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Brava Companhia em processos : um estudo da relação entre arte e política a partir da criação do espetáculo JC = Brava Companhia in processes: a study of the relation between art and politics on the creation of the theatre play JC

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

CRISTIANE MALAGOLI TAGUCHI

BRAVA COMPANHIA EM PROCESSOS

UM ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE ARTE E POLÍTICA A PARTIR DA CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO JC

BRAVA COMPANHIA IN PROCESS: A STUDY OF THE RELATION BETWEEN ART AND POLITICS ON THE CREATION OF THE THEATRE

PLAY JC

CAMPINAS 2017

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CRISTIANE MALAGOLI TAGUCHI

BRAVA COMPANHIA EM PROCESSOS

UM ESTUDO DA RELAÇÃO ENTRE ARTE E POLÍTICA A PARTIR DA CRIAÇÃO DO ESPETÁCULO JC

BRAVA COMPANHIA IN PROCESS: A STUDY OF THE RELATION BETWEEN ART AND POLITICS ON THE CREATION OF THE THEATRE

PLAY JC

Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título Mestra em Artes da Cena, na Área de Concentração: Teatro, Dança e Performance.

Dissertation presented to the Art Institute of the University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for the degree of Master in scene arts, area of concentration: theater, dance and performance.

ORIENTADORA: LARISSA DE OLIVEIRA NEVES CATALÃO

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA CRISTIANE MALAGOLI TAGUCHI E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. LARISSA DE OLIVEIRA NEVES CATALÃO

CAMPINAS 2017

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Taguchi, Cristiane Malagoli,

T129b TagBrava Companhia em processos : Um estudo da relação entre arte e política a partir da criação do espetáculo JC / Cristiane Malagoli Taguchi. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

TagOrientador: Larissa de Oliveira Neves Catalão.

TagDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

Tag1. Brava Companhia (Companhia teatral). 2. Teatro. 3. Teatro - Aspectos políticos. I. Catalão, Larissa de Oliveira Neves,1978-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Brava Companhia in processes : A study of the relation between art and politics on the creation of the theatre play JC

Palavras-chave em inglês:

Brava Companhia (Companhia teatral) Theater

Theater - Political aspects

Área de concentração: Teatro, Dança e Performance Titulação: Mestra em Artes da Cena

Banca examinadora:

Larissa de Oliveira Neves Catalão [Orientador] Melissa dos Santos Lopes

Carina Maria Guimarães Moreira Data de defesa: 28-07-2017

Programa de Pós-Graduação: Artes da Cena

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CRISTIANE MALAGOLI TAGUCHI

ORIENTADORA – PROFA. DRA. LARISSA DE OLIVEIRA NEVES CATALÃO

MEMBROS:

1 PROFA. DRA. LARISSA DE OLIVEIRA NEVES CATALÃO 2. PROFA. DRA. MELISSA DOS SANTOS LOPES

3. PROFA. DRA. CARINA MARIA GUIMARÃES MOREIRA

Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno(a).

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Agradecimentos

À FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, pela bolsa concedida para desenvolvimento desta pesquisa.

À minha orientadora, Profa. Larissa de Oliveira Neves Catalão, pela orientação atenciosa dedicada a essa pesquisa e a essa pesquisadora que vos escreve. Aos meus companheiros de pesquisa do grupo Letra e Ato, pelas discussões realizadas nos encontros que tivemos.

Aos professores: Mário Santana e Verônica Fabrini, pelas importantes considerações feitas na banca de qualificação dessa pesquisa; Jorge Schröder e Cassiano Sidow Quilici, pelas discussões e provocações em aula; Mariana Baruco, pela competente coordenação do curso de pós-graduação em Artes da Cena; Melissa Lopes e Carina Guimarães, pela participação generosa e sensível na banca de defesa dessa pesquisa.

Aos funcionários do Instituto de Artes: Luiz Antonio Gasparin, pela atenção com que atende a todos do Instituto e pelas conversas boas e divertidas que temos de tempos em tempos; Letícia Cardoso Silva Machado e Neuza Lazarini Trindade, pela atenção e paciência.

Aos amigos queridos: Grá, Valter, Matheus, Allan, Cynthia, Érika, Maíra, Nilton, Dessa, Belle, Nath Ogs, Tata e Line; pelas conversas boas, encontros, cervejas, vinhos, risadas, baladas, trabalhos e tudo mais que tanto alimenta minha vida.

À Jujus, pela amizade de sempre e para sempre.

Aos integrantes da Brava Companhia por toda generosidade com que contribuíram para essa pesquisa e pelo trabalho forte e resistente que tanto me inspirou.

Aos companheiros de caminhada incerta e improvisada: Renan Villela e Miguel Damha. Parceiros de Companhia dos Náufragos e de vida. Obrigada pelo apoio, pelos projetos, espetáculos, peças; por compartilharem sonhos e

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pesadelos comigo e por esperarem pacientemente a finalização desse ciclo para seguirmos rumo ao próximo porto.

Ao Bruno Cabral, pela leitura cuidadosa das minhas páginas e papeizinhos bagunçados; pelo companheirismo nas noites insones; pela paciência, carinho e cuidados; por todas as palavras e gestos de amor.

À minha família, especialmente à minha mãe Isabel, ao meu pai Carlos e à minha irmã Tatiana, pelo amor incondicional e pelo apoio que sempre manifestaram a todas as aventuras a que me lancei. A certeza de contar com vocês no meu caminho, me leva mais longe e me faz mais forte. Obrigada, amo vocês!

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RESUMO

A presente pesquisa propõe uma análise do espetáculo JC da Brava Companhia - temáticas e ferramentas de linguagem utilizadas - aliada ao estudo do processo de criação da peça, tendo como perspectiva sua contemplação no edital de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. A dissertação discute a relação do grupo com o contexto em que está inserido geográfica e politicamente, além de realizar breve digressão acerca do histórico da Brava Companhia - espetáculos, temáticas recorrentes, ações políticas, - e do movimento Arte Contra a Barbárie.

PALAVRAS-CHAVE: Brava Companhia (Grupo Teatral); Teatro; Teatro – Aspectos Políticos.

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ABSTRACT

The present research proposes an analysis of Brava Companhia 's theatre play JC - subject matters and language tools used - allied to the study of the process of creation, having as perspective its relationship with the Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo law. The dissertation discusses the group's relationship with the context in which it is geographically and politically inserted, as well as making a brief tour of the Brava Compania's history - plays, recurrent themes, political actions, and the Arte Contra a Barbárie movement.

KEY WORDS: Brava Companhia (Theatre Group); Theatre; Theater - Political aspects.

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Sumário

APRESENTAÇÃO ... 11

BRAVA COMPANHIA ... 16

O grupo, espetáculos, temas e pesquisas. ... 16

Arte Anticapitalista ... 26

ARTE POR QUE, COMO E PARA QUEM? ... 35

Direito Cultural e Política Pública ... 35

Movimento Arte Contra a Barbárie ... 39

Fomento ao Teatro Para a Cidade de São Paulo ... 48

Críticas e considerações à Lei ... 51

A Brava Companhia e o Fomento ... 53

BASTIDORES DO JC ... 56 O Processo de criação ... 56 Princípios de trabalho ... 59 Referências e temáticas ... 64 JC ... 73 Quadros ... 75 Prólogo I ... 75 Prólogo II ... 85 Ventríloquo e Pimpão ... 92 Super-Homem x Homem-Bomba ... 99

A Via Crucis de JC e seus apóstolos ... 100

Cena 01: Banda e gabinete ... 100

Cena 04: Comercial... 109

Cena 09: Judas sai da peça ... 111

Cena 13: Morte e ressurreição ... 114

Epílogo ... 116

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 118

BIBLIOGRAFIA GERAL ... 121

ANEXOS ... 125

Entrevistas ... 125

Arte Contra a Barbárie ... 201

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Manifesto II ... 205

Manifesto III ... 209

Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo ... 211

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APRESENTAÇÃO

A primeira vez que ouvi sobre o trabalho da Brava Companhia foi através de uma grande amiga de infância, que estava trabalhando no Sacolão das Artes, sede do grupo na época. Ela me contou que a Brava era um coletivo engajado politicamente na região – bairro do Parque Santo Antônio, próximo de onde morávamos eu e minha amiga -, que mantinha sua produção na periferia e levava espetáculos para serem apresentados por lá. Desconfiei um pouco: teatro, para mim, era aquele que assistíamos no centro de São Paulo ou nas universidades; no máximo em algum Shopping Center. Dificilmente veríamos uma boa peça, em um galpão ocupado, no meio da periferia paulistana. Foi então que assisti Este Lado Para Cima – isto não é um espetáculo.

