menos um pouco, ser como foram comigo, pois são meus exemplos de docentes. Posso dizer que além de orientadores eu tive verdadeiros amigos por perto.

Meus agradecimentos cheios de amor à Comunidade Quilombola Morro do Fortunato e seus moradores que me acolheram com tamanho carinho. Em especial à Maria Aparecida (Cidinha), à Isabel Machado (Bel) e a pequena Manuela (Manu) que abriram as portas da sua casa e me fizeram sentir como parte da família. E aos amigos e agricultores familiares do Morro, Mercedes, Maria de Lourdes, Lene, Valdezia, Glorinha, Valmiro, Ana, Everton, Paulinha, Hilário, Quidinha, Nica, Matheus, Maura, Odete, Maurílio,

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Fortunato, Paulo Ricardo, que me permitiram acompanhar seu dia-a-dia e seus trabalhos, sempre respondendo às minhas perguntas e me ensinando diversas coisas.

Agradeço também a Secretaria Municipal de Educação, em especial às nutricionistas Ana Paula, Jeane e Thaíse que se colocaram à disposição.

Às professoras Suellen Secchi Martinelli, Giovanna Medeiros Rataichesck Fiates, Patrícia de Fragas Hinnig, Lúcia Andréia Zanette Ramos Zeni e Marcela Boro Veiros, por participarem da banca examinadora de defesa e todas as contribuições.

À Rede de Fortalecimento da Segurança Alimentar e Nutricional - ReforSAN escolar e todos os envolvidos no projeto, projeto do qual a minha dissertação faz parte, em especial às professoras Cristine Garcia Gabriel e Claudia Soar, que sempre estiveram presentes na realização do trabalho.

Ao Programa de Pós-Graduação em Nutrição e aos professores por todo conhecimento transmitido. À Universidade Federal de Santa Catarina pela estrutura e ensino público de qualidade. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa de estudos concedida, que permitiu a dedicação integral ao desenvolvimento deste trabalho. E ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por auxiliar com recursos financeiros para a implementação de projeto.

Às companheiras de mestrado que com certeza serão amigas para toda vida, Andressa Lima Monteiro, Luana Pucci de Lima e Mayara Lopes Martins. Obrigada pelos momentos, pela força mútua, pelas trocas sinceras e por dividirem comigo essa trajetória do mestrado. À amiga e comadre Camila da Silva Florintino, que mesmo de longe e esteve ao meu lado, me ouvindo, aconselhando e incentivando. Obrigada pelo companheirismo de sempre. E às amigas que Florianópolis me proporcionou, e que fizeram parte dessa trajetória, Renata da Rosa Santos, que esteve presente nas minhas correrias diárias, pois morava na porta ao lado da minha casa e me salvou várias vezes, fazendo aquelas comidinhas gostosas, enquanto eu passada os finais de semana estudando. E também à Luana Silvestre P. dos Santos, que além de superamiga será minha colega nas aulas do doutorado.

A todos e todas muito obrigada. Esse trabalho foi feito com muito amor e tem um pouquinho de cada um!

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“Se você falar com um homem numa linguagem que ele compreende,

isso entra na cabeça dele. Se você falar com ele em sua própria linguagem, você atinge seu coração.” (Nelson Mandela)

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RESUMO

Introdução: As comunidades fundadas por (ex)escravos que se mantém até hoje, são definidas como Comunidades Remanescentes de Quilombos, e os moradores que nela vivem, como quilombolas. Geralmente se localizam em áreas rurais, onde os moradores trabalham em atividades agrícolas e da produção de pequena escala. Desde o fim da escravidão as desigualdades enfrentadas pela população negra no Brasil não se limitam à esfera socioeconômica, sendo influenciadas fortemente por questões étnico-raciais e se traduzindo em preconceito, discriminação e em fortes indicadores de Insegurança Alimentar e Nutricional. Dentre as políticas e programas públicos que auxiliam no enfrentamento da pobreza e visam assegurar a Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada da população, está o Programa Nacional de Alimentação Escolar. O programa prevê que no mínimo 30% do repasse do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação seja destinado à compra de produtos da agricultura familiar, priorizando as comunidades quilombolas e indígenas. Objetivo: Analisar o fornecimento de alimentos provenientes da agricultura familiar quilombola do Morro do Fortunato, Garopaba, Santa Catarina, para o Programa Nacional de Alimentação Escolar. Método: Trata-se de uma pesquisa qualitativa com abordagem etnográfica, na vertente hermenêutica da Antropologia cultural. Foi realizada na comunidade quilombola Morro do Fortunato, localizada na cidade de Garopaba, Santa Catarina. Foram realizadas análise de documentos, entrevistas em profundidade com atores chave E observação participante. Resultados: A comunidade foi reconhecida no ano de 2006 e aguarda pelo processo de titulação de terras; tem 182 moradores e 46 famílias, das quais 15 fornecem produtos para o programa. O apoio governamental e de organizações sociais e o caráter regular da compra da produção pelo programa contribuíram para a vinculação dos produtores ao programa, e para uma retomada recente da agricultura familiar. Isso tem favorecido a diminuição de inequidades e vulnerabilidades socioeconômicas, pois tem possibilitado a modificação de ocupações trabalhistas, o retorno aos estudos e o aumento da renda familiar. No entanto, os agricultores enfrentam dificuldades com o fornecimento para o programa, como os atrasos nos pagamentos pelas entidades executoras e a insegurança econômica durante o período de férias escolares. Considerações finais: O estudo revela a importância de políticas públicas que garantam direitos fundamentais das comunidades quilombolas e das pessoas que nelas vivem. O fornecimento dos produtos da agricultura familiar quilombola para o Programa Nacional de Alimentação Escolar tem garantido melhores condições de vida para os agricultores familiares quilombolas.

Palavras chave: Programa Nacional de Alimentação Escolar; comunidades quilombolas; agricultura familiar; alimentação escolar; políticas públicas.

