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A redução da idade de imputabilidade penal em confronto com o ordenemento jurídico brasileiro

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Academic year: 2021

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GUILHERME MATTOS DAMM

A REDUÇÃO DA IDADE DE IMPUTABILIDADE PENAL EM CONFRONTO COM O ORDENEMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Ijuí (RS) 2016

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GUILHERME MATTOS DAMM

A REDUÇÃO DA IDADE DE IMPUTABILIDADE PENAL EM CONFRONTO COM O ORDENEMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Dr. João Delciomar Gatelli

Ijuí (RS) 2016

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Dedico este trabalho a todos que, de alguma forma, contribuíram para minha formação.

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AGRADECIMENTOS

A minha família e amigos, pelo apoio que recebi.

Ao meu orientador, pela sua dedicação e disponibilidade.

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RESUMO

Este trabalho faz um estudo acerca da possibilidade da diminuição da idade de imputabilidade penal, analisando, principalmente, os princípios envolvidos no tema. Busca-se fazer um apanhado histórico da evolução da legislação específica em prol dos jovens, dando ciência à larga e importante luta pela consolidação dessas garantias fundamentais. Esse trabalho também esclarece o que é estabelecido hoje no âmbito das medidas previstas ao jovem que venha a cometer ato infracional, provando o erro em relação ao criado senso de impunidade entre os jovens. Por fim, debate a possibilidade da alteração do artigo 288 da Constituição da Republica Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, que trata da idade para imputabilidade penal.

Palavras-Chave: Idade de Imputabilidade Penal. Princípios. Garantias Fundamentais. Ato Infracional. Alteração.

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ABSTRACT

The present work studies the possibility of decreasing the age of criminal responsibility, mainly on examining the principles on this issue. It aims to describe the history on the evolution of specific laws in favor of young people, clearly stating the long and important struggle for the consolidation of these basic guarantees. This present work also makes clear what is established today concerning the measures foreseen the young person who will commit a transgression, proving the error concerning the created sense of impunity among young people. Finally, it discusses the possibility of changing the article 228 of the Brazilian Federal Constitution of October 1988, which regulates the age of criminal responsibility.

Keywords: Age of Criminal Responsibility. Principles. Basic Guarantees. Transgression. Change.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...7

1 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE...8

1.1 A evolução da legislação em prol dos jovens... ...8

1.2 A inimputabilidade penal... ...12

1.3 As medidas socioeducativas...15

2 A ALTERAÇÃO NA IDADE DA IMPUTABILIDADE...17

2.1 A demanda pela mudança... ...17

2.2 Argumentos a favor e contra... ...19

2.3 A inimputabilidade penal do menor de dezoito anos como cláusula pétrea... ...25

CONCLUSÃO ... ...31

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INTRODUÇÃO

Na sociedade violenta em que vivemos, cada vez mais buscam-se medidas que visam diminuir a criminalidade latente que enfrentamos. Entretanto, muitas vezes, em meio à indignação e à falta de conhecimento, deixamos que o clamor público e a opinião de massa moldem nosso pensamento acerca do assunto, ignorando a validade e até mesmo a possibilidade de serem adotadas tais medidas. Esse trabalho busca discutir acerca da inimputabilidade penal do adolescente vigente no nosso ordenamento jurídico, em especial, sobre a constitucionalidade da diminuição da maioridade penal, baseando-se no texto legal e nas doutrinas vigentes sobre o assunto.

A metodologia utilizada foi, em sua maioria, a pesquisa bibliográfica sobre o tema, utilizando livros que abordassem não apenas a possibilidade da diminuição da maioridade penal, mas também a história da evolução da legislação específica, a situação do jovem na sociedade, a crise do sistema carcerário, entre outros assuntos relacionados ao tema principal. Essas pesquisas foram utilizadas para formular a presente monografia, que está dividida em dois capítulos.

O primeiro capítulo traz uma abordagem histórica da legislação protetiva em prol do jovem, mostrando, no decorrer da explanação, a situação enfrentada pelas crianças e adolescentes em cada período. O segundo capítulo aborda os dois lados do debate sobre a diminuição da maioridade penal, a favor e contra a medida, citando autores que defendem as respectivas correntes e analisando, por fim, a possibilidade de alteração da legislação, tendo como base, principalmente, o texto constitucional.

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1 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Nesse primeiro capítulo, será feito um breve relato sobre a evolução histórica da legislação específica voltada aos jovens, evidenciando os princípios dispostos no texto legal, em especial, o da Proteção Integral. Também será explanado sobre a inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos prevista no ordenamento jurídico vigente no nosso país, destacando as diferenças entre inimputabilidade e impunidade, conceitos que são comumente confundidos entre si. Por fim, serão citadas as medidas socioeducativas cabíveis ao jovem que comete ato infracional.

1.1 Evolução da legislação em prol dos jovens

Para que ocorra uma alteração na legislação vigente que trata sobre determinado assunto, é preciso que haja uma demanda para tal, caso contrário, não há motivo para qualquer mudança. Tendo isso em vista, como é de se esperar, no caso das leis voltadas às crianças e aos adolescentes, não é diferente, o que torna a análise do pensamento da sociedade em relação aos jovens algo imprescindível para entendermos a evolução histórica da legislação nesse sentido.

Iniciando pelos nossos antepassados, que viviam na grandiosa e excêntrica Roma da Idade Antiga, percebe-se que a família daquela época era baseada no poder paterno, pater

familias, onde o pai era a autoridade familiar máxima e exercia poder absoluto sobre quem

vivesse sobre o seu teto. Os filhos, dentro desse modelo arcaico de organização social, não eram sujeitos de direito, apenas um objeto de relações jurídicas sobre qual o pai possuía total controle, tendo o poder de dar a vida e a morte sobre os seus descendentes. Além disso, naquela época, não havia distinção entre maiores e menores de idade, bastava morar sobre o mesmo teto do seu genitor para que este exercesse total controle sobre os filhos.

Ainda na Idade Antiga, agora na Grécia, as crianças eram propriedade do Estado tendo os pais que transferir para um Tribunal do Estado o poder sobre a vida dos seus filhos, desta forma, apenas as crianças saudáveis continuavam vivas. Era prioridade naquela época a

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preparação das crianças a fim de se tornarem guerreiros da nação, isso explica a terrível seleção realizada.

Sem dúvidas, a Idade Antiga não era um período fácil para os jovens, não apenas na Europa, mas ao redor do globo. Era comum, no meio religioso, o sacrifício de crianças devido à sua pureza de espírito, inúmeros rituais eram feitos com base nessa crença, sem qualquer contestação por parte do Estado ou da população – era algo tido como normal naquela cultura. Além disso, em inúmeros povos, crianças deficientes, doentes ou muito fracas eram mortas ou, pior, simplesmente abandonadas à espera da morte em um canto qualquer, sem qualquer ressentimento ou pena, muito menos indignação dos demais.

