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O adolescente e seus pais

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Academic year: 2021

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DHE - Departamento de Humanidades e Educação Curso de Psicologia

VANDRIANE TEDESCHI

O ADOLESCENTE E SEUS PAIS

IJUÍ 2011

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VANDRIANE TEDESCHI

O ADOLESCENTE E SEUS PAIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

Orientadora: Ana Maria de Souza Dias

IJUÍ 2011

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NORESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

VANDRIANE TEDESCHI

O ADOLESCENTE E SEUS PAIS

Banca Examinadora

Ana Maria de Souza Dias - Professora Orientadora

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar a Deus, por ter me dado a vida e um lar dentro de uma família que é minha base e minha razão de viver. Aos meus pais que aprenderam a conviver com minha falta em casa durante os anos da faculdade e sempre me apoiaram em minhas decisões, apontando-me o caminho a seguir. A toda minha família e àqueles que se dispuseram a ajudar-me na caminhada do curso.

Aos meus avós paternos que não estão mais entre nós, mas que conviveram comigo durante alguns anos e que jamais sairão de meu coração.

A minha orientadora pela disponibilidade de sua ajuda na elaboração desta monografia.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso (TCC) abordará a temática da relação do adolescente com seus pais, geralmente marcada por desentendimentos entre ambos. Então, surge a chamada “crise adolescente” envolvendo dificuldades psíquicas neste tempo de passagem. Nos pais, a crise é desencadeada a partir das mudanças que atingem o (a) filho (a) e implica numa mudança de posição discursiva em relação ao adolescente: eles não podem mais falar com o filho como se fosse ainda uma criança, mas ainda não podem se dirigir a ele como um adulto. Eis um dos inúmeros conflitos conseqüentes do processo da adolescência.

PALAVRAS-CHAVES: adolescência, relações parentais, conflitos, desejo e estruturação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1.Primeiro Capítulo : A Adolescência na abordagem psicanalítica : 1.1 Definições sobre a Adolescência ...9

1.2 Identificações e as Relações do Adolescente...11

1.3 O Adolescente e seu Corpo...14

1.4 Adolescência: Crises e Conflitos...17

2. Segundo capítulo : O Adolescente e seus pais ... ...27

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 41

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INTRODUÇÃO

A presente monografia tratará sobre o adolescente e seus pais. No primeiro capítulo serão trabalhadas questões pertinentes à adolescência, bem como sua definição pela psicanálise. No segundo capítulo será trabalhada a relação entre o adolescente e seus pais, enfocando a crise que acontece na adolescência. Mas nessa relação surge a questão: de quem é a crise, do adolescente ou de seus pais?

A escolha pelo tema das relações adolescente/pais deu-se durante o estágio em Psicologia e Processos Clínicos, realizado na Clínica de Psicologia da Unijuí , durante o atendimento com adolescentes. Geralmente vinham por vontade própria, e outros porque os pais queriam. Então surgiu a questão: como é a relação entre pais e filhos adolescentes? Quais processos estão envolvidos e o porquê de tantos conflitos entre eles. Talvez por conviverem em períodos diferentes de vida, em épocas distintas, já que hoje não há tanta banalização quando se trata de adolescente.

Pelo contrário, o adolescente é valorizado e investido pela sociedade como sendo alguém com energia e potencial para conduzir o mundo no futuro. Pelo menos essa é a aposta que os adultos fazem no adolescente contemporâneo. Em pleno século XXI, a adolescência se tornou “objeto” de consumo e de desejo por parte da mídia e dos telespectadores. Isso porque a juventude traz consigo a idéia do belo, da perfeição e da disposição que todos almejam ter.

No entanto, a adolescência não é só um período da vida em que tudo parece perfeito e onde há felicidade constante. Pelo contrário, consiste num trabalho de luto onde os objetos infantis são perdidos e novos objetos necessitam ser investidos pelo sujeito adolescente. Primeiro, ele deve elaborar o luto para depois voltar a investir objetalmente, só assim vai se identificar e investir em outros objetos diferentes dos objetos parentais.

A relação do adolescente com seus pais é permeada por amor e ódio, isto é, por uma ambivalência necessária à formação de sua estrutura psíquica. Ao amar e logo depois odiar os pais, o adolescente vai aprendendo a questionar as diversas situações da vida, a se posicionar como um sujeito do desejo.

Consequentemente, os pais vão se queixar que o filho (a) é rebelde e que perderam a autoridade que antes tinham sobre ele, já que na infância eram eles quem decidiam a roupa que a criança ia usar, o que ela ia comer, quando poderia sair. O adolescente vai decidir por si próprio o que vai querer fazer, fazendo suas escolhas diferentes das escolhas dos pais. Estes,

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por sua vez, demoram a compreender que os filhos estão crescendo e não necessitam de tantos cuidados como uma criança pequena.

Não é fácil deixar de ser criança e assumir outro lugar na família. Mas que lugar será esse, já que ainda não pode ocupar o lugar de adulto, mas nem permanecer no lugar de uma criança? Esta talvez seja a principal questão do sujeito adolescente, sobre qual lugar ele ocupa no ambiente familiar e social. Mas os pais também devem mudar a posição discursiva perante o adolescente, e para eles isso não é simples porque precisam reconhecer as mudanças físicas e psíquicas que nele estão acontecendo.

Para o sujeito adolescente ter reconhecimento precisa ter um olhar do outro, que no caso refere-se ao sujeito do sexo oposto. Este vai convocar uma resposta do adolescente frente às questões da sexualidade, por isso ele passa a dar mais importância à sua imagem.

A monografia proposta vai se realizar com base em estudos teóricos com referências da psicanálise, sobre o que a mesma tem a contribuir com esta pesquisa. Os objetivos do trabalho são: conhecer os processos psíquicos e físicos que envolvem a adolescência, a mudança de lugar na família que o sujeito precisa fazer, como se dão as escolhas ou identificações com as demais pessoas ou objetos, e principalmente a relação com os pais e demais familiares.

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1. Primeiro capítulo

A ADOLESCÊNCIA NA ABORDAGEM PSICANALÍTICA

1.1 Definições sobre a Adolescência

A palavra adolescência vem do latim “adolescere”, que significa” crescer. A puberdade, que vem do latim “pubertate” significando “sinal ou aparecimento de pelos” aparece juntamente com a adolescência. A puberdade tem mais a ver com as transformações biológicas dessa faixa etária, culminando em torno dos 18 anos com o crescimento físico. Então, a adolescência sucederia a puberdade, pois esta é uma marca biológica e aquela é uma marca psíquica.

Já a definição de adolescência como uma etapa cronológica pela qual todos nós passamos, tem como idade inicial 10 anos e como término entre 19 e 24 anos.1 Seu início coincide com o aparecimento dos caracteres sexuais secundários, como as etapas da pubarca, telarca e menarca, embora seu final não tenha uma marca orgânica para dizer que ela acabou e que o sujeito já pode se considerar um adulto.

Até o início do século XX não era levado em conta o que hoje chamamos de adolescência, ela era confundida com a infância. E, como as pessoas eram submetidas ao casamento muito cedo, havia somente a passagem da infância para a idade adulta. É a partir de 1900 que a juventude se torna uma preocupação dos moralistas e políticos, que começaram a reivindicar os direitos adolescentes. Isso porque eles perceberam que a sociedade estava mudando, inclusive o trabalho manual passou a ser substituído pelas máquinas e com isso, era preciso que trabalhadores mais habilitados pudessem lidar com elas.

Então, os jovens foram incorporados ao mundo do trabalho e com isso, o casamento passou a acontecer mais tarde. Logo, criou-se a necessidade da adolescência ser definida

1 A Organização Mundial da Saúde (OMS) compreende a adolescência entre a faixa etária de 10 e 19 anos. Já a

Organização das Nações Unidas (ONU) a apresenta dentro da faixa etária entre 15 e 24 anos, sendo este um critério usado para fins estatísticos e políticos. O termo “jovens adultos” é utilizado para designar a faixa etária entre 20 e 24 anos de idade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei nº8. 069, de 1990, define a adolescência entre a faixa etária de 12 a 18 anos de idade, mas em casos excepcionais, a lei é estendida até os 21 anos de idade.