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ABSTRACT

Introduction: In Brazil, the communities founded by former slaves that continue to this day are defined as Quilombos, and their inhabitants as Quilombolas. They are usually located in rural areas, where residents work in agricultural and small-scale production activities. Since the end of slavery, the inequalities faced by the black population in Brazil are not limited to the socio-economic sphere, but are strongly influenced by ethnic and racial issues and translated into prejudice, discrimination and food and nutrition insecurity. Among the public policies and programs that help in the fight against poverty and aim to ensure the Food and Nutrition Security and Human Rights to Adequate Food of the population, is the National School Feeding Program. The program foresees that at least 30% of the transfer of the National Fund for the Development of Education should be destined to family farming products, giving priority to quilombola and indigenous communities. Objective: To analyze the provision of family farming products to the National School Feeding Program at Morro do Fortunato Quilombola Community, Garopaba, Santa Catarina,. Method: This is an ethnographic research with an hermeneutic approach. It was held in the quilombola community of Morro do Fortunato, located in the city of Garopaba, Santa Catarina State. Document analysis, in-depth interviews, and participant observation were performed. Results: The community was officialy recognized in 2006 and is waiting for the land titling process. It has 182 residents and 46 families, of which 15 sell farm produts to the school feeding program. Government and social organizations support, and the regular nature of National School Feeding Program purchasing of the production, contributed to the adhesion of farm producers to the program, and to a recent resumption of family farming. This led to a reduction of inequalities and socioeconomic vulnerabilities, as it has made it possible changes in labor occupations, return to school and increases in family income. However, farmers still face some difficulties, such as late payments by executing agencies and economic insecurity during school holidays. Final considerations: The study reveals the importance of public policies that guarantee the fundamental rights of the quilombola communities and the people who live in them. The provision of quilombola family farming products to the National School Feeding Program has ensured better living conditions for quilombola family farmers. Keywords: National School Feeding Program; Quilombola communities; Family farming; School feeding programs; Public policies.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Mapa e localização da Comunidade Quilombola Morro do Fortunato; acesso e distância em relação ao centro da cidade de Garopaba. ... 59 Figura 2. Distância entre a Comunidade Quilombola Morro do Fortunato e as escolas municipais que atendem os alunos da comunidade. ... 62

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LISTA DE QUADROS

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Número de comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (2004 – 2019) e comunidades quilombolas que apresentam processo de titulação em aberto no INCRA (2003 – 2019). ... 25 Tabela 2. Valor per capita para efetivar o PNAE nas diferentes modalidades de ensino. ... 47 Tabela 3. Número mínimo de refeições e percentual de necessidades nutricionais a serem contempladas nas diferentes modalidades de ensino. ... 48

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CAE – Conselho de Alimentação Escolar

CECANE – Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição do Escolar CNAE – Campanha Nacional de Merenda Escolar

DF – Distrito Federal

DHAA – Direito Humano à Alimentação Adequada EAN – Educação Alimentar e Nutricional

EBIA – Escala Brasileira de Segurança Alimentar e Nutricional EJA – Educação de Jovens e Adultos

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INSAN – Insegurança Alimentar e Nutricional

LOSAN – Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome MP – Medida Provisória

OMS – Organização Mundial da Saúde PAA – Programa de Aquisição de Alimentos PBF – Programa Bolsa Família

PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar

PRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar SAN – Segurança Alimentar e Nutricional

SISAN – Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

ReforSAN - Rede de Fortalecimento da Segurança Alimentar e Nutricional UNICEF – Unit Nations Children’s Fund

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 17 2 OBJETIVOS ... 21 2.1 OBJETIVO GERAL ... 21 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 21 3 REFERENCIAL TEÓRICO ... 22

3.1 POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS QUILOMBOLAS ... 22

3.1.1 Quilombolas, invisibilidade e resistência ... 22

3.1.2 Questões sociodemográficas e enfrentamento da desigualdade na população quilombola... 33

3.1.3 Determinantes de saúde e impactos nutricionais na população quilombola . 36 3.1.4 (In)segurança alimentar e nutricional nas comunidades quilombolas ... 39

3.2 PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE): UM BREVE HISTÓRICO ... 43

3.3 PNAE NA QUESTÃO QUILOMBOLA ... 47

3.3.1 Execução do PNAE para alunos quilombolas ... 47

3.3.2 Produção agrícola quilombola e fornecimento para o PNAE ... 50

3.3.2.1 Produção agrícola quilombola: tradição e sobrevivência ... 50

3.3.2.2 Fornecimento de produtos da agricultura familiar quilombola para o PNAE ... 52

4 MÉTODOS ... 56

4.1 INSERÇÃO DO ESTUDO ... 56

4.2 CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO ... 56

4.3 DESCRIÇÃO DO LOCAL E POPULAÇÃO DE ESTUDO ... 58

4.4 ETAPAS DA PESQUISA ... 62

4.5 PROCESSO DE COLETA DE DADOS ... 63

4.6 INSTRUMENTOS E TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS ... 64

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4.8 PROCEDIMENTOS ÉTICOS DA PESQUISA... 66 5 RESULTADOS ... 67 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 93 REFERÊNCIAS ... 96 APÊNDICES ... 105 ANEXOS ... 117

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17 1 INTRODUÇÃO

Durante muito tempo o Brasil utilizou a mão de obra escrava, subordinando e discriminando o negro de várias formas. Nessa época, como estratégia de resistência, os escravos fugitivos formavam comunidades, chamadas de comunidades quilombolas (NASCIMENTO; BATISTA; NASCIMENTO, 2016; CUNHA; COSTA, 2017). A abolição da escravatura ocorreu em 1888, contudo muitas das comunidades quilombolas mantiveram-se até hoje, em vários locais do país, enfrentando dificuldades e vivendo sob os mais diversos cenários (BRANDÃO; DALT; SOUZA, 2018). Elas foram inseridas em uma dimensão de invisibilidade social durante 100 anos, saindo desse contexto com a constituição de 1988, que no seu Artigo 68 determinou ser dever do Estado emitir títulos de propriedade de terra (BRASIL; 1988; CUNHA; COSTA, 2017). Entretanto, apenas em 2003 os processos de identificação reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras foram regulamentados, ficando sob responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) (BRASIL, 2003). Perante a legislação as comunidades quilombolas são definidas como:

“grupos étnicos que se autodefinem por meio de suas relações com a

terra, território, ancestralidade, parentesco, tradições e práticas culturais próprias, que são constituídos predominantemente pela população negra rural ou urbana” (BRASIL, 2003).

Essas comunidades devem, antes de tudo, receber da Fundação Cultural Palmares, a certificação de autoconhecimento como remanescente de quilombos. De 2005 até 2017, foram certificadas 3312 comunidades quilombolas, mas apenas 3,7% (n=124) tiveram os títulos de terra expedidos e 53% (n=1747) aguardam pelo processo de titulação pelo INCRA (FCP, 2019; INCRA, 2019; INCRA, 2019a). Das 189 comunidades reconhecidas no Sul do país, onde, 9% (n=17) estão em Santa Catarina e, dessas apenas 1% (n=2) tem titulação de terras. Assim, mesmo com o crescente acesso dos quilombolas às políticas que garantam seus direitos, isso ainda acontece de forma muito lenta (OLIVEIRA, 2014; FCP, 2019; INCRA, 2019; INCRA, 2019a).

A titulação é importante pois uma das características marcantes nas comunidades quilombolas é a estreita relação com a terra, já que se constitui como uma forma de manter a unidade social do grupo, permitindo a sua reprodução, preservação de tradições culturais e religiosas de seus antepassados, manutenção da produção agrícola e pecuária, além dos

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18 valores e modos característicos de vida dentro de cada comunidade (CORDEIRO, 2013; VIEIRA; MONTEIRO, 2013). Desta forma, a maioria das comunidades quilombolas tem a agricultura de subsistência como principal atividade econômica e, em geral, uma parte pequena de seus produtos cultivados é comercializada, normalmente a preços baixos, gerando pouca renda para as famílias (CORDEIRO, 2013).