Em algumas culturas, também dessa época, não eram permitidos aborto nem sacrifício de crianças indesejadas, porém, essas culturas não podem ser consideradas, de forma alguma, avançadas em relação à proteção dos jovens, já que estas crianças poderiam ser vendidas como escravos pelos próprios pais. Também era extremamente natural a hegemonia do sexo masculino, em muitas culturas, o filho homem era o único herdeiro possível, excluindo completamente a figura feminina, que, não raro, era extremamente indesejável.

Com a chegada da Idade Média e com o crescente poder e influência do cristianismo, tanto na população quanto nos ordenamentos jurídicos vigentes, a trágica e precária situação dos jovens começou a tomar um novo rumo. Nesta época, seguindo os ensinamentos cristãos, houve um início de um sistema de proteção aos jovens, inclusive prevendo punições aos pais que abandonassem ou maltratassem seus filhos. Entretanto, a proteção aos jovens não era integral, limitando-se aqueles que pertencessem à instituição sagrada, ou seja, havia ainda a discriminação de algumas camadas, como a dos filhos bastardos, por exemplo.

No nosso país, em sua era colonial, o Direito de Família era largamente influenciado pelas Ordenações do Reino, que consistiam em um conjunto de leis derivadas da Antiga Roma, dos germanos e da cultura eclesiástica, as quais já eram vigentes em Portugal no século XV. Apesar de existirem leis regulamentando a situação dos jovens, elas estavam longe de serem protetivas: o pai ainda era tido como autoridade máxima familiar, o já mencionado

pater familias, derivado da Roma Antiga. O poder do pai era tamanho que ele não seria

responsabilizado pelos danos causados ao seu filho por ele, mesmo se esse viesse a falecer – o filho era tratado como uma propriedade paterna.

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Durante o Brasil Imperial, houve uma importante alteração na legislação, com a vigência das Ordenações das Filipinas, a partir desse momento foi implantada a inimputabilidade penal do jovem. Nesse período, a chamada maioridade penal, idade na qual o jovem passa a responder criminalmente, podendo ser condenado, era alcançada aos sete anos de idade, com algumas exceções, como a dos crimes de falsificação de moeda. Dos sete anos até os dezessete anos, as penas eram atenuadas, dos dezessete aos vinte e um anos, esses sujeitos eram considerados jovens adultos e poderiam ser condenados, inclusive, à pena de morte.

O ano de 1830 foi a data de criação do primeiro Código Penal brasileiro, conhecido como Código Imperial, o qual fixava a maioridade penal em quatorze anos. Além disso, o código em vigor na época fazia o uso do sistema biopsicológico para aplicação da pena, utilizando a capacidade de discernimento para fins de aplicação de pena, desta forma, aqueles que não possuíam real possibilidade de compreender a reprovação dos atos praticados, eram inimputáveis. Vale frisar que esse era um critério extremamente subjetivo e de difícil aplicação prática, contudo, foi mantido até 1921, quando a legislação foi novamente alterada, utilizando um critério certo e objetivo em relação aos jovens: a idade.

Somente no Brasil república começou-se a dar verdadeira importância ao assunto dos jovens, principalmente em relação ao abandono de crianças, muito comum na época. As mudanças a esse respeito não eram exclusivas do nosso país, muitas das reformas realizadas no Brasil foram fruto de pressão externa, pois, internacionalmente, já estavam sendo adotadas medidas de proteção aos jovens. Devido ao reconhecimento da proteção das crianças e dos adolescentes, foi criado, em 1927, o Código de Menores, que garantia proteção do Estado aos jovens contra abusos, maus tratos e contra o abandono.

Apesar de apresentar zelo pelos jovens pela primeira vez, em um texto legal exclusivamente voltado a eles, o Código de Menores, que também é conhecido como Código Mello Mattos, apresentava conceitos que hoje são ultrapassados, como a internação do jovem pelo Estado, contando, inclusive, com quebra de vínculos familiares. Até mesmo a utilização da classificação “menor” ao jovem é incabível e, hoje, ultrapassada, pois trata-se de um termo depreciativo, que denota inferioridade do jovem frente aos adultos. Em resumo, apesar de o Código de Menores passar a incluir as necessidades do jovem no mundo jurídico, ele apresentava vários problemas ao tentar fazê-lo, tanto que, em 1943, foi montada uma

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comissão para revisão do texto nele contido, sendo que a principal mudança foi dar um tom social ao código, e não apenas jurídico, como era antes.

Outra importante mudança no âmbito jurídico em relação aos jovens foi a criação da

Doutrina da Proteção integral, em 1959, frente aos inúmeros movimentos sociais

pós-guerra que ocorriam ao redor do globo. A partir daí, o assunto de jovem perante a sociedade ganhou forças, evoluindo até culminar na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, seguindo também, é claro, importantes diretrizes impostas pela Constituição Federal de 1988.

Como nos conta Saraiva (2003, p. 61),

a condição de primazia no conjunto das nações latino-americanas na adaptação da legislação nacional aos termos da Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança, resultante no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), decorreu de um grande esforço nacional, cujo embrião está no movimento constituinte de 1986 – que desembocou na Constituição de 1988. (SARAIVA, 2003, p. 61)

Dentre os inúmeros princípios de ordem humanitária e de igualdade presentes na Constituição Federal de 1988, podemos dar destaque a alguns que tratam diretamente da questão da proteção do jovem. O chamado Princípio da Prioridade Absoluta está disposto na CF/88, em seu artigo 227, que diz que

é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

Além disso, os demais parágrafos e incisos desse artigo também dispõem sobre garantias aos jovens. Desse modo, percebe-se a importância do jovem perante a Constituição e não demorou até ser criada uma legislação própria em defesa dos direitos da criança e do adolescente, com preceitos condizentes com os dizeres constitucionais – a Lei nº 8.069 de 1990, conhecida com Estatuto da Criança e do Adolescente. A criação dessa lei faz “romper definitivamente com a doutrina da situação irregular, até então admitida pelo Código de Menores (lei 6.697/79), e estabelecer como diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes a doutrina de proteção integral” (CURY; AMARAL; MENDEZ, 2001, p. 11),

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doutrina essa que está de acordo com os preceitos constitucionais e constitui o consenso internacional sobre o tema.