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como uma etapa de desenvolvimento físico e psíquico e também o jovem precisava ser visto como um membro atuante na sociedade.

Hoje, é considerada uma etapa da evolução do ser humano, onde o processo maturativo biopsicossocial do sujeito culmina. Não pode ser estudada somente por um aspecto, seja ele biológico, psicológico, social ou cultural. Eles devem ser considerados em conjunto quando falamos em adolescência.

O fracasso escolar na adolescência foi investigado por alguns psicólogos na época em que grandes adultos talentosos se destacavam, por isso, a tentativa para torná-la fonte de criatividade. Então, a psicologia da adolescência procurou alternativas para intervir com os adolescentes, embora suas determinações fossem baseadas em causas biológicas ou sociológicas. A biologia enfocava as transformações pubertárias que ocorrem nesse período, e a sociologia trazia o ambiente e as relações sociais como determinantes na formação da personalidade do adolescente.

Ernest Jones (1923) foi um dos primeiros a utilizar o termo adolescência, definindo esse período como uma construção sobre o modelo da primeira infância, sendo marcado pelo estabelecimento harmônico das pulsões2 em direção à genitalidade. Os psicanalistas começaram a usar o termo “adolescência” a partir da década de 30.

Stanley Hall (1904) identificou a adolescência como uma etapa caracterizada por conflitos ligados ao surgimento da sexualidade. Essa idéia foi reforçada pelos psicanalistas, que acrescentaram a esse determinante, estresse e luto para essa fase do desenvolvimento. Erikson (1976) introduziu o conceito de moratória, para identificar no desenvolvimento do adolescente, uma confusão de papéis e dificuldades no estabelecimento de uma identidade própria.

A antropóloga Margareth Mead (1945) questionou a universalidade dos conflitos adolescentes, pois nem todos passam pelas mesmas dúvidas ou crises. Segundo a autora, isso é variável dentro de cada cultura e não se tem como definir um padrão para a mesma. Embora que a rebeldia seja a marca central da adolescência, Osório (1992) afirma que não há

2 Pulsão, segundo Freud (1905) é o conceito limite entre o psíquico e o somático e impulsiona o sujeito na busca por seus objetivos.

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adolescência normal sem ela, o que há de anormal é o adolescente submisso, ele sim é uma exceção.

Não é simples definir a adolescência, pois como definir uma etapa da vida do sujeito, já que nem mesmo ele sabe dizer quem é? Ozella (2002) afirma que: “Quando definimos a adolescência como isto ou aquilo, estamos constituindo significações (interpretando a realidade), a partir de realidades sociais e de marcas que são referencias para a constituição dos sujeitos”. ( p.21).

A adolescência então é uma construção histórica, e nessa construção o papel dos meios de comunicação é importante e vai “ajudar” o adolescente na construção de sua identidade. Esses meios veiculam concepções e valores que são compartilhados entre os jovens. E, consequentemente “exigem” que os adolescentes consumam com freqüência, pois dessa maneira alcançarão status social e a tão sonhada felicidade. Hoje, tudo gira em torno dos jovens, sejam roupas, filmes, acessórios, enfim, tudo com a falsa promessa “seja jovem eternamente”. Por fim, a adolescência precisa das condições culturais para acontecer, e que caracterizem a modernidade, bem como os laços sociais que integram o sujeito à sociedade, levando em conta as origens históricas e culturais de cada período.

1.2 Identificações e as Relações do Adolescente

Rassial (1999) afirma que o adolescente “não é nem uma coisa, nem outra”, ou seja, nem criança e nem adulto. Ele precisa se firmar como um intermediário entre estas duas etapas da vida do sujeito, buscando nas identificações a oportunidade para isso.

O duplo aspecto da adolescência, de ser ao mesmo tempo limite e período, determina a organização do que se pode chamar de crise formal da adolescência: um limite entre dois estatutos, um regendo a criança que brinca e aprende, outro o adulto que trabalha e participa da reprodução da espécie; um período de indecisão subjetiva e de incerteza social, durante o qual a família e as instituições exigem, segundo as circunstâncias, que o sujeito se reconheça como criança ou como adulto. (RASSIAL, 1999, p.58)

O adolescente é levado a vários questionamentos porque precisa escolher entre uma coisa ou outra para se firmar como um ser social e subjetivo. Com isso, desenvolve um projeto de vida tentando responder quem é e o que vai querer para si. O questionamento surge

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porque o adolescente rejeita um saber pronto, daí a aproximação com o psicanalista (RAPPAPORT, 1993), pois ambos constroem um saber a partir de suas experiências de vida.

Os adolescentes querem saber de si próprios, seus desejos, seu sexo, suas paixões, sua morte. No processo de deixar de ser criança, tornar-se homem ou mulher, muitas mortes ocorrerão. Para deixar de ser o filho que os pais, ou um deles desejou que fosse, exercer (ou é melhor dizer exercitar?) sua sexualidade, seu desejo, deverá oscilar entre o olhar e a voz dos pais e o ver e ser visto pelo outro alvo de seu desejo. (RAPPAPORT, 1993, p.3)

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O romance familiar tem seu desdobramento no nascimento da criança, pois ela ocupa um lugar na vida fantasmática3 dos pais, ficando encarregada de preencher espaços vazios ou simplesmente acabar com a solidão dos pais. Antes mesmo de nascer ocupa um lugar no discurso familiar, sendo este um lugar narcísico.

Deste lugar na fantasia dos pais, no mito familiar, alguns elementos se tornam conhecidos pelo sujeito; no entanto, permanece inconsciente a identificação narcísica – qual é o lugar que ele ocupa na família, onde ele entra e se situa. (RAPPAPORT, 1993, p.11)

Cada sujeito se constitui de uma forma subjetiva e singular, dependendo de como se dá a interação com a família e com o não-dito (parte inconsciente) dessa relação discursiva. Na infância, a criança tem por objeto de amor e objeto sexual a mesma pessoa, justamente aquela que a cuida, no caso a mãe. A partir da puberdade, a situação muda: buscam-se novos objetos para investir, já que a falta emerge. O sujeito adolescente vai tentar lidar com ela mesmo que em vão, porque se for preenchida o sujeito do desejo não se manifesta.

É uma história que começa antes do nascimento da criança, quando ela faz parte do projeto de vida de duas pessoas que desejam ter um filho. Então, desde antes do bebê nascer é dado um lugar a ele na família. Lugar este, que mais tarde na adolescência, vai ser reafirmado e questionado pelo adolescente que não vê um lugar estabelecido para si na família, sendo esta mais uma de suas interrogações que necessita de uma resposta.

A família tem importância fundamental na vida de um filho. Quando criança, ele necessita de amor, carinho e de suprir suas necessidades biológicas. Geralmente, isto cabe aos

3 Fantasma: condição de duplicação, isto é, de divisão do sujeito. Ele se alterna em vida da realidade e vida fantasmática, onde os desejos inconscientes se fazem presente.

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pais, mas pode ser exercida por algum familiar que faça função paterna ou materna4 para a criança. As primeiras identificações vão surgir no meio familiar, e através delas os laços sociais vão se estabelecendo.

O psicanalista Donald Winnicott (1978) aponta os cuidados maternos primários como um ponto essencial de articulação entre a constituição psíquica do sujeito e as suas aquisições evolutivas. Para ele, a mãe é muito importante no início da vida da criança, porque é através dos seus primeiros cuidados com o bebê que ele passa a conhecer o mundo. Assim, o psiquismo do bebê vai se construindo a partir desses cuidados maternos e também do espaço transacional que circunda esta relação.

Winnicott (1978) utiliza a expressão “mãe suficientemente boa” para esclarecer a função vital que a mãe exerce sobre seu filho, o bebê. Os cuidados adaptados às necessidades do bebê vão ajudar no desenvolvimento físico e psíquico da criança. Esses cuidados possuem o valor de uma inscrição na criança, onde a mãe é o Outro primordial. Isso permite que o ego infantil encontre alguns pontos de referência fundamentais para que ele possa se integrar no tempo e no espaço. Supondo um sujeito no bebê, a mãe sabe que isso é necessário para que ele venha constituir-se enquanto sujeito do desejo.

