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Mediação e linguagem na apropriação das práticas matemáticas escolares nos anos iniciais do Ensino Fundamental

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação

MARINA FILIER DE OLIVEIRA

MEDIAÇÃO E LINGUAGEM NA APROPRIAÇÃO DAS PRÁTICAS

MATEMÁTICAS ESCOLARES NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL

CAMPINAS 2020

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MARINA FILIER DE OLIVEIRA

MEDIAÇÃO E LINGUAGEM NA APROPRIAÇÃO DAS PRÁTICAS

MATEMÁTICAS ESCOLARES NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Lúcia Horta Nogueira

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO

DEFENDIDA PELA ALUNA MARINA FILIER DE OLIVEIRA E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. ANA LÚCIA HORTA NOGUEIRA.

CAMPINAS 2020

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Título em outro idioma: Mediation and language in the appropriation os school

mathematical practices in the early years of elementary education

Palavras-chave em inglês:

School practices

Mathematics - Study and teaching Mediation

Development Language

Área de concentração: Educação Titulação: Mestra em Educação Banca examinadora:

Ana Lúcia Horta Nogueira [Orientador] Ana Luiza Bustamante Smolka

Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca

Data de defesa: 17-09-2020

Programa de Pós-Graduação: Educação Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)

- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-3520-0147 - Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9675663028057718

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Educação

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MEDIAÇÃO E LINGUAGEM NA APROPRIAÇÃO DAS PRÁTICAS

MATEMÁTICAS ESCOLARES NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL

Autora: Marina Filier de Oliveira

COMISSÃO JULGADORA:

Prof.ª Dr.ª Ana Lúcia Horta Nogueira Prof.ª Dr.ª Ana Luiza Bustamante Smolka Prof.ª Dr.ª Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade

CAMPINAS 2020

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Vamos nos constituindo pelos outros, por isso agradeço aos tantos “outros” que fizeram e fazem parte desse processo:

À Sueli, Vilson e Isabel, por me apoiarem sempre.

Ao Felipe, pelo companheirismo e amor. Obrigada por trazer leveza aos nossos dias.

À Ana Lúcia Horta Nogueira, pela sensibilidade, paciência e compreensão. Obrigada por não desistir de mim e compartilhar o entusiasmo com este trabalho.

À Ana Luiza Bustamante Smolka, pelas provocações e pelo encanto com a escola.

À Professora Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca, pelas preciosas contribuições no exame de qualificação.

Aos colegas do GPPL, pelas trocas e pelo aprendizado que possibilitaram outros olhares para o contexto escolar.

À Faculdade de Educação da Unicamp e a todos que nela trabalham. À Laís, Mayara, Milena, Lívia e Letícia pela amizade e incentivo.

À Daniele, pelo ombro e ouvido amigos nesse início de docência. Obrigada por dividir comigo as dores e alegrias do dia a dia na escola.

À Fabrícia, pela parceria fundamental. Obrigada por ter me dado a mão e pelo trabalho que conseguimos construir juntas.

A toda equipe da escola, com a qual convivo diariamente.

Às crianças, que viveram comigo esse processo e cujas marcas já fazem parte da minha história.

(6)

Bill Watterson1

1

Retirado de: https://brincomat.blogs.sapo.pt/tpc-de-matematica-calvin-36944 (05/10/2019)

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Esta pesquisa teve como objetivo analisar as formas de mediação que contribuem para o processo de elaboração do conhecimento em meio à apropriação de práticas matemáticas escolares por crianças cursando o primeiro ciclo do Ensino Fundamental, explicitando o papel da linguagem neste processo. Para isso, buscou-se obbuscou-servar e analisar como as crianças elaboram, operam e (re)significam, por meio da linguagem, o conhecimento em meio à participação nas práticas matemáticas escolares; e, também, descrever e analisar modos de mediação que promovam a apropriação das práticas matemáticas veiculadas pela instituição escolar e que contribuam para a elaboração do conhecimento matemático. O contexto de pesquisa consistiu em uma sala de 2º ano de Ensino Fundamental de uma instituição pública no interior do Estado de São Paulo, cuja professora titular era a própria pesquisadora. Os dados foram construídos a partir de gravações de áudio e vídeo dos momentos de trabalho com a matemática em sala de aula e também a partir de registros em diário de campo. As situações de interação foram transcritas e organizadas segundo três eixos temáticos para análise, a qual foi pautada na teoria histórico-cultural de desenvolvimento humano e também embasada na Análise Dialógica do Discurso. Os dados permitem defender a escola e o ensino como lugares de desenvolvimento à medida que proporcionam a participação em práticas sociais que visam à elaboração e apropriação do conhecimento. Esse processo ocorre através de gestos, olhares, expressões, mas, sobretudo, na e pela linguagem. Participar das práticas escolares, no caso matemáticas, implica também a participação em práticas discursivas as quais orientam e organizam o pensamento a fim de que os sujeitos possam ter o domínio de seus próprios processos psíquicos. O papel do ensino, aqui, torna-se fundamental, uma vez que, por ser intencionalmente organizado, provoca e impulsiona o desenvolvimento.

Palavras-chave: Práticas escolares. Desenvolvimento. Mediação. Linguagem. Matemática. Vigotski.

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This research aimed to analyze the forms of mediation that contribute to the process of knowledge development amid the appropriation of school mathematical practices by children attending the first cycle of Elementary School, expliciting the role of language in this process. To this end, we sought to observe and analyze how children elaborate, operate and (re) signify, through language, knowledge amid participation in school mathematical practices; and also describe and analyze ways of mediation that promote the appropriation of mathematical practices transmitted by the school institution and that contribute to the development of mathematical knowledge. The research context consisted of a 2nd year elementary school classroom in a public institution in the interior of the State of São Paulo, whose teacher was the researcher herself. The data were constructed from audio and video recordings of the moments of work with mathematics in the classroom and also from records in a field diary. The interaction situations were transcribed and organized according to three thematic axes for analysis, which was based on the historical-cultural theory of human development and also based on the Dialogic Discourse Analysis. The data allows to defend the school and teaching as places of development as they provide participation in social practices that aim at the elaboration and appropriation of knowledge. This process occurs through gestures, looks, expressions; but, above all, in and through language. Participating in school practices, in the case of mathematics, also implies participation in discursive practices which guide and organize thinking so that subjects can control their own psychic processes. The role of teaching here becomes fundamental, because once it is intentionally organized, it provokes and drives development.

Keywords: School practices. Development. Mediation. Language. Mathematics. Vigotski.

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Lista de fotografias e figuras:

Fotografia 1 – Jogo das mãozinhas ... 62

Fotografia 2 – Aluna jogando a modificação do “Nunca Dez” ... 66

Fotografia 3 - Produção de aluna: atividade de representação de unidades e dezenas ... 68

Fotografia 4 - Produção dos alunos – Atividade representação de uma dezena ... 69

Fotografia 5 - Produções dos alunos – Atividade de agrupamento e Registro ... 70

Fotografia 6 - Alunos montando números ... 73

Fotografia 7 - Alunos explorando o material dourado ... 75

Fotografia 8 - Atividade quadro numérico 101-199 no EMAI ... 77

Fotografia 9 - Atividade dezenas inteiras e material dourado no livro didático ... 79

