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O direito penal e as novas tecnologias: uma análise crítica dos bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal

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Academic year: 2021

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GRANDE DO SUL

MARIA LUÍSA HICKMANN

O DIREITO PENAL E AS NOVAS TECNOLOGIAS: UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS BANCOS DE DADOS DE PERFIS GENÉTICOS PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO

CRIMINAL

Ijuí (RS) 2014

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MARIA LUÍSA HICKMANN

O DIREITO PENAL E AS NOVAS TECNOLOGIAS: UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS BANCOS DE DADOS DE PERFIS GENÉTICOS PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO

CRIMINAL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2014

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Dedico este trabalho à minha família e ao meu namorado, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada e, sobretudo, pela paciência.

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AGRADECIMENTOS

A Deus acima de tudo, o meu guia em todos os momentos da minha vida, o qual me mostrou o caminho para a realização desse trabalho e em toda a minha jornada até aqui.

À minha família, que sempre esteve presente e me incentivou com apoio e confiança nas intempéries da vida, e que me ensinou a não esmorecer diante dos desafios e dificuldades. Mãe, ser perfeito e completo, o qual me deu forças para nunca desistir. Pai, meu maior exemplo em tudo, a tua presença foi fundamental durante toda essa etapa, tua determinação e dedicação em tudo aquilo que desenvolve me enche de alegria e fomenta a minha curiosidade, o que me fez continuar.

Ao meu irmão Germano e cunhada Juliana, tia Ângela, tio Marlon e Valentina que sempre estiveram do meu lado, com muita paciência, atenção, confiança e incentivo.

Ao meu namorado Julio Matheus, fiel companheiro de todas as horas, sempre me confiando carinho e dedicação, e me mostrando o quanto sou capaz de realizar todas as coisas que desejo. O teu amor é paciente, é prestativo, não é invejoso, não se irrita, não guarda rancor; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta. Quero comigo para o resto da vida.

Ao meu professor orientador Doutor em Direito Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth, com quem eu tive o incomensurável privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade. Um exemplo a ser seguido, modelo de inteligência e de ser humano.

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“A justiça pode irritar-se porque é precária. A verdade não se impacienta, porque é eterna.”

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise das novas tecnologias presentes no Direito Penal brasileiro, especificamente no que diz respeito aos bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal. O pano de fundo para a discussão da temática é trazido pela Política Criminal Atuarial, a qual busca gerenciar grupos, e não apenas punir indivíduos, ou seja, a finalidade não é combater o crime, mas identificar segmentos sociais não desejados para a ordem social da maneira mais idônea possível. A análise é feita também através do Direito Comparado, verificando quais países adotaram essa tecnologia e o seu processamento. Aborda a aplicação dessa técnica no Brasil, como a sua criação, o funcionamento e a eficácia. Busca propiciar ainda uma discussão acerca dos princípios da dignidade humana, da presunção de inocência e da vedação à autoincriminação e seu tensionamento à luz da utilização dos bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal.

Palavras-Chave: Política Criminal Atuarial. Bancos de dados de perfis genéticos. Princípios constitucionais.

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RESUMEN

El presente estudio de finalización de curso es una análisis de las nuevas tecnologías en la Ley Penal del Brasil, específicamente en lo que respecta a las bases de datos de perfiles genéticos con fines de investigación criminal. El telón de fondo de la discusión del tema es llevado por la Política Criminal Actuarial, que trata de gestionar lós grupos, no sólo castigar a los individuos, es decir, el objetivo no es luchar contra la delincuencia, sino para identificar a los grupos sociales no deseados para el orden social más de manera adecuada posible. El análisis también se realiza a través del derecho comparado, La comprobación de que los países han adoptado esta tecnología y su procesamiento. Aborda la aplicación de esta técnica en Brasil, como su creación, el funcionamiento y la eficacia. Busca también proporcionar una discusión de los principios de la dignidad humana, la presunción de inocencia y la prohibición de la autoincriminación y su tensado de la luz de la utilización de las bases de datos de perfiles genéticos con fines de investigación criminal.

Palabras clave: Política Criminal Actuarial. Base de datos de perfiles genéticos. Principios constitucionales.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9 1 A CRIMINOLOGIA ATUARIAL ... 11 1.1 A criminologia atuarial e a utilização de novas tecnologias na persecução penal ... 13 1.2 A utilização de bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal no Direito Comparado ... 35 2 OS BANCOS DE DADOS DE PERFIS GENÉTICOS PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL ... 42 2.1 Criação, funcionamento e eficácia dos bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal no Brasil ... 43 2.2 Os princípios da dignidade humana, da presunção de inocência e da vedação à autoincriminação e seu tensionamento à luz da utilização dos bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal ... 49 CONCLUSÃO ... 54 REFERÊNCIAS ... 56

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca das novas tecnologias a serviço do Direito Penal brasileiro, especificamente sobre os bancos de dados de perfis genéticos. A Lei 12.654/12 determinou a modificação das Leis 12.037/09 e da Lei de Execução Penal (7.210/84) a fim de prever a coleta de material genético para fins de investigação criminal. O início do trabalho traz a lume a Política Criminal Atuarial através da qual é possível a ideia de reorientar o sistema de justiça criminal, objetivando o controle social de coletivos sociais e não de pessoas concretas. Nesse sentido, a pesquisa orientou-se pela formulação do seguinte problema: A criação de bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal no Brasil está em consonância com as garantias e direitos fundamentais previstos na Constituição Federal? Em caso positivo, como tornar a utilização dessa ferramenta efetiva para a persecução penal?

A partir desse estudo se verifica que os bancos de dados são uma ferramenta, em tese, eficaz no combate à criminalidade, mas que, em nome da eficiência na persecução criminal, não se pode ignorar os princípios presentes na Constituição Federal brasileira, o que pode ser um empecilho à criação dos bancos, bem como pode ser declarada a inconstitucionalidade da lei que determinou a coleta de material genético (12.654/12).

Para a realização desse trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também a legislação atinente ao caso, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo dos bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foi feita uma abordagem da criminologia atuarial em contraponto às novas tecnologias na persecução penal. Coloca-se a política criminal atuarial como pano de fundo para a discussão da temática, pois através dela é possível uma reformulação do sistema de justiça criminal, sendo o seu objetivo o de gerenciar grupos e não punir indivíduos separadamente. Deve-se atribuir um valor numérico às suas características individuais e sociais para depois comparar as informações com os dados de diferentes sujeitos criminalizados, com a finalidade então, de ordená-los dentro desse padrão a fim de decidir o

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que fazer com eles em função da sua posição. Ademais, no primeiro capítulo foi realizada uma análise no Direito Comparado, verificando-se quais os países que adotaram essa sistemática (bancos de dados) e como ocorreu a regulamentação da utilização dessas informações.

No segundo capítulo são analisados os bancos de dados de perfis genéticos para fins de investigação criminal no Brasil, a sua criação, funcionamento e eficácia diante do que dispõe a Lei 12.654/12. Estuda-se o que seriam os bancos, quais os materiais genéticos passíveis de coleta, de modo a definir o que são efetivamente os bancos de dados. Ainda no segundo capítulo tem-se a análise dos bancos de dados à luz dos princípios constitucionais que devem ser analisados diante da criação dos bancos, quais sejam, o da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e da vedação da autoincriminação. A dignidade da pessoa humana deve ser respeitada, sem agressões ao ser humano; presume-se a inocência do indivíduo até que se prove o contrário; o agente não é obrigado a produzir provas contra si mesmo, daí decorrente também o direito ao silêncio. Diante desses princípios deve-se fazer uma análise, tendo em vista que a lei prevê a coleta obrigatória do material genético, o que poderia gerar uma afronta aos princípios acima mencionados.