É importante destacar que, desde o fim da escravidão até contemporaneamente, o povo negro continua sofrendo com desigualdades de ordem socioeconômica, influenciadas fortemente por questões étnico-raciais. A segregação étnico-racial inferioriza os negros e negras, colocando-os em diferentes posições na estrutura social, e por consequência, em desigual acesso a bens e serviços (FARO; PEREIRA, 2011; CUNHA; SANTOS, 2014).

Desde 2002 o Estado tem colocado em prática políticas públicas que auxiliam no enfrentamento da pobreza, visando elevar a renda e as condições de bem-estar da população vulnerável, como é o caso do Programa Bolsa Família (PBF). Mesmo com o benefício mensal do PBF, muitas famílias quilombolas ainda se encontram em um quadro de extrema pobreza, além de viverem em precárias condições de qualidade de vida e bem-estar (FROZI, 2014). Além disso, a população quilombola apresenta desigualdades consideráveis em relação à população não quilombola, apresentando padrões diferenciados de vulnerabilidade. Desta forma, percebe-se que mesmo fazendo parte da agenda do Estado atualmente, a melhora das condições de vida nesses locais continua caminhando a passos lentos (SILVA et al., 2017).

Tais fatores estão relacionados também com os agravos de saúde e amplamente com a Insegurança Alimentar e Nutricional (INSAN), principal causa de desnutrição em crianças (LANGUARDIA, 2004; GUIMARÃES; SILVA, 2015; OLIVEIRA et al., 2015). Segundo a Chamada Nutricional Quilombola, realizada em 2006, a nível nacional, 11,6% das crianças quilombolas menores de cinco anos estavam com formas crônicas de desnutrição, considerada uma prevalência moderada, portanto inaceitável (BRASIL, 2007b).

Para Souza et al. (2013), promover a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) em comunidades quilombolas é um grande desafio, principalmente pelas peculiaridades dessas comunidades. Por isso, é preciso consolidar a SAN como um processo intersetorial e realizar diálogos com lideranças locais, promovendo a construção de um espaço coletivo de aprendizagens mútuas. Ao considerar que a maioria das comunidades quilombolas estão da área rural, esse pode ser um local favorável para a produção de alimentos de forma social,

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19 econômica e ambientalmente sustentável, a fim de favorecer o acesso regular e permanente aos alimentos, garantindo o Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA). Para tal, é importante que políticas públicas incentivem a produção agroecológica, a exemplo, o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar, que permite atuação dos agricultores familiares em outros setores, como no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) (SILVA et al., 2008).

Na Lei 11.947/2009, que dispõe sobre o PNAE, no Artigo 14º há a orientação para que:

“do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito

do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas” (BRASIL, 2009).

O fornecimento de produtos da agricultura familiar para o PNAE acontece por meio de chamada pública, ou seja, sem a necessidade de licitação, o que possibilita aos agricultores familiares a comercialização a preços mais justos (PINTO, 2014). Tal política está promovendo o fortalecimento da agricultura familiar, pois o agricultor já planta com a garantia de que seu produto será comprado, e desta forma também reflete no desenvolvimento econômico local, no entanto, ainda há muito a ser realizado (BRASIL, 2013c; CARVALHO, 2014).

Apesar das dificuldades na produção de alimentos em comunidades quilombolas, o incentivo e fortalecimento da agricultura familiar é primordial para o desenvolvimento local e melhoria de renda, contribuindo na situação socioeconômica das famílias e garantia da SAN com o acesso aos alimentos (MDS, 2013). E, além disso, a aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar quilombolas por políticas públicas de alimentação e nutrição, se torna essencial para a promoção do desenvolvimento local sustentável (SOUSA et al., 2013).

Desta forma, entre as políticas voltadas para a o enfrentamento das dificuldades vividas pelas comunidades quilombolas, destaca-se o PNAE. Entretanto, ainda é um tema pouco discutido, frente à escassez de trabalhos relacionados ao Programa. Portanto, a pergunta de partida que norteia esse trabalho é: “Como se caracteriza o fornecimento de

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20 produtos da agricultura familiar quilombola do Morro do Fortunato, Santa Catarina, para o Programa Nacional de Alimentação Escolar?”

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21 2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Analisar o fornecimento de alimentos provenientes da agricultura familiar quilombola do Morro do Fortunato, Garopaba, Santa Catarina, para o Programa Nacional de Alimentação Escolar.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

•Descrever percepções de atores chave sobre o fornecimento de produtos da agricultura familiar quilombola para o PNAE;

•Apresentar a dinâmica de fornecimento dos produtos da agricultura familiar quilombola para o PNAE;

•Identificar impasses na execução da proposta do PNAE para os agricultores familiares quilombolas.

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22 3 REFERENCIAL TEÓRICO

3.1 POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS QUILOMBOLAS

3.1.1 Quilombolas, invisibilidade e resistência

A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, em seu Artigo 3º, compreende que os povos e comunidades tradicionais são:

Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais,

que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (BRASIL, 2007).

Estão incluídos nessas condições os indígenas, povos de cultura cigana, pescadores artesanais, seringueiros, quebradeiras de coco-de-babaçu, caiçaras, povos de terreiro e, os quilombolas, sujeitos de estudo desse trabalho (BRASIL, 2007).

O Brasil utilizou durante muito tempo a mão de obra escrava, subordinando e discriminando o negro de várias formas. Durante a escravidão, a formação de comunidades por escravos fugitivos se tornou uma estratégia de resistência a estrutura escravocrata. Essas comunidades, quando eram formadas por cinco ou mais escravos, foram denominadas de quilombo, palavra que tem origem do bantu, uma língua falada principalmente pelos povos da África subsaariana, derivando do termo kilombo, que significa acampamento guerreiro na floresta (NASCIMENTO; BATISTA; NASCIMENTO, 2016; CUNHA et al., 2017). Os quilombos brasileiros geralmente se localizavam em locais de difícil acesso, para se manterem escondidos, onde os negros viviam da caça, pesca, artesanato e agricultura de subsistência. Apesar de serem compostos por distintas linhagens e culturas africanas, apresentavam um modelo de organização muito parecido uns dos outros, onde os negros implementavam seu próprio modo de viver, construindo uma outra estrutura política na qual estavam os oprimidos (PRIORI et al., 2012; NASCIMENTO; BATISTA; NASCIMENTO, 2016).

A abolição da escravatura ocorreu em 1888, contudo as comunidades quilombolas foram excluídas da legislação e políticas públicas, continuando a ser sinônimo de resistência, mantendo-se em vários locais do país, enfrentando dificuldades e vivendo sob os mais

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23 diversos cenários (BRANDÃO; DALT; SOUZA, 2018). É importante ressaltar que mesmo com o fim da escravidão, novas comunidades se formaram, algumas a partir de terras doadas por senhores para seus filhos escravos, outras porque quando os escravos foram libertos não tinham propriedade de terra, então encontravam locais isolados para viver e por outros aspectos particulares de cada local do Brasil (OLIVEIRA, 2013).