Fotografia 10 - Respostas dos alunos ... 80

Fotografia 11 - Atividade no EMAI: adição por decomposição... 82

Fotografia 12 - Alunos utilizando o material dourado para montar números ... 83

Fotografia 13 - Atividade de adição por decomposição no livro didático ... 84

Fotografia 14 - Atividade de resolução de problemas no livro didático ... 85

Fotografia 15 - Material dourado para recorte... 86

Fotografia 16 - Aluno recortando material dourado ... 87

Fotografia 17 - Atividade com material dourado finalizada ... 87

Fotografia 18 - Atividades de treino de adição e subtração ... 91

Fotografia 19 - Atividade de armar adições e subtrações ... 92

Fotografia 20 - Avaliação de matemática do 3º trimestre de 2018 ... 93

Fotografia 21 – Henrique monta número para Lucas ... 99

Fotografia 22 - Lucas monta número para Henrique...100

Fotografia 23 - Lucas monta outro número para Henrique ...101

Fotografia 24 - Atividade de Lucas Parte 1 ...106

Fotografia 25 - Atividade de Lucas Parte 2 ...107

Fotografia 26 - Samuel e Enrico contanto as peças de material dourado ...113

Fotografia 27 - Samuel e Enrico contando as barrinhas ...116

Fotografia 28 - Samuel organiza as barrinhas após minha dica ...119

(10)

Fotografia 31 – Segunda tentativa de Bruno ao montar o número 57 com o

material dourado ...124

Fotografia 32 – Primeira tentativa de Tomás ao montar o número 75 com o material dourado...126

Fotografia 33– Bruno monta o número 149 ...129

Fotografia 34– Segunda tentativa de Tomás ao montar o número 75 ...130

Fotografia 35 – Problema 1...134

Fotografia 36 – Problema 2...135

Fotografia 37 – Problema 2 continuação ...136

Fotografia 38 – Resposta 1 ...138

Fotografia 39 – Resposta 2 ...138

Fotografia 40 – Resposta 3 ...139

Fotografia 41 – Resposta 4 ...139

Figura 1 - Tabuleiro inicial do jogo “Nunca dez” ... 63

Figura 2 - Segundo tabuleiro do jogo “Nunca dez” ... 65

Figura 3 – Lista das centenas exatas escrita na lousa ... 72

Figura 4 – Começando a anotar a escrita por extenso ... 72

Figura 5 – Centenas exatas com escrita por extenso ... 72

Figura 6 - Quadro Valor de Lugar (QVL) ... 88

Figura 7 – Quadro Valor de Lugar desenhado na lousa ... 90

Figura 8 – Quadro Valor de Lugar com números representados com desenho do material dourado ... 90

Figura 9 - Mostrando a técnica operatória de adição ... 91

Figura 10 – Equívoco comum de aluno ao armar conta de adição ... 92

LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Quadro de síntese do trabalho pedagógico com a matemática no período da pesquisa (setembro-dezembro 2018) ... 56

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CEP Conselho de Ética em Pesquisa

EMAI Educação Matemática nos Anos Iniciais ONGS Organizações Não Governamentais

PNAIC Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa PNE Plano Nacional de Educação

QVL Quadro Valor de Lugar

SND Sistema de Numeração Decimal TDC Trabalho Docente Coletivo

GPEMAHC Grupo de Pesquisa em Educação Matemática: uma abordagem histórico-cultural

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INTRODUÇÃO ... 14

1 TRAJETÓRIA DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA ... 16

2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ... 24

2.1 A natureza histórico-cultural do desenvolvimento humano ... 24

2.2 Linguagem ... 30

2.2.1 Linguagem e elaboração conceitual ... 35

2.3 Ensino escolar como lugar de desenvolvimento: apropriação de práticas e elaboração de conhecimento ... 38

3 METODOLOGIA E CONTEXTO DE PESQUISA ... 43

3.1 Delineamento do estudo e entrada na rede municipal de Campinas ... 46

3.2 Caracterização dos sujeitos de pesquisa: a professora iniciante e os alunos . 48 3.3 Planejamento da pesquisa e mudanças ... 51

3.4 A organização do trabalho com a matemática no início do ano ... 52

3.5 Planejamento e construção dos dados de pesquisa ... 55

4 A PROPOSTA DE TRABALHO PEDAGÓGICO COM A MATEMÁTICA ... 59

Escolhas realizadas no trabalho pedagógico com a matemática ... 59

Atividade 1 – O jogo das mãozinhas – 16/08/2018 ... 60

Atividade 2 - Jogo “Nunca dez” - 06/09/2018 ... 63

Atividade 2.1 – Jogo Nunca Dez com duas cores de palitos – 13/09/2018 ... 66

Atividade 3 - Representação de dezenas e unidades – 11/09/2018 ... 67

Atividade 4 – Atividade “Treinando dezenas” – 12/09/2018 ... 69

Atividade 5 – Atividade de agrupamento com registro – 19/09/2018 ... 70

Atividade 6 – Formando números com algarismos móveis – 20/09/2018 ... 71

Atividade 7 – Exploração do material dourado – 25/09/2018 ... 74

Atividade 8 – Atividade no livro EMAI: quadro numérico 101-199 – 26/09/2018 .. 77

Atividade 9 – Atividade no livro didático: dezenas inteiras e material dourado – 08/10/2019 ... 78

(13)

Atividade 12 – Atividade de adição por decomposição e resolução de

problemas no livro didático - 22/10/2018 ... 83

Atividade 13 – Atividade em folha de representação dos números com material dourado - 23/10/2018 ... 86

Atividade 14 – Quadro Valor de Lugar (QVL) – 25/10/2018 ... 87

Atividade 15 – Técnica operatória de adição com numerais com dois algarismos – 30/10/2018 ... 89

Atividade 17 – Avaliação 3º trimestre - 27/11/2018 ... 93

5 APROPRIAÇÃO DE PRÁTICAS MATEMÁTICAS ESCOLARES: ANÁLISE DE DADOS ... 96

5.1 Linguagem, conhecimento e práticas matemáticas ... 97

“Oitocentos e novecentos” ... 97

“Quantos grupos de dez?” ...105

5.2 Uso do material “concreto” no ensino de matemática e apropriação de instrumentos ...112

“Contando o material dourado” ...112

“Montar ou mostrar o número?” ...122

5.3 Resolução de problemas e operações de adição e subtração: o desenvolvimento da atividade mediatizante ...132

“Eu fiz de cabeça” ...133

“Vinte e seis + treze” ...138

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...145

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...150

ANEXOS ...154

ANEXO A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ...154

(14)

INTRODUÇÃO

Este trabalho se debruça sobre os processos de apropriação de práticas matemáticas escolares por crianças cursando os anos iniciais do Ensino Fundamental. Partimos dos pressupostos da teoria histórico-cultural, sobretudo dos estudos de Lev. S. Vigotski no tocante ao desenvolvimento humano, segundo os quais este se caracteriza por ser culturalmente forjado em meio às relações estabelecidas entre os homens. Também recorremos à produção do Círculo de Bakhtin, pautando-nos principalmente na Análise Dialógica do Discurso (PAULA, 2013).

A presente pesquisa teve caráter qualitativo e participante, uma vez que assumi o papel de professora-pesquisadora. Os dados foram construídos a partir de gravações de áudio e vídeo dos momentos nos quais trabalhei atividades do campo de conhecimento da matemática com minha turma de 2º do Ensino Fundamental de uma escola municipal de Campinas-SP, ao longo do segundo semestre do ano de 2018. Os registros realizados em caderno de campo complementaram as gravações.

Ao longo da investigação, busquei indícios de como os alunos elaboravam o conhecimento matemático em meio à sua participação nas práticas escolares. Também estive atenta para as diferentes formas de mediação que poderiam contribuir (ou não) para esse processo. Meus objetivos de ensino foram que os alunos se apropriassem: do conceito de dezena, da ideia de valor posicional e dos procedimentos para efetuar operações de adição e subtração com numerais com dois algarismos. Como método de pesquisa, pretendi provocar o desenvolvimento das crianças principalmente através da minha mediação pelas palavras, a qual se deu devido tanto às necessidades de ensino, quanto aos objetivos de estudo.

O texto a seguir está organizado em cinco capítulos. No primeiro capítulo, trago o relato da minha trajetória acadêmica e profissional, destacando os momentos que julgo serem relevantes na minha constituição como professora e dos meus interesses de estudo. Ao longo dessa narrativa, busco apontar como a questão da presente pesquisa foi se desenvolvendo, principalmente a partir da graduação em Pedagogia, das experiências de estágio e profissionais, chegando ao Mestrado em Educação.

