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Música, uma invocação ao inconsciente: O que escutamos quando ouvimos música?

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

MÚSICA, UMA INVOCAÇÃO AO INCONSCIENTE: O que escutamos

quando ouvimos música?

MARCILANE GENZ

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2 MARCILANE GENZ

MÚSICA, UMA INVOCAÇÃO AO INCONSCIENTE: O que escutamos

quando ouvimos música?

Trabalho de conclusão de

curso apresentado como

requisito parcial para a

conclusão do curso de

formação de Psicólogo.

Orientação: Flavia Flach.

IJUÍ 2016

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

MARCILANE GENZ

MÚSICA, UMA INVOCAÇÃO AO INCONSCIENTE: O que escutamos

quando ouvimos música?

BANCA EXAMINADORA:

PROFESSORA KENIA SPOLTI FREIRE Mestrado em Educação nas Ciências.

UNIJUI - Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS Assinatura: ______________________________________

PROFESSORA FLÁVIA FLACH

UNIJUI - Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS Assinatura: ______________________________________

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AGRADECIMENTOS

A Deus

Ao meu filho Kelvin Wesley Penning

Aos meus pais Helio Genz (in memória) e Edi Genz A minha irmã Niviane Genz e família

A minha irmã Maritane Genz Schroeder e família

A Barbhara Eidam (além de sobrinha, é afilhada, amiga e a considero filha). Aos alunos da Acordes Escola de Música

Aos professores da Unijui

A orientadora do TCC Flávia Flach Aos colegas e amigos desta jornada

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6 RESUMO

Através do criador da psicanálise, Sigmund Freud, com sua descoberta sobre o inconsciente, pode-se investir na relação da arte através do viés da significação. Ainda que as aproximações entre a psicanálise e o artístico sejam freqüentes, a música tem sido entre as artes, aquela que menor atenção tem recebido dos principais teóricos da psicanálise. Para entendermos alguns processos psíquicos envolvidos no ato artístico, no caso a música, é de suma importância pensar sobre alguns conceitos, entre eles o inconsciente, as pulsões e a pulsão invocante.

Quando nos referimos à música falamos além de uma expressão artística, podemos dizer que é uma forma de linguagem do qual se aproxima da psicanálise, e revela nuances do inconsciente. É também uma ferramenta para o entendimento da estrutura do psiquismo, bem como pode servir para a interpretação musical, seu simbolismo e efeito no psiquismo. A música revela ao ouvinte um enigma que invoca o inefável. Ou seja, algo que lhe causa imenso prazer ou desprazer, que a partir de cada escuta pode ser interpretada de uma nova maneira: um fazer possível que poetiza o impossível.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 8

CAPÍTULO I

PROCESSOS PSÍQUICOS NO ATO ARTISTÍCO... 10

CAPÍTULO II

O QUE ESCUTAMOS QUANDO OUVIMOS MÚSICA?... 20

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 26 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 28

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8 INTRODUÇÃO

Este trabalho é fruto da culminância de duas grandes paixões: a psicanálise e a música, ambas utilizando a abrangência do circuito pulsional de que nos fala Freud. Do inconsciente nada sabemos, somente temos acesso às suas formações que podemos saber algo a seu respeito. Segundo (FREUD, 1915, p.171), “Como devemos chegar a um conhecimento do inconsciente? Certamente, só o conhecemos como algo consciente, depois que ele sofreu transformação ou tradução para algo consciente”. De onde vem essa energia que nos move?

Conforme Jerusalinsky (2002) é realizada uma inscrição simbólica no sujeito, que vincula a pulsão ao âmbito do desejo e da demanda do Outro. Tornando o sujeito desejante através da falta instigada pela demanda que realiza um papel fundamental nesta inter-relação entre a pulsão, pela busca do esvaziamento e o desejo que será sempre insatisfeito, daí, originado da pulsão articulada à esfera do outro. Assim, podemos dizer que interpretamos a realidade psíquica a partir das experiências que vivemos.

A pulsão invocante, segundo Lacan (1988) nos revela um registro primitivo da sonoridade no psiquismo, que se constitui por meio do primeiro objeto com o qual a criança tem contato no mundo: o objeto voz. A pulsão invocante é a mais próxima à experiência do inconsciente, é porque ela perfaz as condições de sua incidência enquanto aquilo que pertence ao sujeito.

Didier-Weil (1997), psicanalista francês contemporâneo, talvez fora um dos poucos psicanalistas a exercitar uma conexão entre ambas. Vai além do ouvir a música, ele pontua uma questão de suma importância do que está incluso na musicalidade. De que magia a música tira esse poder de nos transportar? Ele aponta a ocorrência de uma emoção musical que nos invade como se fossem dois “estados de alma”, a felicidade e a nostalgia psíquica. Segundo ele a música é anterior à palavra e exprime uma linguagem universal.

A música abriga uma dimensão enigmática, no que se refere ao modo como toca os sujeitos, especialmente pelo seu registro sonoro-musical apresentarem-se como aquilo que está indizível. Tornando-se instigante para uma compreensão acerca das relações entre musicalidade e subjetividade, ou seja, música e inconsciente.

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Vivemos em um mundo musical, os sons estão presentes no nosso dia a dia, quer seja, em forma de música, como também em apenas algum barulho, podemos até mesmo afirmar poeticamente que a música está presente inclusive no cantar dos pássaros, no fechar de uma porta, na buzina de um automóvel, no balanço das folhas das árvores, como se dançassem embalados pelo vento. Esses e muitos outros significantes nos acompanham diariamente.

Essa é uma pesquisa bibliográfica que utiliza a psicanálise como corpo teórico conceitual para o tema proposto nesse trabalho. Nesta ligação entre ambos os termos, desenvolve-se no primeiro capítulo uma teorização sobre o inconsciente. Dando seqüência num breve estudo sobre as pulsões, que a partir dos seus destinos chegaremos à pulsão invocante. Já no segundo capítulo trata-se de apresentar a música nesta invocação ao sujeito, podendo ser vista como um ato significante e subjetivo. Sabendo que a música é uma arte, têm linguagem própria e é polissêmica através de suas organizações, tais como, sons, ritmos, melodias, silêncios, etc. Sendo dirigida ao outro sujeito através da escuta.