Assim, as comunidades fundadas por (ex)escravos e que resistiram, deixando descendentes são definidas como Comunidades Remanescentes de Quilombos. Elas foram inseridas em uma dimensão de invisibilidade social durante 100 anos, saindo desse contexto com a constituição de 1988, que no seu Artigo 68 determinou “aos remanescentes das

comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Entretanto, não havia

nenhuma regulamentação que determinasse os procedimentos para o reconhecimento das comunidades, tampouco para a regularização fundiária dos territórios (BRASIL; 1988; CUNHA et al., 2017). Em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso houve um agravante nesse cenário, com o Decreto nº 3.912 que restringiu o alcance do Artigo 68, pois determinou que apenas as terras que estavam ocupadas por quilombolas no ano de 1888 seriam tituladas, dificultando ainda mais o processo, pois excluía da lei aquelas comunidades formadas após a abolição. Nesse momento não era levado em consideração que as comunidades quilombolas não eram homogêneas entre si e que não constituíam “fósseis arqueológicos” para serem submetidos a testes precisos de medição para atestar a veracidade de sua origem (BRASIL, 2001; RIBEIRO, 2009; BRANDÃO; DALT; SOUZA, 2018).

A partir do difícil diálogo entre os agentes públicos e o movimento negro se dá início ao movimento quilombola, que modifica a maneira de interpretar o que seriam os “quilombolas”. Nesse sentido, essas comunidades deveriam ter seus direitos garantidos independente da forma como ela se construiu, seja ela por fuga, ocupação de territórios sem proprietários, ocupações de territórios abandonados pelos antigos proprietários, heranças, doações, migrações, entre outros (BRANDÃO; DALT; SOUZA, 2018).

Desta forma, no ano de 2003, início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o Decreto presidencial nº 4.887, regulamentou os processos de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes de quilombos. O decreto define os quilombolas, também chamados de descendentes ou remanescentes de

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24 quilombos, como “grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição, com trajetória

histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida” (BRASIL,

2003). Esse marco não define apenas a obrigação do Estado em expedir títulos de domínio sobre as terras que ocupam, mas também busca assegurar o respeito as comunidades quilombolas, possibilitando que continuem se reproduzindo segundo suas tradições culturais e assegurando a efetiva participação na sociedade (RIOS, 2006).

Também foram definidos os órgãos competentes para realização de

reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas, sendo eles a Fundação Cultural Palmares e o INCRA. Inicialmente, a Fundação Cultural Palmares deve emitir uma Certidão de Autorreconhecimento das comunidades para que o INCRA comece os procedimentos para delimitação, demarcação e titulação (BRASIL, 2003; INCRA, 2018).

O INCRA considera as comunidades quilombolas como grupos étnicos que se autodefinem por meio de suas relações com a terra, território, ancestralidade, parentesco, tradições e práticas culturais próprias, que são constituídos predominantemente pela população negra rural ou urbana (INCRA, 2018). De 2005 até 2017, a Fundação Cultural Palmares certificou 3312 comunidades quilombolas, dessas, apenas 3,7% (n=124) títulos foram expedidos e 53% (n=1747) aguardam pelo processo de titulação pelo INCRA, sendo variável o ano de abertura da solicitação, pois existem comunidades que estão aguardando desde 2004 (FCP, 2019; INCRA, 2019; INCRA, 2019a). No sul do país há 189 comunidades, as quais, 9% (n=17) estão em Santa Catarina e apenas 1% (n=2) do Estado tem titulação de terras, demonstrando que apesar do crescimento de acesso dos quilombolas a políticas que garantam os seus direitos, isso ainda acontece de forma muito lenta (OLIVEIRA, 2014; FCP, 2019; INCRA, 2019; INCRA, 2019a).

A Tabela 1 apresenta a quantidade de comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares e as que aguardam os processos de titulação no INCRA, separadas por Estado do Brasil.

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25 Tabela 1. Número de comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (2004 – 2019) e comunidades quilombolas que apresentam processo de titulação em aberto no INCRA (2003 – 2019).

Estado Comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares

Comunidades com processo de titulação em aberto no INCRA Acre 0 0 Alagoas 69 17 Amapá 40 33 Amazonas 8 3 Bahia 801 321 Ceará 50 32 Distrito Federal 0 0 Espírito Santo 42 21 Goiás 64 27 Maranhão 787 399 Mato Grosso 80 73

Mato Grosso do Sul 22 18

Minas Gerais 392 232 Pará 259 66 Paraíba 41 29 Paraná 38 38 Pernambuco 161 90 Piauí 87 65 Rio de Janeiro 42 27

Rio Grande do Norte 29 20

Rio Grande do Sul 134 96

Rondônia 8 7 Roraima 0 0 Santa Catarina 17 17 São Paulo 60 51 Sergipe 36 32 Tocantins 45 33 Total 3312 1747

Fonte: (FCP, 2019; INCRA, 2019; INCRA, 2019a)

A importância da titulação de terras se dá pela longa batalha que as comunidades enfrentam para se manter em suas terras, que são alvos de interesses mercadológicos. Visando uma “terra de negócios”, principalmente grandes proprietários e grileiros, muitas vezes conseguem retirar os quilombolas de seu território com auxílio de hipotético aparato judicial e violência física direta. Tais questões demonstram que, desde a época de escravidão até os dias atuais os quilombolas vêm resistindo às mais diversas formas de violência para garantir os seus direitos (SHMITT; TURATTI; CARVALHO, 2002).

Entretanto, atualmente muitos direitos adquiridos com a Constituição vigente estão ameaçados de diferentes formas, iniciando pela Proposta de Emenda Constitucional (PEC)

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26 215/2000, que foi desarquivada em 2015 pelo então presidente da Câmara Eduardo Cunha, com o apoio da bancada ruralista. A PEC 215 visa manter como competência exclusiva do Congresso Nacional a aprovação de demarcação e procedimentos de desmarcação de terras tradicionalmente ocupadas por índios e quilombolas, (BRASIL, 2000). Desta forma, caso aprovada, a PEC 215 provavelmente levaria a paralisação de todos os processos de homologação de terra para o favorecimento do agronegócio e outros interesses, devido a influência da bancada ruralista (NASCIMENTO; BATISTA; NASCIMENTO, 2016).

Em 2019, mesmo que a PEC 215 não tenha entrado em vigor, seu principal objetivo de atribuir ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a titulação, delimitação e demarcação das terras quilombolas foi concretizado, a partir da Medida Provisória (MP) 870/2019. Essa MP foi editada e assinada pelo novo presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, no primeiro dia de atuação no cargo (BRASIL, 2019). Foi a primeira vez que o INCRA deixa de ser responsável pelo processo, colocando os quilombolas em situação de insegurança por um explícito momento de retrocessos. Depois de diversas mobilizações, no dia 09 de maio de 2019, na Comissão Mista, o Senado decide que a MP é inconstitucional e devolve ao INCRA tais responsabilidades (BRASIL, 2019a).