Por isso quando o sujeito entra na adolescência vai se identificar com objetos e assim, ter um lugar para se inserir no meio social, para ser visto pelos demais. Ele procura grupos de amigos com os mesmos gostos seja pela música, literatura, dança e outras coisas. Isto quando não procura a droga como forma de inserção social, mas isso é outra coisa, bem mais séria que as demais escolhas feitas por ele.

O refúgio no mundo dos livros, nas gerações mais velhas, na música popular, na televisão ou nos computadores, na atualidade, pode representar uma fuga ameaçadora da realidade que o adolescente teme na medida em que se sente inseguro de si mesmo e dominado por seus desejos e pulsões, o mundo que o rodeia pode parecer-lhe demasiado perigoso, pelo menos durante um certo tempo. (TUBERT, 1999, p. 57)

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Função Materna e Função Paterna: funções psicológicas que não precisam ser encarnadas pela mãe e pelo pai, mas sim por alguém que exerça os cuidados com a criança e alguém que apresente a lei para ela, respectivamente.

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Na verdade, estas formas de identificação veem como formas de reinserção no social, já que anteriormente o indivíduo estava no social como criança e agora precisa assumir um outro lugar e uma outra identidade. Por conseguinte, precisa assumir novas responsabilidades, ou pelo menos “ensaiar” que pode assumi-las.

A adolescência transtorna o eu, os ideais e o mundo da infância. As transformações da puberdade, inicialmente no que elas modificam o estatuto do outro, a desqualificação dos pais em constituir o modelo do adulto, a decepção frente à promessa edípica que se revela enganadora e por isso mesmo, face a todos os discursos antigos, a saída do lar familiar em direção ao laço social exigem uma nova construção identificatória. (RASSIAL, 1999, p.102)

1.3 O Adolescente e seu Corpo

Os adolescentes passam grande parte do tempo se olhando no espelho, demonstrando que o narcisismo se encontra acentuado. Uma das preocupações mais relevantes é com o próprio corpo, pois o adolescente precisa dar conta das transformações pelas quais está passando e precisa se apropriar desse “novo corpo”, que até então era desconhecido. Na maioria das vezes, esse corpo desconhecido provoca angústia no sujeito porque o questiona a todo o momento.

O corpo pode ser também um representante simbólico.

Pela maneira como é utilizado, valorizado ou desconhecido, amado ou detestado, fonte de rivalidade ou de um sentimento de inferioridade, vestido ou às vezes dissimulado, o corpo representa para o adolescente um meio de expressão simbólica de seus conflitos e de modos relacionais. Por exemplo, no menino, os cabelos longos ou cabelos curtos podem ser o reflexo de uma moda, mas podem ser também a expressão simbólica da identidade sexual. (MARCELLI, BRACONNIER, 2007, pg 28)

Logo, através do corpo se constrói a identidade do adolescente e as modificações de visual podem ser um sinal de difícil incorporação das mudanças que ocorreram rapidamente em seu corpo.

Como o corpo está em crescimento, ele faz “barulho” principalmente neste momento e, sintomatizando frequentemente, pois só assim a angústia ganha espaço e pode emergir. Essa situação faz parte da vida fantasmática do adolescente.

As transformações que ocorrem no corpo do adolescente incidem sobre a imagem do corpo estabelecida no estádio do espelho, que se constitui entre os seis e os dezoito meses de idade, caracterizando uma etapa onde a criança reconhece sua imagem no espelho. É uma

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imagem especular e que dá à criança a sensação de integridade, isto é, de que ela é um ser diferente de sua mãe. Mas, ao mesmo tempo, se percebe semelhante aos demais; e com isso, o “eu” surge para organizar as imagens espedaçadas do corpo.

O estádio do espelho, então, tem a ver com o narcisismo primário onde apenas as pulsões autoeróticas existem no início da vida. Isso faz com que o “eu” de ao sujeito uma sensação de unidade, de corpo único, já que as pulsões estão ligadas às necessidades de autopreservação, cujo primeiro objeto sexual é a mãe, principal responsável pelos cuidados da criança.

Por conseguinte, tal situação vai permitir que o sujeito faça novos investimentos objetais durante sua constituição, sendo este o narcisismo secundário. As paixões adolescentes ou a própria relação entre pais e filhos caracterizam esse fato. A paixão faz com que o ser amante atribua ao amado perfeições, sendo que as deficiências (ou defeitos) sejam ignoradas, pois de alguma forma amando o outro estão amando a si próprios. Os vínculos apaixonados permitem que o adolescente possa se apropriar de um corpo que antes pertencia a outros amores, isto é, aos pais.

A ilusão amorosa sustenta o adolescente, lhe emprestando uma imagem corporal densa e plena. “Enquanto imaginar que esse amor é perfeito, assim se sentirá.” (CORSO, 2006, p.158). Mas quando o adolescente é abandonado pela sua ilusão amorosa, vive um aniquilamento pessoal; revelando assim a fragilidade do adolescente frente ás questões que mexem com suas emoções.

Na adolescência, o sujeito precisa se reapropriar de uma imagem transformada do corpo, já que algumas modificações ocorrem e tem a ver com seus atributos físicos, suas funções, da semelhança com o corpo do adulto e a importância do olhar do ser do outro sexo. Estas mudanças podem não ser simbolizadas, invadindo dessa forma o corpo imaginário, pondo à prova a imagem que o sujeito tem de seu corpo. Logo, há uma reconstrução da imagem do corpo pelo sujeito adolescente, diferente da imagem do corpo infantil.

Para o adolescente, o espelho é tentador e perigoso, porque a curiosidade de saber o que os outros vêm nele, é despertada. “Entre a criança que se foi e o adulto que ainda não chega, o espelho do adolescente é frequentemente vazio”. (CALLIGARIS, 2000, p.25). Por causa desse vazio, o adolescente se deixa levar pela insegurança e faz coisas sem pensar,

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Logo, o adolescente vai experimentar as possibilidades de seu corpo em alguma atividade e se por como objeto de desejo do outro. Fala-se então, em retorno ao narcisismo. Ele vive freqüentes dramas amorosos, onde se apaixona por alguém impossível ou por alguém bem próximo. Pode traçar caminhos possíveis para tal fato, inclusive a troca incessante de parceiros, tendo como destaque o ficar, que não exige envolvimento afetivo. A explicação para este comportamento é que:“(...) na adolescência, um busca no outro um ideal narcísico, e daí as grandes e intensas paixões e as trágicas desilusões”. (RAPPAPORT, 1993, p.21)

As mudanças corporais atingem de formas distintas as meninas e os meninos. as meninas, vão assemelhar-se aos padrões de beleza valorizados pelo social, e buscam a todo momento a confirmação de que algo mudou em seu corpo, provocando olhares da família e dos amigos. A menstruação vem a ser um sinal de que a modificação corporal é dirigida ao olhar materno.

A garota irá afirmar sua existência pela renúncia fálica, isto é, irá se definir pelo que não tem, em relação à função simbólica de significante mestre do phallus, função que funda o sujeito como assujeitado à fala e à falta. Será uma nova confrontação com a castração simbólica, já imposta na infância, mas agora com um corpo capaz de consumar a relação sexual. (RAPPAPORT, 1993, p.20)

Nos meninos, a principal mudança é a acentuação da pulsão vocal, além das funções genitais. A voz, é o principal componente da paquera adolescente e traz uma questão com o pai: por ser semelhante à voz dele, vai impulsionar comparação e confronto com a imagem paterna.

Para que a imagem do corpo seja internalizada pelo jovem, é preciso que o corpo seja visto como um todo, e isso só acontece depois que tem-se acesso à genitalidade. A construção da imagem do corpo tem influencia do ambiente onde o adolescente vive, bem como de suas emoções e através do olhar do outro, que exerce forte influência para a vida do adolescente.

Logo, o corpo se torna um “Outro” a ser investido para provocar o olhar do “outro” enquanto semelhante. Agora sexualizado, o corpo fica entregue a esse olhar e pondo em questão a dicotomia interior e exterior: se imobiliza pelo olhar, retraindo-se, mas por outro lado, se dá a ver pondo em movimento o corpo. É fundamental tal movimento porque propicia que o adolescente adquira a noção de que ele é cuidador de seu corpo, e não mais seus pais, como acontecia na infância.