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1 A CRIMINOLOGIA ATUARIAL

Vive-se hoje em uma sociedade de riscos, e uma das únicas crenças que a população parece ainda ter é na tutela penal para coibi-los, bem como a pena dispondo de funções preventivas, gerais e especiais. No entanto, os discursos clássicos de legitimação do jus puniendi estatal sempre pregaram que as penas deveriam ser proporcionais aos delitos, ou seja, a execução da pena privativa de liberdade deveria ser uma retribuição equivalente ao crime cometido. Ocorre que quem julga os fatos e impõe as penas é justamente um ser humano, no caso do Brasil, um juiz, que muito embora incumbido do julgamento, está julgando um semelhante, alguém igual a sua pessoa, com valores, qualidades e defeitos.

Pode-se afirmar então que a lei tem previsões expressas, mas, em contraponto, há um ser humano julgando outro, não podendo a lei ser interpretada única e exclusivamente de forma positiva, devendo sempre analisar o caso concreto frente à legislação pertinente.

Nas palavras de Dieter (2013, p. 9):

se uma pena tarifada, mais ou menos rigidamente, pela própria lei se adaptava bem a um penalismo contratualista, era um desastre para as emergências cotidianas do controle das ilegalidades populares, e muito especialmente para o oscilante recrutamento de mão de obra do capitalismo industrial. A burguesia não tardaria a compreender que precisava de coerção penal para além da lei e para além do crime.

No ano de 1834 foi realizada uma reforma na velha Lei dos Pobres na Inglaterra para adaptá-la às necessidades do capitalismo industrial. Passado um ano da reforma, tentou-se caracterizar a tendência ao delito. Para além de definir quem comete os delitos e a medida para puni-los, chega-se à conclusão de que diversos fatores devem ser levados em consideração, e não somente o fato e o seu executor. Conforme Dieter (2013, p. 9),

uma teoria e um dispositivo se ocupariam de legitimar e realizar a pena sem lei e sem crime de que tanto necessitava o disciplinamento da mão de obra industrial. A teoria foi a defesa social; o dispositivo seria a medida de segurança.

Adolphe Prins foi um alto funcionário do Ministério da Justiça e o mentor da primeira defesa social, como também um pioneiro na formulação das medidas de segurança. Ele partiu de uma noção de risco profissional, a qual nasceu no direito industrial em matéria de acidentes de trabalho, da qual se extrai que não se trata de estabelecer a culpa do patrão ou do

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operário, mas de comprovar em que circunstâncias o acidente ocorreu e qual a lei que regula a indenização cabível no caso concreto. O mesmo se aplica ao Direito Penal; tendo legitimidade o legislador para responsabilizar o autor do fato pelo que cometeu (DIETER, 2013).

A responsabilização se daria, no entanto, não como prevê a lei, positivamente, mas como remédio, ou seja, forma que visa a melhorar o condenado, e não somente aplicar a pena, por previsão legal. A pena tem função social, de não apenas punir, mas também ressocializar o acusado, de modo a melhorar a sua participação social, demonstrando a ele que o que fez foi errado e que não pode ser repetido, bem como de que deve se reintegrar na vida em sociedade.

Gürtner apud Dieter (2013, p. 11) revela que

ninguém sabe com segurança como se comportará no futuro outra pessoa. Somente Deus sabe. Nós somos induzidos a deduzir do passado de um indivíduo seu futuro. O passado significa neste caso: sua ascendência, sua herança física e moral, a família, a educação, o ambiente e por fim a própria conduta.

O que se tem então é uma execução penal que deveria ser atuarial, ou seja, a parte da estatística que investiga problemas relacionados com a teoria e o cálculo de seguros em uma coletividade, e pune o acusado na medida essencial. Assim, a ideia seria estudar antes a etiologia do crime e do criminoso, propor uma teoria explicando as determinações do crime, e somente após propor medidas preventivas junto ao poder público (projeto lombrosiano). O que não acontece na sociedade atual. Antes de estudar o crime e o criminoso, simplesmente há um estereótipo de criminoso e dos crimes, ou seja, tanto os crimes quanto os criminosos são sempre os mesmos, pessoas desfavorecidas financeira e culturalmente, que vivem à margem da sociedade, os quais cometem pequenos furtos e roubos a fim de ter o mínimo necessário para sobreviver, ou apenas para sustentar algum vício.

Entende-se por Política Criminal Atuarial o uso preferencial da lógica atuarial na fundamentação teórica e prática dos processos de criminalização secundária para fins de controle de grupos sociais considerados de alto risco ou perigosos mediante incapacitação seletiva de seus membros. O objetivo do novo modelo é gerenciar grupos, não punir indivíduos: sua finalidade não é combater o crime – embora saiba se valer dos rótulos populistas, quando necessário – mas identificar, classificar e administrar segmentos sociais indesejáveis na ordem social da maneira mais fluida possível (DIETER, 2013, p. 20, grifo do autor).

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o bem jurídico exerce, na esfera da Política Criminal, importante função, ao orientar o legislador na decisão de qual conduta deve ser reprimida por meio da ameaça penal. Auxilia ainda a definir, dentre múltiplas formas que a conduta possa apresentar, qual aquela especial que, dadas suas características, exige-se seja incriminada por ofender efetivamente um interesse avaliado como relevante.

Ademais, muitos dos que saem das penitenciárias voltam a reincidir, demonstrando que as prisões não desempenham o papel que deveriam, qual seja, recolocar os delinquentes na convivência em sociedade. Desse modo, a proposta da Política Criminal Atuarial seria a de executar o cálculo atuarial, de modo que haveria um controle de coletivos sociais, e não de pessoas concretas, a fim de gerenciar grupos para que não mais reincidam, e como consequência, diminuir a criminalidade existente em um determinado contexto.

Faz falta uma política criminológica, a qual se disfarça pela realidade, que é meramente uma política criminal, restrita a manter a ordem social mediante a criação de tipos penais e incremento de penas, o que acaba pela não prevenção de delitos (CIANI, 2012).

Essa ideia, no entanto, pode ter sérias implicações no âmbito do Direito Penal e na Criminologia, de modo que o primeiro deverá passar por mudanças, perdendo as limitações existentes no ordenamento jurídico, desumanizando o ritual punitivo e enraizando o cálculo atuarial. Quanto ao segundo, abandonar-se-á os estudos sobre as determinações do crime e os processos de criminalização, em favor da pesquisa estatística e de fatores de risco. Assim, deve-se fazer uma análise mais aprofundada das propostas da Criminologia Atuarial, a fim de verificar se ela é pertinente ao ordenamento jurídico brasileiro, o que será feito, no presente trabalho, a partir do caso específico da utilização das novas tecnologias na seara da investigação/persecução criminal.

1.1 A criminologia atuarial e a utilização de novas tecnologias na persecução penal

A lógica atuarial tem origem histórica na teoria da probabilidade. O risco, o qual deve ser estudado considerando-se a teoria da probabilidade, nada mais é do que um mecanismo para compreensão e organização do real. Porém, para entender exatamente o que o risco significa, deve haver um distanciamento da realidade no exame de problemas concretos. Além disso, deve-se fazer uma análise do número de maneiras pelas quais um resultado pode ocorrer.

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[...] inegável que a lógica atuarial representa uma das mais óbvias expressões do processo de racionalização da vida social, ao colaborar na transformação do místico em científico. Sob essa perspectiva, a emergência da lógica atuarial e sua crescente penetração no cotidiano – processo historicamente paralelo ao desenvolvimento do Estado capitalista – simbolizariam uma conquista sobre terreno divino, aumentando a responsabilidade da humanidade por seu próprio destino ao conjugar campos que antes se apresentavam como opostos. Pouco a pouco, a ideia de que o cálculo das probabilidades de sucesso deve ser o critério preferencial para orientar as ações sociais – ou, no mínimo, um elemento indispensável e análise – invadiu o cotidiano, constituindo-se como padrão fundamental de racionalidade.