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O segundo capítulo é destinado às questões teóricas que embasaram o presente estudo. Inicio sintetizando os pressupostos da teoria histórico-cultural sobre o desenvolvimento humano, destacando este como um processo mediado. Sigo abordando a questão da linguagem, que é compreendida aqui, em seu funcionamento, como linguagem verbal. Também apresento brevemente a discussão vigotskiana sobre a relação entre pensamento e linguagem, finalizando com um item a respeito da elaboração de conceitos. Finalizo esse capítulo com uma reflexão acerca do ensino escolar como lugar de desenvolvimento.

O terceiro capítulo aborda de forma mais detalhada a metodologia e o contexto no qual a pesquisa ocorreu. Descrevo o percurso de delineamento do estudo a partir da minha entrada na rede municipal de Campinas e as mudanças ocorridas ao longo desse processo. Apresento como se deu a coleta de dados e qual foi a proposta de análise. Também trago a sistematização das atividades propostas aos alunos.

No capítulo quatro, optei por realizar a descrição detalhada e cronológica das atividades propostas no trabalho com a matemática. Nele, as atividades foram numeradas e datadas, além de serem acompanhadas por fotos e registros dos alunos. O objetivo desse capítulo foi chamar atenção para o percurso do trabalho pedagógico, colocando-o em foco, chamando atenção para seu caráter planejado, intencional e organizado.

O capítulo cinco é composto por seis situações de interação as quais ocorreram durante algumas das atividades relatadas no capítulo quatro, e que foram transcritas para análise. As situações foram organizadas em três eixos temáticos, de forma que em cada um me propus a aprofundar determinados conceitos.

Finalmente, trago as considerações finais, nas quais faço uma avaliação do trabalho realizado, apontando suas possibilidades, limites, mudanças e surpresas.

(16)

1 TRAJETÓRIA DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA

Minha trajetória pessoal dentro da escola foi sempre marcada pelo prazer em estudar e estar nesse espaço. Sempre fui uma aluna estudiosa, realizando com empenho as tarefas e atividades propostas. Ao longo desse caminho, duas áreas do conhecimento sempre estiveram mais próximas de mim: a Matemática e as Linguagens, principalmente a disciplina de Inglês, a qual foi influência do meu pai, que lecionou por muitos anos e continua trabalhando na área de educação.

Com o ingresso no Ensino Médio, os pensamentos sobre qual carreira seguir começaram a aflorar e, além do gosto pelo estudo, eu também tinha prazer em ajudar colegas e explicar conteúdos. Isso me levou a cogitar a possibilidade de ser professora. Afinal, na minha cabeça adolescente, qual profissional teria maior contato com o estudo do que o professor?

Contudo, a indecisão acerca de qual disciplina eu gostaria de lecionar era grande, Matemática ou Linguagens? Essas duas áreas pareciam muito diferentes para mim. Foi através de uma orientação profissional, realizada no colégio onde eu estudava, que me foi apresentado o curso de Pedagogia. Pareceu-me muito bom, teoricamente, poder estudar todas as áreas do conhecimento e ter a habilitação para ministrá-las. Assim, em 2011, ingressei do curso de graduação na Unicamp.

De todas as disciplinas obrigatórias do curso de Pedagogia, aquela que eu estava mais ansiosa em cursar era a de Metodologia de Ensino de Matemática, apesar de ela ter duração de apenas um semestre no curso da Unicamp. Os primeiros dois anos da graduação, por serem mais teóricos e colocarem o estudante em contado com diversas disciplinas da área de ciências humanas, fizeram com que eu questionasse minha escolha e “aptidão” para ser professora. Na metade do curso, cheguei até mesmo a cogitar mudar para a graduação em Matemática. Foram duas oportunidades que me fizeram mudar de ideia.

A primeira foi trabalhar como oficineira pelo Projeto Mais Educação2, em uma escola da rede municipal de Campinas. Apesar das críticas possíveis de serem

2

O Programa Mais Educação, criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto 7.083/10, constituiu-se como estratégia do Ministério da Educação para indução da construção da agenda de educação integral nas redes estaduais e municipais de ensino. (Disponível

em:

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feitas a tal projeto (uma delas sendo a precarização do trabalho), foi através dele que tive meu primeiro contato com a escola pública. Meu trabalho era de apoio a duas salas de 2º ano do Ensino Fundamental com as crianças que apresentavam maior dificuldade no processo de alfabetização. Nessa experiência, me encantei com o trabalho das duas professoras que eu auxiliava e, principalmente, com as crianças.

A segunda oportunidade, que em muito contribuiu para minha permanência no curso de Pedagogia, foi cursar o estágio obrigatório de Ensino Fundamental com a professora Roseli Aparecida Cação Fontana. Para mim, ali, estava alguém que conhecia verdadeiramente a escola e que destacava a importância do conhecimento veiculado por ela. Durante esse estágio, o qual durou dois semestres letivos, tive a chance de voltar à escola na qual eu havia trabalhado pelo Projeto Mais Educação e acompanhar uma das professoras que eu conheci.

No segundo semestre de estágio, a proposta era que planejássemos uma intervenção na sala. Vi essa como uma oportunidade de trabalhar com a Matemática e planejei uma sequência de atividades. Ao longo desse trabalho, vários questionamentos foram aparecendo, principalmente, em relação a como as crianças se apropriavam ou não dos conceitos matemáticos.

Em uma das orientações que a professora Roseli ofereceu ao longo do estágio, ela me apresentou ao livro “Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem” (VIGOTSKI, LURIA e LEONTIEV, 2012). Até então, após as disciplinas de psicologia que eu havia cursado, sentia uma afinidade maior com a teoria piagetiana, principalmente pela possibilidade que eu via de relação com a matemática. Contudo, ao entrar em contado com esse livro, me encantei com a concepção de desenvolvimento que os autores traziam, pelo papel atribuído à educação escolar e à linguagem. Além disso, a discussão sobre o processo de conceitualização me chamou muito a atenção. Mesmo sem elaborar ainda, creio que ali vislumbrei uma possibilidade de relação entre Matemática e Linguagem.

Devido ao meu desejo de realizar o Trabalho de Conclusão de Curso na mesma temática, a professora Roseli me indicou o Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL) e, mais especificamente, a professora Ana Luiza Bustamante Smolka para orientação. A problemática seria a levantada durante o estágio: como as crianças se apropriam dos conceitos matemáticos? Para além disso, quais formas

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de mediação poderiam, se não garantir, contribuir para essa apropriação? A perspectiva teórica seria a histórico-cultural, com foco nos trabalhos de Vigotski. A pesquisa foi realizada ainda na mesma escola do estágio, porém com uma professora diferente, em uma turma de 1º ano. No trabalho, analisei as falas das crianças durante uma brincadeira de mercadinho para buscar os indícios de elaboração conceitual. Após a conclusão desse trabalho, algumas falas dos alunos ficaram muito marcadas para mim. Por exemplo: por que uma das crianças havia dito que “dez mais um, dá vinte e um”? Seria uma falha de “lógica” ou haveria algo a mais? Minha desconfiança caminhava para o sentido de que a linguagem desempenhava um papel importante no processo de elaboração do conhecimento matemático e de uma forma de pensar matematicamente.