A potência da peça me fez repensar essa desconfiança; eram inúmeras as sensações e provocações, assim como a diversão e o aprendizado com o espetáculo. Comecei a acompanhar o grupo: fiz oficinas, participei de debates com eles e assisti a outros espetáculos. Muitas coisas chamavam a minha atenção no trabalho - as temáticas abordadas, o senso de humor, a qualidade técnica – mas, o que mais me surpreendia era a atitude dos atores em cena. Lembro que a primeira vez que assisti ao espetáculo O

Errante fiquei extremamente confusa, sem saber o que achar ou pensar sobre

a quantidade de informações que me foram expostas ali: imagens, músicas, luzes, projeções. Mas uma coisa era certa: aqueles atores tinham a minha atenção. Eles queriam, acima de qualquer coisa, comunicar e discutir assuntos importantes para eles e para a sociedade. Não era a beleza do cenário, a destreza dos corpos ou os detalhes bem construídos do figurino; o encanto maior se deu nos olhos e para os olhos, na sinceridade e na necessidade daquilo que se faz, na urgência de falar sobre coisas importantes.

Em 2013 participei de um dos Ciclos de Estudos Práticos e Teóricos – ministrados pelo grupo e que fizeram parte da criação do espetáculo

JC – me aproximando mais do trabalho e do pensamento do coletivo. Nesses

ciclos, estudamos questões relacionadas às construções ideológicas e às relações de trabalho dentro do sistema capitalista; eixos temáticos que

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estavam sendo investigados pela Brava para a criação de seu próximo espetáculo.

Mais ou menos nessa mesma época, tive um encontro com Tiche Vianna (no Barracão Teatro em Campinas) para ouvir um pouco sobre a organização de um grupo de teatro; como funciona, quais as prioridades, desafios, necessidades, etc. Entre outras coisas, Tiche me entregou um exemplar do livro Teatro e vida pública – o fomento e os coletivos teatrais de

São Paulo e me explicou um pouco sobre a incompatibilidade do teatro com a

lógica mercadológica na qual estamos mergulhados. Ela enfatizou que alguns aspectos da vida não podem se submeter ao mercado e que o Estado tem o dever de zelar por algumas necessidades básicas como saúde, educação e cultura.

Essas questões, que envolvem a relação do teatro com a sociedade, sempre me instigaram, e ganharam força a partir desses encontros – fundamentais na minha formação enquanto atriz e pesquisadora. Desde o primeiro contato com a obra de Bertold Brecht – ainda na faculdade de Artes Cênicas – até o desenvolvimento dessa presente pesquisa venho questionando a potência transformadora da arte, as responsabilidades acarretadas por essa força, as formas possíveis e viáveis de se produzir teatro no nosso contexto e a própria história do teatro. Dissertar um pouco sobre esses temas, foi um grande desafio, mas ter os trabalhos da Brava Companhia como fio condutor foi extremamente inspirador e encorajador.

A pesquisa tem como proposta o estudo e a análise do espetáculo JC da Brava Companhia (São Paulo – SP), estreado em 2014; levando em consideração, não apenas seus elementos técnicos, mas também as temáticas abordadas pela peça e o processo de criação que proporcionou o desenvolvimento destas.

Para realizar tal pesquisa, dividimos a dissertação em quatro capítulos: o primeiro traz um breve histórico do grupo, seguindo a linha cronológica de criação de espetáculos, a saber: A Brava (2007), O Errante

(2010), Este Lado Para Cima- isto não é um espetáculo (2010), Corinthians, meu amor – segundo Brava Companhia – Uma homenagem ao Teatro Popular União e Olho Vivo (2012), JC (2014) e o experimento cênico Show do Pimpão (2017). Esse capítulo inicial também trata de algumas das principais questões

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investigadas pela Brava, sobretudo em JC. As pesquisas são apresentadas nos espetáculo e os principais temas são expostos; a fim de que possamos identificar o desenvolvimento das discussões a cada trabalho. Dessa maneira, travamos contato com a abordagem do grupo a respeito da Indústria Cultural, da Sociedade do Espetáculo, das relações de trabalho enquanto elemento inserido numa sociedade dividida em classes, entre outros estudos. Ainda no início, a pesquisa traz um pouco das influências da Brava Companhia: teóricos, filósofos, diretores teatrais, etc.

O segundo capítulo faz uma reflexão a respeito do reconhecimento do teatro – e da arte – como direito humano fundamental e da necessidade de proteção e divulgação da cultura por parte do Estado. A discussão parte desse pressuposto para contextualizar e expor o histórico de lutas da classe artística paulistana nos anos 90 e 2000 que culminaram no movimento Arte Contra a Barbárie e conquistaram, entre outras coisas, a Lei de Fomento ao Teatro Para a Cidade de São Paulo, através da Lei 13.279.

A Brava Companhia foi contemplada pelo edital do Fomento ao Teatro em cinco edições e muitas das ações fomentadas tiveram influência direta na construção do espetáculo JC. Isso porque a concepção do processo de criação do espetáculo parte de um entendimento expandido de fazer teatral, que ultrapassa a ideia de teatro enquanto evento pontual, finito em si. A criação de JC traz consigo um pensamento complexo de ações de formação (tanto dos artistas, quanto do público) em diferentes frentes que extrapolam a lógica de ensaio e apresentação. É necessário então, entender o teatro para além de um evento pontual e localizado, mas expandir a compreensão do fenômeno teatral como conjunto de relações que envolvem o processo e as condições materiais de criação, para entendimento da obra.

A terceira parte trata do processo de criação, das temáticas abordadas pelo espetáculo e dos princípios que nortearam o trabalho. O capítulo traz alguns detalhes a respeito das diversas ações realizadas pelo grupo – palestras, ciclos de trabalho, criação de experimentos cênicos – que contribuíram no desenvolvimento da peça.

O último capítulo analisa a dramaturgia e a cena de JC, a partir do estudo do processo de criação da peça, levando em consideração o modo de

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produção praticado pelo grupo; o tempo de elaboração da obra; as dinâmicas de trabalhos; os ensaios e as práticas vivenciadas; etc.

Fruto de intensa pesquisa, JC reúne estudos já consolidados do grupo a respeito da sociedade capitalista e suas implicações – divisão social do trabalho, luta de classes, sociedade do espetáculo –, com questionamento da própria Brava a respeito de seu trabalho. Munido de um refinado aparato técnico e um grande acúmulo poético, o grupo se coloca no centro dessa sociedade (capitalista) e discute o seu fazer nesse contexto. O espetáculo conta a história de um coletivo artístico, localizado na periferia de uma grande cidade, que procura realizar obras de cunho político, crítico, questionador da ordem vigente. Em determinado momento, seus integrantes serão tentados a assinar um contrato com um agente da Indústria Cultural, podendo melhorar assim, suas condições de trabalho e vida. Além das cenas que conduzem a narrativa, algumas cenas independentes apresentam ao espectador novos dados acerca das questões colocadas pela trajetória do grupo. Dessa maneira,

JC não apresenta versões dos fatos, o espetáculo traz informações,

argumentos e problemas a serem discutidos e pensados pelo público e pelos artistas. É o trabalho de um grupo de teatro em constante questionamento, JC abre o caminho e convida o espectador a dissecar a complexa questão da função social do artista na contemporaneidade.