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Se a puberdade inicialmente perturba a imagem do corpo construída na infância e que deverá ser reconstruída, genitalizada, quer dizer, não mais sustentada pelo olhar e voz da mãe e pelo falo materno, mas implicada na relação ao outro sexo, como uma renúncia definitiva e difícil da bissexualidade (os riscos homossexuais e perversos na adolescência jogam-se aí), é nesse mesmo movimento que o remanejo dos ideais impõem-se”. (RASSIAL, 1997, p.72)

A partir dessa afirmação, pode-se dizer que o adolescente precisa reconstruir a imagem de seu corpo, que na infância não era atribuído um saber sexual, e era visto como um corpo “inocente”, por assim dizer. Agora, o corpo desperta para a sexualidade, em termos da genitalidade e, “(...) o que garante essa imagem do corpo não são mais o olhar e a voz dos pais, em particular da mãe, mas o que verão e dirão os seus pares, sobretudo os eventuais parceiros do outro sexo”. (RASSIAL, 1997, p.77).

1.4 Adolescência: Crises e Conflitos

Winnicott (1961) destaca três mudanças sociais que ele considera como fundamentais na alteração do clima que envolve os adolescentes. A primeira delas é que as doenças venéreas não assustam mais, e o adolescente passa a se arriscar mais nas relações sexuais, isso porque o aparecimento dos contraceptivos permite que o adolescente tenha maior liberdade para explorar e investigar a sensualidade e a sexualidade, deixando de lado a hipótese de desejar ter filhos; esse aspecto caracteriza a segunda mudança destacada pelo autor. A última mudança destacada pelo autor tem a ver com o período das guerras, no caso a invenção da bomba atômica, afetando dessa maneira o relacionamento entre a sociedade adulta e a eterna vaga de novos adolescentes, que hoje não são mais submetidos às fortes disciplinas militares.

Por conseguinte, pode-se perceber que os adolescentes de hoje tem mais liberdade frente a tais questões, principalmente as questões relacionadas ao sexual. No passado, não se tinha tal liberdade, tanto que os jovens eram submetidos ao casamento por escolha de seus pais. E, hoje se adia cada vez mais a saída da casa dos pais para assumir um compromisso. Será que os jovens têm medo de se arriscar num relacionamento? Ou a casa dos pais é um meio de segurança contra as frustrações nos investimentos amorosos dos filhos? Interrogações que nos fazem pensar sobre a adolescência hoje: o sujeito deseja ser adolescente eternamente, mesmo que tenha 40 ou 50 anos.

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O maior dos desafios colocados pelos adolescentes atinge aquela parte de nós que não viveu em verdade sua adolescência. Essa parte nos faz lamentar que os jovens estejam atravessando sua zona de calmarias, e nos faz querer encontrar uma solução para seu problema. Há centenas de soluções falsas. Tudo o que dissermos ou fizermos estará errado. Damos apoio e estamos errados, retiramo-lo e continuamos errando. (WINNICOTT, 1961, p.127)

O trabalho da adolescência é visto como um luto, consistindo numa perda de objeto, e de objetos infantis, segundo a psicanálise. A perda o objeto primitivo na infância (o seio materno), leva a criança ao processo de individuação-separação onde para entrar na adolescência é preciso perder a infância; logo, esse processo é refeito.

O adolescente tenta se livrar do domínio parental para ter sua tão sonhada liberdade, por isso o objeto edipiano5 é ambivalente: ao mesmo tempo que se ama, se odeia as figuras parentais porque eles negam a liberdade para o adolescente e fazem novas proibições. “Portanto, uma das tarefas psíquicas centrais da adolescência é conseguir se livrar da autoridade parental e dos objetos infantis.” (MARCELLLI E BRACONNIER, 2007, pg 29).

O narcisismo6 na adolescência é acentuado aos extremos: ou há uma imagem de si grandiosa ou um egoísmo, não tendo interesse pelo mundo exterior. Mas o narcisismo pode ser problemático porque o adolescente deve escolher novos objetos para investir, mas não deve esquecer de si mesmo, porque deve escolher-se como objeto de respeito, interesse e estima. Assim, aparecem as dificuldades narcísicas, por exemplo, quando eles maltratam seus corpos, no caso das psicopatologias alimentares.

A participação dos adolescentes nos grupos é de suma importância para o processo identificatório e formação da personalidade do futuro adulto. Sabe-se que os integrantes de um grupo se unem pela mesma sintomática, e no caso dos adolescentes, pelas mesmas identificações ou pelos gostos por determinadas coisas. Marcelli(2007) cita o exemplo de que se existe no grupo adolescente um integrante depressivo, todo o grupo manifesta um espírito depressivo, isto é, deixam-se contagiar pelo sintoma presente no sujeito.

5 Objeto edipiano: orienta a existência do ser humano, enquanto um sujeito desejante.

6 Narcisismo: definido por Freud (1910) como o amor pela imagem de si mesmo, tendo por referencia o mito de

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Neste período da vida de seus filhos, os pais se referem a eles como “rebeldes”, mas a rebeldia é típica da adolescência e ela é uma contestação por parte do adolescente, que agora busca essa “nova identidade” e, durante essa busca ele vai testar diferentes formas de se relacionar com os demais e também ensaia posturas éticas próprias, ou seja, defende suas idéias em um dia e no outro pode ser que as julgue severamente.

Para a psicanálise, a adolescência vem a ser uma tomada de posição subjetiva, ou seja, o modo ou o lugar de onde o sujeito endereça algo para alguém. Esta tomada de posição se faz presente na infância, cujo endereçamento principal é para os pais; já na adolescência, eles deixam de ser o endereço principal de suas formações psíquicas. A mudança que ocorre da infância para a adolescência é chamada por Rassial (1997) de “passagem adolescente”.

Para a psicanálise interessa as mudanças subjetivas que ocorrem na adolescência, as quais o sujeito necessita operar para dar conta das mudanças corporais, principalmente à genitalidade, não somente no imaginário, mas também no real.

Para Freud (1909), nesse período os conflitos teriam por função libertar-se dos pais para poder realizar os desejos eróticos. Ai há uma retomada do Complexo de Édipo, levando em conta o mito individual do neurótico, tratado por Lacan (1980) como a estruturação que acontece nas relações familiares e de que forma deu-se a união dos pais. Essa situação tem o caráter mítico, já que as vivencias familiares afetam outras pessoas e “provocam” o imaginário das mesmas.

A adolescência é o momento onde os conflitos edipianos reaparecem e o incesto parece mais possível. Logo, o adolescente busca fora do ambiente familiar, um objeto com o qual possa ter uma vida sexual. Por exemplo, no caso dos meninos, a primeira identificação7 se dá com o pai e assim, eles vão procurar nas meninas algo característico da mãe, seja no lado físico ou intelectual, por isso o interesse por mulheres mais velhas, como forma de se manter presente a figura da mãe. As meninas, pelo fato do pai ser proibido vão buscar nos meninos algo que seja característico dele.

Por isso que os pais, na maioria das vezes, não simpatizam à primeira vista com os “futuros parceiros” dos filhos: porque o adolescente que eles foram no passado, aparece ao

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Identificação: processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro. (LAPLANCHE E PONTALIS, 2004, p.226).

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vivo em sua frente, muitas vezes trazendo questões que estão “recalcadas”8 pelo adulto. E essa situação é incômoda ao sujeito, que não consegue se reaver com tais questões e acaba por se ver no adolescente que está a sua frente e isso pode gerar angústia, afinal não é fácil reconhecer que um dia se teve aquela idade e aqueles conflitos, que hoje aparecem com outras roupagens.

O pai ou a mãe deverá renunciar à projeção em seu filho de uma parte de seus próprios desejos infantis, e renunciar também à satisfação da “onipotência parental”, que provém em parte da idealização necessária que a criança fazia de seus pais (MARCELLI, 2007, p. 304).