No ensejo desta paixão pela música no decorrer da experiência do ensino didático musical, despertado junto ao interesse de aprofundamento dos estudos, para entendimento pelo viés subjetivo da demanda humana. Corroborando a esta culminância instigante realizada nos estudos musicais e na psicanálise. Por menor que seja o interesse psicanalítico em relação à música, verificamos esta atribuição dada na arte em geral, no qual está englobada.

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10 CAPÍTULO I

PROCESSOS PSÍQUICOS NO ATO ARTISTÍCO

“A voz do inconsciente é sutil, mas ela não descansa até ser escutada”.

Sigmund Freud

Para entendermos alguns processos psíquicos envolvidos no ato artístico, no caso a música, é de suma importância pensar sobre alguns conceitos, entre eles o inconsciente e a pulsão. Inicialmente trabalharemos com o inconsciente descoberto por Freud e esboçado em vários escritos da sua obra. A publicação primaria sobre este termo está situada numa nota de rodapé no caso Frau Emmy Von N., livro escrito junto com Josef Breuer, sob o título “Estudos sobre a Histeria” (1893-1895).

Especialmente no caso da histeria, as palavras eram ouvidas e relacionadas aos sintomas somáticos que se apresentavam, como se aquilo que não sairia pela boca se manifestasse no corpo. O que se buscava, portanto, era que o paciente conseguisse chegar à origem do sintoma através da fala. Freud (1913) aponta:

A expressão fala deve ser entendida não apenas como significando a expressão do pensamento por palavras, mas incluindo a linguagem dos gestos e todos os outros métodos, por exemplo, a escrita, através dos quais a atividade mental pode ser expressa. Assim sendo, pode-se salientar que as interpretações feitas por psicanalistas são, antes de tudo, traduções de um método estranho de expressão para outro que nos é familiar. (FREUD, 1913, p. 179).

É verdade que do inconsciente nada sabemos, somente temos acesso às suas formações, ou seja, é através das formações do inconsciente (atos falhos, chistes, sintomas, sonhos, esquecimentos) que podemos saber algo a seu respeito. Segundo (FREUD, 1915, p.171), “Como devemos chegar a um conhecimento do inconsciente? Certamente, só o conhecemos como algo consciente, depois que ele sofreu transformação ou tradução para algo consciente”.

[...] em apoio da existência de um estado psíquico inconsciente, que, em um dado momento qualquer, o conteúdo da consciência é muito pequeno, de modo que a maior parte que chamamos consciente deve permanecer, por consideráveis períodos de tempo, em um estado de latência, isto é, deve

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estar psiquicamente inconsciente. Quando todas estas lembranças latentes são levadas em consideração, fica totalmente incompreensível que a existência do inconsciente possa ser negada. [...] A resposta óbvia é a de que uma lembrança latente é, pelo contrário, um resíduo inquestionável de um processo psíquico. (FREUD, 1914/1916 pp.172 e 173).

A partir disso surge o método da “associação livre”, no qual o paciente expõe livremente conforme o que lhe convém e surge em seu pensar, através da escuta feita pelo analista, chega-se a questões do inconsciente. Segundo Laplanche (2001):

“A associação livre seria um método que consiste em exprimir indiscriminadamente todos os pensamentos que ocorrem ao espírito, quer a partir de um elemento dado (palavra, número, imagem de um sonho, qualquer representação), quer de forma espontânea” (LAPLANCHE, 2001, p. 38).

Além da “associação livre” Freud também apresenta caminhos para chegarmos ao inconsciente em suas obras sobre a “Interpretação dos Sonhos” (1900), e no artigo da metapsicologia sobre “O Inconsciente” (1915), esclarecendo que um sonho poderá ter várias significações interpretativas. Cada elemento é uma representação e não se atribui conclusão definitiva sobre ou parte dele. Neste ponto convém ressaltar a importância em relação ao discurso do paciente, sugerindo que falassem mais de uma vez sobre seus sonhos, pois cada vez, o representavam de forma diferente. Deste modo o paciente poderá falar sobre afetos e pensamentos referente a este ato. Abrindo possibilidade de sentido e significação.

Segundo Roza (2009), o artigo da “metapsicologia” de Freud apresenta uma descrição minuciosa do processo psíquico, quando enfocado sob o ponto de vista de sua localização em instâncias (ponto de vista tópico), da distribuição dos investimentos (ponto de vista econômico) e do conflito das forças pulsionais (ponto de vista dinâmico). A metapsicologia traz modelos teóricos, princípios e conceitos fundamentais da clínica psicanalítica. Referem-se os pontos acima citados, considerado um método de abordagem no aparelho psíquico.

No entanto o modelo escopo do “aparelho psíquico” surge no “projeto” (1893-1895), conforme já relatamos, teorizada na primeira tópica, seu funcionamento foi composto por dois grandes sistemas consciente/pré consciente e Inconsciente. Sobre a localização em instâncias do ponto de vista topográfico Freud (1915), afirma

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que essa divisão não teria uma equivalência anatômica. Pois ela provoca efeitos no corpo do sujeito e localiza a atividade mental em alguma parte do aparelho:

“Nossa topografia psíquica, no momento, nada tem que ver com a anatomia; refere-se não a localidades anatômicas, mas a regiões do mecanismo mental, onde quer que estejam situados no corpo”. FREUD (1915, v.14, p.179).