O espetáculo foi concebido para ser um “ensaio”, no sentido de ser objeto de estudo, um ponto de apoio para a elaboração do pensamento e do debate, que se constroem no momento em que a peça é compartilhada com o público. Existe tensão e contradição a todo o momento, o que torna a obra ainda mais rica, complexa e difícil de ser realizada. Não seria possível se a criação tivesse que se submeter às regras do mercado, tanto pela sua temática e tempo de elaboração (cerca de seis anos); quanto pela extensa pesquisa de linguagem necessária para dar conta do assunto complexo. Na lógica mercadológica é necessário que se produza sucessos e certezas; na pesquisa, o erro, mais que permitido, é necessário. Por isso, a criação de JC só foi possível graças às contemplações no Fomento, que permitiram, não apenas as condições materiais para a montagem do espetáculo, mas também a pesquisa continuada e sedimentada da Brava Companhia. JC é instrumento de reflexão,

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sobretudo para artistas e interessados em discutir a situação da arte no nosso contexto.

Anexo a essa analise estão duas entrevistas realizadas com o diretor do espetáculo Fábio Resende e uma com a atriz Rafaela Carneiro; nessas conversas é possível entender melhor o cotidiano de trabalho do grupo e a relação da Brava com o Fomento.

As três edições do Manifesto Arte Contra a Barbárie e a Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo na íntegra também constam no final desta dissertação para eventuais consultas.

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BRAVA COMPANHIA

O grupo, espetáculos, temas e pesquisas.

A Brava Companhia é um coletivo artístico, sediado na zona Sul de São Paulo (SP), com consistentes pesquisas e atividades teatrais. Composto por 11 pessoas - Ademir de Almeida, Cristiane Lima, Fábio Resende, Henrique Alonso, Joel Carozzi, Kátia Alves, Luciana Gabriel, Marcio Rodrigues, Max Raimundo, Rafaela Carneiro e Sérgio Carozzi - o coletivo mantém 5 espetáculos em repertório: A Brava (2007), O Errante (2010), Este Lado Para

Cima - Isto não é um espetáculo (2010), Corinthians Meu Amor - Segundo a Brava Companhia - Uma homenagem ao Teatro Popular União e Olho Vivo

(2012) e JC (2014); Além de dois experimentos cênicos - A Quadratura do

Círculo e Júlio e Aderaldo: Um dia na vida de dois sobreviventes - concebidos

em 2013, adaptados a partir de textos de Reinaldo Maia1. Recentemente o

grupo também apresentou (em caráter de pré-estreia) o espetáculo O Show do

Pimpão.

O trabalho artístico da Brava Companhia tem se desenvolvido de maneira inovadora tanto do ponto de vista estético, quanto do ponto de vista político. O grupo mantém uma importante pesquisa acerca dos elementos técnicos teatrais, visando aprimorar e ampliar a comunicação com seu público. O estudo teatral se dá sempre em função de construir e aprofundar reflexões acerca de questões sociais, públicas; em função do desenvolvimento de um pensamento crítico em relação a questões sociais urgentes, tanto do público, quanto dos próprios integrantes do grupo.

Durante quase dez anos, a Brava Companhia esteve sediada no Sacolão das Artes - antigo galpão municipal que, fomentado pelo poder público, tinha a função de fornecer itens hortifrutigranjeiros a preços mais baixos para a população do Parque Santo Antônio (periferia da capital paulista). O comércio parou de funcionar ali e o espaço foi abandonado. Após intensa mobilização dos moradores locais, o galpão foi transformado em espaço sociocultural e teve a Brava como integrante fundamental tanto do

1

Reinaldo Maia foi um dos fundadores do grupo Folias d´Arte, onde atuou como ator, diretor e dramaturgo. Maia foi um dos articuladores do movimento Arte Contra a Barbárie e exerceu grande influência na formação do pensamento político e estético da Brava Companhia.

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processo de ocupação, quanto na manutenção do lugar e de suas atividades. Os Cadernos de Erros da Brava Companhia2 explicam com mais detalhes essa trajetória e como se dava o funcionamento do espaço na época em que o grupo fazia parte de sua administração.

Nos anos em que esteve sediado no Sacolão das Artes, o grupo realizou, além da criação e difusão de espetáculos teatrais, outras diversas atividades como debates, palestras, cursos livres de teatro, assembleias populares; visando sempre expandir os espaços de informação e discussão com o público. A maior parte do longo processo de criação de JC – que veremos mais detidamente no capítulo 3 desta dissertação – se deu nesse espaço.

Em 2016 o grupo deixou o Sacolão das Artes e se instalou em um novo espaço no Parque Santo Amaro, próximo ao M. Boi Mirim, também na zona Sul da Capital, onde segue realizando criações e apresentações de espetáculos.

A Brava Companhia é um grupo de artistas militantes, fortemente influenciados pelas teorias de Karl Marx3 e de Bertold Brecht4 – teorias políticas de esquerda –, que questionam o funcionamento do sistema econômico capitalista e buscam apresentar alternativas ao modo de produção desse sistema.

O pensamento político do grupo tem influências diretas em suas ações e criações, tanto na escolha dos temas abordados, quanto na forma e dinâmica do trabalho entre os membros do coletivo.

Sobre as temáticas pesquisadas pela Brava Companhia em seus espetáculos, a professora Iná Camargo Costa5 observa:

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Conjunto de publicações do grupo que visa compartilhar processos de trabalho, reflexões, histórias, dramaturgias, etc. IV volumes foram publicados até o momento e serão muito referenciados ao longo dessa dissertação. Os exemplares impressos foram distribuídos gratuitamente, e as versões em pdf estão disponíveis em http://blogdabrava.blogspot.com.br/p/cadernos-de-erros.html

3

Karl Marx foi um sociólogo alemão que desenvolveu, entre outas coisas, diversas teorias econômicas e sociais que criticam o sistema capitalista e propõem a organização comunista como alternativa.

4

Poeta, dramaturgo, diretor e teórico teatral. Brecht desenvolveu importante pesquisa a respeito do teatro épico.

5

Professora aposentada da USP, é ensaísta e pesquisadora de teatro. Autora de livros como “A Hora do Teatro Épico no Brasil” e “Nem uma lágrima – Teatro Épico em perspectiva dialética”; ambos

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A pesquisa deste grupo é extremamente ampla, a começar pelos temas de que trata. Em enumeração, necessariamente abstrata, diríamos que alguns dos seguintes temas são permanentemente pesquisados em profundidade pelos integrantes da Brava: Estado, mercado, poder, dominação, cultura, trabalho, luta de classes e suas infinitas combinações, as quais produzem as aparências (ou figurações) do fetichismo, a começar pela religião – tanto a instituída e posta no primeiro plano, como no caso do espetáculo A Brava, que dá nome à companhia, quanto à aparentemente informal que fica na sombra (e assombra) em quase todos os espetáculos (ALMEIDA, Ademir, 2015d, p. 9).

Nesse texto (trecho do prefácio da primeira edição do Caderno de

Erros da Brava Companhia IV) a professora Iná apresenta uma síntese dos

temas mais recorrentes no trabalho do grupo, destacando a crítica à instituição religiosa presente, de forma mais evidente, no espetáculo A Brava (2007). Esse tema realmente é uma questão instigadora para o grupo, haja vista que JC, desde a escolha do título, também aborda o papel das instituições religiosas de maneira crítica.

A peça se utiliza da história de Joana D´Arc – mártir francesa que atuou como chefe militar durante a Guerra dos Cem Anos – para exaltar o espírito de luta; exaltar a coragem de levantar-se contra as instituições detentoras do poder (sobretudo a Igreja Católica e a aristocracia feudal) em nome daquilo em que se acredita, em nome da justiça. A Brava é uma ode aos guerreiros, aos rebeldes, aos bravos.

O espetáculo aproveita uma história real, porém, na versão do grupo, são ressaltados alguns aspectos da história: fatos que auxiliam na crítica às instituições hierárquicas e ao poder; que destacam a insurreição da heroína contra aqueles que a oprimem.

Essa estratégia, de valer-se de histórias já conhecidas, também foi utilizada por Brecht, como em A vida de Galileu (1937), Antígona (1948), Santa

Joana dos Matadouros (1929), etc. Esse aspecto da narrativa auxilia na

aproximação do espetáculo com o público, pois a fábula (ou a grande parte dela) que é narrada já lhe é familiar. Percebemos aqui a forte influência do pensamento brechtiano na prática da Brava Companhia, que se utiliza desse mesmo expediente criativo também no processo de JC, como veremos mais adiante.