Logo, o filho adolescente traz á tona questões que seus pais viveram. No caso do adolescente ser filho único, desde a infância o processo de separação-individuação se torna mais difícil e, consequentemente a relação com os pais também, porque o adolescente não terá com quem dividir a responsabilidade de suportar os investimentos e projeções narcísicos deles. Por conseguinte, esse adolescente pode encontrar dificuldades em suas escolhas narcísicas e objetais, já que foi uma criança única no seio familiar.

Quando o período de latência, que é caracterizado pelos desvios das pulsões sexuais para fins socialmente aceitos, termina, é onde a adolescência se inicia, afirma Freud. Daí a curiosidade ou interesse pelo sexo oposto começa; pode-se dizer que se inicia um jogo de sedução, onde os olhares e as palavras ganham maior importância na vida do sujeito adolescente.

Assim, na leitura freudiana o adolescente busca a satisfação de suas pulsões no outro e, desse modo, quer chamar a atenção pelo olhar; por isso a “exagerada” preocupação com o corpo e passar horas em frente ao espelho é algo comum para eles. Muitas vezes, os estudos ficam de lado, o que gera preocupações para os pais que cobram o tempo todo que eles estudem para “ser alguém na vida”. Isto tem a ver com o ideal que os pais depositam nos filhos, ou seja, as oportunidades que não lhes foram proporcionadas agora tentam proporcionar aos filhos.

8 Recalque ou Recalcamento: acontece quando o sujeito mantém afastado do inconsciente representações que estão ligadas a uma pulsão, e é visto por Freud como um mecanismo de defesa do inconsciente frente ao desprazer.

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O inicio da adolescência será marcado pela necessidade de uma afirmação própria do sujeito, pela qual ele responderá ao apelo a deixar a latência e se inserir, desde uma posição sexuada, nos laços sociais.

O olhar do Outro9 vai provocar essa afirmação por parte do adolescente, que se dará através do discurso, e essa é uma forma dele se inserir na sociedade.

A adolescência é um período de interrogações por parte do sujeito adolescente, onde as certezas da infância são postas em jogo e os pais idealizados pela criança como os “heróis” caem dessa posição e passam a ser vistos como seres normais e mortais. Logo, é como se o adolescente descobrisse que seus pais também são castrados10 e que possuem falhas, não são aqueles “seres perfeitos” que tanto eles idealizaram e idolatraram anteriormente.

Outro momento próprio da adolescência é a famosa “crise adolescente”, isto é, um momento onde o sujeito não sabe responder quem é, do que gosta, pois está num período de desenvolvimento físico e psíquico. Mudanças, contradições e conflitos são freqüentes. Somente dessa maneira e passando por tais conflitos, o adolescente pode conquistar a si mesmo e se conhecer como um sujeito desejante, podendo fazer escolhas.

Segundo Kestemberg (1980), a crise adolescente se dá em duas etapas: a primeira etapa é da decepção, se desiludindo com o que inconscientemente esperava que fosse acontecer; a segunda etapa é a passagem da decepção à conquista: “conquista do eu, por meio de um objeto, base dos alicerces narcísicos dos adultos do amanhã.” (MARCELLI, 2007, p. 49). Isso acontece quando o adolescente encontra tempo de esperar e se dá conta de que não precisa de uma realização imediata. Logo, ele descobre o tempo de fantasiar.

Marcelli (2007) afirma que a adolescência é o momento em que a tranqüilidade do crescimento é interrompida e marca o fim do período de latência, fazendo aflorar as pulsões sexuais. Então, os conflitos são normais no período da adolescência, pois como ficar tranqüilo quando se está descobrindo quem é e ainda não sabe dar uma resposta para a pergunta: quem sou eu?

9 Outro: a psicanálise situa como sendo o lugar que determina a alteridade para o sujeito, e inicialmente é a mãe quem faz o papel de “grande Outro” para a criança. Mais tarde, substitutos imaginários surgem.

10 Complexo de Castração: centrado na fantasia de castração, dando uma resposta à criança para a diferença anatômica entre o sexo feminino e do sexo masculino. O menino teme a castração, e já a menina sente a ausência de pênis como um dano sofrido, que ela vai negar, compensar ou reparar.

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O período adolescente é visto como uma crise de identidade, e psicanaliticamente falando toda crise é necessária ao sujeito. E essa crise adolescente se dá neste momento de passagem ou transição do ser infantil para o ser adulto. A identidade de cada sujeito é vista como o conhecimento que ele tem de si mesmo como um ser único no mundo, portanto um ser subjetivo.

Por isso a crise de identidade aparece claramente na adolescência: como o sujeito vai conhecer a si próprio se mesmo ele não sabe quem é? Esta é uma pergunta de difícil resposta e que muitos exigem que se tenha a resposta, que o adolescente fale quem ele é. Mas como, se ele está em fase de conhecimento da fase pela qual está passando?

Na contemporaneidade, a vida privada vem se tornando pública pela intromissão do consumismo exagerado e da mídia, que dita os modelos comportamentais que o sujeito “deve” seguir para ser considerado membro atuante da sociedade individualista e excludente. Logo, os pais sentem-se inseguros quanto à educação dos filhos e ficam presos nesse “não-saber”, o que possibilita ao adolescente buscar outros saberes fora do ambiente familiar.

Para compreendermos a adolescência em pleno século XXI, precisamos observar como o adolescente se encontra em seu ambiente, pois várias mudanças ocorreram ao longo dos anos. Tecnologias são lançadas a todo o momento; hoje quase todos os jovens têm acesso à Internet, celular e outros meios eletrônicos. Isso traz conseqüências psíquicas porque o jovem é “pressionado” a obter tais tecnologias para se inserir na sociedade e “ser visto” como adolescente.

Aquele adolescente que aceita o que lhe vem passivamente e não contesta nada, ele sim é quem deveria ser motivo de preocupação para os pais. Essa situação foge da normalidade quando falamos em adolescente, pois o “normal” é o adolescente ser agitado, rebelde e perturbador. Do contrário, pode-se estranhar e talvez pensar numa patologia, como a melancolia ou a depressão.

Mas, os adolescentes de hoje são “comportados”, por assim dizer, ou como coloca Calligaris (2000) “desejam pequeno”. E nesse desejar pequeno, estão as futilidades do dia a dia: celular, chapinha, computador, etc. os jovens do passado, lutavam pelos seus ideais, nem que para isso fosse preciso ir pra rua: sim, eles lideravam revoluções e hoje, as manifestações lideradas pelos jovens desapareceram. Será que isso tem a ver com o enfraquecimento do

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Nome do Pai, como a autoridade para os jovens? Ou será que eles perderam a vontade de “lutar” pelas grandes causas da humanidade?

A adolescência é característica da subjetividade moderna, porque traz consigo a visão de sujeito confuso, perdido e que busca referências para se sustentar na sociedade. Um sujeito que não tem mais o “nome-do-pai” para se agarrar e constituir um futuro, posição que reflete as incertezas do adolescer. “O adolescer é, então, o substituto e o herdeiro da eficácia ritual perdida na modernidade.” (RAPPAPORT, 1993, p.41).

O Nome do Pai é o significante que transmite a lei para o sujeito, e que vem para “fazer um corte” na relação mãe-filho. Além de transmitir a lei, ele assegura que o sujeito possa investir em outros objetos, além do “colo materno”. Hoje, como o ser humano anda com medo, angustiado e sempre com pressa não tem como passar uma segurança para o adolescente; logo, este também será um sujeito medroso, angustiado e apressado, sem contar que pode não fazer investimentos objetais pelo medo de correr riscos.

Freud (1917), ao trabalhar o conceito de Luto, o define como um processo onde o aparelho psíquico responde, constituindo em seu interior, algo que está em falta ao nosso redor. Assim, a tristeza pela falta do objeto vai ser superada. Esse processo é diferente da melancolia, pois nela o sujeito não consegue realizar o seu luto. A adolescência então, é um trabalho de luto sobre um simbólico construído na infância e que precisa dar lugar a um novo simbólico, que inaugura um futuro, por isso é necessário desconstruir algo para construir novos investimentos.