Dando seqüência à distribuição dos investimentos, passamos agora ao ponto de vista econômico, que concerne essencialmente à quantidade, como circula e como é investida a energia pulsional na atividade psíquica, no sentido que investe e desinveste libido (energia) na representação. A Pulsão é um elemento quantitativo da economia psíquica. Constituídos pelas representações e pelos afetos, ambos ligados. O afeto indica a quantidade de uma carga emocional e também a quantidade do investimento da representação nesta carga. Freud (1915), diz que o investimento pode ser aumentado, diminuído, deslocado, descarregado e que se expande sobre as representações, a exemplo de uma carga elétrica na superfície dos corpos.

E ainda, do ponto de vista dinâmico, Freud (1915), explica os fenômenos mentais como resultado da interação e de contra ação de forças antagônicas (contrárias). Que examina não somente os fenômenos, mas também as forças que produzem. Um tipo especial de fenômeno mental são as “pulsões” que forçam no sentido de descarga, como uma energia que urge e precisa ser descarregada. Sua tendência é de baixar o nível de tensão através da descarga de forma imediata, quando isto não ocorre através das forças, a energia consome-se em luta interna, o que manifesta clinicamente sinais de exaustão sem produção de trabalho notório. Separados por uma barreira (censura), que através do mecanismo de recalque1 mantém ou expulsa o que não é aceito. Ou seja, há uma censura que dita o que pode e o que não pode visitar o consciente. Então, quando a causa do desprazer se torna mais poderosa do que a produção de satisfação pulsional, se recalca. Como resultados destes conflitos2 surgem os sintomas, esquecimentos, lapsos, chistes e sonhos.

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É um dos conceitos fundamentais da psicanálise, tendo sido desenvolvido por Sigmund Freud. Denota um mecanismo mental de defesa contra idéias que sejam incompatíveis com o eu.

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Nas características especiais do aparelho psíquico, no artigo metapsicológico, sobre “O Inconsciente” (Freud, 1915), fala sobre o núcleo do inconsciente com representações pulsionais que procuram descarregar suas catexias (energia libidinal), isto é, consiste em impulsos carregados de desejo. Quando barrado pela censura, passará pelo mecanismo do recalque, que mantém ou expulsa o que não é aceito no consciente.

Passando agora para um relato das descobertas positivas da psicanálise, podemos dizer que, em geral, um ato psíquico passa por duas fases quanto a seu estado, entre as quais se interpõe uma espécie de teste (censura). Na primeira fase, o ato psíquico é inconsciente e pertence ao sistema inconsciente; se, no teste, for rejeitado pela censura, não terá permissão para passar à segunda fase; diz-se então que foi reprimido, devendo permanecer inconsciente. Se, porém, passar por esse teste, entrará na segunda fase e, subseqüentemente, pertencerá ao segundo sistema, que chamaremos de sistema consciente. Mas o fato de pertencer a esse sistema ainda não determina de modo inequívoco sua relação com a consciência. Ainda não é consciente, embora, certamente, seja capaz de se tornar consciente, isto é, pode agora, sob certas condições, tornar-se um objeto da consciência sem qualquer resistência especial. (Freud, 1915b, p. 178).

No entanto, o recalque impede que esses conteúdos acessem o consciente, e a forma com que eles irrompem é sob os mecanismos: deslocamento e condensação, ou seja, eles se apresentam à consciência de outra forma. Esses impulsos inconscientes “são coordenados entre si, existem lado a lado sem se influenciarem mutuamente, e estão isentos de contradição mútua” (FREUD, 1915b, p. 191). No processo de deslocamento ocorre uma distorção do desejo do sonho, existente no inconsciente. Como uma defesa contra o desejo. Conforme consta no dicionário da Psicanálise (1998):

Pelo processo de deslocamento que é o processo psíquico inconsciente, teorizado por Sigmund Freud (1915), sobretudo no contexto da análise do sonho. Dá-se por meio de um deslizamento associativo, transformam elementos primordiais de um conteúdo latente em detalhes secundários de um conteúdo manifesto, ou seja, uma idéia pode ceder à outra toda a sua cota de catexia (ROUDINESCO, Elisabeth; 1998 p.148).

No trabalho de condensação, por sua vez, pode ser similar a uma substituição do significante, através das vias associativas, um elemento do sonho é levado a vários pensamentos do sonho. Conforme consta no dicionário da Psicanálise (1998):

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14 Pelo processo de condensação, termo empregado por Sigmund Freud (1915) para designar um dos principais mecanismos do funcionamento do inconsciente. “A condensação efetua a fusão de diversas idéias do pensamento inconsciente, em especial no sonho, para desembocar numa única imagem no conteúdo manifesto, consciente, ou seja, pode apropriar-se de toda a catexia de várias outras idéias” (ROUDINESCO, 1998 p. 125).

Conforme Jerusalinsky (2002) é realizada uma inscrição simbólica no sujeito, que vincula a pulsão ao âmbito do desejo e da demanda do Outro. No entanto, as marcas mnêmicas3 inscritas nas significações de seus desejos pulsionais. A demanda desempenha um papel fundamental na inter-relação entre a pulsão que busca esvaziar-se e o desejo que será sempre insatisfeito, mas mesmo insatisfeito ele está presente e origina-se da pulsão articulada à esfera do Outro.

O desenvolvimento humano, sob o olhar evolutivo, é considerado contínuo e sucede no tempo certo e no meio propício. Tornando o sujeito desejante através da falta instigada pela demanda que realiza um papel fundamental nesta inter-relação entre a pulsão, pela busca do esvaziamento e o desejo que será sempre insatisfeito, daí, originado da pulsão articulada à esfera do outro. Assim, podemos dizer que interpretamos a realidade psíquica a partir das experiências que vivemos. Essas marcas vão se inscrevendo no sujeito, na sua história, na vida e nas experiências que vivencia. Como se fosse um arco:

O circuito pulsional se descreve como um arco, pois como aponta Freud, a meta da pulsão é a satisfação que só pode ser alcançada cancelando o estado de estimulação na fonte da pulsão. Assim a pulsão parte da zona erógena (que é a sua fonte) e a ela retorna (para nela suprimir o estado de excitação), sem nunca conseguir uma satisfação completa. (JERUSALINSK, 2002, p.146).