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O Errante (2010) foi criado a partir de estudos sobre os livros A Sociedade do Espetáculo (1967) de Guy Debord e O Grande Mentecapto (1979) de Fernando Sabino. O espetáculo conta, assim como o livro de Sabino,

as andanças de Geraldo Viramundo, suas aventuras e descobertas. Porém, na criação da Brava Companhia, o funcionamento do mundo é determinado pela Sociedade do Espetáculo. Geraldo Viramundo deixa sua cidade natal em busca de respostas para seus questionamentos; se apaixona pela celebridade Ana Léxia e segue buscando encontrar e conquistar sua amada. O caminho de Geraldo se torna árduo e constituído de sucessivos erros, pois não consegue atingir seu objetivo com Ana Léxia, nem encontra as respostas que esperava. Porém, o conjunto de erros de Geraldo o encaminha para a descoberta do mecanismo espetacular do qual ele faz parte e pelo qual foi iludido. Ele percebe que grande parte daquilo em que ele acreditou durante sua vida toda fazia parte de uma realidade construída e manipulada.

Reforçando essa ideia, a encenação da peça é realizada de maneira espetacular, valendo-se de transmissões ao vivo, músicas eletrônicas, uso de microfones, de efeitos de iluminação e fumaça cênica; remetendo à linguagem utilizada e desgastada da grande mídia. Em diversos momentos, Geraldo questiona o uso desses artifícios, evidenciando a falta de sentido das imagens geradas por esse mundo do espetáculo.

O Errante marca o início da pesquisa do grupo intitulada Teatro da

Contra- Imagem, que seguirá influenciando os trabalhos da Brava até JC. Trata-se do estudo aprofundado da Sociedade do Espetáculo (sua origem, seus mecanismos de funcionamento e consequências, tanto na subjetividade de cada um, quanto na dinâmica social imposta por ela) e da tentativa de responder artística e politicamente a essa situação, reconstituindo aspectos relacionados às imagens e expondo-os ao público. O principal aspecto da Sociedade do Espetáculo é a separação das coisas materiais de seus processos históricos; a separação das coisas de seus reais significados. Ou seja, na transformação da realidade em imagem plana, chapada; sem passado nem futuro, sem origem nem consequência. De acordo com a teoria crítica da Sociedade do Espetáculo, a imagem que associamos às coisas são imagens construídas e não revelam a realidade material do mundo, mas distorcem a nossa percepção.

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Desta maneira, nosso entendimento em relação às coisas e às pessoas, se dá através do reconhecimento imediato de uma imagem; essa imagem é construída pela Sociedade do Espetáculo que confere à ela o significado que lhe convier. Assim, temos a impressão de que conhecemos o mundo, quando, na verdade, estamos apenas reconhecendo imagens que nos foram impostas e tudo aquilo que resolveram que elas deveriam significar. Nossa percepção do mundo e das relações está constantemente mediada pelos ditames da Sociedade do Espetáculo. Por exemplo, ao nos depararmos com um aparelho de telefone celular de última geração, não enxergamos um aparelho de telefone, com determinadas funções, criado, produzido e comercializado por trabalhadores, em determinadas condições, com o custo de x reais, etc.; enxergamos o altíssimo valor atribuído e pago por ele (bem maior do que seu custo de produção), o status, a sensação de felicidade e de sucesso de quem o possui. Tudo isso faz parte da imagem que a Sociedade do Espetáculo construiu e que reconhecemos em um objeto, que perde sua característica material possuindo apenas seu valor simbólico; e esse valor simbólico é atribuído de acordo com a ideologia dominante do sistema econômico que vivemos, o sistema capitalista.

Iná Camargo Costa, em uma conversa realizada em 05 de dezembro de 2009 no espaço do Sacolão das Artes6 – a pedido da Brava Companhia –, após longa e didática explanação, resume a teoria de Guy Debord:

O Espetáculo é uma relação social e a relação interpessoal mediada por imagens. É o modelo atual da vida que domina na sociedade. É a justificação total das condições e dos objetivos do sistema capitalista. O espetáculo é o discurso ininterrupto que a ordem atual faz a respeito de si mesma. É um monólogo laudatório. Começa no pseudo-diálogo da vida cotidiana e familiar, desenvolve-se na vida econômica, é cultivado metodicamente na universidade e constitui o oxigênio dos meios de comunicação. Como elemento constitutivo do espetáculo, a publicidade é mentira metódica. Cada nova mentira da publicidade é também confissão da mentira anterior. (ALMEIDA, Ademir, 2015a, p. 116)

6

A transcrição dessa conversa está disponível no Caderno de Erros I e a gravação pode ser assistida na íntegra no canal da Brava Companhia no YouTube em https://www.youtube.com/watch?v=Y-JwqQowAdk

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Nesse trecho, a professora nos chama atenção para o fato de que o espetáculo está presente em todas as nossas relações, e que esse mecanismo foi construído em diferentes esferas da nossa vida – nas relações familiares, na vida econômica, na universidade – e é mantido estrategicamente pela publicidade e pelos meios de comunicação. Iná também ressalta a função exercida pelo espetáculo para manter a ideologia do sistema capitalista. Afirma que “o espetáculo é a justificação total das condições e objetivos do sistema capitalista”, ou seja, o espetáculo atua na legitimação do modo de vida capitalista.

Ainda sobre a relação das pessoas com as imagens construídas na Sociedade do Espetáculo, Max Raimundo escreve:

Estamos cercados por imagens que nos guiam cotidianamente, desde um anúncio de vendas que nos faz comprar determinada mercadoria, imagem exterior, com a qual nos relacionamos de forma passiva, até aquelas interiores, às quais recorremos em momentos imaginativos. Mas, o que essas imagens nos dizem e o que elas nos escondem, sobretudo, as exteriores, uma vez que mesmo as imagens de nossa imaginação e de nossos sonhos são reflexos das imagens exteriores, da realidade objetiva, reflexo organizado de acordo com a lógica subjetiva de nosso cérebro, seja consciente ou inconscientemente? (ALMEIDA, Ademir, 2015b, p. 135)

Max destaca a interferência das imagens na construção da nossa subjetividade e questiona o significado dessas imagens e seus efeitos na construção dos nossos pensamentos, opiniões, gostos, opções, etc. Na sequência de seu raciocínio, Max comenta a distorção das informações que recebemos diariamente, dando como exemplo duas maneiras de se notificar um fato. Sendo a primeira maneira:

Na Venezuela, o preço de um pote de iogurte equivale ao preço de um tanque de gasolina cheio. (Idem, p 135)

E a segunda:

Na Venezuela o preço de um tanque de gasolina cheio equivale ao preço de um pote de iogurte. (Idem, p 135)

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O fato é que ambas as notícias contém a mesma informação: o valor pago por um tanque de gasolina e por um pote de iogurte, na Venezuela, é o mesmo. A questão é que a inversão da ordem altera o sentido da frase: na primeira, a impressão causada pela notícia – sobretudo no Brasil onde o preço da gasolina é alto – é a de que se paga muito caro pelo iogurte na Venezuela; já na segunda frase, inferimos que o preço pago pela gasolina é muito baixo. A interpretação que mais corresponde à realidade é a segunda, pois, o preço do litro da gasolina na Venezuela é um dos mais baixos do mundo. Exposto isso, Max conclui:

Assim como essa frase invertida nos trouxe uma compreensão errada acerca do preço da gasolina na Venezuela, o mundo, muitas vezes, nos é apresentado também de forma invertida. (Idem, p. 135)

Tendo esses aspectos da Sociedade do Espetáculo em mente, a Brava Companhia passou a desenvolver o Teatro da Contra Imagem, a partir da criação de O Errante, continuando em trabalhos posteriores. O Teatro da Contra Imagem busca desconstruir parte das imagens impregnadas no imaginário do público, buscando se colocar no campo de disputa simbólica com a Indústria Cultural. Ainda com a palavra, Max:

O teatro da contra imagem é uma tentativa de desinverter o mundo por meio da experiência do grupo nos processos organizativos de luta, e por meio de estudos teóricos materializados em cena. (ALMEIDA, Ademir, 2015b, p. 135)

Continuando essa pesquisa, em 2010, o grupo cria Este lado para

cima - Isto não é um espetáculo; um convite à desconstrução das relações

sociais presentes no sistema capitalista, como as estabelecidas entre empregador e empregado; mídia e sociedade; mídia e poder. O espetáculo tem como acontecimento principal a construção de uma bolha invisível, onde habitam alguns poucos privilegiados (representantes do poder naquela sociedade), sustentados por muitos trabalhadores que permanecem abaixo dessa bolha. Ao longo da peça, testemunhamos a diminuição no número de trabalhadores e o consequente aumento do volume de trabalho e pressão exercidos sob os funcionários restantes.