Essa brevíssima explanação sobre a evolução da proteção da proteção das crianças e dos adolescentes serve de ambientação para o presente artigo, a fim de entendermos a base histórica que constrói a Lei 8.069, de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição Federal, o Decreto Lei nº 7.209, de 1984, o Código Penal Brasileiro, bem como todas as leis que tratam da situação dos jovens no nosso país. Às vezes, ao analisarmos a questão da inimputabilidade penal, esquecemo-nos do motivo pelo qual ela está prevista em nossa legislação, ignorando toda a evolução acima descrita e baseando opiniões apenas no tempo presente.

1.2 Inimputabilidade penal

Quando falamos da proteção ao jovem, é imprescindível discorrer sobre a inimputabilidade penal da qual eles gozam, conceito um tanto quanto deturpado hoje em dia, sendo, muitas vezes, confundido com impunidade. Inimputabilidade significa a impossibilidade de atribuir a alguém a responsabilidade por uma conduta delituosa, constituindo assim uma causa de exclusão da culpabilidade do agente. Há mais de uma causa para a inimputabilidade penal prevista na nossa legislação, algumas delas estão descritas no artigo 26 do Código Penal, como observamos a seguir:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 1984)

Todos esses casos seguem basicamente a mesma lógica para serem taxados no artigo em questão – a incapacidade psíquica de o agente em compreender a reprovabilidade da sua conduta. Entretanto, os jovens não se enquadram no rol desse artigo, pois sua inimputabilidade não deriva da incapacidade de compreensão, mas sim da prioridade de sua proteção integral. O texto legal que trata da inimputabilidade penal dos menores de idade é o

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artigo 228 da Constituição Federal: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. (BRASIL, 1988)

Essa distinção é perfeitamente cabível e contradiz o argumento de quem crê que os menores de dezoito anos são inimputáveis devido à sua falta de discernimento entre certo e errado, afirmando que o seu desenvolvimento hoje é extremamente precoce, muitas vezes os igualando aos adultos com esse argumento. É claro que, cada vez mais, os jovens estão se desenvolvendo prematuramente, o que é fruto do mundo globalizado e sem fronteiras em que vivemos, onde qualquer parte do globo está a um toque de distância e o acesso à informação, de qualquer tipo, é fantástico. Contudo, por mais que nossos jovens já não são mais como costumavam ser nossos antepassados, eles ainda enfrentam grandes dilemas, escolhas difíceis e más influências. Pode-se dizer, inclusive, que isso ocorre de uma forma muito mais incisiva e frequente do que antigamente, tornando os jovens ainda mais suscetíveis.

Desta forma, dizer que os jovens atingem sua maturidade intelectual de forma precoce é, no mínimo contestável, visto que, muitas vezes, a imagem que nos transmite essa ideia não passa de uma reprodução do que a nossa sociedade mostra a essas crianças. O acesso à informação é tanto que coisas más e reprováveis em alto grau passam a ser banais. Basta assistimos ao noticiário com atenção e senso crítico para percebermos a mensagem que adentra, lentamente, no inconsciente dos nossos jovens.

Com a chegada da internet, a geração atual tem acesso à informação de uma forma inimaginável aos nossos antepassados, tamanho é o grau de complexidade do nosso mundo que fica impossível filtrar todas as informações que nos são passadas, o que exige um nível crítico muito forte para nos mantermos firmes diante das más influências presenciadas todos os dias. Esse é um exemplo de uma situação com que a geração de jovens do século passado não precisava lidar e, talvez, o aparente amadurecimento precoce evidenciado hoje seja fruto disso.

Além do mais, ultrapassando a discussão sobre a intelectualidade dos nossos jovens, é inegável que esses indivíduos estão taxados como inimputáveis por outra razão, a qual adentra no âmbito histórico da evolução da proteção da criança e do adolescente. Como já foi abordado anteriormente, o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como as demais normas legais em prol do jovem, não figuram em nossa legislação por acaso, elas são fruto de um

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longo e árduo caminho através da história, o que, muitas vezes, passa despercebido, mesmo que sua análise e entendimento sejam imprescindíveis para qualquer debate acerca disso.

Ignorar o sistema de proteção integral que possuímos, uma legislação especifica e pioneira, a qual constitui modelo a ser seguido pelo mundo jurídico, é abdicar da história e de tudo que ela nos ensinou, esquecer tudo o que passamos para chegarmos onde estamos. Se os jovens menores de idade estão elencados entre os inimputáveis penalmente hoje, isso ocorre em decorrência da evolução da legislação em favor desses indivíduos e, mais que isso, decorre da necessidade de fazê-lo.

É comum também a confusão, proposital ou não, entre inimputabilidade penal e impunidade, dois conceitos completamente distintos um do outro. Já vimos que a inimputabilidade sobrevém à impunidade, tratando-se, na verdade, de uma medida prevista para proteger os indivíduos elencados como inimputáveis, entrando em total conformidade com a evolução histórica presenciada pela legislação em prol dos jovens. Tendo isso em mente, uma ideia deve ficar clara: proteger não é o mesmo que ignorar os erros cometidos, da mesma forma que inimputabilidade penal nada tem a ver com impunidade.

Tanto se fala hoje em dia sobre impunidade, contudo, sem saber, muitas vezes, o real significado da palavra, ou fazendo relações falaciosas entre esse conceito e a impossibilidade de os jovens serem responsabilizados por uma conduta delituosa. É importante distinguir esses dois conceitos, evitando a confusão e a disseminação de argumentos falaciosos sobre o assunto.

A impunidade, segundo Machado, é “a falta de castigo. Do ponto de vista estritamente jurídico, a impunidade pode ser definida como a não aplicação de uma pena a um determinado crime. A definição de determinada prática como criminosa depende, contudo, de fatores complexos” (MACHADO, 2006, p. 277). Entretanto, devido à falta de conhecimento de grande parcela da população acerca dos procedimentos penais previstos na nossa legislação, cria-se uma ideia de “impunidade” por parte de quem cometeu algum delito, fato esse que parece ser ainda mais impactante e amplamente divulgado quando se trata de um réu menor de idade.

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Os motivos que levam a esse pensamento errôneo são muitos, dentre eles, dois possuem destaque: a ideia de que as penas são brandas e a lentidão no andamento do processo, o que também confunde-se com impunidade. Há tempos existe uma ideia de que as penas devem ser extremamente severas e que, para cumprir seu objetivo, elas devem punir, da forma mais dura possível, o infrator. Muitos dos que partilham desse pensamento são levados a crer que o jovem nunca é punido de maneira adequada pelos delitos que cometeu, pois as penas, ou, melhor dizendo, as medidas socioeducativas previstas no nosso ordenamento jurídico não são severas o suficiente aos seus olhos. Para essas pessoas, mesmo que a sentença condenatória esteja de acordo com a lei, ela não é rigorosa como deveria, pois há o pensamento de que a lei é branda e os criminosos sempre saem impunes.