(...) enquanto trabalho de luto, a adolescência se estabelece no sujeito como a operação que visará transformar o próprio sujeito, de modo a torná-lo capaz de constituir, para si, os dispositivos simbólicos eficazes para construir um significante lá onde houve um brutal encontro com o real.” (RAPPAPORT, 1993, p. 47)

Rassial (1999) também trabalha sobre o luto do adolescente e afirma que:

De fato, a adolescência é um período em que as manifestações depressivas são freqüentes, devido ao trabalho de luto a efetuar, ao mesmo tempo das imagos e dos objetos infantis e das encarnações parentais do Outro. Assim, o engajamento amoroso pode ser a tentativa de superar esta depressão, ou, pelo menos, de dar-lhe um sentido (o mal do amor). (RASSIAL, 1999, p. 97)

Há um “remanejo psíquico” da adolescência que tem “como conseqüência uma fragilidade relativa do equilíbrio psicoafetivo”(MARCELLI, 2007, p.298). Assim, o

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adolescente pode ser comparado ao bebê, que com a plasticidade inicial permite que ele se adapte em função do ambiente, e isso inclui o meio familiar. Desse modo acontece com o adolescente que tem difícil adaptação ao seu ambiente e pode se achar um estranho dentro dele, por isso pode procurar outros lugares aonde vai se sentir bem.

No ambiente familiar, o adolescente clama por sua autonomia, mas ainda depende profundamente de sua família. Por isso os constantes conflitos entre pais e adolescentes. Muitos deles se mostram insatisfeitos com seus pais: ou os consideram excessivamente severos, invasivos demais ou inacessíveis demais. Segundo Marcelli (2007), o adolescente que manifesta algum comportamento patológico, mais as relações entre ele e seus pais vão ser insatisfatórias, conflituosas e medíocres.

Sigmund Freud não se estendeu na temática “adolescência”, mas dedicou-se ao estudo do inconsciente, através de suas formações: lapsos, sonhos, chistes, e sendo constituído por conteúdos que não estão na consciência em determinado momento. Logo, os conteúdos são reprimidos por censuras, denominadas de resistências. Cabe à psicanálise, decifrar o que há no inconsciente e como isso afeta a vida do sujeito. No caso dos adolescentes, o que foi reprimido na infância, retorna. E, o adolescente tem facilidade em falar o que o adulto se nega a admitir, isto é, o adulto recalca e o adolescente fala. Verdadeira contradição entre as gerações.

“(...) o adolescente vive o aqui e o agora intensamente, diferentemente dos adultos, ainda presos a um passado que não reconhecem ser passado, ainda que retornando sempre com diferenças” (FOLBERG, 1999, p.9). Logo, o adolescente está sempre ansioso para que as coisas aconteçam num simples segundo, e se revoltam com a falta de pressa dos adultos. Isto faz com que o sujeito adolescente se torne autor de sua própria fala, fazendo com que o processo de enunciação aconteça. Tal processo é fundamental para o adolescente surgir como um sujeito singular, dono de seu desejo11.

Calligaris (2000) afirma que a modernidade promove o ideal de independência para o adolescente, e que ele só poderá ser reconhecido como adulto se assim for. Com isso, se impõe um paradoxo: o adolescente é frustrado pela moratória imposta, mas por outro lado, a

11 Desejo: falta inscrita na palavra e efeito do significante sobre o ser falante, e que, por conseguinte é sempre o desejo do outro.

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sociedade impõe que o adolescente seja feliz. Então ele tem duas opções: ser feliz ou fazer de conta que é.

Nesse “fazer de conta”, a felicidade está no imaginário do sujeito adolescente, mas longe do Real, que na maioria das vezes é impossível de ser suportado, gerando um sintoma patogênico como uma forma de defesa diante do insuportável. Uma das possíveis saídas é o suicídio, já que dando um fim para a vida termina a “luta” para suportar o insuportável.

Segundo Rassial (1999),

Quando o adolescente avalia que a economia social só autoriza uma única circulação, a circulação simbólica do dinheiro e das mercadorias, ele ainda tenta circular realmente, através da fuga, pegando a estrada, ou através de outras partidas intempestivas, ou ainda, de modo mais simples, através dos preparativos de viagem, em bando ou de carona, quer estes preparativos sejam efetivos, quer permaneçam em sonhos. Pode acontecer também que ele se arrisque “à grande viagem” e se suicide. (RASSIAL, 1999, p.87)

O sujeito aprende em 12 anos de vida, que é preciso ser desejável e invejável para se incluir e ganhar destaque na sociedade, sendo elas duas qualidades subjetivas necessárias ao período adolescente. Mas, ainda não é a hora de amar, copular, gozar e reproduzir. A autorização para realizá-los é postergada

Para crescer, o adolescente perde ou renuncia a segurança do amor que os pais garantiam à criança, logo surge um dos traços característicos da adolescência: a insegurança. O adolescente não sabe em quem confiar, por isso os inevitáveis conflitos de opiniões nesse momento da vida do sujeito.

Para este autor, a adolescência assume a tarefa de interpretar o desejo inconsciente dos adultos, e os adolescentes como ótimos intérpretes que são trazem á tona as mais variadas questões inconscientes e mal resolvidas de seus próprios pais. Consequentemente, essa situação provoca o desencontro entre adolescentes e adultos.

O fato é que a adolescência é uma interpretação de sonhos adultos, produzida por uma moratória que força o adolescente a tentar descobrir o que os adultos querem dele. O adolescente pode encontrar e construir respostas muito diferentes a essa investigação. As condutas adolescentes, em suma, são tão variadas quanto os sonhos e os desejos reprimidos dos adultos. Por isso elas aparecem (e talvez sejam) todas transgressoras. No mínimo transgridem a vontade explícita dos adultos. (CALLIGARIS, 2000, p.33)

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Logo, a conclusão é de que os adultos reprimem e os adolescentes transgridem, demonstrando dessa maneira, os extremos da relação entre ambos. A transgressão alimenta os ideais sociais dos adultos, e dá reforços para a educação dos filhos na contemporaneidade e muitos pais dizem não saber o que fazer com o filho adolescente. E esse “não saber” permite que o adolescente cometa mais transgressões, e com isso reforça a fraqueza dos pais no processo de educativo e de constituição do sujeito com base nas regras de convivência familiar.

O adolescente é o protótipo do sujeito moderno e que se encontra na posição de quem não deve nada ao passado, por isso ele não vê um futuro. Para ele, o que importa é gozar aqui e agora, dando seqüência à sociedade apressada e ao consumismo desenfreado. Por não reconhecer os valores da geração passada, ele desenvolve um ódio a herança, não querendo saber de seus antepassados e tão pouco levar a sério o futuro.

As gerações atuais renunciam a segurança para ter um pouco de felicidade, mesmo que por alguns minutos. Estão sempre beirando o precipício, ou seja, na borda do perigo e nos mostrando que o “Nome do Pai” falhou. E, ao mesmo tempo em que o adolescente vive momentos de felicidade, vive no sofrimento: sofre pelo que não tem, pelo pouco que tem, por quem é e por quem não é. Então, sofrer faz parte da vida do sujeito, o problema é quando o sujeito se “apega” a esse sofrimento e faz dele seu sintoma. A situação terá caráter patológico e necessariamente o sujeito precisará de ajuda para sair desse sintoma.

Outra característica da adolescência é o desencontro com os pais, que ocorre na forma de conflitos entre gerações e que é inevitável. Por não saber o que fazerem nesse momento da vida de ambos, surgem as crises, tanto do lado dos pais como dos filhos adolescentes. Então, quais deles, os adolescentes ou os pais sofrem mais com a crise? Assunto que será abordado no capítulo a seguir.

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2. Segundo Capítulo

O ADOLESCENTE E SEUS PAIS: CRISE DE QUEM?

A adolescência, antes de mais nada , é um ideal social e

(...) é a época de ser o que todos cobiçam: jovem, belo e com todas as possibilidades em aberto. Para nossa sociedade, o jovem parece ter o mundo a seus pés. O adolescente parece adormecido para o mundo dos adultos, mas ele não está nada parado: em seu retiro, seja o quarto, o grupo ou o hobby, praticará frenética e entusiasticamente qualquer coisa que o engate, dedicará a seus amigos mais tempo do que nunca, odiará ferozmente a todos os que dele discordarem. (CORSO, 2006, p.89).