Por isso, após um ano da conclusão da graduação, e já trabalhando em uma escola particular em Campinas, inscrevi-me no processo seletivo para Mestrado em Educação na Unicamp, já com o intuito de permanecer no grupo GPPL, coordenado pela professora Ana Luiza Bustamante Smolka. O GPPL vem atuando na Faculdade de Educação da Unicamp, desde 1987, com projetos de pesquisa orientados para a escola pública e fundamentando seu trabalho nos pressupostos teóricos da perspectiva histórico-cultural, sobretudo na obra de L. S. Vigotski, mas sempre mantendo uma interlocução com outros autores. Os principais temas de investigação são problematizados na interseção de várias áreas de conhecimento, como a Filosofia, a Educação, a Sociologia, a Antropologia, os Estudos da Linguagem, a Semiótica, sendo que podemos destacar os seguintes: desenvolvimento humano; questões de linguagem; processos de significação; relações de ensino; práticas escolares; trabalho docente3. O presente trabalho insere-se nesse contexto de produção acadêmica.

No projeto submetido para ingressar no Mestrado, eu mantinha a questão da elaboração de conceitos matemáticos como foco, além da problemática da mediação. Os dois conceitos, contudo, ainda eram muito amplos para mim.

Além disso, ao realizar o levantamento bibliográfico, verifiquei que apesar da teoria histórico-cultural vir sendo base de pesquisas na área da Educação Matemática, ela é ainda deixada de lado em termos de tendência, uma vez que parece ser tratada com indiferença pela literatura que trata dessa temática:

3

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...continuamos com a posição assumida de que a teoria histórico-cultural tem sido adotada como fundamentos de estudos produzidos no cenário científico brasileiro e mundial, voltados para a matemática no contexto educativo. Isso significa que ela traz contribuições para o estudo sobre os mesmos objetos e temáticas que aquelas apontadas pela literatura... (DAMAZIO e ROSA, 2013, p. 38).

Os autores Damazio e Rosa (2013) defendem a constituição da perspectiva histórico-cultural como tendência em Educação Matemática, uma vez que ela possui fundamentação teórica. Tal fundamentação consistiria na própria teoria histórico-cultural e na teoria da atividade. Os autores estudados seriam Vigotski, Leontiev (1978), Luria (1978), Davydov (1982; 1988), Elkonin (1987), Galperin (1967), Kruteskii (1991), Kalmykova (1991) e Talyzina (2001). Tendo esse recorte teórico, é possível encontrar no Brasil, a partir de 1992, grupos de pesquisa em Educação Matemática em cujas descrições na Plataforma Lattes do CNPq constam esses teóricos.

A partir da sistematização cronológica, realizada pelos autores, dos grupos de pesquisa os quais alegam discutir a Educação Matemática segundo a perspectiva histórico-cultural, gostaria de destacar três desses grupos cuja produção acadêmica se aproxima mais da problemática que foi construída neste trabalho.

O primeiro seria o Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Atividade Pedagógica, formado em 2002 na Universidade de São Paulo e coordenado pelos professores Manoel Oriosvaldo de Moura e Elaine Sampaio Araujo. O grupo tem como objetivo realizar estudos e pesquisas acerca da atividade pedagógica, segundo os princípios teórico-metodológicos da abordagem histórico-cultural, focalizando os elementos constitutivos dos processos de ensino e de aprendizagem na formação inicial e contínua de professores e pesquisadores, exercitando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Também vem exercitando, através da parceria entre professores da rede de ensino e alunos dos cursos de graduação e pós-graduação, a reflexão sobre a atividade de ensino, pressupondo a atividade de aprendizagem e focalizando a história do conceito em matemática4.

Na produção do grupo, podemos encontrar diversos trabalhos, portanto, cuja problemática é a elaboração de conceitos. Destaco, aqui, a produção de Moura

4

Informações retiradas do site do grupo http://www2.fe.usp.br/~gepape/atividades.html (Acesso em 25/06/2019).

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(1992) e Sforni (2006, 2014), os quais têm focado o estudo dos conceitos dentro de uma perspectiva da teoria da atividade e, mais recentemente, no estudo de Davydov (1982, 1988) e de sua teoria da atividade de estudo. Devido a essa escolha teórica, as últimas produções dos autores têm investigado a organização do ensino como fator importante no sucesso ou não da aprendizagem de conceitos matemáticos e também do desenvolvimento do pensamento teórico.

O segundo grupo que gostaria de destacar é o Grupo de Pesquisa em Educação Matemática: uma abordagem histórico-cultural (GPEMAHC), formado em 2001 na Universidade do Extremo Sul Catarinense e coordenado pelo professor Ademir Damazio. A fundamentação teórica do grupo está pautada na perspectiva histórico-cultural elaborada por Vigotski e outros autores como: Luria, Leontiev, Davydov, Galperin, Krutestskii, Kalmykova, Talizina. Recentemente, algumas pesquisas têm se fundamentado na proposta do ensino de matemática elaborada por Davydov e seus colaboradores. Além de suas obras em espanhol e inglês, o grupo estuda a edição russa dos livros didáticos e as orientações metodológicas de Davydov e seus colaboradores5.

A produção acadêmica do grupo concentra-se em duas temáticas: produção de conhecimento e formação dos professores que ensinam matemática; e o processo de apropriação de conceitos matemáticos pelos estudantes do ensino fundamental (com ênfase do 6º ao 9º ano).

O terceiro e último grupo que gostaria de destacar não aparece no levantamento realizado por Damazio e Rosa, mas apresenta produção significativa dentro da temática de apropriação de conceitos. Trata-se do Grupo Colaborativo em Matemática (Grucomat), formado em 2003 na Universidade São Francisco (campus Itatiba-SP) e coordenado pela professora Adair Mendes Nacarato. É composto por professores que atuam na USF, por professores da escola básica e por alunos da pós-graduação. Os objetivos do grupo são: construir um referencial teórico-metodológico sobre os processos formativos dos professores que ensinam matemática, principalmente quando esses participam de grupos de trabalho de dimensão colaborativa ou de comunidades de investigação; e produzir colaborativamente um repertório de tarefas e investigações em sala de aula de

5

Informações retiradas do site do grupo http://www.unesc.net/portal/capa/index/287/5766/ (Acesso em 26/06/2019).

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matemática, visando à construção de uma cultura de aula de matemática problematizadora6.

O grupo apresenta forte reflexão sobre a prática de sala de aula e formação de professores. Além disso, alguns trabalhos têm como preocupação a dinâmica de elaboração conceitual em matemática. Nessas produções, os referenciais adotados são as obras de Vigotski sobre a questão dos conceitos, assim como estudiosos dessa obra e da teoria histórico cultural: Smolka, Cruz, Fontana, Góes, Oliveira. Há também trabalhos que usam como referência Bakhtin.

Apesar de encontrar uma produção expressiva de trabalhos preocupados com a elaboração do conhecimento e de conceitos matemáticos dentro de uma perspectiva histórico-cultural, eu ainda sentia que as investigações acerca do papel da linguagem nesse processo eram tímidas. Minha impressão era que, em se tratando do campo de conhecimento da matemática, a palavra aparecia mais na função de comunicadora do pensamento ou ideias (cuja importância não estou menosprezando); do que mediadora e constitutiva da elaboração do conhecimento e até mesmo de um modo de pensar matematicamente.

Em meio às investigações, enquanto eu buscava afinar meus objetivos de pesquisa e referências teóricas, fui chamada, no início de 2018, pelo concurso público para assumir uma turma de Ensino Fundamental na prefeitura de Campinas. Essa mudança profissional (saída da rede particular para o ingresso na rede pública) também implicou em uma mudança na pesquisa, uma vez que nesse momento tinha a possibilidade de realizar a investigação na minha própria sala de aula (isso não era possível na escola particular na qual eu trabalhava).

O intuito era iniciar as gravações de áudio e vídeo já no primeiro semestre de 2018, juntamente com a minha entrada na rede. Porém, devido ao árduo processo de adaptação à minha nova realidade7 e às inúmeras inseguranças, essa parte do trabalho foi adiada para o segundo semestre de 2018. Contudo, foi justamente o fato de meu olhar estar atento para as questões da pesquisa (a discussão sobre desenvolvimento, papel da linguagem, mediação, apropriação de conceitos), que me fez refletir constantemente sobre o que se passava em sala de aula, procurando realizar o melhor trabalho possível nas condições que me estavam postas.