A teoria da probabilidade é antiga; no século XVII, através dos estudos de um negociante londrino chamado John Graunt, o qual por meio de registros de nascimentos e óbitos de Londres (entre 1604 e 1661), estimou a população total da cidade e a expectativa de vida de seus habitantes em 1662, embora com precárias informações e sistemas. Mediante seus estudos, fundou-se as bases da moderna análise estatística, utilizada até hoje (DIETER, 2013).

Vários matemáticos surgiram com novas teorias nos anos seguintes, dentre eles Edmond Halley, o qual surgiu com o estudo de quanto cada pessoa deveria pagar de seguro de vida conforme a idade. O poder público, no entanto, não reconheceu desde logo a importância desse projeto (DIETER, 2013).

Mas se por um lado o poder público teve dificuldades em reconhecer imediatamente a importância da ponderação estatística nas decisões financeiras, por outro o uso comercial dessas técnicas foi rapidamente assimilado. Em sua manifestação mais importante, a aplicação prática da teoria da probabilidade deu origem às modernas companhias de seguro, construídas com o objetivo fundamental de favorecer a concentração de riqueza ao diminuir a chance de perda de capital, mediante prévia contabilização dos imprevistos (DIETER, 2013, p. 41, grifo do autor).

Diante da teoria da probabilidade, muitos pensadores e matemáticos começaram a ter ideias de que o risco poderia ser aplicado não somente para favorecer os lucros em uma empresa, mas que deveria estar a serviço de toda a humanidade, para fins de solucionar problemas mais graves da vida social. Ocorre que esse processo é muito mais complexo do que uma simples equação matemática. Foi pensando nisso que Jacob Bernoulli criou o primeiro teorema fundamental da teoria da probabilidade, encontrando margens de erro em

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prognósticos. Foi através de seus experimentos que houve uma redefinição da probabilidade (DIETER, 2013).

O método ainda dependia de uma base de dados mais densa, o que para a época era algo complicado de se obter. Mas o seu legado teve sequência através de seus parentes: foi o caso de Daniel, seu sobrinho, o qual sustentou que é natural que o homem valorize muito mais as consequências do evento do que a sua probabilidade real para definir o curso de sua ação. Ele estabeleceu critérios de racionalidade prática, o qual foi contestado apenas muitos anos mais tarde. Passados vários anos, as empresas de seguro já acumulavam grandes fortunas, o que as permitia inventar muitos outros métodos para calcular os riscos de um resultado. Assim, ia crescendo cada vez mais o interesse pelo cálculo atuarial (DIETER, 2013).

No entanto, se por um lado a base teórica dos mecanismos para cálculo atuarial hoje utilizada remete essencialmente ao que foi desenvolvido pela matemática – e notadamente entre a segunda metade do século XVII e primeira do XVIII -, por outro o uso contemporâneo das análises de risco nas mais diversas áreas do conhecimento humano não teria sido possível sem a incorporação dessa racionalidade por especialistas em outras áreas, que contribuíram para a extensão de sua legitimidade – de decisões individuais à definição de políticas públicas – de maneira decisiva (DIETER, 2013, p. 46, grifo do autor).

Assim, ao mesmo tempo em que se discutia o risco e o cálculo atuarial, foram sendo implantadas políticas públicas de controle em diversos países. A partir da técnica estatística, foi possível a criação de políticas de segurança frente à criminalidade existente. Lambert Adolphe Jacques Quetelet utilizou da teoria da probabilidade na investigação de fenômenos sociais, especialmente no que atine à criminalidade, e ficou muito conhecido por isso (DIETER, 2013).

Esse renomado atuário entendia que não bastava que fosse estudado apenas um indivíduo, mas que deveria estar em análise todo o contexto social a que o indivíduo pertencia, de modo que assim ficaria mais fácil definir as atitudes das pessoas de forma individual. Ou seja, não deve estudar uma pessoa apenas, mas um todo ao qual ela pertence para assim entendê-la com clareza. E isso se aplica diretamente ao Direito Penal. Um exemplo seria o Tribunal do Júri; na maioria dos casos a pessoa do denunciado vive à margem da sociedade e, os jurados, por sua vez, são pessoas de classe média/alta. Poderiam esses últimos compreender a realidade social em que o denunciado vive, se eles não fazem parte do corpo social que ele integra? Necessário estudar então o corpo todo para compreender o indivíduo, e não simplesmente condená-lo por uma atitude muitas vezes mal explicada (DIETER, 2013).

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Como se pode observar, diversos matemáticos e estudiosos propuseram ideias em torno da política criminal atuarial. Os mais recentes a estudar essa teoria são Daniel Kahneman e Amos Nathan Tversky, os quais chegaram a conclusão de que através da gestão de risco, o que era para ser aplicado apenas no âmbito comercial, evoluiu e passou a ser utilizado também para auxiliar na criação de políticas públicas e de segurança, de modo a tornar a Política Criminal Atuarial mais consistente, e não simplesmente “atirar” um indivíduo em uma prisão, achando que essa é a solução (DIETER, 2013).

A partir do disposto até aqui, temos a teoria pura, e na prática, será que foi feito algo a fim de tirar do papel as ideias propostas por esses estudiosos? Muito tempo após o surgimento das teorias é que se tentou sua aplicação na prática, mais especificamente na parte da Execução Penal, calculando-se o risco de reincidência dos apenados. O objetivo primeiro era estudar o criminoso em si e o porquê de ter cometido o respectivo delito. Para isso, é evidente que precisava-se também de uma reestruturação do sistema penitenciário, tendo em vista que uma coisa está ligada à outra – criminoso e cadeia.

A Política Criminal é a disciplina que estuda quais são os mecanismos mais idôneos para fazer frente a uma determinada criminalidade, desde o ponto de vista preventivo e não somente repressivo (LAURA ZUÑIGA RODRIGUEZ, 2001, apud FILHO 2012, p. 90-91).

A Política Criminal pode ser definida também como o conjunto de métodos pelos quais o corpo social organiza as respostas ao fenômeno criminal (DÉLMAS-MARTY apud FILHO 2012, p. 90).

A ideia inicial era a de que não podia a sentença se restringir a aplicar a pena através de um juiz investido dessa autoridade. A análise deveria ser passada para profissionais que pudessem estudar como fazer com que o indivíduo não voltasse a reincidir. Todavia, nos Estados Unidos a ideia somente conseguiu entrar em vigor entre os séculos XIX e XX.

Conforme Dieter (2013, p. 52, grifo do autor)

primeiro, o juiz aplica ao condenado uma pena por um intervalo de tempo bastante extenso ou relativamente indeterminado, digamos, de quinze anos a prisão perpétua ou não menos de sete anos em prisão. Segundo, durante a execução da sentença, o condenado é periodicamente avaliado por Comissões administrativas compostas por cientistas e burocratas – as famosas “Parole Boards” – responsáveis por decidir se ele está ou não apto a retornar ao convívio social desinstitucionalizado. Se a resposta for negativa, o sujeito permanece preso à espera da próxima entrevista. Se afirmativa, as “Boards” definem o nível de supervisão e as condições a serem cumpridas fora do cárcere, cujo cumprimento é garantido pela ameaça maior de retornar à prisão em caso de violação das limitações impostas, sobretudo na hipótese de reincidência.

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De um modo geral, o sistema implantado era visto como positivo, tendo em vista que o detento poderia se interessar em obter esse benefício, bem como a pena seria aplicada na medida certa, pois em conformidade com a análise feita por profissionais qualificados e não pelo juiz individualmente e, sobretudo, diminuiria a população carcerária. Com o tempo, todos os estados americanos foram adotando esse sistema e as suas funções eram delineadas de forma mais específica. Os criminólogos conseguiram então se sobressair aos juristas.