Entretanto, em uma tentativa de desviar da decisão do Congresso, no mês de junho de 2019, o atual Presidente da República, junto com os seus Ministros produzem mais uma Medida Provisória, a MP 886/19, que entre algumas modificações na estrutura do governo, estabelece que "constituem áreas de competência do Ministério da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento: reforma agrária, regularização fundiária de áreas rurais, Amazônia Legal, terras indígenas e terras quilombolas", devolvendo novamente a delimitação e demarcação

das terras quilombolas para o MAPA (BRASIL, 2019b). Tal MP durou menos que uma semana, pois o Congresso mais uma vez veta a decisão, dessa vez, por contrariar o Artigo 62 da Constituição Federal, que proíbe a reedição de uma MP rejeitada, no mesmo ano legislativo (BRASIL, 2019c).

Esse é um cenário de retrocessos, que ignora todo o caminho que vem sendo trilhado ao longo desses anos, menosprezando o fato de que os povos e comunidades tradicionais, entre eles os quilombolas, são verdadeiros sujeitos de direito, que devem ser respeitados em sua integralidade física, moral, cultural e histórica (BRAGATO; NETO, 2017). Negar o direito ao território tradicionalmente ocupado é negar a possibilidade de

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27 existir como povo, potencializando sua vulnerabilidade e o risco de atrocidades. Além disso, a luta dessas comunidades é também a favor do bem-estar de toda a sociedade, da pluralidade brasileira e do meio ambiente (NASCIMENTO; BATISTA; NASCIMENTO, 2016).

O movimento social quilombola é decisivo para enfrentamento de toda violência física e simbólica sofrida desde a época da escravidão até os dias atuais, e é a partir dele que o Estado é impulsionado a agir de modo que a sociedade brasileira respeite e aprenda com os povos e comunidades tradicionais, e seja possível construir um país que reconhece e valoriza a sociodiversidade. Desta forma, é preciso considerar a pluralidade da sociedade para construir tomadas de decisão para formar um país efetivamente inclusivo e sem nenhuma forma de discriminação (ARANTES; MARTINS; FLIT, 2014).

No Quadro 1 estão descritos os marcos temporais das comunidades quilombolas que já foram apresentados e que ainda serão discutidos no decorrer do referencial teórico.

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28 Quadro 1. Linha do tempo de Políticas e Programas voltados para a população quilombola (continua).

Ano Marco Especificações

1888 Abolição da escravidão no Brasil. Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888.

É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil (BRASIL, 1888).

1988 Reconhecimento da propriedade de terras das comunidades quilombolas. Constituição Federal de 1988.

Em seu Artigo 68, a Constituição prevê “aos remanescentes das comunidades dos

quilombos que estejam ocupando suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes títulos respectivos” (BRASIL, 1988).

2001 Governo Federal Estabelece Marco Temporal para a Regularização de Terras.

Decreto nº 3.912, de 10 de setembro de 2001.

O decreto editado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso restringiu o alcance do Artigo 68, quando determinou que apenas as “terras que eram ocupadas por quilombos

no ano de 1888” e as “ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos em 5 de outubro de 1988” seriam comtempladas, ocasionando paralização das titulações de

terras (BRASIL, 2001; RIBEIRO, 2009). 2003 Regulamentação das terras

quilombolas.

Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003.

O decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou o Decreto nº 3.912, de 10 de setembro de 2001, restituindo a eficácia do Artigo 68, a partir da regulamentação do procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. A responsabilidade para tal ficou sob a competência do INCRA (BRASIL, 2003).

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29 Quadro 1. Linha do tempo de Políticas e Programas voltados para a população quilombola (continuação).

2004 Programa Brasil Quilombola Teve como objetivo consolidar os marcos da política de Estado para as áreas quilombolas, apresentando “ações que visam alterar, de forma positiva, as condições de vida e de

organização das comunidades remanescentes de quilombo, promovendo o acesso ao conjunto de bens e serviços sociais necessários ao seu desenvolvimento, considerando sempre a realidade sociocultural destas comunidades” (BRASIL, 2004).

2006 Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências.

Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006.

Tem o propósito formular e implementar políticas, planos, programas e ações com vistas em assegurar o DHAA. Segundo o decreto, Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) “consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de

qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (BRASIL, 2006).

2007 Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais Quilombolas.

Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007.

O decreto tem como objetivo “promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e

Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições”. Entre esses

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30 Quadro 1. Linha do tempo de Políticas e Programas voltados para a população quilombola (continuação).

2007 Agenda Social Quilombola

Decreto nº 6.261, de 20 de novembro de 2007.

O decreto agrupa ações voltadas às comunidades quilombolas em várias áreas, divididas em quatro eixos: acesso a terra; infraestrutura e qualidade de vida; inclusão produtiva e desenvolvimento local; e direitos e cidadania (BRASIL, 2007a).

2009 Programa Nacional de Alimentação Escolar.

Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009.

A lei define o incentivo da aquisição de gêneros alimentícios para a alimentação escolar, que sejam produzidos pela agricultura familiar, priorizando as comunidades tradicionais, entre elas as remanescentes de quilombos (BRASIL, 2009).

2010 Portaria MDA nº 17 de 23/03/2010 Estabelece que a “Fundação Cultural Palmares, por meio das entidades por ela

reconhecidas somente poderá emitir DAP principais e acessórias para quilombolas e, ainda, as DAP especiais, desde que a Pessoa Jurídica beneficiária seja constituída exclusivamente por quilombolas” (BRASIL, 2010a).

2010 Estatuto de Igualdade Racial. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010.

Prevê políticas públicas que garantem a valorização da cultura negra, com o objetivo de corrigir desigualdades ocasionadas pelo sistema escravista no país. Ademais, garante aos povos quilombolas o direito à saúde, educação, preservação de seus usos, costumes, tradições e manifestos religiosos, e acesso à terra (BRASIL, 2010).

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31 Quadro 1. Linha do tempo de Políticas e Programas voltados para a população quilombola (continuação).

2012 Programa de Aquisição de Alimentos. Decreto nº 7.775, de 4 de julho de 2012.

Considera aptos a fornecer alimentos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) os “agricultores familiares, assentados da reforma agrária, silvicultores, aquicultores,

extrativistas, pescadores artesanais, indígenas e integrantes de comunidades remanescentes de quilombos rurais e de demais povos e comunidades tradicionais, que atendam aos requisitos previstos no Artigo 3º da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006”

(BRASIL, 2012). 2012 Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica.

Resolução nº 8, de 20 de novembro de 2012.