6

Informações retiradas da Plataforma Lattes

http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/8346391360234620(Acessado em 26/06/2019).

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No processo de construção dos dados, já em 2019, fui me deparando com pesquisas que trabalham dentro da perspectiva histórico-cultural e que têm procurado abordar a questão da linguagem e do discurso como fundamentais na apropriação de conceitos e elaboração do conhecimento. Destaco, aqui, o trabalho de Lima, Aguiar Júnior e Caro (2011) e a produção da professora Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca (2001), os quais, além de embasarem seus estudos na produção de Vigotski, também dialogam com Bakhtin.

Para o momento da qualificação, portanto, eu havia elaborado um texto no qual o foco investigativo estava pautado na elaboração conceitual em matemática e no qual eu procurei timidamente me aproximar dos papéis que a linguagem poderia desempenhar nesse processo. Foi ótimo poder contar com as contribuições da própria professora Maria da Conceição e da professora Ana Luiza Smolka, uma vez que os apontamentos da primeira fizeram com que eu revisasse e afinasse questões específicas da área da matemática e, juntamente com as questões levantadas pela professora Ana Luiza, me fizeram olhar para os dados de maneira diferente e procurar focar na dinâmica das interações nas relações de ensino. Além disso, e tendo sido uma oportunidade riquíssima de formação para mim, foi apontado pela banca que a questão da elaboração conceitual talvez não fosse o ponto central da discussão, mas sim a elaboração do conhecimento em meio à apropriação de certas práticas matemáticas escolares.

Portanto, o trabalho que se materializou na forma da presente dissertação passou por diversos ajustes, desde o ingresso no Mestrado até esta versão final, a qual certamente não marca o fim do meu processo de aprendizagem e muito menos das minhas inquietações enquanto professora que pesquisa e reflete sobre a própria prática. O objetivo geral deste texto, produzido nas condições relatadas até aqui, foi analisar as formas de mediação que contribuem para o processo de elaboração do conhecimento em meio à apropriação de práticas matemáticas escolares por crianças cursando o primeiro ciclo do Ensino Fundamental, explicitando o papel da linguagem neste processo. As finalidades da investigação foram:

a) Observar e analisar como as crianças elaboram, operam e (re)significam, por meio da linguagem, o conhecimento em meio à participação nas práticas matemáticas escolares;

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b) Descrever e analisar modos de mediação que promovam a apropriação das práticas matemáticas escolares e a elaboração do conhecimento matemático.

No próximo capítulo, trago os marcos teóricos que embasaram essa investigação.

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2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Neste capítulo, trazemos os marcos teóricos que embasam a presente pesquisa. Iniciamos fazendo uma breve retomada dos pressupostos da perspectiva histórico-cultural sobre o desenvolvimento humano, destacando os aspectos da teoria com os quais dialogamos, sobretudo nas análises. Em seguida, abordamos a questão da linguagem: como ela é concebida neste trabalho, sua relação com o pensamento e papel na elaboração de conceitos. Por fim, discutimos a especificidade do ensino escolar como lugar de desenvolvimento.

2.1 A natureza histórico-cultural do desenvolvimento humano

O ato biológico de nascer tem, no mundo humano, o caráter de um evento cultural (PINO, 2005, p. 151).

Segundo Vigotski (2000), o homem é um ser social, um agregado de relações sociais encarnadas num indivíduo. A existência humana, de acordo com o autor, pressupõe a passagem da ordem natural para a ordem cultural, transformação que caracteriza a história humana. Ao contrário de outros animais, a sociabilidade humana não é simplesmente dada pela natureza (como no caso da vida em sociedade de abelhas ou formigas, por exemplo), mas assumida pelo homem, o qual procura formas variadas de concretizá-la.

Afirmar que o desenvolvimento humano é cultural equivale, portanto a dizer que é histórico, ou seja, traduz o longo processo de transformação que o homem opera na natureza e nele mesmo como parte dessa natureza. Isso faz do homem o artífice de si mesmo (PINO, 2000, p. 51).

Assumir a natureza social do desenvolvimento humano implica considerar que a sua dimensão orgânica é impregnada pela cultura e marcada pela história (SMOLKA e NOGUEIRA, 2002). O desenvolvimento é, portanto, cultural e sua essência encontra-se na colisão dos desenvolvimentos das formas culturais da conduta, as quais a criança vai conhecendo, com as formas primitivas (orgânicas)

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que caracterizam seu próprio comportamento. Para Vigotski, o desenvolvimento infantil:

(...) se trata de um complexo processo dialético que se distingue por uma complicada periodicidade, a desproporção no desenvolvimento das diversas funções, a metamorfose ou transformação qualitativa de algumas formas em outras, um entrelaçamento completo de processos voluntários e involuntários, o completo cruzamento de fatores externos e internos, um complexo processo de superação de dificuldades e de adaptação (VIGOTSKI, 1931, p. 96 - tradução nossa).

Ao longo do seu processo de desenvolvimento, a criança se apropria das relações sociais no contexto das condições materiais vividas por ela. Assim, e nos limites de suas possibilidades reais, ela também vai elaborando as significações atribuídas pelos homens às coisas. Por esse motivo, o acesso aos bens materiais produzidos pelos homens é fundamental na determinação da consciência humana, uma vez que a maneira como o cérebro vai se configurando, em especial na infância e na adolescência, está diretamente relacionada com as condições concretas que o meio cultural oferece à criança.

Segundo Vigotski (1931), o processo de desenvolvimento cultural se dá à medida que o mundo vai sendo por ela significado em meio à sua relação com outro, ou melhor, é na interação social que os produtos de uma história coletiva humana podem ser apropriados em termos de seus significados histórico-culturais. O desenvolvimento cultural da criança, mais do que inserção dela na cultura, é inserção da cultura nela para torná-la ser cultural. É a construção de uma história pessoal no interior da história social dos homens, da qual aquela é parte integrante (PINO, 2000).

Assim, não é “o que o indivíduo é, a priori, que explica seus modos de se relacionar com os outros, mas são as relações sociais nas quais ele está envolvido que podem explicar seus modos de agir, de pensar, de se relacionar” (SMOLKA e NOGUEIRA, 2002, p. 81). Nesse sentido, podemos dizer que passamos a ser nós mesmos através dos outros.

O desenvolvimento cultural da criança passa por três etapas fundamentais: dirige-se primeiro ao objeto, depois à outra pessoa e, finalmente, a si próprio. Essa é a lei genética do desenvolvimento cultural, segundo a qual:

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...toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece em cena duas vezes, em dois planos: primeiro no plano social e depois no psicológico, a princípio entre os homens como categoria interpsíquica e então no interior da criança como categoria intrapsíquica (VIGOTSKI, 1931, p.103).

Para Vigotski (1931), as estruturas que nascem durante o processo de desenvolvimento cultural são qualificadas como superiores, pois representam uma forma de conduta geneticamente mais complexa. Tais funções psíquicas superiores (como a atenção voluntária e a memória lógica) são primeiramente externas, ou seja, são relações sociais entre duas pessoas, de forma que podemos dizer que aquilo que mais tarde é meio de influência sobre si mesmo foi, antes, meio de influência de outros sobre o indivíduo e meio de influência deste sobre os outros.

Dessa forma, as funções psíquicas tipicamente humanas, ou superiores, são aquelas forjadas a partir da interiorização das relações sociais e de suas significações. A relação do sujeito com o mundo, portanto, é sempre mediada. A mediação é aqui concebida como princípio teórico, na medida em que permite a interpretação das ações humanas como social e semioticamente mediadas.