No artigo “O inconsciente” (1915), Freud afirma que uma pulsão nunca pode tornar-se objeto da consciência e que no inconsciente ela é sempre representada por uma ideia ou por um afeto. Portanto a pulsão, que nos move ou nos paralisa, é ela quem dita o que será vivenciado com prazer ou desprazer. Ela não ocorre apenas no corpo, e sim em tudo o que cerca o sujeito, nele mesmo e ainda na posição dele frente ao outro. Torna o sujeito desejante em busca de seus desejos e escolhas. A pulsão é como uma força motriz do comportamento humano, sendo a pulsão representada por uma idéia ou um afeto. Neste ideativo que a constitui,

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Experiência de satisfação que produz inscrição. Traço mnêmico. Que é a imagem sensorial do objeto responsável por causar satisfação.

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propriamente, está o conteúdo do inconsciente que incide o processo de recalcamento. Em relação ao afeto é a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional. O afeto e o representante ideativo são independentes. Segundo Garcia Roza (2009):

O que podemos verificar a partir dessas definições é que o artigo “As pulsões e seus destinos” trata não dos destinos da pulsão, mas dos destinos do representante ideativo da pulsão. Não se trata nem dos destinos dos representantes psíquicos, o que incluiria o afeto, pois, se bem que o afeto sofre transformações decorrentes do recalcamento, ele não pode ser, enquanto afeto recalcado. Não se pode falar em “afeto inconsciente”; o que pode pertencer ao inconsciente é o representante ideativo ao qual um afeto estava ligado, mas o afeto propriamente dito pertence necessariamente ao sistema pré-consciente. Assim sendo, a reversão ao seu oposto, o retorno em direção ao próprio eu, o recalcamento e a sublimação são destinos do representante ideativo da pulsão. É evidente que essas vicissitudes da representação atingem o afeto, mas este, ao ser atingido, sofrerá destinos diferentes. Para não transformar esta exposição numa análise pedante da terminologia psicanalítica, continuarei a empregar o termo “pulsão” no lugar do termo “representante ideativo da pulsão”, que seria o mais correto, mas, para evitar confusões futuras quanto aos destinos do representante ideativo e os destinos do afeto, convêm termos em mente a distinção feita acima. (ROZA, 2009, p. 127).

Ao conceito de pulsão segundo Freud (1915), estão ligados alguns termos como: pressão (a essência da pulsão); meta (a satisfação); objeto (ligado a pulsão, é variável, pode ser parte do próprio corpo, um único objeto pode servir de satisfação para várias e diferentes pulsões; e a fonte é da ordem somática e podemos deduzir a fonte a partir da meta. Vejamos:

Por pressão de uma pulsão entendemos seu fator motor, a soma da força ou a medida de exigência de trabalho que ela representa... A meta de uma pulsão é sempre a satisfação, que só pode ser obtida quando o estado de estimulação presente na fonte pulsional é suspenso... O objeto da pulsão é aquilo em que, ou por meio de que, a pulsão pode alcançar sua meta... Por fonte da pulsão entendemos o processo somático que ocorre em um órgão ou em uma parte do corpo e do qual se origina um estímulo representado na vida psíquica pela pulsão. (FREUD, 1915, p.148-149).

Para Freud (1915), em suas primeiras teorizações, a variedade de pulsões deriva de dois conjuntos de pulsões originais: as pulsões sexuais e as pulsões do Eu (autoconservação). As pulsões sexuais servem-se das pulsões do Eu para a busca de satisfação. As pulsões do Eu (autoconservação) indicam que estão vinculadas a conservação da vida, as necessidades corporais, como buscar alimento ou se

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16 A diferença básica entre os dois tipos de pulsões é que elas se encontram sob o predomínio de diferentes princípios de funcionamento: como a pulsão do ego só pode satisfazer-se com um objeto real, o princípio que rege seu funcionamento é o princípio de realidade, enquanto as pulsões sexuais, podendo “satisfazer-se” com objetos fantasmáticos, encontram-se sob o predomínio do princípio de prazer (GARCIA ROZA, 2009, p. 124).

Se tratando do desenvolvimento destas pulsões, existe nelas uma coexistência de dois sentimentos contrários que andam juntos, pois toda a vida psíquica é dominada por três polaridades, ou seja, a oposição entre: Sujeito (Eu) – Objeto (exterior); Prazer – Desprazer; Ativo – Passivo. Segundo Freud (1915), o sujeito desde o seu início de sua vida estará se havendo com estas polaridades, agirá ativo ou passivamente de acordo o estímulo interno ou externo recebido. Acrescenta:

Na medida em que é auto-erótico, o Eu não necessita do mundo externo. Entretanto, devido às experiências das pulsões de autoconservação. O Eu passa a receber objetos do mundo externo. Por outro lado, também não pode evitar, por um tempo, perceber as moções pulsionais internas como desprazerosas. Assim, sob o domínio do princípio do prazer, ocorrerá nele agora outro desenvolvimento. Na medida em que os objetos externos oferecidos sejam fonte de prazer, eles são recolhidos pelo Eu, que os introjeta em si e, inversamente tudo aquilo que em seu próprio interior seja motivo de desprazer o Eu expele de si (FREUD, 1915, p.158).

Freud (1920), em “Mais além do princípio do prazer” apresenta dois grupos de pulsões em sua nova denominação: a pulsão de vida e a pulsão de morte. A pulsão de morte molda o retorno ao estado primitivo. Sendo que a pulsão de vida tem sua força motriz em gerar a vida, é também sexual. Além de desenvolver uma ligação orgânica, mantém a vida e as relações amorosas. Entretanto Freud (1920) formula não haver diferença de qualidade entre essas pulsões. As pulsões de vida são numerosas e ruidosas enquanto que a pulsão de morte é silenciosa. A partir disto:

À luz de nossa nova hipótese sobre a pulsão de morte, veremos que o papel dessas pulsões causará certo estranhamento. Afinal, ao postularmos para todo o ser vivo a existência das pulsões de autoconservação, colocamo-nos em flagrante oposição ao pressuposto de que o conjunto da vida pulsional visa conduzir a morte. À luz desta hipótese sobre a morte, desaparece a importância teórica, tanto das pulsões de autoconservação como das pulsões de apoderamento e de autoafirmação. Diremos então que todas elas são apenas pulsões parciais, cuja função é assegurar ao organismo seu próprio caminho para a morte e afastá-lo de qualquer

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possibilidade, que não seja imanente a ele mesmo, de retornar ao inorgânico (FREUD, 1920, p.162).