No entanto, o sistema ainda era frágil diante da brilhante ideia dos criminólogos atuariais, pois não havia pessoas suficientes para operar esse sistema, bem como precária de critérios objetivos de classificação dos condenados. Pois foi precisamente para esse fim que se desenvolveram os métodos de verificação do risco estatístico de fracasso no cumprimento da “parole”, que constituem o verdadeiro ponto de aterragem da lógica atuarial no sistema de justiça criminal (DIETER, 2013, p. 55, grifo do autor).

Assim, para fazer valer a Criminologia estatística, deveria haver a aplicação de instrumentos atuariais no processo de avaliação das paroles nos EUA. E foi exatamente o que Sam Warner fez, identificando regularidades em reincidentes, para auxiliar as Parole Boards em suas decisões. Através de seu método, todavia, não foi possível encontrar elementos decisivos. Mas como tudo na época, o seu estudo abriu caminho para outros estudiosos da área. Hornell Hart utilizou dos métodos de Sam Warner e criou uma pontuação para cada jovem em relação a 30 (trinta) quesitos, e seus estudos motivaram Hinton Clabaugh a aplicar a Parole Board também para adultos, mediante a criação de um Comitê (DIETER, 2013).

Esse Comitê foi formado por três professores Andrew Bruce, Albert Harno e Ernest Burgess, juntamente com dois pesquisadores John Landesco e Clark Tibbitts. A ideia era dividir os integrantes do Comitê em subcomissões, cada qual responsável por um centro de detenção do Estado de Illinois, EUA. Havia também uma Comissão plena, a qual era incumbida de julgar se cabia a Parole Board em cada examinado. Assim, era possível analisar a experiência subjetiva das entrevistas com os apenados e combinar com o diagnóstico clínico feito por psiquiatras. Ainda assim, os critérios da pesquisa não eram totalmente seguros, o que ensejava a opinião de promotores preconceituosos sobre as decisões proferidas pela Parole Boards. Diante desses problemas, eram necessárias duas mudanças drásticas no Comitê, quais sejam, a formação científica dos membros integrantes das Paroles e, desligá-los totalmente de influências externas que pudessem criar empecilhos ao bom desenvolvimento do método (DIETER, 2013).

O professor Ernest Burgess foi além dos problemas encontrados pelo Comitê e criou a primeira proposta mais consistente de cálculo atuarial no sistema de justiça criminal, o

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Prognasio. Ele identificou os elementos que garantiriam estatisticamente o sucesso da Parole (DIETER, 2013). Dieter (2013, p. 57, grifo do autor) explica que

após um estudo dos presos que receberam o benefício nos cinco anos anteriores a 1924 e sobre 3000 (três mil) indivíduos das três penitenciárias antes citadas, BURGESS identificou 22 (vinte e duas) variáveis associadas à maior probabilidade de sucesso, entre elas (a) a existência de antecedentes criminais, (b) nacionalidade da ascendência, (c) natureza das relações familiares, (d) tipo social e (e) personalidade. Em seguida, cada um dos fatores foi fracionado em rol taxativo de subfatores, com alternativa exclusiva.

Diante da pesquisa de Burgess, a Comissão poderia passar a usar dados estatísticos para proferir suas decisões, o que abriu novas possibilidades para o uso da lógica atuarial, bem como as autoridades públicas se interessaram, finalmente, pela teoria e os membros dos Comitês começaram a adotar a sua metodologia. O Prognasio informava o risco de reincidência do indivíduo avaliado após a consulta às variáveis pesquisadas no final dos anos 20. O sistema funcionava por pontos, e tinha início pelo exame do sujeito eleito para o benefício, o qual recebia um ponto por critério sempre que sua condição fosse acima da média (DIETER, 2013).

Acerca do risco de reincidência, Sheldon e Eleanor Glueck analisaram o contexto histórico da vida dos infratores, suas características físicas e mentais e o seu comportamento durante a execução da pena. Estudaram também a vida dos indivíduos após a concessão da parole. Criaram assim 13 (treze) variáveis, dando diferentes pesos a cada elemento (DIETER, 2013).

A principal diferença entre ambos é que o primeiro método utilizava mais variáveis, com peso fixo, ao passo que o segundo tinha menos fatores, mas a relevância de cada um era calculada após ponderação intrassistêmica. Seminais, esses trabalhos delimitaram o horizonte teórico dos estudos posteriores, que basicamente se restringiram a testar e aprimorar a confiabilidade desses dois diferentes modelos, na tentativa de otimização dos prognósticos de risco de reincidência (DIETER, 2013, p. 61, grifo do autor).

Os estudos de Burgess e dos Glueck ensejaram uma gama muito extensa de outros pesquisadores que se interessaram em estudar o tema e criar novos meios de proliferar a lógica atuarial no sistema penal dos Estados Unidos. Dentre eles, Daniel Glaser, o qual sustentou que os fatores mais importantes para verificar se o apenado iria reincidir eram os que revelavam os níveis da identificação do sujeito com a atividade criminosa. Ele defendia também a redução do número de fatores, de vinte e dois para apenas sete. A sua ideia era mais

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simples do que as demais, e por isso foi implantada na Penitenciária de Pontiac (DIETER, 2013).

Todo o estudo realizado se restringia apenas ao âmbito estadual, muito embora tenha crescido o interesse das autoridades federais sobre o tema, tanto que no âmbito federal apenas na década de 70 as autoridades se mobilizaram a fim de implantar os instrumentos atuarias nas decisões das Parole em todo o país. Para tanto, o governo federal montou um grupo de pesquisa, liderado por Peter Hoffman e James Beck, os quais criaram o primeiro guia estatístico para concessão do benefício em âmbito nacional, o chamado Salient Factor Score (SFS) (DIETER, 2013).

O “SFS” foi desenvolvido a partir do modelo de fatores de mesmo peso de Burgess – considerado mais simples e igualmente eficaz pelas pesquisas precedentes – e seguiu a tendência dos debates sobre métodos atuariais, valorizando a importância dos antecedentes criminais e diminuindo a quantidade de critérios para 9 (nove). Cada critério era pontuado com 0 (zero), 1 (um) ou eventualmente 2 (dois) pontos, produzindo um escore final entre 0 (zero) e 11 (onze), a indicar respectivamente o maior e o menor risco de reincidência. De acordo com a pontuação o sujeito era classificado em uma dentre 4 (quatro) categorias: entre 11 (onze) e 9 (nove) pontos, as chances de sucesso do “parole” eram consideradas muito boas; entre 8 (oito) e 6 (seis) pontos, boas; escore entre 5 (cinco) e 4 (quatro) indicava chances razoáveis e de 3 (três) a 0 (zero), ruins (DIETER, 2013, p. 65, grifo do autor).

Após, com uma tabela os dados eram cruzados, podia-se chegar a um total de 24 (vinte e quatro) prognósticos distintos acerca da possibilidade de sucesso ou não da parole. Essa ideia estimulou o uso do mecanismo, pois privilegiava a idade, os antecedentes e a dependência química como fatores de risco de maior peso. Nos Estados Unidos, a versão atual é a SFS 98, sendo que em 1998 foram feitas alterações (DIETER, 2013).

A aplicação das parole boards era comum entre os estados do país, até que o Estado de Illinois resolveu readotar o sistema de sentenças determinadas na década de 80, período que coincide com o movimento político construído sobre o descrédito nos programas de ressocialização dos condenados e diante da divulgação dos altos índices de reincidência dentre os beneficiados pela parole. Em 2003, o número de estados que oferecia a parole caiu de 44 (quarenta e quatro) para 32 (trinta e dois). Em contraponto, a aposta nos prognósticos de risco permaneceu firme; em 2004, 28 (vinte e oito) estados aderiram (DIETER, 2013).