Formas de mediação encontram-se presentes tanto no instrumento que condensa uma história de conhecimento e produção humana, como na própria pessoa que, participando das práticas sociais, internaliza e se apropria dos modos culturalmente elaborados de ação. Poderíamos dizer, portanto, que um aspecto da mediação é a incorporação desses instrumentos técnicos e simbólicos na estrutura da atividade humana, e que a atividade humana individual só se constitui na dinâmica das relações sociais (SMOLKA e NOGUEIRA, 2002, p. 83).

Através da mediação do outro, o meio social age na criança para criar nela as funções psicológicas de origem e natureza sociais. Essa mediação possui caráter necessariamente semiótico, uma vez que opera com os sistemas artificiais de sinalização criados pelo homem: os signos.

Os signos emergem como meio e modo de comunicação e, simultaneamente, de generalização para o outro e para si. [...] Na sua relação com os outros e com o mundo, o homem produz instrumentos auxiliares – técnicos e simbólicos – que constituem sua atividade prática, mental, possibilitando a ele transformar o mundo

enquanto ele próprio se constrói simbólica, histórica e

subjetivamente. A atividade humana socialmente organizada – as

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resultantes dessa produção – afeta os homens, os constitui, os transforma (SMOLKA e NOGUEIRA, 2002, p. 81).

A mediação semiótica é fundamental para explicar a conversão das funções naturais da criança em funções culturais, pois traduz a natureza e a função do signo como aquele que permite que as significações culturais possam ser incorporadas por cada pessoa. Pino (2000) coloca que, se a sinalização é a base mais geral das condutas animais e humanas, são os sistemas artificiais de sinalização criados pelo homem que dominam a atividade sinalizadora do cérebro. O encéfalo humano pode ser concebido, assim, como uma “máquina semiótica”.

A significação, portanto, confere ao social a sua condição humana, a qual foi histórica e culturalmente construída. A significação é uma chave para pensar a conversão das relações sociais em funções mentais. Esse processo de conversão é compreendido como “a mudança de um estado ou condição ‘x’ para um estado ou condição ‘y’ onde algo essencial permanece constante” (PINO, 2005, p. 112). Assim, as relações físicas entre pessoas são convertidas em relações semióticas dentro da pessoa, de forma que algo que antes ocorria somente no mundo público passa a ocorrer também no mundo privado.

É o próprio homem, assim, quem modifica a sua estrutura natural com a ajuda dos estímulos artificiais (signos), e sujeita a seu poder os processos da sua própria conduta. O signo, portanto, não muda nada no objeto, e sim fornece uma nova orientação ou reestrutura a operação psíquica. Tudo aquilo que o homem faz relacionado à sua conduta é através do emprego de meios artificiais de pensamento, em particular, com a utilização dos signos. Os vínculos formados através dessa atividade mediada pelos signos são produto de desenvolvimento cultural do homem.

O que significa o homem dominar a sua própria conduta?

Igual ao domínio de uns ou outros processos da natureza, o domínio do próprio comportamento não pressupõe a abolição das leis básicas que regem esses fenômenos, mas a subordinação a elas. Sabemos que a lei básica da conduta é a lei de estímulo-reação, portanto, não podemos dominar nossa conduta de outro modo que através de uma estimulação correspondente. A chave para o domínio do comportamento nos é proporcionada pelo domínio dos estímulos. Assim, o domínio da conduta é um processo mediado que se realiza sempre através de certos estímulos auxiliares (VIGOTSKI, 1931, p. 85 - tradução nossa).

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Cabe, aqui, falar da importância dos instrumentos psicológicos no processo de surgimento das funções psíquicas superiores. O instrumento psicológico é diferente de um instrumento ou ferramenta de trabalho. Os dois funcionam como elementos intermediários entre a atividade do homem e seu objeto. Porém, no caso da ferramenta de trabalho, sua finalidade está incorporada em sua forma material, de maneira que ela se torna um meio de ação do homem sobre a realidade. Já no caso do instrumento psicológico, seu objeto não está no mundo exterior, mas na atividade psíquica do sujeito. Ao invés de configurar-se como um meio de ação no mundo, o instrumento psicológico caracteriza-se como um meio de influência do sujeito sobre si mesmo, como um meio de autorregulação e de autodomínio.

Tanto os instrumentos de trabalho, quanto os instrumentos psicológicos, estão subordinados ao conceito da atividade mediatizante8, de acordo com o qual:

(...) o homem deixa os objetos do mundo trabalharem uns sobre os outros, em unção de sua natureza, visando a um objetivo determinado, que é atingido por meio dessa atividade, à qual ele não tem necessidade de se misturar. Causando uma atividade bem determinada entre os objetos do mundo, o homem se mantém no exterior dessa atividade, mas realizando, por meio dela, os seus objetivos (FRIEDRICH, 2012, p. 64).

Ao utilizar instrumentos de trabalho, o homem não age fisicamente sobre a natureza, emprega tais instrumentos como meios para a transformação daquela, de forma que sua atividade é mediatizada. Porém, ao utilizar instrumentos psicológicos, o sujeito não age fisicamente sobre a natureza, e sim:

(...) controla e influencia seu comportamento psíquico, sem que se misture nesse processo, já que ele não faz nada mais do que intercalar entre ele e seus processos psíquicos determinados meios que agem diretamente sobre o seu próprio comportamento psíquico, a fim de produzir o resultado desejado (FRIEDRICH, 2012, p. 66-67).

Ao utilizar um instrumento psicológico, o homem transforma seus processos psíquicos em uma atividade mediatizante. Na atividade mediatizante, o homem é, ao

8

O termo mediação é bastante difundido e empregado principalmente no contexto de ensino, de forma que ele pode acabar sendo esvaziado em seu significado. Por isso, neste trabalho, optamos por utilizar os termos trazidos por Friedrich (2012), mediatizada e mediatizante, a fim de distinguirmos os processos de mediação. No prefácio da obra de Friedrich, Smolka emprega também os termos mediada e mediadora, respectivamente, porém adotaremos os termos apresentados por Friedrich.

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mesmo tempo, ativo e passivo (quando se fala no plano psicológico), pois se configura como sujeito e também como objeto da sua própria atividade.

(...) na atividade mediatizante, o homem deixa a natureza agir sobre a natureza. As transformações desejadas são produzidas por meio de uma determinada constelação, na qual os objetos da natureza são postos pelo homem; uma constelação que faz com que os objetos, trabalhando uns sobre os outros, produzam o que foi projetado, sem que o homem intervenha nessa atividade (FRIEDRICH, 2012, p. 65).

O instrumento psicológico tem como função fazer com que os fenômenos psíquicos necessários para se realizar determinada tarefa se desenvolvam de uma forma melhor. Aqueles processos psíquicos que são dominados e regulados pelos instrumentos psicológicos são sempre processos naturais (FRIEDRICH, 2012). É a intervenção dos instrumentos psicológicos sobre tais processos psíquicos que se configura como artificial, uma vez que é produzida e desenvolvida pelo homem. O controle artificial dos processos psíquicos naturais, produzido e desenvolvido pelo homem com o auxílio dos instrumentos psicológicos, segundo Vigotski, é a essência do processo de desenvolvimento que possibilita o surgimento das funções psíquicas superiores (FRIEDRICH, 2012, p. 63).

Assim, podemos enumerar três características gerais que identificam um instrumento psicológico: (i) ser uma adaptação artificial; (ii) ter uma natureza social e (iii) ser destinado ao domínio dos próprios comportamentos psíquicos e dos outros (FRIEDRICH, 2012). Os possíveis instrumentos psicológicos são diversos: a linguagem, as diversas formas de contar e de cálculo, os meios mnemotécnicos, os símbolos algébricos, as obras de arte, a escrita, os esquemas, os diagramas, os mapas, todos os signos possíveis. Aqui, é importante fazer uma ressalva, pois apesar de qualquer objeto da realidade também poder tornar-se um signo, não é o conceito deste que identifica um instrumento psicológico.