Isso porque todos querem conservar o corpo, o entusiasmo sexual e as possibilidades de escolha nesse momento da vida, já que para os adultos, escolher significa perder algo para ganhar outra coisa. Mas crescer também significa perder e principalmente perder a capacidade de brincar para dar lugar à organização de fantasias mais complexas. “Somente na juventude é possível fantasiar tanto. Depois que o jogo da vida começa para valer, os devaneios são fontes de satisfação, mas também de muita frustração.” (CORSO, 2006, p.260).

Os conflitos com os pais são inevitáveis, afinal,

O adolescente é confrontado com a distância entre a realidade de seus pais, que ele começa a perceber como sujeitos comuns, com seus conflitos, seus limites, seus desejos, e os pais ideais ou idealizados da infância que, por um tempo, encarnaram esse estatuto de adulto prometido para mais tarde. (RASSIAL, 1997, p.76)

A criança tem em seus pais, os heróis que ela tanto admira e busca neles a sua segurança e proteção, dependendo exclusivamente dessa situação para poder se desenvolver. Mas, ao longo de seu desenvolvimento, os pais demonstram que não são tudo aquilo que o filho (a) idealizou, eles também falham. A situação se torna “suportável” até que a adolescência se faz presente na família.

Perder o lugar no amor dos pais, abandonar o castelo onde crescemos. Significa juntar os próprios pedaços, colar o próprio corpo e sair andando. Implica apossarmos-nos daquilo que recebemos, que nos permitiu transformar um olhar amoroso em imagem corporal. Para que possamos fazer isso, temos de conhecer o caminho. Crescer é ir apropriando-se, cada vez mais, daquilo que o amor dos pais nos ofertou. (CORSO, 2006, p. 157)

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Se apropriar do amor dos pais é a condição para crescer e essa situação implica que os pais vejam seu filho um ser diferente deles, embora com algumas semelhanças e traços de ambos. Corso (2006) fala em “extensão narcísica do desejo dos pais” quando eles, por sua vez, idealizam o filho como uma recompensa por algo conquistado, como se tivessem vencido uma competição. Isto acontece na maioria das vezes, porque os pais querem ver nos filhos a realização de suas frustrações e pendências. Logo, a casa paterna se torna um ambiente asfixiante para o adolescente já que os pais não entendem ou não aceitam as suas escolhas.

A partir daí, o adolescente começa a questionar tudo, clamando por autonomia e individualidade, mas “(...) ainda permanece profundamente dependente do quadro familiar de sua infância”. (MARCELLI, 2007, p. 301). Permanece dependente dos pais porque ainda não tem seu próprio salário para manter seus gastos, por isso precisa constantemente pedir dinheiro a eles, mesmo sabendo que pode levar um “não” como resposta. Isto também depende dos pais, sendo que alguns são mais permissivos e outros nem tanto. Situação que pode colocar a relação entre eles mais conflituosa.

A crise adolescente geralmente é desencadeada a partir do lugar nas relações familiares, da estrutura familiar e da personalidade dos pais. Esta, por sua vez é posta em causa porque o adolescente ou considera os pais muito ou pouco severos, distantes demais ou invasivos demais. A relação entre pais e filhos adolescentes será baseada em insatisfação e conflitos.

Segundo Freud (1909), libertar-se da autoridade dos pais é um processo “doloroso” do desenvolvimento humano, mas é um processo necessário para que o sujeito seja independente e que assuma seu desejo, apareça. O fato desencadeante dessa situação ocorre quando os adolescentes descobrem que os pais supervalorizados na infância, são castrados e assim a idealização por eles cai por terra.

O duplo aspecto da adolescência, de ser ao mesmo tempo limite e período, determina a organização do que se pode chamar de crise formal da adolescência: um limite entre dois estatutos, um regendo a criança que brinca e aprende, outro o adulto que trabalha e participa da reprodução da espécie; um período de indecisão subjetiva e de incerteza social, durante o qual a família e as instituições exigem, segundo as circunstâncias, que o sujeito se reconheça como criança ou como adulto. (RASSIAL, 1999, p.58).

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O adolescente está num momento de construir seu caminho e para isso precisa de liberdade e independência. Para os pais, essa situação é angustiante, já que seu filho não é mais aquele ser que depende totalmente deles para sua sobrevivência e desenvolvimento. Por conseguinte, os pais também entram em crise, portanto surge a questão: de quem é a crise, dos pais ou do adolescente?

O adolescente põe à prova a personalidade dos pais, questionando-a a todo o momento, dizendo que não quer tal característica para si e assim por diante. O adulto por sua vez se vê em conflito consigo mesmo diante das provocações do adolescente, afinal como aquela criança inocente e querida pode se tornar tão provocativa?

“O adolescente deve convencer não apenas seus pais, mas também uma parte de si mesmo, de que não tem mais necessidade deles e de que agora ele e seus pais são diferentes, que sua ligação é diferente de quando era criança”. (MARCELLI, 2007, p.302). Ou seja, precisa mostrar que cresceu porque seu corpo está em transformação e ele tem suas opiniões próprias sobre determinado assunto, contrariando a imagem da criança anteriormente idealizada pelos seus pais.

Marcelli (2007) afirma que o adolescente enfrenta um paradoxo: para descobrir sua identidade de adulto, deve romper com seus pais, mas por outro lado, precisa se inserir no meio familiar para reencontrar os fundamentos de sua identidade. É como explica o autor: “Pais e adolescentes se vêem assim confrontados com uma crise em que se questionam os fundamentos da identidade de cada um, os momentos de resolução do conflito edipiano, a escolha do objeto sexual anterior.” (MARCELLI, 2007, p.304).

Marcelli e Braconnier (2007) falam em “crise parental” que ocorre na família do adolescente, quando os pais se deparam com uma seqüência de tarefas e de uma troca de relações, isto é, de uma relação de criança-genitor para relação de adulto-adulto. Há uma troca de lugares, ou seja, a criança sai de cena para que o adolescente ocupe o seu lugar. Logo, é necessária uma reorganização nas relações familiares.

Para que a nova relação familiar possa se dar, os pais precisam renunciar à projeção em seu filho de partes de seus desejos infantis e também da satisfação sobre a onipotência parental. Ou seja, sobre a idealização que o filho tinha deles e que agora se desfez juntamente com o corpo da infância.

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Ao mesmo tempo, eles se vêem brutalmente confrontados com a explosão pulsional de seu adolescente, o que pode despertar neles uma problemática edipiana não completamente resolvida: as proibições são tanto mais numerosas e vigorosas na medida em que as fantasias incestuosas são mais próximas, e que a sexualidade de seu filho atingiu agora a maturidade. Essa explosão pulsional, as defesas que o adolescente utiliza, tudo isso pode evocar no adulto sua própria adolescência e suscitar um aumento de sua angústia e um reforço de suas próprias defesas, caso ele não consiga tolerar a rememoração com a qual é necessariamente confrontado. (MARCELLI, 2007, p.304)

Alguns pais podem projetar em seus filhos os seus próprios desejos edipianos e por isso frequentemente sexualizam todas as situações vividas pelo adolescente. Eles imaginam que o filho a todo o momento vai buscar um parceiro com o qual vai ter uma vida sexual, e por isso estão sempre desconfiados com as eventuais saídas com os amigos ou simplesmente na escola, já que passam a maior parte do tempo por lá.

Logo, os pais têm o imaginário funcionando a todo vapor, e fazem com que a realidade seja mais conflituosa do que ela realmente é.

De algum modo, pais e adolescentes se vêem confrontados com um duplo desligamento: de um lado, os pais devem relativizar seu ideal do ego projetado no adolescente em função da realidade, ao mesmo tempo em que este faz o luto dessa idealização infantil da qual era portador; de um outro lado, o adolescente deve remanejar a onipotência e a idealização protetora com que seus pais o envolviam, ao mesmo tempo em que estes últimos devem aceitar não ser mais o objeto privilegiado de escolha de seu filho. (MARCELLI, 2007, p.305)

O adolescente proporciona aos pais que eles se confrontem com sua adolescência, já que muitas cenas vividas por eles nesse período foram recalcadas e só agora ressurgem. Isso porque o filho traz à tona tudo o que eles viveram ou gostariam de ter vivido.