Muito embora todo o sistema da parole board ter sido implantado, muitos políticos e acadêmicos fizeram com que a prevenção especial positiva deixasse de constituir uma premissa necessária da Política Criminal, invocando os altos índices de reincidência, bem

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como o princípio da eficiência. Daí decorrem os esclarecimentos que seguem, os quais têm a necessidade de descarte da proposta de reabilitação social.

As prisões não cumprem a sua função social, o que pode ser verificado desde muito cedo. Há duas linhas de pensamento no que diz respeito ao tema: autores de esquerda entendiam que a contradição performática do ideal de reinserção foi compreendida como evidência do sucesso da repressão seletiva para moralização das classes subalternas e destruição da mão de obra inútil; já para os autores de direita, o fracasso das prisões conduzia a dois entendimentos: ou se criavam políticas públicas para cumprir o ideal reabilitador da prisão, ou se abandonava totalmente esse propósito.

Robert Martinson foi quem colocou uma pedra em cima da tentativa de reintegração social dos condenados e das parole boards. Ocorre que, colocando em jogo todos os estudos empregados durante muitos anos a fim de um ideal ressocializador, colocava em jogo também a eficácia das penitenciárias. Nessa senda, ou se encontrava uma nova justificativa para a penitenciária, ou ela deveria ser abandonada, o que, no entanto, é algo fora da realidade, tendo em vista a sua necessidade para manutenção da ordem social. Ademais, a Política Criminal se alimenta de crises e desajustes no sistema de justiça criminal (DIETER, 2013).

Diante disso, Dieter (2013, p. 100, grifo do autor) nos ensina que

[...] a pena voltou a ser vista apenas como instrumento legal em defesa da sociedade contra a perigosidade de certos delinquentes. Não se tratava mais de tentar modificar o indivíduo ou seu contexto social, mas de enviá-lo para um lugar onde sua ociosidade forçada não fosse considerada uma ameaça para os demais.

Esse retorno da função primeira das penitenciárias passaria por muitas objeções, dentre as quais o fato de que levaria a um encarceramento em massa da população, bem como essa superlotação carcerária levaria à construção de muito mais penitenciárias. Para evitar tais problemas, foi criada a ideia de uma incapacitação seletiva do indivíduo, o que significava prender bem e não muito, com controle rigoroso sobre os filtros do sistema de justiça criminal. Deveria definir-se com precisão o perfil dos criminosos habituais e incorrigíveis e deixá-los isolados por um longo período de tempo, o que geraria uma redução nos índices de criminalidade, sem a necessidade de reformas estruturais ou aumento no nível de investimento em segurança pública.

A ideia era gastar mais com os habituais e menos com os eventuais, de modo que esses seriam controlados por uma tecnologia de baixo custo. Mediante essa ideia, até mesmo o número de vagas nos presídios iria aumentar, bem como reafirmou a função das penitenciárias

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na sociedade. Estava autorizada assim, a detenção por longos períodos de tempo, abrindo caminho para a incapacitação seletiva dos criminosos de alto risco, mediante o confinamento desses. Consequentemente, presídios foram reformados ou construídos de acordo com essa proposta de isolamento, de modo que muitos passavam os dias sem poder olhar para outro ser humano.

Estruturavam-se, assim, os pilares que definem a Política Criminal Atuarial, como síntese dos instrumentos atuariais para identificação de risco individual com a teoria da incapacitação seletiva em busca da eficiência na gestão da criminalidade (DIETER, 2013, p. 104, grifo do autor).

Jesus Filho (2012, p. 93) nos ensina que

a Política Criminal voltada à gestão de risco convive com a Política Criminal dirigida ao controle punitivo da criminalidade de massa de modo que figuram como dualidade prático-discursiva sem que uma prevaleça sobre a outra. Na verdade essas duas políticas criminais se complementam. A gestão de riscos, por meio da restrição à liberdade individual, a partir do cálculo atuarial, classificação e categorização, soma-se à intervenção penal baseada na culpa, seja por meio da vigilância e controle dos potenciais criminosos, seja por meio da vigilância de condenados.

O estudo da incapacitação seletiva teve início com uma pesquisa sobre delinquência juvenil, a qual consistia em acompanhar a vida de um grupo de jovens nascidos no mesmo ano e lugar, coletando-se dados em diversos eventos diferentes, o que permitia uma ampla coleta de dados diferentes uns dos outros. Ademais, não havia discriminação, os dados de todos os adolescentes eram coletados, sem exceção. Primeiro, a tentativa era de identificar as características dos delinquentes e, em seguida, classificar os seus perfis conforme a frequência e gravidade dos delitos registrados.

Ademais, certos desajustes no início da vida podem ser vistos como sintoma de um defeito psicológico originário, o qual muito provavelmente irá se reproduzir na vida adulta. Desse modo, é nessa fase que se torna mais fácil identificar o risco individual e evidentemente, classificar os indivíduos. Os estudos que eram realizados apenas com delinquentes juvenis passaram a ser realizados em adultos.

Alguns dos primeiros pesquisadores no assunto foi Mark Peterson e Harriet Braiker, os quais faziam suas pesquisas diretamente com os reclusos; as respostas eram associadas aos crimes que cometeram. Ao final, os professores constataram duas classes de criminosos, os habituais e os eventuais. Aqueles eram os que frequentemente cometiam delitos e a eles deveria ser aplicada a incapacitação seletiva, o que reduziria os índices de criminalidade.

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Esses dados praticamente não eram utilizados, tendo em vista a proteção à intimidade, princípio que devia ser seguido (DIETER, 2013).

Quem mais obteve revelações através dos estudos sobre os criminosos habituais adultos foi Peter Greenwood. Sua descoberta foi no sentido de que os reclusos não cometiam apenas um tipo penal, mas vários, e que, diante disso, precisava-se de um afunilamento da competência punitiva do Estado contra essa população de alto risco, através de sete fatores, daí surgindo o Seven-Factor Scale. Dieter (2013, p. 110, grifo do autor) leciona que

GREENWOOD foi um dos maiores entusiastas da ideia de vantajosa redução simultânea da criminalidade e da população carcerária, vaticinando que o aumento na precisão dos prognósticos atuariais e a influência de critérios objetivos sobre as decisões judiciais permitiriam que em pouco tempo os criminosos habituais de alto risco ocupassem as vagas nas prisões dos eventuais ou de habituais de baixo risco.

Mais adiante, tem-se o estudo da psicóloga Terrie Moffitt. Em uma frase é possível esclarecer a sua pesquisa: a criança-problema de hoje é o homem-delinquente de amanhã. Ou seja, a sua teoria era toda voltada para o estudo comportamental das crianças a partir de 04 (quatro) anos de idade, quando já se torna possível esclarecer alguns aspectos no comportamento desses menores. Aquele que possui uma rebeldia quando menino vai transmiti-la para a vida adulta, o que pode gerar até mesmo transtornos de personalidade antissocial. Assim, seu trabalho foi fundamental na tentativa de corrigir as crianças desde cedo para que não se tornem criminosos no futuro, bem como reprimir os adultos já nessa condição, em relação aos quais não há nenhuma esperança (DIETER, 2013).

Apesar das diversas teorias contrárias que surgiram, a incapacitação seletiva permaneceu vigente nos Estados Unidos. Todavia, ainda era necessária uma mudança no comportamento dos agentes do sistema criminal do país, dentre eles, agentes penitenciários, promotores e juízes, a fim de não “atrapalhar” a ideia da incapacitação seletiva. A proposta era de reduzir ao mínimo as interferências legais e subjetivas para que o gerencialismo funcionasse bem.

A Política Criminal é um conjunto de estratégias destinadas a um fim e, no Estado Democrático de Direito, espera-se que os fins signifiquem a proteção dos direitos fundamentais. Já no Estado de Polícia, os fins se afinam mais com um discurso de ordem pública, segurança, repressão ao crime, e ao terrorismo (Laura Zuñiga Rodriguez, 2001 apud JESUS FILHO, 2012, p. 91).