O psiquismo é regulado pelo princípio de prazer, postulando que suas atividades buscam a obtenção de prazer e o afastamento do desprazer. A energia psíquica tende a escoar mais livremente. E ainda pelo princípio de realidade, dar-se-iam alguns addar-se-iamentos e desvios para a satisfação de desejos. Ou seja, pelas sensações de desprazer e prazer, relacionadas ao aumento do estímulo (desprazer) e a sua diminuição (prazer). Freud (1915) define a pulsão como sendo um representante psíquico e não como tendo um representante. Suas características advêm de estímulos internos, sua manifestação é constante, sendo assim não se pode evitá-la:

“Por pulsão podemos entender, a princípio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por excitações isoladas vindo de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico. A hipótese mais simples e mais indicada sobre a natureza da pulsão seria que, em si mesma, ela não possui qualidade alguma, devendo apenas ser considerada como uma medida da exigência de trabalho feita à vida anímica. O que distingue as pulsões entre si e as dota de propriedades específicas é a sua relação com as fontes somáticas e seus alvos. A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato consistem na supressão desse estímulo orgânico (FREUD, 1915, p.159).

No entanto Freud (1920) apresenta a pulsão de morte visando o retorno ao estado original, suaviza e mantém estável a tensão interna advinda de estímulos tanto internos quanto externos.

Nós denominamos grupo das pulsões sexuais o conjunto de todas aquelas pulsões que zelam pelos destinos desses organismos elementares sobreviventes e que emanam do ser individual. São elas que cuidam para que esses organismos se mantenham em segurança quando estão à mercê dos estímulos do mundo externo; propiciam seu encontro com outras células germinativas, etc. Esse grupo de pulsões é tão conservador quanto às outras pulsões, pois visam à volta a estados arcaicos da substancia viva; mas, de outro ponto de vista, elas são ainda mais conservadoras, já que se mostram particularmente resistentes às forças externas. Além disso, também são conservadoras em um sentido bem mais amplo, na medida em que preservam a vida por períodos mais longos. São elas as verdadeiras pulsões de vida (FREUD, 1920, p.163).

Freud (1920) relata sobre a pulsão de vida, que ela é sexual, de força propulsora para gerar a vida, adicionando uma ligação não somente orgânica, mas

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quem dita o que será vivenciado como prazer ou desprazer pelo sujeito, em suma o que nos move. Ela se inscreve na ordem de uma necessidade, tais como: a fome, a sede, o sono, etc. E sim na ordem do desejo, este que é proveniente na ordem da falta. Esta é originada por estímulos internos e não tem como fugir.

Convém ressaltar que entre as pulsões postuladas por Freud já trabalhadas, Lacan (1988), acrescenta outras duas: a escópica e a invocante. Cada pulsão tem um objeto, denominado por Lacan de objeto a, objeto protegido na dinâmica intrapsíquica que será aplicado um “brilho fálico”, capaz de interpretar o objeto que supostamente irá amenizar a falta. No entanto, este objeto é causa de desejo por não “costurar” a falta. Para a pulsão oral, o objeto será o seio, e a zona erógena, a boca; para a anal, o objeto será as fezes, e a zona erógena será o ânus; para a pulsão escópica, o objeto será o olhar, e a zona erógena, o olho; e, para a pulsão invocante, a voz será o objeto, e o ouvido sua zona erógena.

Segundo Lacan, (1988, p. 184): “Os ouvidos são, no campo do inconsciente, o único orifício que não se pode fechar”. A pulsão invocante pode ser entendida através de um impulso que se direciona a um significante possuidor do inaudito (admirável) que transcende todo o significado. O primeiro significante de invocação é marcado no corpo do bebê com a voz materna. Esta voz fará com que o bebê produza algum gesto. A música da voz materna é o que há de indizível na fala. Então, a pulsão invocante não está no que diz e sim, no afeto que se transmite. Este corpo pulsional necessita de estímulos externos, constante a pressão, busca e satisfação.

Segundo Azevedo (2007), a voz do Outro, revestida pela musicalidade da voz materna, terá uma aplicação direta no corpo do bebê, aquilo que chega aos ouvidos, fará borda e marcará todo o tempo do pequeno ser, invocando-o a advir como sujeito da fala. A voz materna apresenta-se, assim, como um tempo inicial de marcação do sujeito. É de suma importância ressaltar que é através da voz que o sujeito se constitui, um exemplo claro está na voz materna em seus primeiros cuidados ao nascer. A mãe e demais adultos que cuidam do bebê, lhe dirigem a fala de modo diferenciado, suavizando consoantes, quase de forma cantada, acompanhada de movimentos mais delicados, olhar atento, expressões faciais acentuadas, fazendo desta forma a aproximação dos dois corpos. Dentre as demais sonoridades que cercam o bebê, é à voz que este primeiro atende, distingue e

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reconhece. Assim, a voz permite um laço entre o sujeito e o Outro operando como primeiro organizador do psiquismo.

Portanto, a pulsão invocante é a mais próxima à experiência do inconsciente, é porque ela perfaz as condições de sua incidência enquanto aquilo que pertence ao sujeito. Daremos seqüência ao próximo capítulo percorrendo o caminho da pulsão invocante através do que nos faz ouvir a música. Didier-Weill (1997), afirma que a música remete ao tempo primordial em que o sujeito, antes de receber a palavra recebe uma base, uma raiz, um som. Sobre esse som ele poderá, em segundo lugar, fazer germinar a palavra.