As diretrizes propõem a formulação de currículos para escolas que atendem estudantes oriundos de comunidades quilombolas. Esse currículo deve respeitar as especificidades de cada local, considerar as práticas socioculturais, políticas e econômicas das comunidades quilombolas, bem como os seus processos próprios de ensino-aprendizagem e as suas formas de produção e de conhecimento tecnológico, respeitar a história, o território, a memória, a ancestralidade, os conhecimentos tradicionais, entre outros (BRASIL, 2012). 2013 Programa Nacional de Alimentação

Escolar.

Resolução nº 26 de 17 de junho de 2013.

A Resolução define valores per capita e de necessidade nutricional diferenciados para alunos matriculados em comunidades quilombolas, quando comparados aos alunos do ensino regular, de creches em período integral e escolas de ensino básico. Também define que os cardápios ofertados devem atender as especificidades culturais das comunidades e que o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) tenha, na sua composição, um representante quilombola quando os Estados e Municípios tenham alunos matriculados em escolas localizadas em de remanescentes de quilombos (BRASIL, 2013b).

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32 Quadro 1. Linha do tempo de Políticas e Programas voltados para a população quilombola (conclusão).

2017 Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215.

No ano 2000 a PEC 215 foi apresentada, aprovada em 2015 e retomada pela bancada ruralista como pauta do Congresso Nacional em abril de 2017, pós impeachment, com o governo Michel Temer. Essa emenda visa alterar o Artigo 231 da Constituição Federal, que garante a demarcação, proteção e respeito de todos os bens de comunidades tradicionais. Pretende transferir a aprovação de futuras demarcações pelo Congresso Nacional, vetar a ampliações de demarcações já realizadas, revisar terras já regularizadas e retirar o usufruto exclusivo das comunidades sobre as riquezas do solo, rios e lagos das suas terras (BRASIL, 2000; CAPIBERIBE; BONILLA, 2015; BRAGATO; NETO, 2017).

2019 Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019

A Medida propõe, entre outros assuntos, a atribuição de identificar, delimitar e demarcar terras quilombolas para o MAPA. Medida provisória tem efeitos imediatos, mas depende da aprovação no Congresso Nacional para se manter (BRASIL, 2019; BRASIL, 2019d). 2019 Comissão Mista da Medida Provisória

nº 870, de 2019

Altera a MP 870/19 e devolve ao INCRA a atribuição de identificar, delimitar e demarcar terras quilombolas (BRASIL, 2019a)

2019 Medida provisória nº 886, de 18 de junho de 2019

A Medida propõe, entre outros assuntos, novamente a atribuição de identificar, delimitar e demarcar terras quilombolas para o MAPA (BRASIL, 2019b).

2019 Comissão Mista da Medida Provisória n° 886, de 2019

Veta a MP 868/19, alegando que a MP 886/19 contraria o art. 62 da Constituição Federal, que proíbe a reedição de uma MP rejeitada, no mesmo ano legislativo. Desta forma, o INCRA volta, mais uma vez, a ser responsável pelas terras quilombolas (BRASIL, 2019c) Fonte: Autor.

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33 3.1.2 Questões sociodemográficas e enfrentamento da desigualdade na população

quilombola

Desde o fim da escravidão as desigualdades enfrentadas pelo povo negro no Brasil não são apenas de ordem socioeconômica, mas estão influenciadas fortemente por questões étnico-raciais. A segregação étnico-racial inferioriza os negros e negras, colocando-os em diferentes posições na estrutura social, e por consequência, em desigual acesso a bens e serviços (FARO; PEREIRA, 2011; CUNHA; SANTOS, 2014). Essas desigualdades acentuam agravos da pobreza entre populações vulneráveis, como os quilombolas, e assim, requerem uma compreensão das múltiplas dimensões que afetam tal cenário, para possível resolução (FROZI, 2014).

Desta forma, em 2004 foi lançado o Programa Brasil Quilombola, com o objetivo de fortalecer os marcos da política de Estado voltados para as comunidades, que serviu como base para a consolidação da Agenda Social Quilombola, segundo o Decreto 6261/2007, que agrupa ações a serem realizadas nesses locais, a partir da certificação e regularização fundiária. Essas ações foram divididas em quatro eixos, os quais: eixo 1: acesso à terra, a partir da garantia de certificação e regularização fundiária; eixo 2: infraestrutura e qualidade de vida, consolidando mecanismos efetivos para destinação de obras de infraestrutura (habitação, eletrificação, saneamento, comunicação e vias de acesso), além da construção de equipamentos sociais para atender as demandas de saúde, educação e assistência social; eixo 3: inclusão produtiva e desenvolvimento local, apoiando o desenvolvimento produtivo e a autonomia econômica, respeitando a identidade cultural e os recursos naturais do território; e eixo 4: direitos e cidadania, fomento e garantia de direitos promovidas por diferentes órgãos públicos e organizações da sociedade civil (BRASIL, 2004; BRASIL, 2007a; BRASIL, 2013). No entanto, estudos demonstram que essas ações ainda não são garantidas nas comunidades quilombolas. Segundo Brandão et al. (2018), ao realizar um amplo levantamento de suas próprias pesquisas nos anos de 2006, 2008 e 2011, realizadas junto a comunidades quilombolas de todas as regiões do país, descreveu que as elas possuem características gerais: 1) se localizam em áreas rurais; 2) a maioria dos responsáveis pelo domicilio trabalha em atividades agrícolas; 3) compõem um pequeno campesinato, que

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34 sobrevive de produção agrícola de pequena escala (subsistência e comércio esporádico); 4) produção econômica coletiva é pouco frequente; 5) possuem baixa escolaridade, principalmente entre os mais velhos; 6) renda média é muito baixa; 7) não contam com creches, mas a cobertura de educação básica se mostra efetiva; 8) as crianças também auxiliam na agricultura; 9) há pouca infraestrutura nas comunidades; e 10) encontram-se em grande situação de insegurança alimentar.

Em 2006, foi realizada a “Chamada Nutricional Quilombola”, uma investigação até então inédita no que se referia à pesquisa nacional sobre questões sociodemográficas e o estado nutricional de crianças quilombolas menores de cinco anos. Foram incluídas na pesquisa as crianças que compareceram aos postos de vacinação de 22 unidades da federação, totalizando moradores de 60 comunidades diferentes. A maioria das crianças pertencia a famílias na classe E (57,7%), ou seja, a última classificação de uma escala de 8 tipos de classes econômicas. A cobertura de luz elétrica foi satisfatória, mas em contrapartida, o abastecimento de água principal era por meio de poço ou nascente (43,8%) e o esgotamento sanitário era a céu aberto ou por vala (45,9%). Além disso, o percentual de analfabetismo e baixa escolaridade dos pais das crianças apresentou altos índices (BRASIL, 2007b).