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Em um ideal de Política Criminal Atuarial, a própria lei penal deveria ser reformulada, abandonando parâmetros axiológicos de justiça e abrindo espaço para a automação da repressão, transformando policiais, promotores, juízes e agentes penitenciários em gestores, que não precisam definir suas ações com base em interpretações pessoais ou normativas, mas somente a partir da estatística aplicada (DIETER, 2013, p. 119, grifo do autor).

O campo que a política criminal atuarial mais tem repercussões é o da Execução Penal, a qual classifica os condenados e visa a atender da melhor maneira possível à individualização da pena privativa de liberdade. Os instrumentos atuariais influenciam diretamente nas condições de vida no cárcere, inclusive no regime inicial, na distribuição dos corpos dentro das casas prisionais, celas solitárias, entre outros fatores. A política criminal atuarial também está presente ao final da execução, de modo que ajusta o grau de supervisão necessário a cada indivíduo depois que for devolvido à liberdade.

No entanto, na década de 70 uma enorme gama de decisões determinou que os espaços livres deveriam ser utilizados, o que aumentou em grande escala o número de presos nos EUA. A partir disso os instrumentos atuariais vieram com mais força ainda, identificando os presos de baixo risco, os quais eram deixados em espaços livres dentro das cadeias, o que não ocasionaria problemas. O cálculo do risco individual também foi fundamental na diminuição da população carcerária e a prática foi considerada um sucesso. A partir dos instrumentos atuariais funcionando também na prática, chegou-se à conclusão de que melhores decisões são tomadas quando são medidos os riscos (DIETER, 2013).

Os presos são distribuídos inicialmente em estabelecimentos de segurança máxima, média e mínima ou comunitária e, em cada um deles, submetidos a quatro níveis de custódia: alta, baixa, próxima ou protetora (aqueles que representam perigo para si próprios). A partir dessa primeira classificação que se torna possível indicar qual o melhor companheiro de cela, a participação ou não em programas terapêuticos, educação ou trabalho. Por fim, é agendada a nova data de avaliação, a qual é realizada por uma comissão. Desse modo, pode-se organizar toda a vida carcerária do preso.

Para os adultos o sistema foi ligeiramente implantado e deu resultados; no entanto, quando se trata de adolescentes, é preciso um cuidado maior, tendo em vista o seu comportamento pouco previsível no decorrer do cumprimento da medida. Diante dessa situação, foram criados vários instrumentos atuariais a fim de melhorar os diagnósticos relativos a essa classe de reclusos, como por exemplo o Minnesota Multiphasic Personality Inventory ou MMPI, do qual deriva o AIMS ou Adult Internal Management System, o qual

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classifica o preso em cinco categorias, cada qual com um correspondente lugar na penitenciária (DIETER, 2013).

Não obstante a criação de diversos sistemas de classificação atuarial em prol de adultos e adolescentes, nenhum em específico foi criado diretamente para mulheres. Apenas na década de 80 se desenhou um modelo destinado a mulheres, todavia; muito semelhantes aos destinados aos homens.

Apesar da discussão acerca das diferenças de gênero, o mecanismo considerado como sendo o melhor aplicado até hoje é o BACIS (Behavioral Alert Classification Identification System), consistente em uma avaliação em quatro etapas, todas informadas pelo cálculo atuarial. O primeiro passo é a realização de um exame admissional, com o intuito de separar os presos perigosos. Após, o indivíduo é encarcerado em um módulo especial, por setenta e duas horas, do que pode-se obter a informação sobre o risco que o recluso apresenta (DIETER, 2013).

Analisando-se o comportamento do preso durante esse período se torna possível a aferição de um código de classificação, o qual dá respaldo para o destino do preso (segurança máxima, média ou mínima). As demais etapas já são realizadas na instituição para a qual o preso foi enviado.

Aplicado esse sistema, verificou-se que na prisão feminina de Santa Clara, na Califórnia, houve a liberação de vagas em celas de segurança máxima, reclassificando cerca de 20% (vinte por cento) das mulheres para um grau de risco inferior. Em contraponto a todos os sistemas que foram implantados, a eficácia dos instrumentos atuariais insistentemente sempre foi posta em dúvida (DIETER, 2013).

Um trabalho conduzido na Califórnia ainda na década de 70 mostrava que o uso de estatísticas para definição do nível de custódia mais adequado para cada preso provava-se correto com o passar do tempo em apenas 26% (vinte e seis por cento) dos casos, somente 1 (um) ponto percentual acima da disposição aleatória dos apenados, com chance de acerto de 25% (vinte e cinco por cento). Em resposta, o Departamento Correcional do Estado testou novos prognósticos de risco voltados à execução da pena, informando substancial melhora no grau de acerto – mas sem relevar dados (DIETER, 2013, p. 125-126, grifo do autor).

Os instrumentos atuariais foram gerencialmente tão bem implantados no país que até mesmo os direitos fundamentais dos presos passaram a ser a última preocupação dos aplicadores desse sistema. O controle do que acontece dentro das prisões é sempre excepcional, de modo que os especialistas podem otimizar a prática e automatizar a condenação sem qualquer interferência do Poder Judiciário. A política criminal atuarial está

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enraizada no sistema penal estadunidense e ainda com projetos de extensão para o período posterior ao encarceramento.

Quando falamos nos instrumentos atuariais, é imprescindível tratar do assunto ligando também às implicações para os crimes sexuais. Nos Estados Unidos da América foi criada uma rede prevencionista, ou seja, foi criado um registro nacional obrigatório para todos os condenados ou processados por crimes sexuais, publicados em uma lista oficial e pública, sendo possível a identificação dos condenados em tempo real. Além dos instrumentos atuariais atuando frente à prevenção dos crimes sociais, tem-se também sentenças mais longas e rigorosas, com poucas chances de o recluso obter benefícios, bem como com a fixação de um tempo longo de incapacitação. Foi abolida a política das parole boards para os crimes sexuais e ainda houve a ampliação da duração das penas para os crimes violentos (DIETER, 2013).

Diante disso, pode-se concluir que o cálculo atuarial é especialmente aplicado aos crimes sexuais, com muito mais rigor, pois os direitos fundamentais dos indivíduos são praticamente nulos, ficando seus dados dentro de um banco, o qual pode ser acessado inclusive online. A população em geral pode até mesmo mandar uma mensagem de texto via celular para o indivíduo indicando que ele não deve se aproximar de algum local específico, sob pena de ser denunciado para a polícia.

Assim, restam evidentes os avanços dos EUA com os instrumentos atuariais sendo utilizados com muita presteza e, consequentemente, com todo o controle estatal, diminuindo a criminalidade e mantendo sempre as penitenciárias com volume de delinquentes ideal para controle dos indivíduos.

Em contraponto aos crimes sexuais, impende referir acerca do afastamento da perspectiva médica, e da tendência à incapacitação, ou seja, do modelo prevencionista. A preferência tornou-se a reclusão e não mais os estudos médicos sobre os condenados, tendo a proposta terapêutica perdido muito espaço. Abdicou-se das clínicas para tratamento dos condenados, sendo a sua massa reenviada para as prisões, bem como os profissionais da área perderam os seus empregos. Conforme aponta Dieter (2013, p. 138, grifo do autor):

o resultado foi, outra vez, o agravamento nos problemas humanitários típicos da superlotação carcerária, acompanhado de um expressivo aumento no orçamento da segurança pública, agora incapaz de dividir com os terapeutas e suas instituições a conta e a responsabilidade pela custódia dos chamados delinquentes sexuais. Situação que se tornou ainda pior diante da necessidade de supervisão pós-encarceramento determinada pelas políticas de custódia contínua, típicas da Política Criminal Atuarial.