1.3 As medidas socioeducativas

Ao falar sobre inimputabilidade penal dos menores de idade, é de suma importância um breve resumo das medidas que podem ser adotadas ao jovem que vem a cometer um ato infracional, a fim de esclarecer o pensamento errôneo de que os jovens nunca respondem pelos seus atos. Como já vimos, os menores de dezoito anos são inimputáveis no âmbito penal, não podendo, desta forma, serem responsabilizados penalmente pelas infrações cometidas. Entretanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, no seu artigo 112, algumas medidas socioeducativas destinadas ao jovem que tenha cometido um ato infracional, como observamos a seguir:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. (BRASIL, 1990)

Podemos observar um vasto rol de opções que podem ser adotadas frente aos jovens que venham a descumprir a lei, que vão desde simples advertência até a inserção em regime

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de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional. É importante observarmos que todas essas medidas não possuem um caráter punitivo, mas sim educativo para o jovem, de forma a fazê-lo compreender seu erro e evitar a reincidência. O entendimento desse artigo também combate a crença geral de que nossa legislação insiste em deixar o jovem sair sempre completamente impune em relação aos atos infracionais que comete.

Outro fato interessante de se observar é o previsto no inciso VII deste mesmo artigo, onde o legislador possibilita ainda a aplicação das medidas socioeducativas cumulativamente com qualquer uma das medidas previstas no artigo 101, inciso I a VI, que são:

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

[...] (BRASIL, 1990)

A possibilidade de aplicação dessas medidas só reforça o caráter educativo das medidas previstas contra o jovem, prezando, inclusive, pela sua saúde e ensino escolar, entretanto em total conformidade com a Constituição Federal, no que diz respeito à prioridade de proteção às crianças e aos adolescentes. Além disso, o texto da lei é preciso e especialmente bem formulado nesse aspecto protetivo e educacional, apesar de haver pessoas que confundem-no como sendo uma lei branda. Fato é que todas essas medidas derivam de um longo e, acima de tudo, essencial caminho percorrido em busca da proteção dos direitos dos nossos jovens, que culminou na criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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2 A ALTERAÇÃO NA IDADE DE INIMPUTABILIDADE

Nesse segundo capítulo, será feita uma análise acerca do debate sobre a redução da idade de imputabilidade penal. Serão apresentados os motivos que levam a essa demanda, apresentando também os argumentos a favor e contra essa alteração.

2.1 A demanda pela mudança

Nos dias de hoje, infelizmente, somos bombardeados com os mais perturbadores e grotescos atos de violência que o ser humano é capaz de realizar, seja através da ampla divulgação feita através dos meios de comunicação ou ainda, de uma forma mais inoportuna e trágica, nos tornando vítimas da violência no nosso dia-a-dia. O crime não é mais um problema exclusivo dos grandes centros urbanos, ele se espalhou e está em todos os cantos do nosso país e, cada vez mais, esse fenômeno social vem trazendo consigo uma grande preocupação a toda população.

Frente a essa caótica situação, é natural indagarmos sobre a nossa segurança e a segurança dos nossos entes queridos, afinal, a próxima vítima pode não ser a figura qualquer exibida no noticiário, ela pode ser nossos filhos, nossos pais, nossos irmãos e irmãs, podemos ser nós mesmos a trágica concretização dessa assustadora realidade. Essa preocupação, aliada ao medo e a insegurança, nos faz ir à busca de métodos capazes de combater a violência latente que assola nosso país.

Vários apostam em um aumento no policiamento, outros afirmam que a melhor alternativa é a educação e a assistência social das classes menos favorecidas economicamente e há ainda um grupo que crê que a raiz de todo esse problema está em nosso sistema penal. Esse último grupo terá um papel especial nesse capítulo, pois ele é uma das razões pela qual se discute tanto a diminuição da idade para imputabilidade penal.

A ideia de que nosso sistema penal precisa de uma reforma parte do pensamento de que ele não é rígido o suficiente com a pessoa do condenado, o que gera a necessidade da

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alteração das leis que regem esse assunto. Muitos dos defensores dessa corrente creem que o simples endurecimento das medidas punitivas seria o suficiente para uma diminuição na criminalidade.

Acontece que, dada à caótica situação enfrentada pelo nosso país, não somente em relação à criminalidade e aos altos índices de violência, mas também em relação à deplorável situação política, econômica e social, cada vez mais as medidas extremas são as que adotamos como ideais e escolhemos defender a todo custo. Desta forma, esse movimento vem tomando força e ampliando suas propostas de alteração, visando também o jovem infrator e as medidas legais cabíveis contra ele.

Como era de se esperar devido à sua natureza extremista, a qual flerta com a Doutrina do Direito Penal Máximo, onde punir com mais rigor é sinônimo de punir melhor, a parte que tange o tratamento dos jovens no nosso sistema penal está intimamente ligada com a ideia da diminuição da idade mínima para a responsabilização penal. Aos olhos dos defensores dessa teoria, como é o caso do autor Paulo de Figueiredo (FIGUEIREDO, 1984), essa seria uma medida extremamente necessária para o combate à violência, e buscam, a todo custo, tornar realidade essa ideia.

A mídia também tem um papel notável na arquitetura e divulgação de uma ideia, de forma a ser concebida de forma massiva. Hoje em dia, com a globalização e a constante evolução da tecnologia da informação, é praticamente impossível que haja um fato minimamente importante sem que ocorra qualquer repercussão relacionada a ele. Desta forma, os crimes mais perturbadores e horrendos, os quais nossos avós só tomariam conhecimento através de livros, saltam aos olhos ao pressionar de um botão. Como consequência disso, é inegável que o pensamento geral da população mudou muito nos últimos anos.

É inegável também que o crime está mais presente do que nunca em nosso dia-a-dia, porém, a maneira como a população é conduzida a pensar não é das mais sensatas. Ao invés de pensarmos em uma solução, pensamos imediatamente em uma punição, ignorando o restante e tudo aquilo que não convém analisar. Um bom exemplo disso é o pensamento sobre o sistema prisional, a população não clama pela reabilitação do apenado, mas sim pela

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Esse mesmo pensamento traz consigo um carinho especial pelo debate em relação à diminuição da maioridade penal, onde a sua argumentação transpassa qualquer texto legal ou argumentação contrária. O simples fato de punir de forma severa o jovem que venha a cometer um ato infracional seria visto como uma vitória, com excelentes resultados, porém, eles não passam de uma mera ilusão, punir apenas por punir é tão inútil quanto enxugar o gelo. Até que o condenado não entenda o porquê de sua punição e, desta forma, possa ser trabalhada a sua reabilitação, sendo dadas as condições necessárias para tal, o índice de reincidência continuará absurdamente alto, independentemente da idade e da severidade da punição.