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O espetáculo segue mostrando a interação entre os interesses do poder (moradores da bolha) e as ações exercidas pela grande mídia – encarregada de manipular as informações e alienar os trabalhadores, contribuindo para a manutenção da ordem das coisas, mesmo que essa ordem não faça muito sentido. Este lado para cima - Isto não é um espetáculo desnaturaliza alguns valores, presentes na sociedade capitalista, que nos parecem óbvios, como o individualismo, a competitividade, a produtividade, o sucesso, etc. O espetáculo questiona o modo de vida dos trabalhadores, os processos produtivos e os objetivos de todos os esforços da classe.

Corinthians, Meu Amor - segundo Brava Companhia - Uma homenagem ao Teatro Popular União e Olho Vivo (2012) é uma releitura da

Brava Companhia do texto – originalmente escrito por César Vieira (Idibal Piveta) fundador do grupo Teatro Popular União e Olho Vivo – TUOV. O TUOV é um importante grupo de teatro da cidade São Paulo que merece destaque, entre outros aspectos, por tratar-se de um dos grupos de teatro mais antigos da América Latina. Com 50 anos de atividades teatrais ininterruptas, o TUOV é um grande exemplo de resistência e militância para os coletivos artísticos hoje em dia. Mantém diferentes atividades de formação política e teatral em sua sede, no Bom Retiro, e procura, no seu fazer cotidiano, construir alternativas ao modo de produção capitalista. Desde sua fundação (em 1966) o grupo realiza importante militância política aliada às práticas artísticas, sempre engajados em função das diversas demandas sociais ao longo das décadas, como comentado por Cleiton Paixão:

Durante a ditadura militar (1964-1985) o TUOV apresentou-se nos bairros de periferia de São Paulo; eram levados por organizações comunitárias ligadas à Igreja ou a partidos políticos clandestinos, além de outras entidades como clubes de futebol de várzea e associações de pais e mestres. Nessas ocasiões ocorria a apresentação e logo em seguida eram realizados debates que não se restringiam apenas ao espetáculo. Esse trabalho, ainda hoje realizado pelo grupo, se coloca como forma para discutir, juntamente com os moradores, alguns dos problemas enfrentados pelo bairro, bem como sua organização em busca de alternativas que possibilitem a solução desses problemas. Os debates que ocorrem ao final da peça são considerados pelo grupo como ponto fundamental de sua apresentação, isso ajudou o grupo a desenvolver um sistema de registros, que, além de guardarem as entrevistas com os espectadores, também são guardados,

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em áudio, os debates após os espetáculos. Esse tipo de trabalho faz com que o TUOV seja convidado diversas vezes pela mesma comunidade, pois além de proporcionar diversão aos moradores do bairro, através das discussões o grupo também pode aprofundar inúmeros assuntos de interesse geral da população. (PAIXÃO, 2008, p. 2).

Paixão ressalta aqui a importante relação que o TUOV mantém com os bairros nos quais se apresenta, destacando a função do grupo e de seus trabalhos artísticos, enquanto disparador de debates e discussões. Vale salientar que essa estreita relação que o TUOV mantém com seu público faz com que o aprimoramento de sua pesquisa teatral se dê sempre de maneira a privilegiar os aspectos da linguagem popular.

Dessa maneira, o TUOV é uma das mais importantes referências para a Brava Companhia. Não só na busca por um teatro popular, mas também nos pressupostos de trabalho que norteiam ambos os grupos:

Isso foi uma loucura, por que a gente começou a inventar oficina pela cidade inteira. Se a gente ia apresentar uma peça domingo, lá em Parelheiros, a gente chegava antes, dava uma oficina para a galera no bairro. E aí ia e apresentava para a peça. Depois ficava lá, e fazia debate tal tal tal. Muito também colhido pelo teatro Meu Olho Vivo, do César Vieira, que também ia lá no parque do Ibirapuera. Ele foi muitas vezes ver a gente, e ele ia, e ele contava o público, contava quantas pessoas saíram, em qual cena. Um cara assim, que meu, dava essa coisa para gente do debate. Porque, na verdade, o grupo que começou a ir nos lugares e apresentar e debater era o teatro Meu Olho Vivo um debate menos formal, sabe? essa coisinha aí: o que que você achou? Quantas pessoas já viram teatro? e o nosso trabalho na época era levar o teatro para quem nunca tinha visto. As pessoas nunca tinham visto, nunca na vida. (Fábio Resende em entrevista concedida para essa pesquisa)

Corinthians, meu amor foi encenado em 1967 e contava a história de

algumas figuras, torcedoras do Sport Club Corinthians Paulista, bem como parte da história do clube paulista. O texto foi escrito por César Vieira, o espetáculo foi dirigido à época por Sérgio Pimenta (CARLETO, 2009). Na versão da Brava Companhia destaca-se a crítica ao futebol enquanto instrumento utilizado para distrair o povo, desviando a atenção das questões mais essenciais e lutas a serem encampadas. Corinthians, Meu Amor -

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Vivo tem dramaturgia assinada por Fábio Resende e direção de Rafaela

Carneiro.

O espetáculo começa com uma roda de samba, composta por alguns atores do grupo, enquanto o público entra e se acomoda em mesas espalhadas pelo espaço cênico. O ambiente reproduzido é de um bar, tocado pelo Seu Olho Vivo, encarregado de conduzir a história. Alguns personagens entram em cena e se apresentam ao público: uma estudante de jornalismo que estuda o lugar, um motoboy metido que tenta impressionar, um trabalhador fanático pelo Corinthians, etc. Ao longo da história vemos as sucessivas tentativas de se construir um debate a respeito de um suposto despejo que está em vias de acontecer na região; tentativas sempre interrompidas pela eufórica torcida corintiana.

O último espetáculo criado pela Brava Companhia (e que será melhor estudado ao longo dessa dissertação), JC, além de aprofundar várias das temáticas levantadas pelos trabalhos anteriores – as relações de trabalho e de poder, a Sociedade do Espetáculo, as instituições religiosas e a construção das ideologias – destrincha o funcionamento da Indústria Cultural, desvelando, em maior escala, o funcionamento das relações sociais no sistema capitalista. Essa trajetória demonstra a consistência e a continuidade presentes na pesquisa do grupo.

O Show do Pimpão (2017) é um desdobramento de um dos

personagens de JC, o boneco Pimpão. No espetáculo JC, o boneco aparece em uma intervenção curta, junto ao seu ventríloquo. No recente trabalho O

Show do Pimpão, o boneco está acompanhado não apenas do seu

manipulador, mas também de um trabalhador recém-contratado como músico para o show. Durante cerca de uma hora, os três personagens tentam apresentar um show de variedades na rua – encenam uma história infantil, fazem números de mágica, esquetes musicais e coreografias – visando entreter o público e conseguir, assim, sobreviver.