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Diagnóstico clínico e prognóstico atuarial efetivamente não combinam, o que demonstra que a lógica atuarial tem como tendência predominante o gerencialismo, o que se mostra incompatível com a Medicina e o Direito. O diagnóstico clínico define a imputabilidade do ser humano, através de uma avaliação especializada dos sintomas; o prognóstico atuarial, diferentemente, analisa a vinculação do sujeito a um grupo de risco pelas características que compartilham. Os atuários buscam os fatores salientes que determinam o risco de um comportamento. Por fim, o exame anamnésico, que é compatível com os outros dois institutos, é a capacidade que o indivíduo tem de repetir condutas.

Os instrumentos atuariais passaram a ser tão ou mais importantes do que a descoberta de sintomas pelos diagnósticos clínicos. O sociólogo Henry Steadman realizou estudos entre as décadas de 60 e 70 e descobriu que em média dois terços das previsões de comportamento feitos por psiquiatras não se confirmavam. Já as estimativas dos atuários em relação aos mesmos pacientes alcançou resultados mais significativos (DIETER, 2013).

Ademais, em pouco tempo os diagnósticos clínicos saíram de cena. Ao final da década de 80, praticamente todos os estados americanos adotaram a estatística em suas legislações, o que impulsionou também a realização de vários testes para garantir o prestígio e lucro das instituições que apostavam na estatística. Diante de todos esses testes foi que surgiram diversos mecanismos para identificar sujeitos violentos, dentre eles o Psycopathy Checklist – Revised (PCL-R), o qual foi criado para suprir a incerteza dos exames criminológicos ao identificar doenças e distúrbios mentais entre os criminalizados (DIETER, 2013).

Muitos outros sistemas também foram criados, mas o PCL-R segue sendo um dos instrumentos atuariais mais utilizados para diagnosticar perigosidade em todo o mundo. O surgimento desses sistemas modificou também a noção de imputabilidade no sistema de justiça criminal.

Não há mais necessidade de justificar terapias específicas; a presença objetiva de fatores de risco associados ao comportamento antissocial é suficiente para determinar, simultaneamente, a inimputabilidade e a incapacitação mediante reclusão, dispensando-se diagnósticos clínicos complexos que dependem de opinião subjetiva e que transitam por diferentes níveis e espécies de doenças e distúrbios mentais (DIETER, 2013, p. 145).

Assim, entende-se que não é preciso que se descubra qual exatamente é a enfermidade do indivíduo, mas apenas a constatação da ausência ou não de um perfil de risco. Ademais, primeiramente, a lógica atuarial só era aplicada posteriormente à sentença condenatória, o que deixou de acontecer passado algum tempo, quando ela começou a ser aplicada também antes e durante a instrução processual, promovendo a desumanização do sistema.

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Para que isso aconteça, o primeiro passo é transformar os agentes da repressão em gestores da criminalidade. E isso deve começar a acontecer pela polícia, começando com a alteração no modo de abordagem dos suspeitos, bem como na investigação criminal, atividades que dependem exclusivamente de pessoas, e não dos avanços tecnológicos. Além disso, não é novidade que é na polícia onde a tendência à arbitrariedade é maior, razão pela qual a mudança deve partir daí.

A influência da lógica atuarial para a polícia não se faz apenas antes da abordagem, mas na decision making, a qual se dá após a interceptação do indivíduo. Os prognósticos de risco garantiriam tanto a soltura quanto o arbitramento de fiança, dentre outras atividade exclusivas da polícia (DIETER, 2013).

Dieter (2013, p. 151) sintetiza:

em suma, com a implantação dos prognósticos de risco na atividade policial, aos agentes da fase administrativa da criminalização é dada simultaneamente mais competência e menos liberdade: se por um lado lhes é conferida a faculdade de decidir se soltam, arbitram fiança ou mantêm presos preventivamente os criminalizados, por outro estão adstritos em suas decisões aos resultados objetivos dados por instrumentos atuariais.

Assim, a polícia começa a adotar um novo jeito de agir, abandonando as tradicionais práticas de investigação e investindo na aplicação de instrumentos atuariais para gerir as suas atividades. Da mesma forma com que houve mudanças relacionadas à polícia, assim também aconteceu com o Ministério Público.

A atuação dos agentes ministeriais passou a ser fundamental na aplicação dos instrumentos atuariais, de modo que o promotor de justiça passou a ter legitimidade para aplicar sanções aos criminosos de baixo e alto risco, de modo que o caso não chegava até o julgamento por um juiz. Ademais, para aqueles que confessavam o crime era oferecido um benefício, tanto que hoje mais de 90% (noventa por cento) dos acusados assumem a autoria dos crimes nos Estados Unidos (DIETER, 2013).

Não obstante o alegado acerca da polícia e Ministério Público, os gestores mais afetados foram os juízes, os quais passaram a ter que decidir dentro dos parâmetros da lógica atuarial, de modo que suas decisões não teriam eficácia se não fizessem isso. Enfim, a dosimetria da pena por eles aplicada não poderia ser realizada. Diante disso, muitos instrumentos foram criados, e todos eles para serem utilizados já na aplicação da pena, o que retira dos juízes o poder de decisão, tanto que a sua atuação já entrava em discussão, pois o juiz poderia tranquilamente ser substituído pela atuação desses sistemas (DIETER, 2013).

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Os arcaicos rituais são, então, substituídos, provocando uma enorme perda de capital simbólico, especialmente para a vítima. A própria estética dos tribunais não é mais a mesma, adotando um padrão quase comercial: computadores, mesas funcionais e cores pastel são um ambiente mais adequado para processos e assinaturas digitais. Os famosos gargalos da justiça são desobstruídos, e uma assessoria administrativa é capaz de deixar tudo pronto para que o juiz determine a pena com o apertar de um botão; logo, não será preciso mais juiz (DIETER, 2013, p. 157).

A lógica atuarial, mesmo diante, ainda, de tantas críticas, é o critério que rege os processos de criminalização nos Estados Unidos, e está se expandindo para outros cenários jurídicos. Essa também é uma preocupação na América Latina, onde as políticas públicas de segurança ainda dependem de novidades. A justificativa perfeita para a inclusão de instrumentos atuariais no sistema penal brasileiro é simplesmente a precariedade das Varas de Execução Criminal, assim como as imensas pilhas de processos que existem. Desse modo, os prognósticos de risco para o Brasil seriam muito bem recebidos, o que geraria uma melhor organização no sistema penal brasileiro, bem como nas penitenciárias.

Após, e ligado às novas tecnologias, impõe-se a análise dos princípios constitucionais frente à política criminal atuarial. Verifica-se que no momento em que adentram as novas tecnologias no sistema penal brasileiro, deve-se imediatamente verificar se elas estão de acordo com o que prevê a Carta Magna. No caso dos bancos de dados de perfis genéticos, essa discussão é bastante incisiva.

Ao mesmo tempo em que novas tecnologias vêm a ampliar as forças que desvendam os crimes, os bancos de dados, por exemplo, infringem descaradamente princípios como o da dignidade humana, da presunção de inocência e da vedação da autoincriminação. Do mesmo modo, a política atuarial, muito embora seja uma proposta extremamente contundente, visando classificar os crimes e os criminosos e gerenciar a coletividade, deve-se verificar se a segurança e a eficiência que traz são coerentes com as práticas que implementa.

Não é difícil perceber o conflito que se estabelece entre a proposta de orientação do sistema de justiça criminal a partir de instrumentos atuariais e os princípios e regras que regulam o exercício da competência punitiva estatal, os quais foram transformados em dogmas pela teoria jurídica porque traduzem conquistas históricas da humanidade, servindo de obstáculo contra a plena realização da racionalidade instrumental do Estado (DIETER, 2013, p. 197, grifo do autor).