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20 CAPÍTULO II

O que escutamos quando ouvimos música?

O objetivo do presente capítulo é poder trabalhar a relação entre o inconsciente, a pulsão invocante, descritos no capítulo anterior com o ato de ouvir a música, ocupando-se da frase citada por Beethoven apud Massin (1997, p. 64), “No mundo da arte, como em tudo que diz respeito à criação, o objetivo é a liberdade e a força de ir sempre mais além”.

Quando nos referimos à música falamos além de uma expressão artística, podemos dizer que é uma forma de linguagem do qual se aproxima da psicanálise, e revela nuances do inconsciente. É também uma ferramenta para o entendimento da estrutura do psiquismo, bem como pode servir para a interpretação musical, seu simbolismo e efeito no psiquismo. Podemos dizer que são poucos autores que falam desta possível ligação entre ambas. A música revela ao ouvinte um enigma que invoca o inefável. Ou seja, algo que lhe causa imenso prazer ou desprazer. Que a partir de cada escuta pode ser interpretada de uma nova maneira. Um fazer possível que poetiza o impossível. Neste sentido Strauss (1977), aponta que:

A escuta musical traz algum sentido ao ouvinte, através dela podemos relembrar, por exemplo, uma música que na infância nos proporcionava um determinado medo. Afirma que “a palavra substitui a coisa, mas já os sons não se caracterizam como a expressão da coisa porque eles são a própria coisa” (LÉVI-STRAUSS, 1977, p.87).

No entanto, nas palavras do autor Strauss (1977), pode afirmar o quanto à música está presente na vida das pessoas, podendo proporcionar momentos de prazer ou desprazer, conforme a subjetividade de cada sujeito. Revelando recordações, em nível de registros tornando através de significantes que foram proporcionados através dos sons de determinada melodia musical.

Didier-Weil (1997), vai além do ouvir a música, ele pontua uma questão de suma importância do que está incluso na musicalidade. De que magia a música tira esse poder de nos transportar. Ele aponta a ocorrência de uma emoção musical que nos invade como se fossem dois “estados de alma”, a felicidade e a nostalgia psíquica. Desse gozo4 nostálgico:

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(...) observem por enquanto, que a nota de música que em nós acertará na mosca e desenvolverá o estado de gozo será, sem jamais ser monótona, sempre a mesma, no sentido em que será disparada tanto de uma simples cantiga, quanto ao piano de Mozart ou do sax de Lester Young (...) a Nota Azul, da qual estabelecemos como uma das características estruturais o fato de que é para o inconsciente, sempre a mesma, deva ser articulada com aquilo que ocorre na repetição. Ela conjuga o paradoxo de produzir um efeito que, por mais estritamente idêntico a si mesmo que seja não se impõe por nenhum caráter coercitivo da repetição (DIDIER-WEIL, 1997, p.58).

Didier-Weil (1997) faz uma comparação como se a “Nota Azul”5 tivesse o poder de uma chave, abrindo para o efeito de todos os outros significantes, sendo ela simbolizante. Esses significantes, através da nota azul, começam a falar conosco e ter sentido, trazendo cadeias significantes no inconsciente. Segundo o autor:

Esta Nota Azul nos evoca, é claro, o que está em jogo no amor: se para o apaixonado o mundo inteiro, a menor folha tremendo, o menor reflexo, começam a fazer sentido, é porque há em algum lugar para ele um amado cujo poder simbolizante, poder de criar um verdadeiro desencadeamento da cadeia inconsciente, está ligado, a Nota Azul, ao fato de poder marcar pelo apelo o limite absoluto do sentido e de invocar a dimensão do mais-além do sentido (DIDIER-WEIL, 1997, pp. 61- 62).

Didier-Weil (1997) assinala que na música há a questão do gozo (prazer) e que este gozo diz algo sobre a realização da demanda com o Outro. Podemos afirmar que este gozar diz respeito à satisfação direta de uma pulsão. Uma sensação boa ou ruim de onde o ouvinte goza. Nesse contexto acima citado Lacan (1960) afirma:

O problema do gozo, visto que ele se encontra como soterrado num campo central, com aspectos de inacessibilidade, de obscuridades e opacidade, num campo cingido por uma barreira que torna o seu acesso mais do que difícil para o sujeito, inacessível, talvez, uma vez que o gozo se apresenta não pura e simplesmente como a satisfação de uma necessidade, mas como a satisfação de uma pulsão, no sentido que este termo necessita da elaboração complexa que tento aqui articular para vocês (LACAN, 1960, p. 251).

A respeito do gozo através da música podemos utilizar a afirmação de Didier-Weil (1997), como se a música tivesse o poder de pergunta e resposta, pois revela questões referentes ao sujeito, no qual está inserido este fazer musical, desenvolvendo uma cadeia de significações, em nível de lembranças sonoras.

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22 Quero dizer que se a música (...) faz efeito em nós como ouvintes, penso que se pode dizer que é porque em algum lugar, como ouvintes, tudo se passa como se ela nos trouxesse uma resposta. Agora começa o problema com o fato de que esta reposta faz surgir em nós à antecedência de uma questão que nos habitava como o Outro, como ouvinte que nos habitava sem que soubéssemos. Descobrimos, portanto, que há aí em algum lugar um sujeito que teria ouvido uma questão que está em nós e que, não apenas a teria ouvido, mas teria sido inspirado por ela, uma vez que a música, a produção do sujeito “musicante”, se vocês quiserem, seria a resposta a esta pergunta que nos habitaria (DIDIER-WEIL, 1997, pp.88-89).