Além disso, também é importante ressaltar que:

A simples utilização de instrumentos não caracteriza a atividade especificamente humana, dado que os animais também usam instrumentos. Mas é a produção, enquanto trabalho material e

simbólico, significativo, enquanto atividade prática e cognitiva, que distingue e instaura a dimensão histórica e cultural

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Retomando o que já foi dito, o desenvolvimento humano caracteriza-se por ser cultural, ou seja, ocorre a partir da apropriação das relações sociais das quais o sujeito participa. Aquilo que confere às relações sociais a sua condição humana é o processo de significação, o qual caracteriza tais relações como mediadas por signos. Essa mediação semiótica é chave para pensar a conversão das relações entre os homens, em funções psíquicas tipicamente humanas. Dessa forma, uma “análise semiótica é o único método adequado para estudar a estrutura do sistema e o conteúdo da consciência” (VIGOTSKI, 1934/1996, p. 188), motivo pela qual a discussão acerca da linguagem, e do signo palavra, torna-se fundamental.

2.2 Linguagem

A realidade efetiva da linguagem não é o sistema abstrato de formas linguísticas nem o enunciado monológico isolado, tampouco o ato psicofisiológico de sua realização, mas o acontecimento social da interação discursiva que ocorre por meio de um ou vários enunciados (VOLÓCHINOV, 2017, p. 218-219).

Como foi colocado, anteriormente, a forma verbal de linguagem pode atuar como um dos instrumentos psicológicos, sendo que falar do caráter instrumental da linguagem pode implicar duas posturas (SMOLKA, 1995). Primeiramente, pode-se conceber a linguagem como meio para atingir um fim, aproximando-se da concepção clássica de que a linguagem é somente um veículo de comunicação ou expressão. Uma segunda postura ao conceber a linguagem como instrumento seria colocá-la não simplesmente como meio, mas como parte da ação, como um elemento que a transforma. Mesmo que esta segunda concepção se afaste da noção meramente utilitária da linguagem, ainda não dá conta da sua complexidade e de suas peculiaridades.

Apesar de seu propósito ser a comunicação e interação, é necessário pensar a linguagem em seu aspecto interior (FRANCHI, 1992). Isso porque a função de comunicar não é a única função nem mesmo a função essencial da linguagem, uma vez que ela permite a reflexão e o pensamento. Assim, de acordo com Franchi:

(...) temos então que apreendê-la nessa relação instável de interioridade e exterioridade, de diálogo e solilóquio: antes de ser

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para a comunicação, a linguagem é para a elaboração; e antes de ser mensagem, a linguagem é construção do pensamento; e antes de ser veículo de sentimentos, ideias, emoções, aspirações, a linguagem é um processo criador em que organizamos e informamos as nossas experiências (FRANCHI, 1992, p. 25).

A linguagem permite reavaliar e interpretar continuamente o mundo, de forma que não é somente instrumento de inserção do homem no meio social, mas, sobretudo é instrumento de intervenção dialética nesse mundo. Distancia-se, portanto, do caráter de resultado e aproxima-se da ideia de trabalho, um trabalho que dá forma e conteúdo às experiências humanas. Ela opera na construção e retificação do vivido, ao mesmo tempo que “constitui o sistema simbólico mediante o qual se opera sobre a realidade e constitui a realidade como um sistema de referências em que aquele se torna significativo” (FRANCHI, 1992, p. 31).

A linguagem:

(...) nomeia, identifica, designa; recorta, configura, estabelece relações; mais do que um “meio”, é um modo de (inter/oper)ação: relação com outro, atividade mental; um modo, fundamental, de signficação (produção de signos, de sentidos). A linguagem tem a propriedade de remeter a si mesma, ou seja, fala-se da linguagem com e pela linguagem (SMOLKA, 1995, p. 9-10).

Podemos dizer, então, que a dimensão significativa é fundamental quando falamos em linguagem. Segundo Volóchinov (2017), a linguagem é a realidade material específica da criação ideológica humana, sendo esta compreendida como toda forma simbólica de produção. A linguagem é indicador das relações produtivas e do modelo sociopolítico vigente. Todas as formas de interação discursiva estão estreitamente ligadas às condições sociais concretas, de modo que as formas de comunicação cotidiana refletem o repertório de cada época e grupo social.

(...) dizemos que o homem produz linguagem, e se produz simultaneamente na/pela linguagem. Neste trabalho social e simbólico de produção de signos e sentidos, a linguagem não é só meio e modo de (inter/oper)ação, mas é também produto histórico, objetivado, é constitutiva/constituidora do homem enquanto sujeito (SMOLKA, 1995, p. 4).

A linguagem, nessa perspectiva, deve ser compreendida em funcionamento, em meio à interação verbal contextualizada na história e na ideologia. Ela é

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linguagem verbal, no sentido de que se dá por meio da palavra e se constitui na

dinâmica das relações e no trabalho de significação. Por esse motivo,

A possibilidade de compreensão de um enunciado não está, portanto, na língua em si e em sua correção, mas no movimento de produção/construção conjunta dos interlocutores em interação. O funcionamento do discurso não é apenas e integralmente linguístico e não se pode defini-lo senão em referência ao posicionamento dos protagonistas e objetos do/no discurso (SMOLKA, 1995, p. 8).

Além disso:

A importância da orientação da palavra para o interlocutor é extremamente grande. Em sua essência, a palavra é um ato bilateral. Ela é determinada tanto por aquele de quem ela procede quanto por aquele para quem se dirige. Enquanto palavra, ela é justamente o

produto das inter-relações do falante com o ouvinte. Toda palavra

serve de expressão ao “um” em relação ao “outro”. Na palavra, eu dou forma a mim mesmo do ponto de vista do outro e, por fim, da perspectiva da minha coletividade. A palavra é uma ponte que liga o eu ao outro. Ela apoia uma das extremidades em mim e a outra no interlocutor. A palavra é o território comum entre o falante e o interlocutor (VOLÓCHINOV, 2017, p. 205).

Como já foi colocado, mais do que possuir função comunicativa, a linguagem verbal permite a elaboração, organização e construção do pensamento. Isso faz dela ponto chave para compreender o desenvolvimento das funções psicológicas tipicamente humanas. É na e pela forma verbal de linguagem que o pensamento de realiza, mas o que isso quer dizer? Quais as implicações dessa concepção para o estudo do desenvolvimento humano?

Inicialmente, segundo Vigotski (2009), pensamento e linguagem não apresentam nenhuma relação ou dependência, de forma que o autor fala em um estágio intelectual no processo de formação da linguagem e um estágio pré-linguagem no desenvolvimento do pensamento na criança. Contudo, ao longo do processo de desenvolvimento histórico da consciência humana, as relações entre pensamento e palavra vão se constituindo como produto da formação do homem.

A fim de elucidar as questões da relação entre pensamento e linguagem, é necessária a análise dialógica, das palavras na sua dinâmica discursiva. . Nesse movimento, cabe o destaque para o significado da palavra. É ele que reflete da forma mais simples a unidade do pensamento e da linguagem:

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O significado da palavra, como tentamos elucidar anteriormente, é uma unidade indecomponível de ambos os processos e não podemos dizer que ele seja um fenômeno da linguagem ou um fenômeno do pensamento. A palavra desprovida de significado não é palavra, é som vazio. Logo, o significado é um traço constitutivo indispensável da palavra. É a própria palavra vista no seu aspecto interior. Deste modo, parece que temos todo o fundamento para considerá-la como um fenômeno do discurso. Mas, como nos convencemos reiteradas vezes, ao longo de toda nossa investigação, do ponto de vista psicológico o significado da palavra não é senão uma generalização ou conceito. Generalização e significado da palavra são sinônimos. Toda generalização, toda formação de conceitos é o ato mais específico, mais autêntico e mais indiscutível de pensamento. Consequentemente, estamos autorizados a considerar o significado da palavra como um fenômeno de pensamento (VIGOTSKI, 2009, p. 398).