Como afirma Saraiva, “a discussão em torno da responsabilidade penal juvenil, da criminalidade juvenil e da delinquência na adolescência, costuma ser conduzida para que imediatamente o foco seja direcionado para a proposta de rebaixamento da idade penal” (SARAIVA, 2003, p. 69). Com essa frase, podemos resumir claramente a discussão sobre a inimputabilidade penal do menor de dezoito anos.

2.2 Argumentos contra e a favor

Dentre os vários argumentos a favor da diminuição da idade de inimputabilidade penal, destaca-se a comparação entre o direito civil e o direito penal. Cria-se a falsa impressão de que as duas áreas devem ser tratadas de forma idêntica em relação à maioridade, já que os jovens a que são aplicadas as medidas previstas nelas são os mesmos.

Seguindo esse raciocínio, a corrente de pensamento que defende a diminuição da maioridade penal constantemente relaciona fatos específicos do direito civil ao direito penal, como, por exemplo, a emancipação, o direito ao voto, o direito ao casamento, a responsabilidade por danos a terceiros, entre outros vários casos. Em todas essas situações, os menores de dezoito anos podem tomar decisões por conta própria, mesmo que, em alguns casos, assistidos por seus representantes legais (como é o caso do casamento civil) ou então podem ser responsabilizados civilmente pelos atos que cometeram.

Essas comparações se baseiam na ideia, equivocada, diga-se de passagem, de que o que dita a maioridade, seja ela civil ou penal, é unicamente o amadurecimento intelectual do jovem. Desta maneira, fica claro que o jovem que tem aos dezesseis anos capacidade para

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escolher os seus representantes no governo através do voto, um dos mais importantes atos da vida civil, também possui capacidade suficiente para diferenciar o certo do errado, podendo e devendo arcar com as consequências de seus atos da mesma forma que um adulto o faz. E o que dizer do jovem que foi emancipado devido ao casamento civil, afirmando, desta forma, estar pronto para constituir uma família? Com certeza, aos olhos dessa teoria, ele deve ser tratado da mesma maneira que um adulto na esfera penal.

Na verdade, um dos fatores que levaram a possibilidade do voto, da emancipação e das outras exceções onde os jovens entre dezesseis e dezoito possuem capacidade para tal foi, de fato, o amadurecimento precoce dos nossos jovens. Atualmente, devido a vários fatores sociais, aliados principalmente à tecnologia e à globalização, o amadurecimento realmente ocorre mais depressa do que antigamente, na época em que algumas dessas normas foram criadas. Entretanto, esse argumento não justifica, por si só, a alegada necessidade de diminuição da idade de responsabilidade penal. Isso se deve ao fato de que o maior erro dessa corrente de pensamento é justamente a comparação que a origina: relacionar direito penal e direito civil, nesse caso, é algo incabível.

Acontece que a maioridade penal difere da maioridade civil, embora ambas comecem aos dezoito anos completos. Elas são capacidades completamente independentes, isso é, caso haja a diminuição ou o aumento de uma delas, via de regra, não há qualquer relação que possa acarretar diretamente em alguma alteração na outra esfera. Prova disso é que, até pouco tempo atrás, a maioridade civil iniciava aos vinte e um anos de idade, enquanto a maioridade penal já estava estabelecida em dezoito e assim seguiu por vários anos, até que houve uma mudança no Código Civil.

Em 2002, o novo Código Civil, que entrou em vigência em 2003, alterou a parte da legislação que tratava sobre a maioridade civil, que passou de vinte e um anos para dezoito anos, gerando uma igualdade entre a esfera penal e civil, a qual prevalece até hoje. Todavia, como já foi destacado, essa igualdade é mera coincidência e nada tem a ver com uma ligação entre as duas áreas.

Outro argumento muito usado por autores com Figueiredo (1984, p. 122) é o que jovens são usados por criminosos maiores de idade para praticar crimes arquitetados por eles, a fim de evitar, de alguma forma, a punição na seara criminal. A ideia por trás disso é que

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menores de dezoito anos não são punidos severamente, muitos têm a ideia equivocada de que todo e qualquer ato praticado por esses indivíduos é isento de reação por parte do Estado.

Da mesma forma com que o argumento de que os jovens praticam delitos a mando de criminosos maiores de dezoito anos com o fim de torná-los impunes, esse pensamento pode ser visto de forma diferente. Ao invés de culparmos o jovem que cometeu o delito nessa circunstância, desejando puni-lo de forma severa, devemos pensar que eles são meros participantes nessas infrações, a verdadeira raiz do problema é o mandante. Assim, mais uma vez, está se tentando resolver um problema sem atuar diretamente na causa do mesmo. Se o sistema atual não consegue coibir o mandante do crime, por que o resultado seria diferente com o jovem que pratica a infração? Desta forma, fica claro que o simples fato de enrijecer as punições não é o suficiente nessa situação, caso contrário, a origem desse problema, ou seja, os mandantes do crime, já estaria extinta.

Dentre os autores que defendem que o jovem tira proveito de sua suposta impunidade está Figueiredo, que afirma que os jovens infratores são “acobertados pelo álibi da idade, eis que alguns até conhecem os dispositivos do Código que lhe asseguram a impunidade”. (FIGUEIREDO, 1984, p. 122) Mas esse pensamento de que o jovem pode praticar qualquer ato deliberadamente, sem se preocupar com as consequências, é extremamente equivocado. É inegável que esse sistema de medidas protetivas não funciona como deveria devido à falta de infraestrutura, contudo, isso nada tem a ver com a lei em si, pois não é ela que necessita de alteração, mas sim a nossa abordagem em relação a ela.

Outro argumento muito usado é o de que o jovem de hoje não é mais o mesmo de quando as normas protetoras foram criadas. Figueiredo é um exemplo disso, ele defende que, devido ao amadurecimento precoce dos jovens, eles não podem, de forma alguma, ser vistos como ingênuos, pregando que as punições em relação a eles devem ser enrijecidas a fim de reduzir o número de práticas delitivas.

Entretanto, há autores que defendem o contrário, como Veronese, que defende que as instituições destinadas aos jovens infratores já possuem o papel de verdadeiras penitenciárias. Ela entende que “caso houvesse a implantação de sistemas penitenciários para os menores de 18 anos, ter-se-ia agravado ainda mais a injusta situação em que se encontra a adolescência marginalizada do País”. (VERONESE, 1999, p. 72)

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Ainda, segundo Veronese, caso fosse diminuída a maioridade penal, jovens que deveriam ser encaminhados para instituições educacionais seriam incluídos em meio a presos perigosos dos mais diversos tipos. Essa situação resultaria em uma escola de aprendizagem do crime, não trazendo nenhum dos resultados positivos esperados, muito pelo contrário, seria o exato oposto.