Conforme Sekeff, (2009, p. 93), assim como as palavras produzem um discurso, em lugares e tempos diferentes, “a música também estima uma produção, por sua vez, os sons que produzem ressonâncias, associações, assimilações, recordações, etc, porque no inconsciente nada é encerrado”:

Na ordem do simbólico, tanto quanto o “signo imaginário” que insiste na simbolização, o inconsciente comparece no indizível da música, como na relação que se estabelece entre a escuta e o receptor, sem, no entanto patentear qualquer significado fora de si (SEKEFF, 2009, p.93).

No universo musical, segundo Sekeff (2009) a música é som, silêncio e escuta. São propriedades musicais que tornam a interioridade do objeto em sua função inteligível a si mesma. Tecnicamente falando:

[...] é a sucessão de sons convergindo para um determinado ponto de repouso. Sustentada numa sintaxe de semântica autônoma ela envolve cadeias signícas e operações “assemelhadas” à condensação, deslocamento, figurabilidade, duplo sentido (modos de funcionamento dos processos inconscientes), operações que são elaboradas racionais, técnica e poeticamente, gerando formas que induzem ao receptor movimento afetivo correspondentes. A música mexe com nosso tempo, espaço e movimento psíquicos, mas sem nunca dizer, nunca conceituar, nunca descrever. Assentada a cultura e na individualidade do músico ela envolve dimensões históricas, sociais, ideológicas, tanto quanto sistemas culturais, individuais, biológicos, psíquicos e psicológicos. [...] música é alteridade e autonomia (SEKEFF, 2009, pp.94 e 95).

O inconsciente é constituído por desfilamentos, que deslizam sem cessar, não se detendo em significados comuns, mas a determinados, que têm um valor muito especial para o sujeito. Na música são inúmeras as letras e melodias de canções que ressaltam essa importância, na superação de momentos difíceis, tal como, ouvir música parece ser sempre uma boa solução para aliviar sofrimentos.

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Mas ela pode também despertar lembranças adormecidas. Através de registros subjetivos que poderão emergir através desta escuta. Freud (1915) comparava a mente humana a um iceberg do qual apenas uma pequena parte está visível; a maior parte está submersa e, portanto, oculta como o inconsciente.

Segundo Sekeff (2007) a música na sua identidade (gênero, estilo e forma) se torna capaz de induzir movimentos e estimular associações de estados psíquicos. A música traz sempre uma lacuna que é preenchida pelo imaginário do receptor/ouvinte. Evidente que essa experiência musical é subjetiva para cada ouvinte e deve também sofrer modificações de uma escuta para outra. Os estilos musicais diversos podem afetar as pessoas de formas distintas. Essa é uma das razões que justificam o olhar da psicanálise sobre os manejos musicais. Talvez a ideia de tomar as conexões psíquicas mobilizadas pela música remeta a um horizonte de criação que incide sobre a nossa memória mais primordial, considerada polissêmica, pois permite múltiplas leituras e interpretações. Essas características psicológicas da música, em sua aconceitualidade, são suficientes para garantir a singularidade da vivência musical:

[...] a música tem como característica primordial a aconceitualidade, pois mesmo dotada de sentido, uma vez que significantes são articulados na sua construção e realização, não é dotada de significação. Refere-se a nada, a não ser a si mesma e que não tenha referente. Já quando marcada pela ambigüidade, a música é uma linguagem polissêmica, permitindo múltiplas leituras e interpretações. Esta é uma característica que propicia ao ouvinte a sua singularidade de sua experiência e vivência musical (SEKEFF, 2007, pp.31-33).

A música permeada pelos costumes de diversas culturas parece comunicar-se diretamente com o inconsciente emocional. Quanto ao prazer musical podemos enfatizar o papel das emoções, segundo Kohut e Levarie (1950):

Sendo um fenômeno psicológico complexo, o prazer de ouvir música deveria atestar a participação da personalidade total. O que continua obscuro é algo mais específico: é uma explicação do mecanismo da produção de prazer no ouvinte, levando em conta a universalidade essencial dessa experiência bem como a explicação das circunstâncias que podem impedir que a experiência seja agradável. (KOHUT E LEVARIE, 1950, p.65).

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Fica evidente e notória a participação desses autores, não pelo criar a música e sim, pela audição e, por esta razão, abstém-se das origens como fenômeno biológico, social ou psicológico do artista:

Não há dúvida quanto a que o precursor primitivo do impulso a criar música esteve presente na história da raça desde muito tempo antes que o ouvinte não criativo se tornasse importante. Na medida em que a música se desenvolve e se torna parte integrante de uma cultura, a importância desse ouvinte não-criativo aumenta. Esse desenvolvimento por sua vez influencia a composição musical, pois o artista criativo, ainda que esteja seguindo necessidades internas de expressão, sabe que está compondo para uma audiência, por mais que possa negá-lo (KOHUT E LEVARIE, 1950, p.66).

Os autores abordam, também, aspectos do prazer relacionados com a música, a identificação e estímulos em relação ao autor ou ao ouvinte. No qual o sujeito pode experimentar o prazer quando a tensão psicológica é aliviada ou antecipada. Trata-se de uma pulsão (energia) liberada aos estímulos musicais. Neste sentido afirmam:

Se a fonte de prazer musical se origina da energia liberada, se esta liberação de energia é possibilitada pela demonstração de que a necessidade é desnecessária; e, finalmente, se a ansiedade se torna desnecessária por causa da inteligibilidade dos aspectos formais da música. Pode-se perguntar: por que estas considerações não se aplicam igualmente a todos os sons inteligíveis? E por que então nem todos os sons inteligíveis despertam prazer como a música? A resposta é que há diferenças quantitativas entre os efeitos psicológicos da música e a significação psicológica de outros sons inteligíveis (KOHUT E LEVARIE, 1950, p.74).

No entanto, a música nos acompanha desde muito cedo, como uma espécie de trilha sonora da nossa existência, podendo marcar um acontecimento específico de nossas vidas. Desde um nana neném; brincadeiras de roda; Hino Nacional; momentos de tristeza ou de muita euforia; um amor; etc. Lembra neste escopo efêmero que os efeitos psicológicos da música e suas significações são de ordem subjetiva.