Esse enredo, contado dessa maneira, nada teria de diferente de muitas histórias de trupes e coletivos mambembes que se apresentam pelas ruas das cidades buscando conquistar a simpatia do público passante. A grande diferença é que, no caso do Pimpão e seus colegas, as enormes dificuldades enfrentadas pelos artistas são expostas ao público. Em diversos

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momentos, os artistas contam (ou mostram) a difícil situação em que se encontram e quão precária é a realidade do trabalhador da arte. A começar pela caracterização dos personagens: Pimpão está com o corpo coberto de machucados e hematomas, de tanto fazer gracinhas e estripulias na rua; o manipulador é uma mistura de cigano impostor e charlatão de rua que passa grande parte do espetáculo bebendo uísque e fumando um charuto; o último membro do elenco é um trabalhador comum e músico frustrado, que falseia um sotaque francês para conseguir algum tipo de reconhecimento. Os figurinos também revelam as más condições financeiras da trupe: são mal feitos, desgastados e aparentam estar sujos e rotos.

A relação entre o trabalhador músico e o charlatão se dá no formato trabalhador e patrão, sendo que este último rouba o trabalhador explicitamente em vários momentos, além de explorar sua mão de obra. O trabalhador preza pela sua arte, tenta tocar músicas de autoria própria e, de alguma maneira, melhorar a qualidade do espetáculo. O charlatão, entretanto, se preocupa mais com a quantidade de dinheiro que receberão ao final do show. Ao personagem Pimpão cabe revelar e ressaltar ao público os aspectos que contribuem com o entendimento da precarização em que vivem os trabalhadores e das críticas presentes no espetáculo como um todo.

Arte Anticapitalista

A Brava conta suas histórias privilegiando sempre o ponto de vista do trabalhador, a versão dessa classe tão oprimidas pelo sistema capitalista. Oprimida pois cumpre como função produzir e manter as riquezas daqueles que ocupam a classe dos capitalistas, enquanto estes exercem a função de administrar essas riquezas e de tomar as decisões que norteiam a existência de todos. Uma maioria explorada por uma minoria. Aos trabalhadores, sempre foi dito e repetido que é necessário trabalhar para merecerem seu sustento, sua felicidade e sua sobrevivência. A questão é que o sistema capitalista privilegia o acúmulo de riquezas individualmente – e, por “riquezas” podemos entender dinheiro, imóveis, meios de produção de mais riquezas (fábricas, latifúndios, transportadoras, construtoras…) – e, se alguém tem muitas

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riquezas, é de se pressupor que outras pessoas não as possuam. Essas que não detém riquezas, nem meios de produção de riquezas, exercem o trabalho. No jogo entre os trabalhadores e os donos dos meios de produção, as regras são cada vez mais flexíveis e favoráveis aos capitalistas. Até mesmo porque os trabalhadores raramente participam do processo de escolha dessas regras.

A classe trabalhadora depende das mediações do estado para balizar essas decisões. Na atual conjuntura, os estados permanecem extremamente enfraquecidos e também dependentes das contribuições dos capitalistas. Cabe à classe trabalhadora… trabalhar7. Pelo menos é isso que

prega a ideologia dominante. Na nossa sociedade valoriza-se o trabalho árduo, as iniciativas particulares, as propriedades privadas, o consumo, a posse, o sucesso, a exclusividade, a imagem, a rapidez, a eficiência. Toda essa ideologia a serviço de convencer os trabalhadores de que devem preencher toda sua existência entre tempo de trabalho e tempo de consumo. Ou seja, trabalhar para poder consumir as riquezas que produzem enquanto trabalham – mas que são administradas pelos donos dos meios de produção.

Em suas criações, a Brava Companhia busca expor e desconstruir a lógica imposta e naturalizada pela ideologia dominante, clareando o funcionamento de todo esse sistema, para que possamos pensar juntos as maneiras de combatê-lo – entendendo que desconstruir o pensamento já é uma ação de luta.

Nos princípios que norteiam as escolhas temáticas podemos, novamente, destacar a influência de Brecht:

Toda a obra de Brecht virá a ser a luta contra o capitalismo e contra o imperialismo. A reflexão sobre a situação do homem num mundo dividido em classes. A análise do comportamento ético e social do indivíduo diante da repressão. O estudo do relacionamento entre os homens, condicionado pela situação econômico-política em que vivem. Uma ânsia de pacifismo, de um novo humanismo, fundamentado na sociedade sem classes. A busca de um mundo mais justo onde a bondade venha a ser possível, a impossibilidade de ser bom no mundo que vivemos. A análise da revolta contra a exploração do homem pelo homem. (PEIXOTO, 1974, p.19)

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Em 2017, diversas peças publicitárias foram espalhadas pelas principais cidades do Brasil com os dizeres: “Não pense em crise, trabalhe”. Tratava-se de uma campanha do governo federal de combate à crise econômica. Ou seja, a melhor maneira de sair de uma crise (que é mais política e social do que econômica, diga-se de passagem) é manter e elevar a produção sem tecer críticas ou reflexões.

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Para Brecht e para a Brava Companhia, a escolha dos temas presentes nos espetáculos é fundamental uma vez que se pretende apresentar uma obra complexa e capaz de construir novas formas de pensar, novos pensamentos e, consequentemente, novas formas de agir. Ainda sobre a importância temática na construção de obras que levem o público a uma atitude crítica, Sérgio de Carvalho8 nos diz:

São muitos os caminhos [para levar o espectador a ter uma atitude crítica]. Num primeiro nível, esse caminho passa por trazer temas que o espectador não está habituado a ver. Ele está acostumado a consumir um tipo de assunto. São sempre as mesmas e velhas histórias familiares, histórias de dificuldades amorosas, desencontros, as crises de subjetividade, etc. Os temas dominantes da representação têm um conteúdo de classes muito forte. Para mim, a simples presença de um tema novo, de um lugar e de um tema social com os quais o espectador não está habituado, já estimula um prazer diferente. (CARVALHO, 2009b, p. 194)

O professor contrapõe as recorrentes temáticas presentes nas representações, àquelas que acredita terem potencial de construir no espectador uma postura mais ativa: temática novas, com assuntos de ordem social e não individual. Carvalho destaca ainda o forte caráter ideológico presente nas temáticas dominantes. O que interessava a Brecht (e que continua instigando grupos como a Brava e a Companhia do Latão) era questionar essa ideologia e discutir os reais problemas sociais, apresentando ao público, de forma didática, aspectos e mecanismos da realidade. Brecht acreditava no uso do teatro como ferramenta didática e no uso da arte para a construção crítica do pensamento. O pensador alemão defendia que o teatro podia (e deveria) se comprometer com a revelação da verdade, como uma arma a ser usada a serviço dos oprimidos contra os opressores, especialistas em escamotear a realidade em função da manutenção de seus privilégios. Em um panfleto político, distribuído na Alemanha em 1949, intitulado Cinco

Dificuldades no Escrever a Verdade, Brecht falava sobre o trabalho intelectual,

mas podemos estender o entendimento ao trabalho artístico:

8 Sérgio de carvalho é fundador e diretor da Companhia do Latão e professor da Escola de Comunicação

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“Quem, nos dias de hoje, quiser lutar contra a mentira e a ignorância e escrever a verdade tem de superar ao menos cinco dificuldades. Deve ter a coragem de escrever a verdade, embora ela se encontre escamoteada em toda parte; deve ter a inteligência de reconhecê-la, embora ela se mostre permanentemente disfarçada; deve entender da arte de manejá-la como arma; deve ter a capacidade de escolher em que mãos será eficiente; deve ter a astúcia de divulgá-la entre os escolhidos. Estas dificuldades são grandes para os escritores que vivem sob o fascismo, mas existem também para aqueles que fugiram ou se asilaram. E mesmo para aqueles que escrevem em países de liberdade burguesa” (BRECHT, 1967, p. 19)

Nesse trecho, o autor enumera cinco obstáculos enfrentados por aqueles intelectuais que estão comprometidos com a divulgação da verdade. Não por acaso, a primeira dificuldade citada é a necessidade de se ter coragem. Brecht entende que dizer a verdade é se opor diretamente aos detentores do poder; é, nas palavras dele, não “curvar-se aos detentores do poder, muito menos enganar os fracos”; para isso, é preciso coragem, inteligência, astúcia. Percebe-se que, para Brecht, as ideias são poderosas, podem ser armas contra um sistema opressor, se usadas com sabedoria.