Fala-se então, em retorno do recalcado, que vai despertar no adulto a problemática edipiana que não se resolveu por completo. Para alguns pais, não é uma experiência fácil reviver tais lembranças, afinal muitas delas estão carregadas de sofrimento ou dor e poucas são de momentos felizes.

Há um desejo de domínio dos pais sobre os filhos, pois controlam os horários de chegada e saída de casa, sendo que podem até trancar o filho em casa para ele não sair. Essa situação gera mais revolta no adolescente.

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Os pais esperam de seu adolescente a realização de uma parte de seu próprio desejo (projeção do ideal parental em seu adolescente), mas esperam também que essa realização compense em parte as perdas que estão sofrendo, quer se trate da perda de seu domínio sobre seu filho, que se torna adulto, dos estragos narcísicos que o tempo inflige à sua imagem, das decepções em seus diversos investimentos objetais, etc. (MARCELLI, 2007, p.307)

Para ilustrar a relação entre os pais e filhos adolescentes, trarei o recorte de um caso clínico, em atendimento durante o estágio em Psicologia e Processos Clínicos na Clínica de Psicologia da Unijuí.

A paciente L., de 13 anos chega para atendimento porque a mãe marcou horário para ambas, pois as brigas entre as duas são constantes. Seus pais são separados, e seu pai mora em outra cidade e, e ela mora com a mãe. Os pais foram casados por três anos, sendo que sua mãe engravidou quando tinha 17 anos e seu pai tinha 18 anos. Conta que eles se separaram por causa das constantes brigas entre eles, já que o pai aprontava muito, sendo que também fumava e bebia.

Mãe e filha discutem bastante, inclusive L. estava de castigo porque suas notas na escola não estavam boas. Segundo ela, a mãe exagerou nos castigos, já que cortou a internet, apagou as músicas de seu celular, escondeu seus cd’s e suas roupas novas. Diz que ela também não gosta que L. tenha mais amigos meninos, e ficou brava quando contou que havia ficado com um deles, afinal a mãe diz que ela é muito nova para essas coisas.

Às vezes as duas saiam juntas com os amigos da mãe, e esta sempre lhe conta quando está namorando. Então, têm momentos de boa convivência, como duas amigas. Mas na maioria das vezes, brigam. A mãe lhe chama de inútil e irresponsável, deixando L. chateada com essa atitude. L., diz que a mãe tem medo que ela vire “vagabundinha” e que engravide cedo como aconteceu com ela. Gosta que a mãe se preocupe com ela, mas diz que vive em cima dela, cuidando tudo o que faz.

Na entrevista com a mãe de L., ela diz que depois da separação o pai não ajudou com nada na criação da filha, sendo que nem liga para falar com ela. Então toda a responsabilidade ficou para si, e admitiu que cobra bastante da filha, talvez por criá-la sozinha.

Acha a filha “muito desligada”, desde a questão dos estudos até as coisas que ela gosta, por isso a mãe sabe pouco sobre as suas preferências. Mas conversam sobre os namoros de ambas, e L. sempre conta dos seus “ficantes”, mesmo que ela não goste. Conversam

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inclusive sobre sexo, já que a filha um dia encontrou camisinhas no seu quarto e indagou o que era aquilo. Por sua vez, a mãe contou que foi porque ela e o pai de L. fizeram sexo que ela nasceu. L., segundo a mãe, ficou enojada com a história contada por ela. No caso, a mãe pode ter se antecipado e ter desfeito a fantasia que perpassava o mundo de sua filha. Para a menina só restou aceitar a situação, pois descobriu a verdade sobre o sexo de uma só vez.

Nesse caso, pode-se perceber a relação entre uma mãe que foi mãe na adolescência com sua filha entrando na adolescência, e dos conflitos entre ambas, e também do medo que a mãe tem de que sua história se repita em L. Ou seja, a mãe se deparou com sua própria adolescência, ao presenciar o momento que sua filha está vivendo e passou a se questionar sobre o que foi sua própria adolescência.

Houve, então, o retorno do que estava recalcado na mãe de L., e ela se vê nas atitudes da filha, como se o passado voltasse num piscar de olhos. Segundo Corso (2006),

Os adolescentes são “demonizados” na fantasia dos adultos, pois eles supõem que o adolescente deve gozar a vida sem restrições, projetando no jovem despreparado, todos os pecados e irresponsabilidades que gostariam de viver ou ter vivido. (p.277).

O recalque da adolescência vivida pelos pais faz o adolescente assumir a dívida que era deles, isto é, uma geração posterga à outra a responsabilidade pela dívida simbólica. Além da repetição da cena, os pais quitam sua dívida em relação aos seus pais (avós) por passarem ela para seus filhos e assim será sucessivamente. Corso (2006) aborda que “(...) os adolescentes encontram nos avós abrigo para os conflitos resultantes do narcisismo ferido dos pais.” (p.83).

Por conseguinte, os adolescentes frequentemente têm melhores relações com os avós do que com os pais, já que entre eles não existe uma dívida direta. Essa dívida existe entre os pais e os avós, mas entre os avós e os netos ela não acontece. Só vai acontecer se os avós desempenharem as funções materna e paterna para eles.

Calligaris (2000) afirma que se a adolescência for considerada uma patologia, só pode ser uma patologia dos desejos rebeldes que foram reprimidos pelos adultos, já que estes preferem reprimir e esquecer do que realizá-los. Logo, os adolescentes transgridem o que os adultos têm vontade de explicitar.

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O fato é que a adolescência é uma interpretação de sonhos adultos, produzida por uma moratória que força o adolescente a tentar descobrir o que os adultos querem dele. O adolescente pode encontrar e construir respostas muito diferentes a essa investigação. As condutas adolescentes, em suma, são tão variadas quanto os sonhos e os desejos reprimidos dos adultos. Por isso elas aparecem (e talvez sejam) todas transgressoras. (CALLIGARIS, 2000, p.33)

Os filhos adolescentes provocam crise nos pais, e ela é necessária para a reorganização familiar, fazendo com que os pais reinventem seus lugares frente às demais pessoas da família. Precisam se reconhecer como homem ou mulher e não apenas como pai e mãe. Por isso efetuam um trabalho de luto para reverem os investimentos conjugais feitos por eles e então podem se questionar: será que ficamos juntos só por causa dos filhos? Este fato esclarece as constantes discussões entre o casal e que perturbam o adolescente, já que a crise afeta ambos.

Não é a mesma coisa ser pai ou mãe de uma criança e tornar-se pai ou mãe de um adulto, não apenas pelas razoes sociais e jurídicas, pois que isso não corresponde mais, de fato e de direito, à mesma responsabilidade, mas também por razões psíquicas. (RASSIAL, 1997, p.75)

Psiquicamente os pais se dividem em: pais da realidade, que são os pais conscientes; e pais fantasmáticos, que são os pais inconscientes e que permitem a estruturação psíquica do sujeito. Estas duas divisões se fazem necessária para o adolescente se estruturar, mas quando uma delas não está internalizada na vida do jovem, pode se instalar uma patologia, pois o inconsciente e o consciente, embora sejam diferentes precisam um do outro para estruturar a vida de um sujeito.

Há uma incerteza da própria posição dos pais e dos filhos porque ambos mudam de lugar na família e necessitam adaptar a nova realidade para a vida psíquica de cada um. “É assim que os pais do adolescente, devido ao que o filho projeta sobre eles, são conduzidos a interrogar seus próprios pais fantasmáticos, a questionar a idéia mesma do que é ser pai ou mãe.” (RASSIAL, 1997, p.76).

Os pais do adolescente se revelam mortais, sendo possível morrer naturalmente, pela velhice, sem que precise matá-los, porque somente o fato do filho recalcar seus desejos de morte dos pais, não os protege de seu destino mortal. Há, então, uma decepção do adolescente frente a seus pais e que ele vai buscar reparar essa frustração seja nas amizades, no amor ou no outro parental.

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