Pensamento e linguagem se encontram, portanto, no significado da palavra. O significado, por ser uma generalização do ponto de vista psicológico, implica um ato de pensamento, ao mesmo tempo em que se configura como fenômeno do discurso, uma vez que a palavra sem significado é som vazio. Assim, não se pode reduzir a linguagem às formas gramaticais e às regras de sintaxe, uma vez que no signo a língua opera uma síntese entre a forma interior de pensamento e o material fonético.

O significado da palavra é histórico, desenvolve-se e modifica sua estrutura semântica com a língua, resultando também mudanças em sua natureza psicológica.

(...) o pensamento linguístico passa das formas inferiores e primitivas de generalização a formas superiores e mais complexas, que encontram expressão nos conceitos abstratos e, finalmente, que no curso do desenvolvimento histórico da palavra modificam-se tanto o conteúdo concreto da palavra quanto o próprio caráter da representação e da generalização da realidade na palavra (VIGOTSKI, 2009, p. 400-401).

O significado da palavra é formação dinâmica, (in)constante, modifica-se no processo de desenvolvimento do ser humano, sob os diferentes modos de funcionamento do pensamento. Uma vez que o significado da palavra pode modificar-se em sua natureza interior, também se modifica a relação entre pensamento e palavra. Essa relação tem caráter de processo, é um movimento do pensamento à palavra e da palavra ao pensamento. Trata-se de um

(34)

desenvolvimento funcional, e não etário. O pensamento não se exprime na palavra, mas nela se realiza. Por isso é possível falar de formação do pensamento na palavra.

Em termos de desenvolvimento da linguagem, é possível falar de dois planos. Em termos de seu desenvolvimento externo, se dá das partes para o todo: a criança começa juntando duas ou três palavras, depois caminha para o sentido de uma frase e, mais tarde, para uma linguagem ordenada por uma série desenvolvida de orações. De maneira diferente, do ponto de vista do desenvolvimento semântico interior da linguagem, a criança parte do todo, de uma oração, para depois aprender as unidades particulares de semânticas, os significados das palavras. Vigotski resume que o aspecto semântico transcorre em seu desenvolvimento “da oração para a palavra”, enquanto que o aspecto externo transcorre “da palavra para a oração” (VIGOTSKI, 2009, p. 411).

Contudo, essa decomposição da linguagem em seu aspecto semântico e externo não é dada desde o início do desenvolvimento. O pensamento da criança surge como um todo confuso e inteiro, de forma que, inicialmente, ela percebe a palavra como parte inseparável do objeto. Para a criança, é difícil separar o nome das propriedades do objeto, uma vez que os aspectos sonoro e semântico da palavra são, para ela, uma unidade imediata. Um dos pontos básicos para o desenvolvimento verbal da criança consiste, precisamente, em que essa unidade começa a diferenciar-se e a ser conscientizada (VIGOTSKI, 2009, p.419).

Nesse sentido, Vigotski postula a seguinte lei genética:

(...) ao iniciar-se o desenvolvimento, na estrutura da palavra existe a sua referencialidade concreta e exclusiva e, dentre as funções, existem apenas as funções indicativa e nominativa. O significado, independente da referencialidade concreta, e a significação, independente da indicação e da nomeação do objeto, surgem posteriormente... (VIGOTSKI, 2009, p. 420).

Essa diferenciação dos dois planos da palavra (externo e semântico) é acompanhada pelo desenvolvimento do pensamento. “A linguagem não serve como expressão de um pensamento pronto. Ao transformar-se em linguagem, o pensamento se reestrutura e se modifica” (VIGOTSKI, 2009, p. 412).

Assim, a diferenciação entre significado verbal e objeto, entre significado e forma sonora da palavra, vai ocorrendo ao longo do processo de desenvolvimento,

(35)

na medida em que se desenvolve a generalização, e culmina nos conceitos verdadeiros.

2.2.1 Linguagem e elaboração conceitual

De acordo com Vigotski (2009), todas as funções psíquicas superiores têm como característica o fato de serem processos mediados, ou seja, de incorporarem à sua estrutura o emprego de signos como meio fundamental de orientação e domínio dos processos psíquicos. A elaboração conceitual, compreendida como uma de tais funções superiores, apresenta-se como um processo mediado pelo signo palavra, a qual, primeiramente, tem papel de meio para formação do conceito e depois se torna seu símbolo.

A questão fundamental no processo de formação de conceitos é o emprego funcional da palavra ou signo como meio através do qual o sujeito consegue dominar o fluxo dos seus próprios processos psicológicos, orientando a sua atividade no sentido de resolver o problema que tem pela frente (VIGOTSKI, 2009). A palavra atua como meio de orientação ativa da compreensão, do desmembramento e da discriminação de traços, de sua abstração e síntese. O conceito, portanto, é impossível sem palavras, não existe fora do pensamento verbal. A palavra configura-se como meio de conceitualização (FRIEDRICH, 2012), ela atua como instrumento psicológico, à medida que é com a ajuda de palavras que a criança forma conceitos.

Só o estudo do emprego funcional da palavra e do seu desenvolvimento, das suas múltiplas formas de aplicação qualitativamente diversas em cada fase etária, mas geneticamente inter-relacionadas, pode ser a chave para o estudo da formação de conceitos (VIGOTSKI, 2009, p. 162).

Se, por um lado, a elaboração de conceitos só é possível através do emprego da palavra, seu surgimento parte como processo orientado para a resolução de um problema. O desencadeador de todo o desenvolvimento da formação de conceitos não está dentro, mas fora do sujeito: são os problemas que o meio social coloca diante dele que provocam esse processo. Assim, como toda função psicológica

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tipicamente humana, a formação de conceitos é processo histórico e social, de forma que:

(...) onde o meio não cria os problemas correspondentes, não apresenta novas exigências, não motiva nem estimula com novos objetivos o desenvolvimento do intelecto, o pensamento do adolescente não desenvolve todas as potencialidades que efetivamente contém, não atinge as formas superiores ou chega a elas com um extremo atraso (VIGOTSKI, 2009, p. 171).

É possível ver que, para Vigotski, o conceito não está apenas em ligação com o saber verbal, mas também com a realidade experimentada e compreendida pela criança. O conceito não é simplesmente expressado pela palavra, mas sim pensado em função da relação que a criança mantém com o mundo (FRIEDRICH, 2012, p. 78). Porém, é somente através do estudo funcional da palavra (verbum) que se torna possível identificar diferentes formas de conceitualização do mundo em função da idade das crianças. Permite afirmar a existência de diferentes estados de formação de conceitos.

Segundo Vigotski, o desenvolvimento da formação de conceitos começa na fase mais precoce da infância, apesar de as funções intelectuais, que constituem a base psicológica desse processo, só amadurecerem e configurarem-se na puberdade. A criança, desde muito cedo, desenvolve equivalentes funcionais de conceitos, os quais tornam possível a comunicação dela com os adultos. Apesar disso, as formas de pensamento que a criança utiliza ao lidar com as tarefas diferem profundamente das do adulto em sua composição, sua estrutura e seu modo de operação.

A partir de seus estudos e experimentos realizados, Vigotski distingue três estágios9 básicos do desenvolvimento dos conceitos. Em um primeiro momento, denominado de estágio sincrético, o significado atribuído pela criança à palavra tem profunda ligação com suas impressões e percepções subjetivas. A criança associa, a partir de uma única impressão, os elementos mais diversos. Apesar disso, a criança se encontra frequentemente no significado de suas palavras com os adultos, permitindo que eles se entendam.

9

A discussão completa sobre os estágios de elaboração conceitual pode ser encontrada em Vigotski (2009).

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