Um dos principais argumentos contra a diminuição da idade de imputabilidade penal é a larga evolução histórica em prol da proteção dos jovens, a qual já foi explicada no primeiro capítulo desse trabalho. Outros argumentos muito interessantes são baseados nas consequências que acarretariam a aplicação das punições aos jovens. Há ainda autores, como Rogério Greco (GRECO, 2016), que discutem a precária situação carcerária brasileira, mostrando os seus problemas e por que ela não funciona no combate à criminalidade.

Num primeiro momento, devemos lembrar-nos da união de vários fatos que culminaram na criação de uma legislação específica aos jovens, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Como vimos anteriormente, essa evolução não foi um fenômeno isolado, ela decorreu de uma série de abusos sofridos pelos jovens ao longo da história, até o momento em que foi reconhecida a necessidade de proteção dos seus direitos e passou-se a dar importância ao jovem como esperança para o futuro da nação.

Desta forma, podemos observar que a natureza das medidas que regem sobre a inimputabilidade penal do menor de dezoito anos é absolutamente protetiva em sua essência. Devemos ter bem claro em nossa mente que isso não constitui uma tentativa de tornar impune o jovem infrator, mas deriva de um esforço histórico de proteção aos jovens, os quais foram abusados e tiveram seus direitos suprimidos durante séculos.

Podemos assim supor que a alteração da idade de imputabilidade penal de dezoito para dezesseis anos iria contra toda a evolução histórica que culminou na criação das medidas protetivas que possuímos hoje em nossa legislação. Isso não seria, de forma alguma, um avanço, mas sim um enorme retrocesso. Para analisarmos essa questão de forma profunda e satisfatória, assim formando uma opinião consistente e com embasamento, não basta que observemos apenas o presente, mas é necessário um estudo histórico do que gerou tudo o que presenciamos hoje.

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Não há o que se falar em impunidade do jovem infrator, já analisamos isso anteriormente, onde ficou clara a diferença entre inimputabilidade e impunidade penal. A diminuição da idade para aplicação do Código Penal só traria uma mudança das medidas previstas para a infração, não trazendo consigo a suposta novidade da responsabilização dos jovens pelos seus atos, uma vez que eles já são responsabilizados, contudo, de maneira diferente dos maiores de dezoito anos. Além disso, devemos pensar nas consequências que o sistema carcerário brasileiro traria para o jovem infrator, as quais são várias e de extrema gravidade.

Uma vez que a idade para imputabilidade penal diminuída para dezesseis anos, estaremos a colocar adolescentes no mesmo ambiente caótico de presos comuns, os quais cometeram os mais variados crimes. Esse ambiente, por si só, já torna extremamente difícil à reabilitação do apenado, seja qual for sua idade, agora, imaginemos um jovem no auge da constituição da sua base intelectual, num período de descobertas e de rápidas mudanças, que deve ser acompanhado e apoiado psicologicamente de forma constante. Sem sombra de dúvidas, o cárcere seria um dos piores locais onde esse jovem poderia se encontrar nesse momento.

Mais que isso, imaginemos com quem ele teria contato para preencher essa lacuna de aprendizado sobre a vida, quais serão os aprendizados que esse jovem poderá ter em um ambiente como esse, onde ficará isolado da sociedade e de todo o suporte de que necessita nessa fase tão intensa da vida. Certamente, a prisão, nos moldes em que se encontra hoje em nosso país, não trará nenhum benefício a esse jovem e, consequentemente, à sociedade de que ele faz parte.

Uma vez que o objetivo da diminuição da maioridade penal é a redução da criminalidade, esse argumento cai por terra simplesmente devido à total incapacidade do sistema carcerário brasileiro trazer qualquer benefício ao apenado, de forma a reabilitá-lo e a instruí-lo a não retornar à vida delituosa. Além do mais, esse fato se intensifica em se tratando de jovens, que se encontram em um período de rico aprendizado.

Além disso, é importante ressaltar nesse debate o que passa despercebido na maioria das vezes ao analisarmos a suposta “impunidade” que gera a impossibilidade de responsabilização penal dos jovens: eles são inimputáveis penalmente, entretanto, continuam

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sujeitos à legislação especial. Essa legislação especial compreendida no texto legal é o Estatuto da Criança e do Adolescente que, como já vimos, estabelece uma série de medidas socioeducativas aos jovens que venham a praticar ato infracional.

Como indaga Saraiva “o que pode ser mais aflitivo a um jovem de 16 anos do que a privação de liberdade, mesmo que em uma instituição que lhe assegure educação e uma série de atividades de caráter educacional e pedagógico, mas da qual não pode sair?” (SARAIVA, 2003, p. 70). Essa frase destaca o caráter prisional e aflitivo das medidas cabíveis ao jovem que pratica ato infracional, característica essa muitas vezes ignorada. Fato é que, no período da adolescência, é onde ocorrem as maiores mudanças e descobertas da vida do ser humano e a privação da liberdade nesse período, mesmo que por alguns anos, pode ser irreparável, diferentemente do que ocorre com um ser humano adulto.

Desta forma, seria muito mais interessante e viável a alteração das normas dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente, tomando extremo cuidado para não ferir o disposto na Constituição Federal ou nos demais dispositivos que amparam essa lei especial. Todavia, é importante ressaltar que o que já está previsto no artigo 112, da Lei nº 8.069 não é devidamente cumprido, sendo assim, o simples fato de enrijecer as medidas não traria qualquer resultado satisfatório sem que haja observância da sua aplicação.

Um argumento interessante a favor da diminuição da maioridade penal é o trazido por Paulo Lúcio Nogueira. Ele afirma que os jovens de hoje em dia descumprem a lei de inúmeras maneiras, como, por exemplo, dirigindo veículos motorizados, frequentando locais que não deveriam, consumindo bebidas alcoólicas, entre outras restrições que, segundo o autor, não fazem mais sentido nos dias de hoje.

Ainda segundo Nogueira, “a redução da idade seria aconselhável para dar ao adolescente consciência da sua participação social (aos dezesseis anos pode votar, trabalhar, dirigir etc.) e da importância do cumprimento da lei desde cedo (pois até agora só aprendeu a desobedecer à lei existente (...)).” (NOGUEIRA, 1998, p. 153). No seu discurso, ele afirma que a diminuição da maioridade penal se trataria de uma forma de dar ao jovem responsabilidade, não sendo apenas uma simples forma de encarcerá-lo. Nogueira diz que os jovens deveriam usufruir, legalmente, dos mesmos direitos que já vem usufruindo de forma

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ilegal. Isso se deve ao fato de possuirmos uma legislação aquém do seu tempo, a qual, segundo ele, apresenta restrições inadequadas aos dias de hoje.