“Embora o psicanalista não seja um artista nem o artista seja um psicanalista, ambos compartilham de um lugar comum, lugar psíquico de constituição de subjetividade”. (Sekeff, 2009, p.148). O lugar de escuta, que pressupõe a necessidade de algum outro que escute, silencie e que interprete. Tanto na psicanálise, quanto na música, podemos dizer que existem seus próprios princípios, objetivos e finalidades. Infiltradas no inconsciente permitindo uma

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aproximação, por hora na escuta analítica está presente a leitura de estados afetivos, no caso da música a possibilidade de reconstrução afetiva. Ambas interligadas pela escuta.

Ao que acrescento mais um trecho, que se pode pensar em uma continuidade de escrita num futuro trabalho desta ordem. Menciono o termo: “O Efeito Mozart” usado para fazer referência aos poderes de transformação da música na saúde, educação e bem-estar. Representado de uma maneira genérica, o uso da música para reduzir o estresse, a dor, a depressão e a ansiedade; induzir o relaxamento e o sono; restaurar o corpo; melhorar a memória e o estado de alerta. Trata-se de uma pesquisa com a música de Mozart, na França nos idos de 1950, época em que o Dr.Alfred Tomatis iniciou as suas experiências de estimulação auditiva em crianças com problemas de audição e comunicação. Nessa época já havia muitos centros de pesquisas espalhados pelo mundo todo que usavam as músicas de alta freqüência de Mozart, especialmente os concertos para violino e as sinfonias, para ajudar crianças com dislexia, problemas de fala e autismo. A Universidade da Califórnia, Irvine, começou suas experiências nessa área em 1950, relacionando a música do compositor com a inteligência espacial. Em 2001 os ingleses começaram a estudar o efeito das obras nos epiléticos.

Finalmente, penso que a psicanálise como prática invocante pode musicar a vida com questões que dizem respeito a essa condição, uma vez que cada um se sente afetado pela música por uma vertente muito singular. Ou seja, é tudo muito subjetivo através de seus registros e significantes. O que talvez possa ser generalizado é o fato de que somos expostos a estímulos musicais capazes de, em algum momento, abrir contato com nossa vida psíquica. Pois o corpo se contrai quando tenta se proteger de sons irritantes ou desagradáveis e relaxa com sons harmoniosos. Ambas as freqüências guiadas por uma antena receptora, a escuta, podendo apresentar uma linguagem musical ou Psicanalítica.

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26 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Não basta ter orelhas, é preciso escutar”. Desconhecido

Após esta instigante viagem literária sobre o inconsciente e a música, chegou-se a uma tentativa de entendimento entre ambas. Nesta culminância podemos concluir que, o inconsciente como a música são linguagens e emoções que retém memórias que afetam as nossas atitudes. A arte é um caminho para processar o método psicanalítico, poderíamos dizer então que neste processar, encontramos também a associação livre das idéias. A música é uma forma de linguagem, que envolve a dimensão do indizível (admirável). A criação artística tem suas leis e liberdades de organização, podemos então comparar à estrutura dos processos psíquicos, tanto para quem escreve (compõe) ou para quem a ouve (escuta) ou a executa (interpretação sonora e repetição). A repetição se faz presente e necessária, para que se fixem letras e melodias.

Desse modo, ao tratarmos da pulsão pensamos em uma produção artística, colocando em cena a pulsão invocante como possibilidade de resposta ao desejo do Outro. Se tratando da música nos levando aos mais variados sentidos subjetivos. Talvez pudéssemos ter aprofundado ainda mais sobre o que Didier-Weil (1997) quando aborda sobre a Nota Azul, exatamente porque é esta dimensão amorosa que a música produz: a música como resposta ao Outro, como uma resposta amorosa ao Outro.

Portanto, pensamos que entre a música e o inconsciente, apesar da estranheza e perplexidade que provocam, delimitam um domínio discursivo, outras possibilidades, outras formas de linguagem. Nos efeitos da sonoridade e do silêncio na vivência musical e psicanalítica, pois ambas se “entrecruzam” na questão peculiar, a escuta. Ouvir música na clínica psicanalítica é escutar as modulações da voz e o ritmo da fala do paciente. Não apenas escutando o que ele diz e sim o que está faltante e oculto nas “entre linhas”.

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A dificuldade de escrever sobre música e psicanálise reside no fato de que sua linguagem é polissêmica e de difícil compreensão. A música produz significações de acordo à subjetividade de cada sujeito, já na psicanálise o discurso produz essas significações. Quantos anos são necessários para formar um músico, ou para formar um psicanalista? Independentemente da resposta, o prazer da escuta musical, ou analítica, talvez seja muito parecido. O prazer de ouvir poderia estar atrelado a algum disparador psicológico e emocional datando dos primeiros contatos com a voz materna onde as primeiras canções sonoras revelam invocações sobre o sujeito.

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28 REFERÊNCIAS

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psicanálise – Campo dos Goyatazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense

Darcy Ribeiro, 2007.

Disponível em: <http://pgcl.uenf.br/2013/pdf/COGNICAO_6587_1241705631.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2016.

DIDIER-WEILL, A. Nota Azul: Freud, Lacan e a arte. Rio de Janeiro: Contra Capa livraria limitada, 1997.

______. A nota azul: Freud, Lacan e a Arte. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 1997.

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http://www.concertino.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1133: efeito-mozart-mozart-e-nossas-ondas-cerebrais

Acesso em 10 de dezembro de 2016.

FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos 1900. Volume IV e V. Edição Standard Brasileira Das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imago Editora, Rio De Janeiro.

______. Além do princípio de prazer [1920]; In: Escritos sobre a Psicologia do Inconsciente. Vol II Rio de Janeiro: Imago, 2004.

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GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo, 1936 - Freud e o inconsciente / Luiz Alfredo Garcia Roza.– 24.ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

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Referências

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