A política criminal atuarial demonstra certa incompatibilidade com o princípio da legalidade, o qual incide sobre o processo de atribuição de responsabilidade penal, uma vez

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que as consequências possíveis da prática de um fato devem estar previstas antes de sua realização (não há pena sem lei anterior que a defina), bem como deve estar expressa de forma clara.

Esse seria um empecilho à aplicação dos instrumentos atuariais, pois as consequências possíveis da prática de um fato punível devem estar previstas antes da sua realização, bem como deve estar prevista de forma clara e inequívoca. Desse modo, o ser humano não poderia ficar sujeito a opiniões de especialistas em estatística.

Outros princípios são incompatíveis com a política atuarial, quais sejam, o da lesividade, da proporcionalidade e da humanidade das penas. O primeiro diz respeito aos fatores que acompanham os instrumentos atuariais, sendo a maioria incompatíveis com a Constituição Federal, e os quais seriam impraticáveis. O segundo encontra barreiras no tocante ao compromisso da lógica atuarial, o qual fixa padrões para a dosimetria da pena que são incompatíveis com a hierarquia constitucional dos direitos fundamentais. Por fim, o princípio da humanidade das penas entra em desacordo com os instrumentos atuariais, pois esses aplicam e executam medidas de controle social desumanas, incompatíveis com a legislação nacional e internacional dos direitos humanos (DIETER, 2013).

Além disso, o princípio da culpabilidade também se mostra incompatível com a proposta da política criminal atuarial, no momento em que desarticulou crime e castigo. O choque entre o princípio e a política também acontece na medida em que aquele busca determinar se o indivíduo deve ser punido pelo que fez ou por quem ele é (DIETER, 2013).

Diante de todo o exposto, resta evidente que a proposta trazida pela política criminal atuarial não é compatível com o ordenamento jurídico fundado no respeito aos direitos humanos. No entanto, Peter Greenwood dedicou a última parte do seu manual para tentar dirimir essas diferenças. Primeiramente, alegou que a diferença no cálculo das penas é próprio do sistema criminal, sendo preferível o cálculo dos atuários às decisões judiciais, menos suscetíveis de controle. Após, defendeu que as margens de erros eram sempre maiores quando relacionadas às sentenças judiciais. E, por fim, relatou que o sistema poderia ser aprimorado com a orientação da lógica atuarial (DIETER, 2013).

Greenwood então chegou à conclusão de que deixar a aplicação da pena nas mãos dos juízes era muito mais arriscado do que confiar em dados estatísticos, sendo mais fácil aprimorar ferramentas do que pessoas. Nesse sentido, Dieter (2013, p. 209, grifo do autor) nos ensina que

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de qualquer forma, não havia dúvida entre os mais motivados tecnocratas de que a Política Criminal Atuarial suportaria o conflito com o sistema liberal e democrático que corresponde à legalidade constitucional, desde que se estruturasse sobre a demanda por eficiência, pois as objeções normativas, ainda que válidas, não repercutiriam contra um modelo de controle social que fosse mais eficaz, rápido e barato.

Além de tudo isso, a Política Criminal Atuarial é ainda carente de legislação normativa, o que a torna totalmente dependente de resultados, de eficiência. Essa eficiência significa manter baixos e estáveis os índices de criminalidade com o menor gasto possível. Ocorre que a lógica atuarial é a única opção racional diante da impossibilidade de descobrir, processar, julgar e executar pena para todos os condenados.

Não obstante a lógica atuarial ser a única opção racional, a redução de gastos públicos também entrava em pauta. Desse modo, temos a lógica atuarial como imprescindível ao sistema criminal. No entanto, nos Estados Unidos, o fenômeno da política criminal atuarial surgiu no mesmo momento que outro fenômeno, qual seja, o do grande encarceramento no país (década de 80) (DIETER, 2013).

A superlotação que se queria evitar tomou proporções ainda maiores, e a instituição da prisão é permanentemente desafiada, mesmo com muitas penitenciárias à disposição e muitas ainda em construção. Dentre as ideias para melhorar essa situação chegou-se ao ponto de se cogitar a construção de prisões em barcos, bem como de megaprisões, com capacidade para até 20 (vinte) mil presos. Essa discussão trouxe a lume também a questão sobre a privatização do sistema penitenciário, com a oferta de serviços especializados para manutenção, e garantindo bons lucros às empresas privadas (DIETER, 2013).

Dieter (2013, p. 214, grifo do autor) ainda é enfático ao afirmar que

em síntese, sob a denominação geral de Política Criminal Atuarial – e ainda que ela não constitua, sozinha, uma causa eficiente – estão paradoxalmente reunidos começo, meio e fim do grande encarceramento. A associação da nova penologia com as técnicas para identificar, classificar e gerenciar grupos de risco não esvaziou sequer uma prisão nos Estados Unidos; pelo contrário, ocupou a geografia local com enormes depósitos humanos, com tremendo impacto no orçamento nacional.

Agora mais do que nunca era preciso comprovar a eficiência da lógica atuarial, e o modo encontrado foi reparar os instrumentos atuariais para que erros não fossem mais cometidos. Não havia um consenso sobre o que significava uma grande margem de erro, bem como não se sabia até que ponto era permitido errar sem viabilizar o grande encarceramento e, em consequência, aumentar os custos.

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Nos amplos estudos que se seguiram, foram duas novas e principais causas identificadas para a imprecisão dos instrumentos atuariais. Primeiro, a pretensão de que uma mesma ferramenta pudesse identificar diferentes riscos individuais dentro do sistema de justiça criminal e, segundo, a grande quantidade, diversidade e dinamicidade dos fatores de risco avaliados. Assim, ferramentas mais específicas e com menos variáveis ofereceriam prognósticos mais apurados e o lema dos atuários passou a ser “para cada risco, um instrumento” (DIETER, 2013).

Cada setor do sistema de justiça criminal passou a ter uma oferta de instrumentos atuariais próprios. Dentre eles, os mais avançados são os construídos sobre plataformas online. Não obstante as novas plataformas construídas, quanto mais o sistema criava especializações, mais áreas eram invadidas pela lógica atuarial de enfoque prevencionista, e mais sujeitos classificados como de alto risco.

Além da especialização, restava, ainda, a margem de erro de um instrumento atuarial como diretamente proporcional à quantidade de fatores de risco ponderados. A explicação do porquê a inclusão de mais variáveis implicava menor grau de certeza está nos critérios associados à criminalidade, os quais não são independentes, mas se interferem de maneira constante e imprevisível. Se os indicadores se relacionam entre si e com fatores externos, certamente afetam a previsibilidade do resultado de modo inesperado, diminuindo o grau de certeza originalmente estimado (DIETER, 2013).

A falibilidade dos instrumentos atuariais levou à brilhante conclusão de que o único critério confiável para o prognóstico de risco da reincidência era a própria reincidência, via pela qual se transformava o prognóstico atuarial em singelo exame anamnésico. [...] os critérios gerais apontam para um perfil de risco; o critério específico da reincidência dá a palavra final (DIETER, 2013, p. 219).

Essa valorização dada à reincidência comprovava o sucesso de justiça criminal em perseguir e punir certas pessoas, validando o ciclo de destruição de um grupo de risco. Muito embora os atuários tenham chegado a apenas essa última conclusão, os criminólogos foram mais longe: do outro lado dos instrumentos atuariais existem pessoas e não máquinas. Foi nesse sentido que Bernard Harcourt afirmou que a concentração da repressão em grupos seletos resulta em uma estigmatização de todos os seus membros, motivando a resistência das comunidades (DIETER, 2013).

Ademais, o mesmo criminólogo concluiu também que a concentração da repressão em desfavor de grupos sociais vinculados à prática de crimes definidos não resultará na diminuição dos índices da criminalidade. Ele entende que verticalizar o poder punitivo tende

Referências

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