É interessante sua análise nesse aspecto da liberdade, porém, muitas vezes os jovens não têm o discernimento necessário para lidar com tal liberdade. Sobre o fato da naturalidade em relação ao descumprimento da lei, o certo continuará a ser certo mesmo que ninguém o pratique, e o errado continuará a ser errado mesmo que todos o pratiquem, o problema não está na legislação vigente, mas sim na consciência de quem a descumpre. Seguindo o mesmo raciocínio utilizado pelo autor, não seria necessário limite de velocidade nas estradas, nem placas de sinalização, nem mesmo faixas de pedestres teriam papel importante, já que muitos são os que desobedecem a essas normas.

Após analisarmos alguns dos argumentos a favor e contra a medida, entendendo o posicionamento de autores acerca do assunto, nos resta saber o que o texto legal, em especial nossa Constituição Federal, estabelece.

2.3 A inimputabilidade penal do menor de dezoito anos como cláusula pétrea

Um ponto chave para discutirmos a possibilidade da alteração da idade para imputabilidade penal é a análise do texto constitucional, afinal, é ele que estabelece os parâmetros e diretrizes para todas as demais disposições legais. Há ainda de se fazer uma análise acerca da constitucionalidade da medida, bem como do seu caráter como cláusula pétrea ou não.

A fim de compreender as barreiras legais que impedem a diminuição da maioridade penal, é imprescindível analisar as disposições constitucionais a respeito do assunto. A Constituição Federal de 1988 é a base das nossas disposições legais e é clara no que diz respeito a importância da proteção do jovem, implementando a chamada Doutrina da Proteção Integral do jovem. Todos nós temos o dever de proteção das crianças e dos adolescentes, o que pode ser claramente observado em seu artigo:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

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§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.

§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.

§ 8º A lei estabelecerá:

I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;

II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. (BRASIL, 1988)

Ao analisarmos esse artigo, fica claro o pensamento do legislador acerca da importância do jovem para a sociedade e o dever imperioso, não só do Estado, mas de toda a população, de protegê-lo. Essa é a base da já mencionada Doutrina da Proteção Integral, a qual amparou a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente e de outras normas de proteção, onde essa mesma ideia prioritária em relação aos jovens é reafirmada.

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Um marco dessa nova ótica implantada pela Doutrina da Proteção Integral e adotada também pelo Estatuto da Criança e do Adolescente é mencionada por Edson Seda, que enfatiza

que a grande mudança que o Estatuto trouxe, em relação ao Judiciário, pode ser assim resumida: antes, falhando a família, a sociedade e o Estado, a criança e o adolescente afetados eram juridicamente considerados ‘em situação irregular’. Agora, se crianças e adolescentes forem afetados em seus direitos quem está em situação irregular é quem ameaçou ou violou tais direitos (SEDA, 2000, p. 139).

Essa citação exalta a importância da proteção dos jovens, amparada constitucionalmente.

Seguindo o entendimento do legislador, fica clara a necessidade de uma distinção entre jovens e adultos até mesmo no que diz respeito às penalidades aplicadas aos delitos, fato que pode ser observado no artigo 228 da Constituição Federal de 1988, o qual prevê a inimputabilidade dos menores de dezoito anos: “Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas de legislação especial.” (BRASIL, 1988)

O artigo 228, por sua vez, tem tamanha importância histórica que grande parte da doutrina sustenta o seu caráter de cláusula pétrea. Primeiramente, é necessário deixar bem claro que cláusulas pétreas são aquelas que não podem ser alteradas por meio de emenda constitucional, elas são tidas como imutáveis e indiscutíveis enquanto o Estado for regido pela Constituição Federal de 1988. Essas cláusulas estão dispostas no quarto parágrafo do artigo 60 do mesmo dispositivo legal, como vemos a seguir:

Art. 60. (...)

§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais. (...) (BRASIL, 1988)

Primeiramente, analisaremos a obra de Eugênio Couto Terra, defendida na sua tese de mestrado, (TERRA, 2001) ele elenca, de forma clara e precisa, uma série de impedimentos em relação à alteração do artigo 288 da Constituição Federal. Terra afirma que o Estado serve para promoção da dignidade humana, não tendo razão de ser sem que isso seja o seu fim. Desta forma, qualquer interpretação sobre a norma deve passar por uma análise não apenas prática, mas dos princípios que norteiam aquele texto legal. Sendo assim, a alteração do artigo

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228 iria contra toda a luta em prol da proteção dos jovens, tornando os princípios norteadores da Doutrina da Proteção Integral e a base do Estatuto da Criança e do Adolescente inúteis.

Outro ponto importante abordado por Terra é que, como qualquer obra criada pelo homem, o texto legal é passível de erros e imperfeições, além disso, ele também é passível de desatualização devido ao passar do tempo e as modificações de toda espécie por ele trazidas. Levando isso em consideração fica clara a necessidade de as normas se adaptarem às modificações que ocorrem no mundo prático, adaptando as leis à realidade. Entretanto, por mais que a reforma constitucional possa se fazer necessária, ela não pode destoar completamente da vontade do Constituinte originário, criando algo que deturpe completamente a origem daquela norma. O artigo que estabelece a idade da imputabilidade penal foi uma opção do Constituinte e deve ser respeitada.

Essa vontade do Constituinte fica ainda mais clara e inquestionável quando analisamos o artigo 50 do Código Penal Militar, decreto-lei nº 1001 de 21 de outubro de 1969, o qual não foi recepcionado devido à promulgação da Constituição Federal de 1988:

Art. 50. O menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com esse entendimento. Neste caso, a pena aplicável é diminuída de um terço até a metade. (BRASIL, 1969)

Como podemos ver, não é de hoje a tentativa de diminuição da maioridade penal, ela vem tentando ser imposta já há algum tempo. Contudo, a voz do Constituinte falou mais alto, impedindo a aplicação da medida. Além dos argumentos citados por Eugênio Couto Terra, uma série de outros autores também compartilham da mesma ideia de imutabilidade do artigo 228.