Contudo, deve-se levar em consideração que a Chamada Nutricional Quilombola, foi realizada em postos de saúde no dia da vacinação contra a poliomielite, não abrangendo muitas comunidades que moram em locais de difícil acesso, que é o caso de grande parte das comunidades. Desta forma, em 2011, o então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome realizou um levantamento em 14 estados de todas as grandes regiões brasileiras, visitando 9191 domicílios de 169 comunidades quilombolas (PINTO et al., 2014). Os dados sociodemográficos demonstraram que grande parte dos domicílios possuía acesso à luz elétrica, entretanto nas regiões do Baixo Amazonas 27,6% ainda contavam com iluminação a óleo, gás ou querosene. O acesso à rede pública coletora de esgoto é praticamente inexistente, mesmo nas comunidades localizadas na região Centro Sul, que são mais próximas às regiões metropolitanas. O número de comunidades que contava com a coleta de lixo era muito baixo (6,1%), desta forma ele era queimado ou enterrado. A incompletude do ensino fundamental do chefe de família teve uma média de 84,3%, representando um índice elevado (SARDINHA et al., 2014).

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35 Nas políticas públicas a renda é um importante marcador de pobreza e extrema pobreza, entretanto tal problema assume um cenário muito maior, abrangendo infraestrutura, transporte, segurança e acesso aos direitos sociais. Desde 2002 o Estado tem colocado em prática políticas públicas que auxiliam no enfrentamento da pobreza, visando elevar a renda e as condições de bem-estar da população vulnerável, como é o caso do Programa Bolsa Família (PBF), que auxilia essas famílias com uma renda mensal. É importante ressaltar que mesmo com o auxílio do PBF, as comunidades quilombolas pesquisadas pelo então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome, se encontravam além da baixa renda, sendo que 45,8% dos quilombolas vivem com menos de R$ 70,00 mensais per capita, ou seja, em um quadro de extrema pobreza, além de viverem em precárias condições de qualidade de vida e bem-estar. Apenas 36% dos quilombolas em extrema pobreza viviam em casas de alvenaria, o restante possuía casas construídas de palhas, madeira e outros, além de terem um inadequado revestimento no telhado (FROZI, 2014). Ao comparar os resultados encontrados nessas pesquisas com outros estudos de abrangência nacional, identificam-se desigualdades consideráveis entre os povos quilombolas e a população não quilombola.

Como demonstra o estudo de Silva et al. (2017), que comparou as populações rurais não quilombolas e as quilombolas localizadas na mesma região geográfica, e identificou que existiam padrões diferenciados de vulnerabilidade, onde as comunidades quilombolas apresentam maior gravidade em seus níveis. Percebe-se que mesmo fazendo parte da agenda do Estado atualmente, a melhora das condições de vida nesses locais continua caminhando a passos lentos.

Conforme os dados da “Pesquisa de Avaliação da Situação de Segurança Alimentar e Nutricional em Comunidades Quilombolas Tituladas”, realizada em todas as regiões do Brasil e publicada em 2013, na percepção das lideranças das comunidades quilombolas ocorreram avanços após a titulação do território, entretanto ainda há muitos problemas a serem resolvidos. Em apenas 5% das comunidades havia esgoto sanitário, 48% não contavam com abastecimento de água e a coleta de lixo ocorria somente em 10% aproximadamente. O fornecimento de energia elétrica era mais generalizado, estando presente em quase 90% das comunidades, fato que se deu, segundo as lideranças entrevistadas, principalmente ao Programa Luz para Todos, criado em 2003. Em relação à comunicação, mais da metade delas

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36 não tinham telefones públicos e a internet era presente em apenas 5,5% delas (FEC-UFF, 2013).

Porém, é provável que, com o Programa Brasil Quilombola e as estratégias para o combate à extrema pobreza, alguns índices de vulnerabilidade já tenham sofrido avanços e até mesmo tenham sido superados. Dessa forma fica explícita a importância de novas pesquisas a nível nacional, para encontrar quais foram as melhorias e quais são os pontos críticos que precisam ser revistos, a fim permitir ao Poder Público o planejamento de estratégias que garantam os direitos e promovam a cidadania das comunidades quilombolas (ARANTES; MARTINS; FLIT, 2014).

3.1.3 Determinantes de saúde e impactos nutricionais na população quilombola

O conceito de saúde divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 7 de abril de 1948 aponta que "a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social,

e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade" e implica no

reconhecimento do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e proteção à saúde de todo ser humano, “sem distinção de raça, religião, crença política, condição econômica ou

social” (WHO, 1948).

Desta forma, há muito tempo a saúde vem sendo discutida além de questões unicamente biológicas, na qual a OMS define os “Determinantes Sociais de Saúde”, incluindo a distribuição de renda, o preconceito baseado em gênero, etnia ou deficiências, as estruturas políticas e de governança, a classe social, educação e ocupação, a exclusão social, a globalização e urbanização, entre outros. (OMS, 2011; WHO, 2018).

Nesse contexto, fatores sociodemográficos e socioeconômicos influenciam diretamente no panorama geral de saúde dos quilombolas, por isso é essencial compreendê-los, até porque, vale destacar que o assunto “saúde de quilombolas” é um tema contemporâneo e há muito que debater e avançar na temática (LEITE et al., 2016).

Para Laguardia (2004), os agravos de saúde da população negra são decorrentes principalmente do preconceito e da discriminação, tendo como causa fundamental a

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37 desigualdade em saúde. Elementos históricos, psicossociais e econômicos podem interferir no estado de saúde de populações negras, tornando esses os fatores tão ou mais determinantes de saúde quanto os fatores biológicos (SILVA, 2007). A baixa qualidade de vida, as desigualdades sociais, a baixa escolaridade e a falta de acesso à informação são condições que interferem no processo saúde-doença, além disso, como já exposto, os quilombolas vivem em situação de vulnerabilidade e isolamento geográfico, o que pode ocasionar também na maior dificuldade de utilização de serviços de saúde (GOMES et al., 2013; OLIVEIRA et al., 2015). Assim, os determinantes sociais de saúde estão relacionados amplamente com a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) que acarreta em impactos nutricionais negativos, principalmente em crianças. A Chamada Nutricional Quilombola relatou que, do total de crianças com déficit de altura para idade (11,6%), houve diferenças entre o estrato social, sendo que a prevalência desse indicador foi três vezes maior nas crianças de classe E (aproximadamente 16%), quando comparada com as demais classes (BRASIL, 2007b).

O déficit de altura para idade é considerado um retardo de crescimento linear que em menores de dois anos pode refletir o estado nutricional atual, ou seja, a criança pode estar enfrentando um atraso no crescimento, que, quando prevalece depois dos dois anos de idade é de difícil reversão. Esse déficit está associado principalmente às condições socioeconômicas que propiciam a exposição da criança em um cenário de Insegurança Alimentar e Nutricional (INSAN) (GUIMARÃES; SILVA, 2015).