Durante os meses de março e abril de 2016, os atores Cris Lima, Luciana Gabriel e Henrique Alonso da Brava Companhia ministraram um oficina no Sesc Campo Limpo, em São Paulo. Durante toda oficina, estudou-se esse texto de Brecht, analisando na teoria e na prática cada uma das cinco dificuldades. Em um desses dias de curso, após algumas práticas físicas que visavam o aquecimento e a preparação para início da oficina, realizaram-se alguns exercícios de improvisação, os quais se davam de maneira a sugerir figuras sociais9 e possibilidades de interação entre elas. O exercício seguiu criando cenas que colocavam as figuras sociais em uma relação de coro e de corifeu de modo a narrar algumas verdades escolhidas pelo grupo. A análise das cenas, que foi realizada no final do dia, tinha como objetivo identificar a ideia que a cena trouxe, qual a verdade tinha revelado.

9

No sentido em que está dito aqui, “figuras sociais” eram figuras que traziam em seu comportamento gestos e ações que remetiam ao papel que desempenham na sociedade. Exemplo: policiais, trabalhadores assalariados, representantes do poder público, etc.

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A partir dessa oficina tornava-se claro como a Brava mantém sua prática diretamente atrelada ao seu discurso. Não somente ao seu discurso, mas empreende uma procura, a partir do discurso, para descobrir sua prática, para descobrir a linguagem teatral. O grupo está sempre buscando a investigação das ideias para colocá-las em cena. No curso, ao mesmo tempo em que buscavam instrumentalizar as pessoas, os alunos, para se expressarem, provocavam, instigavam, incendiando o tema. O tempo todo há uma condução por parte do grupo que visa aprofundar a discussão, verticalizar as impressões para uma discussão real sobre a luta de classes.

O curso seguiu aprofundando as figuras sociais, as cenas e os assuntos que surgiram dos improvisos dos atores. A cada encontro, os ministrantes apresentavam novas técnicas: nível de energia, qualidades de movimento, maneiras de se utilizar a música na cena, mecanismos de interrupção/quebras na narrativa; e novas referências às temáticas: notícias de jornal, escritos sobre teatro, pinturas, poemas, dados da realidade, etc. Ao final de 8 encontros, o grupo de alunos apresentou uma sequência de cenas nas dependências do Sesc seguida de um debate acerca dos temas abordados.

O curso como um todo foi um exercício que buscou praticar e enfrentar as cinco dificuldades listadas por Brecht. O tempo todo buscava-se reconhecer a verdade – o que, na prática, significava estudar os temas, checar as informações, os dados; depois escolher aquilo que deveria ser dito ao público, bem como selecionar qual o público: no caso, uma plateia de trabalhadores como eram os próprios alunos. Por último deveria se escolher a forma de dizer, quais técnicas utilizar para essa comunicação se dar de forma eficiente.

O público era conduzido pelas dependências do Sesc, por uma espécie de guia turística, encarregada de apresentar de forma espetacular o que se passava no “zoológico do capital”. Cinco cenas, independentes entre si, mostravam absurdos vividos no mundo selvagem: uma fábrica que utiliza, literalmente, o sangue e o couro de suas abelhas operárias na fabricação de seus estofados; um concurso de cães adestrados, patrocinado por uma marca de açúcar, que tem como concorrente um diabético (cliente número 1 da empresa); uma reunião de aves de rapina – que tem como pauta a discussão de possíveis soluções para acabar com a mais recente crise econômica – na

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qual se conclui que a solução para o fim da pobreza e da fome no país é: Baby beef – matar crianças pobres e vender nos açougues a preços populares!

A apresentação alcançou uma aproximação bem eficiente com o público, sobretudo, pois tinha como objetivo, desde o início da criação do experimento cênico, comunicar as verdades que foram estudadas ao longo dos encontros e divertir o público. O uso do humor e da diversão configura, neste caso, parte da estratégia de comunicação e da astúcia citadas por Brecht. Em diversos momentos das improvisações os atores da Brava que conduziam a oficina lembravam os alunos de que a cena precisava de humor, acrescentando paródias musicais, características cômicas às figuras, quebras de expectativas, etc.

Essa experiência torna mais clara, através da prática, como ocorre a elaboração dos procedimentos e princípios utilizados pela Brava para suas criações: o trabalho sempre parte de um questionamento do grupo e um desejo de aprofundar os estudos acerca dos assuntos selecionados. Criar uma peça de teatro, para a Brava Companhia, significa estudar um tema, debruçar-se sobre determinado assunto para entender e dissecar seus mecanismos, origens e consequências. Experimentar os assuntos nos discursos cênicos acrescentando técnicas que potencializem as ideias.

A postura ideológica da Brava Companhia define, além dos assuntos trabalhados, a maneira como o grupo trabalhará. Nesse caso, a Brava Companhia se opõe radicalmente ao sistema de produção capitalista, optando por uma dinâmica de produção na qual a relação entre os trabalhadores se dá de forma horizontal, não-hierárquica. Cada trabalhador exerce determinada função, porém todos os demais estão cientes do trabalho realizado e a grande maioria das decisões a respeito dos encaminhamentos do trabalho é tomada de forma coletiva. Essa forma alternativa de produzir implica em processos mais longos de criação, porém, com uma elaboração riquíssima de linguagem, de discussão e de apropriação de conteúdo por parte dos artistas. Diferentemente dos processos onde cada trabalhador é especialista em uma determinada função, executando-a de maneira individualista, buscando produzir mais em menos tempo, sem saber ao certo porque realiza determinado trabalho, sem medir a qualidade do produto - muitas vezes, sem nem ao menos conhecer esse produto.

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Essa maneira industrial de produzir tem sido predominante na nossa sociedade, e ao se tratar da produção de produtos culturais, sobretudo nas redes de televisão e nos filmes mais acessíveis e acessados pelo público, altera características essenciais da cultura e da arte, como conclui Teixeira Coelho ao falar sobre a Indústria Cultural:

É esta [industrialização], através das alterações que produz no modo de produção e na forma do trabalho humano, que determina um tipo particular de indústria (a cultural) e de cultura (a de massa), implantando numa e noutra os mesmos princípios em vigor na produção econômica em geral: o uso crescente da máquina e a submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina; a exploração do trabalhador; a divisão do trabalho. Estes são alguns dos traços marcantes da sociedade capitalista liberal, onde é nítida a oposição de classes e em cujo interior começa a surgir a cultura de massa. (...) Nesse quadro, também a cultura — feita em série, industrialmente, para o grande número — passa a ser vista não como instrumento de livre expressão, crítica e conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido como se consome qualquer outra coisa. E produto feito de acordo com as normas gerais em vigor: produto padronizado, como uma espécie de kit para montar, um tipo de pré-confecção feito para atender necessidades e gostos médios de um público que não tem tempo de questionar o que consome. Uma cultura perecível, como qualquer peça de vestuário. Uma cultura que não vale mais como algo a ser usado pelo indivíduo ou grupo que a produziu e que funciona, quase exclusivamente, como valor de troca (por dinheiro) para quem a produz. (Coelho, 1993, p. 10-12)

Coelho explica a transformação da cultura em produto, em mercadoria; processo que se dá via modo de produção. Ou seja: a maneira de produzir altera o produto final. Na Indústria Cultural o que importa é a criação de algo que seja absorvido pelo maior número de pessoas, pela massa; mesmo que essas pessoas sejam diferentes, a ideia é criar um gosto homogêneo, achatando a subjetividade e eliminando as possibilidades de divergências ou de diversidade. Fabricar produtos em série é mais rápido e produtivo, mais econômico, portanto. Produtos que são fabricados em série, não podem se distinguir muito uns dos outros, tem de ser simples e simplórios, com curta vida útil, para adiantar o consumo dos próximos itens à disposição do mercado.

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Beatriz Maria Vianna Rosa10 (Tiche Vianna), em seu artigo intitulado “Da arte à mercadoria: A transfiguração do teatro pelo sistema capitalista”, analisa os efeitos da inserção do modo de produção capitalista no fazer teatral que, em sua opinião, se dá no momento da profissionalização do ator. Ou seja, no momento em que os trabalhadores do teatro se inserem no mercado e passam a vender o fruto do seu trabalho.