Moraes traz uma explicação brilhante sobre o tema, a qual não poderia deixar de ser citada nesse trabalho:

Entendemos impossível essa hipótese, por tratar-se a inimputabilidade penal, prevista no art. 228 da constituição federal, de verdadeira garantia individual da criança e do adolescente em não serem submetidos à persecução penal em juízo, nem tampouco ser responsabilizado criminalmente, com consequente aplicação de sanção penal. Lembremo-nos, pois, que essa verdadeira cláusula de irresponsabilidade penal do menor de 18 anos enquanto garantia positiva de liberdade, igualmente transforma-se em garantia negativa em relação ao Estado, impedindo a persecução penal em juízo. Assim, o art. 228 da CF encerraria a

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hipótese de garantia individual prevista fora do rol exemplificativo do art. 5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal ao art. 150 III, b (Adin nº 939-7/DF – Conferir comentários ao art. 5ª 26) e consequentemente, autentica cláusula pétrea prevista no art. 60 parágrafo 4º IV – Os direitos e garantias individuais. (MORAES, 1998)

Esse trecho esclarece o pensamento sobre a imutabilidade da idade de imputabilidade penal devido ao seu caráter de garantia individual adquirido pelos jovens, mesmo que essa garantia não esteja elencada no artigo 5º da Constituição Federal. O artigo 60 parágrafo 4º deixa claro que os direitos e garantias individuais previstos não podem ser alterados mediante emenda constitucional, tornando assim cláusula pétrea o artigo 228.

Na mesma linha de pensamento está André Ramos Tavares, o qual afirma que, embora possa haver a ampliação da proteção no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais, a Constituição não pode sofrer alterações que venham a diminuir esses dispositivos. Ele afirma que a imutabilidade das cláusulas apresenta duas características fundamentais: “refere-se a qualquer norma constitucional que contenha (veicule) alguma dessas matérias” e “impede apenas que a reforma seja tendente a abolir, não impedindo o alargamento ou reforço dessas matérias, especialmente dos direitos fundamentais.”(TAVARES, 2009)

Para ressaltar a importância dos direitos e garantias fundamentais, cabe citar um trecho da obra de Andrade, que afirma que “os direitos fundamentais são pressupostos elementares de uma vida humana livre e digna.” (ANDRADE, 2001, p. 110) Além disso, esses direitos e garantias fundamentais fazem parte, inclusive, da dignidade da pessoa humana, um dos fatores que levaram a sua proteção como clausula pétrea, mesmo os que não estejam previstos expressamente no texto constitucional, mas que possuam a mesma essência garantidora.

É necessário ainda ressaltar que o rol de limitações dispostas no parágrafo 4º do artigo 60 da Constituição Federal não é exaustivo, ou seja, pode haver direitos e garantias implícitos, seguindo os princípios constitucionais, mesmo que não dispostos no artigo 5º. Da mesma forma as cláusulas pétreas podem estar implícitas segundo os mesmos princípios, como conclui Novelino, “as cláusulas pétreas implícitas são aquelas que, apesar de não estarem previstas no art. 60, §4º, também não pode ser objeto de alteração pelo conteúdo do qual dispõe”. (NOVELINO, 2007, p. 50)

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Ainda em relação aos direitos e garantias fundamentais, que constituem cláusula pétrea, é importante destacarmos o que está disposto no artigo 5º parágrafo segundo da Constituição Federal de 1988:

Art. 5. (..)

§2º Os direitos e garantias expressos nessa Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (...) (BRASIL, 1988)

Ao lermos esse trecho fica evidente que a inimputabilidade o penal do jovem, estabelecida no artigo 228 da Constituição Federal, é uma clausula pétrea, embora não esteja elencada no artigo 60, parágrafo 4º. Está claro que essa é uma garantia fundamental que não está disposta no artigo 5º, entretanto, está em perfeita sintonia com os princípios constitucionais e, além disso, ela decorre de um tratado internacional que o Brasil é parte, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.

Por outro lado, tendo isso em vista, pode-se também concluir que a alteração do artigo 228, estabelecendo a idade para imputabilidade em dezesseis anos não seria uma forma de ignorar uma garantia fundamental adquirida, mas apenas uma modificação da mesma. Desta forma, a garantia de inimputabilidade penal continuaria prevista, contudo, a sua aplicabilidade seria diferente, não se tratando de quebra de cláusula pétrea. Entretanto, esse argumento não é válido, uma vez que parte de imensurável importância da conquista dessa garantia fundamental diz respeito à idade nela estabelecida.

Ao fazermos um estudo detalhado, resgatando toda história que culminou nos dispositivos que possuímos hoje em prol dos jovens, analisando os princípios que norteiam a nossa Constituição Federal, transpassando a imparcialidade do texto legal, chegando ao ponto de enxergarmos além da simples norma isolada, percebemos que a situação é mais complexa do que esperávamos. O simples alterar de um artigo não bastaria para apagar toda a busca por direitos e garantias aos nossos jovens.

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CONCLUSÃO

Após larga e exaustiva análise sobre a alternativa de redução da idade para imputabilidade penal, fixada em dezoito anos, tomamos conhecimento de que esse assunto é bem mais complexo do que o senso comum indica. Há inúmeros fatores relacionados ao tema, desde o que a história nos diz sobre as medidas protetivas em prol do jovem até os impedimentos legais impostos pela Constituição Federal.

Embora a ideia de que essa alteração é possível e benéfica à nossa sociedade esteja bastante disseminada atualmente, sendo abordada, inclusive, por alguns autores, ela decorre da indignação com a situação atual da nossa sociedade, a qual nos faz crer que punir mais é punir melhor. Entretanto, essa é uma solução extremamente simplista para um problema tão complexo quanto à delinquência juvenil, sendo que, baseado na sua natureza pouco elaborada, ela nunca atingirá o objetivo de diminuir a criminalidade.

Além dos problemas relacionados à questionável eficácia da medida, quando analisamos o disposto na Constituição Federal, em seu artigo 228, o qual estabelece a inimputabilidade penal do jovem menor de 18 anos, fica clara a intenção do constituinte em respeitar a Doutrina da Proteção Integral, e ainda mais incerta a possibilidade de alteração desse texto legal. Adentrando no debate sobre o caráter de clausula pétrea desse artigo concluímos que a grande maioria da doutrina defende, utilizando argumentos sólidos e convincentes, que é impossível emendar a constituição a fim de alterar o artigo 228.

Outro ponto de destaque nesse debate diz respeito à longa e árdua luta pela aquisição de direitos e garantias fundamentais às crianças e aos adolescentes. Caso fosse possível constitucionalmente a alteração da idade para imputabilidade penal, reduzindo-a para 16 anos, essa medida seria uma afronta à todas as conquistas legais realizadas em prol do jovem. Isso seria completamente incondizente com os princípios norteadores da legislação especial

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voltada à criança e ao adolescente e, sobretudo, iria contra a intenção do constituinte ao proteger os interesses dos jovens e seus direitos e garantias fundamentais. Desta forma, conclui-se que é incabível a diminuição da idade de imputabilidade penal.

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Referências

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