No levantamento realizado em 2011 pelo então Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome (MDS), também foram avaliadas as medidas antropométricas das crianças menores de cinco anos, que apresentaram prevalências menores de desnutrição crônica (2,4%) em relação à Chamada Nutricional Quilombola, realizada em 2006. O que chamou a atenção foi a prevalência de sobrepeso, pois a cada cinco crianças avaliadas uma apresentava diagnóstico nutricional de sobrepeso, sendo ainda mais prevalente na região Cento Sul. Este diagnóstico pode refletir a má qualidade da dieta que essas crianças tinham acesso.

Corroborando a esses achados, no estudo de Ferreira et al. (2011), realizado com 937 crianças menores de cinco anos moradoras de comunidades quilombolas do Estado de Alagoas, a desnutrição crônica foi de 11,5%, apresentando dados superiores à Pesquisa

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38 Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), de 2008, que foi de 7% para o país e 5,7% para a região Nordeste. O sobrepeso também foi observado, entretanto, esse aspecto não indica necessariamente uma redução nos problemas nutricionais das comunidades, pois essa condição não isenta carências nutricionais. Ademais, a anemia prevalecia de forma intensa tanto nas crianças com déficit estrutural, quanto naquelas com sobrepeso, destacando a relação com o padrão de consumo alimentar dos indivíduos das comunidades com o estado nutricional (FERREIRA, et al., 2011).

Em um estudo feito em seis comunidades quilombolas de Santarém no Pará, a prevalência de déficits foi ainda maior, sendo que 30,3% dos meninos e 33,1% das meninas de até cinco anos apresentaram déficit estatural. Esse déficit foi maior em crianças que viviam em residências dos tipos flutuante, maloca, feitas de madeira e outros materiais, com piso de barro e madeira, cujo domicílio tinham apenas um cômodo; e nas crianças que estavam sob o cuidado de aposentados/pensionados e pescadores/agricultores (GUERRERO, 2010).

Na Pesquisa de Avaliação da Situação de Segurança Alimentar e Nutricional em Comunidades Quilombolas Tituladas a prevalência global de déficit estatural foi de quase 19% nas crianças até cinco anos de idade, havendo associação positiva com o peso ao nascer, realização do pré-natal, estado nutricional materno, número de moradores por domicílio e educação da mãe (FEC-UFF, 2013).

Em contrapartida, Cordeiro et al. (2014) avaliou a antropometria de estudantes quilombolas com idade de seis a 19 anos, em 12 municípios de Goiás, e encontrou uma maior frequência de sobrepeso e obesidade em comparação ao baixo peso e/ou déficit estatural entre crianças e adolescentes quilombolas. Porém, também foi elevada a quantidade de famílias em situação de Insegurança Alimentar e Nutricional (INSAN), o que pode demonstrar que a desnutrição não é o único indicador de fome, mas que ela pode acometer também os indivíduos com excesso de peso, devido à pobreza.

Com esses dados, é importante destacar que o Brasil passou por uma peculiar e rápida transição nutricional; na década de 70 havia altas taxas de desnutrição e em 2008 metade da população adulta estava com excesso de peso, e a redução da desnutrição em crianças menores de cinco anos também foi significativa. Entretanto, esses avanços são desiguais, pois ainda persistem altas prevalências de desnutrição em grupos vulneráveis da

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39 população (BRASIL, 2013a). Vale destacar também a escassez de estudos que avaliam o estado nutricional da população quilombola, inclusive de crianças acima de cinco anos de idade.

Avaliar a situação nutricional é uma ferramenta importante, pois fornece informações que auxiliam em decisões relacionadas às políticas públicas que visem o bem-estar social e principalmente a garantia da SAN (RIBEIRO; MORAIS; PINHO, 2015).

3.1.4 (In)segurança alimentar e nutricional nas comunidades quilombolas

A SAN consiste:

na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” (BRASIL, 2006).

Desta forma, não se trata apenas de um indicador isoladamente, mas de múltiplas dimensões que envolvem além de aspectos de saúde, biológicos e nutricionais, mas também o acesso à terra, renda, emprego, água, energia elétrica, alimentos, serviços públicos, moradia, ou seja, todos as questões sociodemográficas e socioeconômicas influenciam na garantia da SAN. Sendo assim, a maior causa de INSAN é a pobreza, pois compreende a limitação ou incerteza do acesso aos alimentos e todos os fatores citados até então (CARVALHO et al., 2014).

Com o objetivo de combater a fome e a miséria do Brasil, em 2003 o Governo Federal iniciou a implementação de políticas públicas para assegurar a SAN da população, por meio de um amplo processo intersetorial e com a participação da sociedade civil. O Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN) é uma dessas políticas, instituída pela Leiº 11.346, de 15 de setembro de 2006, conhecida como Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), com o objetivo de assegurar o DHAA (BRASIL, 2018; BRASIL; 2018a).

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40 O DHAA tem duas dimensões: o direito de estar livre da fome e o direito à alimentação adequada; e para a realização das duas é crucial o acesso a todos os direitos humanos. Equivale ao acesso econômico e físico de todas as pessoas aos alimentos e à água, e recursos para assegurar esse acesso de maneira contínua, sendo compatível às condições culturais, econômicas, climáticas e ecológicas de cada pessoa, etnia, cultura ou grupo social, possibilitando que a alimentação seja realizada de forma soberana, sustentável, digna e emancipatória (CONTI, 2013; BRASIL, 2017a).

Desta forma, para assegurar o DHAA o Estado brasileiro tem como obrigação quatro dimensões: respeitar, proteger, promover e prover a alimentação da população. Respeitar refere-se a assegurar que ações políticas de órgãos e representantes não violem ou impeçam o DHAA, impedindo retrocessos nos processos de implementação de direitos, bem como com os meios e fins utilizados para garantir direitos. A obrigação do Estado de proteger é a qual o Estado deve agir contra a interferência na realização ou violação de terceiros (indivíduos, empresas, grupos e outras entidades) no DHAA das pessoas ou grupos populacionais. Promover a alimentação diz respeito ao envolvimento do Estado em atividades destinadas a fortalecer o acesso de pessoas a recursos e meios e a sua utilização por elas, como a promoção da reforma agraria, o acesso a territórios tradicionais, agroecologia, garantia de acesso à renda, entre outros. Por fim, a quarta obrigação é a que o Estado deve prover alimentos diretamente a indivíduos ou grupos que não conseguem obtê-los por conta própria, até que obtenham condições de fazê-lo (BRASIL, 2017a).

Diante disso, fica claro que o DHAA na promoção da SAN, vai além de suprir as necessidades nutricionais e garantir o desenvolvimento humano, pois representa também a comunhão entre as pessoas e a própria natureza, apresentando características culturais específicas de casa grupamento humano (CARVALHO, 2010). Logo, ao se tratar de alimentação, deve-se ter uma abordagem a aspectos de ordem sociocultural, principalmente no que se refere a comunidades tradicionais. A demanda pelo conhecimento e respeito à diversidade sociocultural está presente em todas as Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional. Já na II Conferência, de 2004 “o respeito à diversidade cultural e

aos hábitos alimentares de cada região” é proposto como o eixo transversal das políticas de

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