Tiche traça a trajetória desse artista, começando nas sociedades primitivas, onde os homens criavam a comunicação e a expressão para conseguir traduzir em linguagem aspectos imateriais da realidade, como a imaginação, os sentimentos, a relação com fenômenos naturais, etc.

O ser humano pode então imaginar e criar outros mundos, outras realidades e compartilhar sua invenção com o coletivo através de uma nova linguagem: a arte. (...) A arte, portanto compôs a vida do ser humano mediando muitas de suas relações cotidianas, expondo, criticando e expressando, coletivamente, tudo aquilo que pertencia à esfera invisível e mágica da vivência, inexplicável pela racionalidade, mas potencializada por símbolos e signos que lhe atribuíam sentido. (ROSA, v.5, n.2, 2014).

Esse trabalho de tradução criava um imaginário coletivo, uma subjetividade comum entre os membros do grupo, que passavam a compartilhar valores, crenças, histórias.

O momento em que essa relação começa a se alterar, ainda segundo Tiche, é a partir da divisão da sociedade em classes, pois essa segregação passa a valorizar o indivíduo em detrimento do coletivo; divide a partir da diferenciação entre os membros de uma mesma sociedade: separando os que têm riquezas dos que não as possuem. Nessa situação, os artistas – que até então se apresentavam em feiras e praças, sobrevivendo das contribuições que recebiam dos passantes – começam a procurar os detentores das riquezas para oferecerem seu trabalho, até mesmo porque não podem mais contar com contribuições espontâneas daqueles que pouco possuem.

Num estágio mais crítico, os artistas passam a trabalhar em função da venda; ou seja, produzem as obras para serem apresentadas em palácios.

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Desta maneira, os atores devem medir os assuntos abordados, as palavras utilizadas, pois precisam agradar seus patrões para garantirem sua sobrevivência. O teatro passa, assim, a absorver as ideologias dominantes e perde sua característica fundamental de criar reflexões e críticas acerca dessa dominação.

Assim, ocupar um espaço na sociedade de consumo significava, para o artista, abrir mão de seus ideais humanistas, de sua relação crítica com o mundo ao seu redor e com a construção e invenção de novos mundos. Seu objetivo era tornar sua arte um produto desejado por um consumidor cada vez mais alienado de si mesmo, pois este indivíduo, também submetido às leis capitalistas, procurava, por sua vez, manter a vida dentro dos padrões estabelecidos para, através da competição permanente, permanecer dentro do mercado. (ROSA, v.5, n.2, 2014).

As leis impostas pelo sistema capitalista determinam o que se pode produzir, pois determinam também os ditames do consumo. O que é consumível tem que ser útil para alguma coisa e, de maneira geral, a ideologia dominante também cria e estabelece as necessidades dentro da sociedade. Você pode produzir algo que será consumido e, o que é consumível é aquilo que sana rapidamente um desejo, uma necessidade. Assim, quanto maior o desejo, maior o valor da mercadoria que atende a esse desejo. Desta maneira, Tiche conclui:

Como mercadoria a arte está fadada ao fracasso absoluto, talvez até ao desaparecimento enquanto manifestação expressiva de um povo. O que tem vigorado em termos de mercado é o produto da chamada indústria cultural, que produz entretenimento, isto é, programas eventuais de fácil absorção, sem nenhum ponto de vista crítico, fazendo com que, aquilo a que chamamos arte em nossos dias, seja um instrumento de despotencialização do ser humano enquanto ser criativo e criador de novas realidades. (ROSA, v.5, n.2, 2014).

Propor, nesse contexto, trabalhos essencialmente artísticos, que procurem criar reflexões a respeito da nossa sociedade, significa marchar na contramão de todo esse sistema já consolidado e estruturado.

A situação da arte e dos artistas, submetidos ao modo de produção capitalista, sempre trará o questionamento da função da arte, para que

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fazermos arte e para quem? A arte pode ser posta à venda? Quem pagará e quanto? A arte pode enquadrar-se nas leis do mercado? A mesma lógica empregada quando escolhemos uma bolsa em uma vitrine de uma loja, serve de pensamento para balizar qual obra artística eu vou fruir? O que me leva a escolher comprar alguma coisa? Normalmente algo que me agrade, que me é familiar. A arte nem sempre é familiar. Se a produção dos artistas for balizada pelo que agradaria a seu público, ficaríamos restritos às novelas das televisões e às comédias românticas do cinema. Se verde é a cor que agrada a todos, que artista ousará o vermelho? E para quê? Para morrer de fome?

O fato é que o lugar da arte não pode ser o mesmo ocupado por um bem de consumo usual. O bem de consumo serve a uma função específica, de maneira prática, rápida e eficiente. Não podemos exigir de um espetáculo teatral, de uma pintura, escultura, performance ou música que esta se dê de forma prática, rápida e eficiente.

Exercer um trabalho artístico exige dos seus agentes a consciência a respeito desse contexto em que estão inseridos, as dificuldades que enfrentam e os motivos dessas dificuldades; para que, dessa maneira, consigam entender e seguir com o ofício.

Pensando justamente nisso, trabalhadores da cultura têm encampado diversas lutas para garantir o direito de se produzir e de se fruir arte. Em 1999 o Movimento Arte Contra a Barbárie lançou um manifesto emblemático que espelhava o posicionamento dos diversos artistas que, unidos, conseguiram conquistar a Lei de Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo. A Brava Companhia foi contemplada em cinco edições da Lei e essas contemplações foram fundamentais na criação do espetáculo JC.

ARTE POR QUE, COMO E PARA QUEM? Direito Cultural e Política Pública

Cultura é uma palavra recorrente em diversas áreas do conhecimento (biologia, antropologia, sociologia) e, dependentemente da perspectiva e do contexto em que o termo é inserido, pode conter os mais

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diversos significados. No pequeno resumo abaixo, sobre a raiz do termo, Marilena Chauí11 expõe diferentes origens da palavra cultura, desde o “cuidado com a terra” e o “cuidado com as crianças”, até a “forma de reverência ao sagrado”:

Vinda do verbo colere, Cultura era o cultivo e o cuidado com as plantas, os animais e tudo que se relacionava com a terra; donde, agricultura. Por extensão, era usada para referir-se ao cuidado com as crianças e sua educação, para o desenvolvimento de suas qualidades e faculdades naturais; donde, puericultura. O vocábulo estendia-se, ainda, ao cuidado com os Deuses; donde, culto. A Cultura, escreve Hanna Arendt, era o cuidado com a terra para torná-la habitável e agradável aos homens, era também o cuidado com os Deuses, os ancestrais e seus monumentos, ligando-se à memória e, por ser o cuidado com a educação, referia-se ao cultivo do espírito. Em latim, cultura animi era o espírito cultivado para a verdade e a beleza, inseparáveis da Natureza e do Sagrado. (CHAUÍ, 1986, p. 11)

Com o passar do tempo o vocábulo foi sendo modificado e multiplicaram-se as possibilidades de entendimentos e de definição para o termo.

Ao nos lançarmos na discussão a respeito do direito à cultura, dificilmente nos furtaremos a entender minimamente qual o significado de cultura a que nos referimos. É o que nos alerta Danilo Júnior de Oliveira12, em sua tese intitulada Direitos Culturais e Políticas Públicas: Os marcos normativos do Sistema Nacional de Cultura:

Ainda que a utilização do termo cultura seja ambígua e contraditória, seria impossível compreender as problemáticas que envolvem as políticas culturais e os direitos humanos sem começar, com um dos objetivos deste trabalho, pela apresentação de um conjunto de sentidos historicamente construídos para caracterizar e conceituar cultura. (OLIVEIRA, 2014, p.18)

Oliveira apresenta em sua pesquisa uma síntese do histórico de entendimentos associados à palavra cultura ao longo do tempo, e associa seus

11

Filósofa e professora, é autora de diversos livros a respeito de cultura, sociologia e filosofia. Entre outras coisas, foi secretária Municipal de Cultura de São Paulo durante a gestão de Luisa Erundina.

12

Pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação da Universidade de São Paulo (CELACC/USP) e professor na pós-graduação lato sensu em Gestão de Projetos Culturais no mesmo centro.

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