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A vez do irão. texto de Luís Leiria

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Academic year: 2021

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texto de Luís Leiria

O Irão está agora na mira da máquina de guerra norte-americana. Acusação: o país dos aiatolas estaria a desenvolver armas nucleares. Os factos não confirmam, mas isso pouco importa ao guião de guerra que já está em marcha

Durante uma conferência de imprensa na Casa Branca, em 18 de Abril passado, jornalistas perguntaram a George W. Bush se, quando falava do Irão e dizia que todas opções estão sobre a mesa, incluía nelas um ataque nuclear. A resposta de Bush foi a de que "todas as opções estão sobre a mesa."

Apesar das dificuldades que o Conselho de Segurança da ONU tem encontrado para chegar a um acordo em relação ao dossier Irão, as engrenagens da máquina de guerra norte-americana já começaram a girar. Não se trata só de ameaças verbais. De acordo com o jornalista Seymour Hersh - famoso, entre outras coisas, pela denúncia do massacre de My Lai na guerra do Vietname e das torturas de Abu Graib no Iraque -, os EUA já infiltraram no Irão unidades de combate e reconhecimento, responsáveis por fazer uma lista de alvos e entrar em contacto, no terreno, com forças

antigovernamentais. Foi o próprio Hersh que denunciou que a Força Aérea norte-americana encara a possibilidade de usar armas nucleares tácticas para atingir instalações subterrâneas iranianas.

A administração Bush está a seguir o mesmo guião com que encenou a invasão do Iraque há três anos: o

vice-presidente discursa sobre a ameaça aos EUA vinda de um país rico em petróleo no Médio Oriente; a secretária de Estado diz ao Congresso que esse país é o maior desafio global aos EUA; o secretário da Defesa acusa esse país de ser o principal apoio do terrorismo; o presidente aponta-o como autor de ataques a tropas norte-americanas no Iraque. Para o embaixador dos EUA na ONU, John Bolton, "a ameaça é um novo 11 de Setembro, desta vez com armas nucleares".

Mas, afinal, o que torna subitamente o Irão o número 1 a abater na lista do "Eixo do Mal"? Que crime cometeu para que Bush admita usar armas nucleares? O Irão estaria a construir armas nucleares. Mas que dados levam a Casa Branca a acenar esse espantalho? Tal como ocorreu no caso do Iraque, não há qualquer facto que leve a essa conclusão. Mas a verdade é irrelevante, o que é necessário é o pretexto.

Os factos

Os elementos do dossier nuclear do Irão são claros: o país está a desenvolver tecnologia nuclear para fins pacíficos, ao abrigo de todas as exigências do Tratado de Não Proliferação Nuclear. O tratado não proíbe o enriquecimento de urânio para fins pacíficos. Pelo contrário, considera um " -direito inalienável - a investigação, a produção e o uso de energia nuclear para fins pacíficos" (ver destaque). Mais, como demonstração de boa vontade, o Irão já suspendeu

voluntariamente, por um período de tempo, o enriquecimento de urânio, embora nada o obrigasse a isso (ver cronologia).

A própria Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) reconheceu, depois de três anos de fiscalizações intensivas, que não há no Irão recursos ou materiais nucleares declarados que tenham sido usados no desenvolvimento de um programa de armamento nuclear.

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Diante deste facto, diz-nos a administração Bush que o Irão deve provar que não tem um programa militar atómico oculto. É a lógica kafkiana da inversão do ónus da prova. Se o que se sabe não serve de prova, exige-se a prova do que não se sabe. Mais uma vez se repete aqui o guião já aplicado com as supostas armas de destruição maciça do Iraque.

Em rigor, o actual debate até excede o do Iraque em cinismo. O Irão pode estar à beira de ser atacado por persistir numa prerrogativa que lhe é dada pelos tratados internacionais. Em contrapartida, Índia, Paquistão e Israel tornaram-se

potências nucleares e nada levou os EUA, na altura, a desencadear ataques. Muito pelo contrário. Note-se que

nenhum destes três países é signatário do TNP. Pior, um país, a Coreia do Norte, retirou a sua adesão ao TNP e pouco depois anunciou a posse de armas atómicas. Mas não se equaciona qualquer ataque a este país.

Último facto, para completar o ramalhete: se há um país que está a violar o TNP, esse país chama-se Estados Unidos da América. Porque os primeiros artigos do TNP dispõem sobre o desarmamento nuclear e os EUA não só não se desarmam como investigam e desenvolvem novos tipos de armas atómicas.

Fora da lei

Na interpelação ao governo que o Bloco de Esquerda fez no dia 3 de Maio sobre a política face ao Irão, a deputada Ana Drago lembrou como Freitas do Amaral, antes de ser ministro e diante da agressão do Iraque, denunciou a ambição desmedida dos EUA em querer mandar nos seus aliados. "É assim que se começa, normalmente, a descer o plano inclinado da conciliação ao seguidismo, deste ao servilismo, e deste último à servidão", dizia então, o actual ministro dos Negócios Estrangeiros. Hoje, Freitas do Amaral já alinha na espiral de ameaças contra o Irão.

Bem diferente do ex-conselheiro de Segurança Nacional de Jimmy Carter, Zbigniew Brzezinski (na altura considerado "falcão"), que defendeu recentemente que qualquer ataque norte-americano ao Irão que não tivesse uma declaração de guerra formal prévia do Congresso seria inconstitucional e mereceria o impeachment do presidente. "Da mesma forma, se [o ataque] for lançado sem a sanção do Conselho de Segurança da ONU, seja isoladamente [pelos EUA] ou com a cumplicidade de Israel, iria marcar os agressores como foras-da-lei internacionais."

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ONU. Mas também reconhece o direito inalienável de todos os seus signatários de desenvolverem investigação, produção e uso de energia nuclear para fins pacíficos.

Actualmente, países nucleares como a Índia, o Paquistão ou Israel não estão entre os 187 signatários do TNP. A África do Sul renunciou ao seu programa nuclear e assinou o TNP em 1991, depois de destruir o seu pequeno arsenal. A Coreia do Norte ratificou o Tratado em 1985, mas retirou-se em 2003 e dois anos depois anunciou que possuía armas nucleares.

Artigo IV

1. Nada neste Tratado será interpretado como impeditivo do inalienável direito de todas as Partes do Tratado de

desenvolverem investigação, produção e uso de energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação e em conformidade com os Artigos I e II deste Tratado.

2. Todas as Partes deste Tratado comprometem-se a facilitar, e têm o direito de participar, no mais amplo intercâmbio possível de equipamentos, materiais e informação científica e tecnológica para o uso pacífico da energia nuclear. As Partes do Tratado que estão em posição de o fazer também cooperarão para contribuir, isoladamente ou em conjunto, com outros Estados ou organizações internacionais para desenvolver aplicações de energia nuclear para fins pacíficos, especialmente nos territórios da Parte de Estados sem armas nucleares, com a devida consideração pelas necessidades das áreas em desenvolvimento do mundo.

Avanços e recuos do projecto nuclear iraniano

1967: Construção do Centro de Investigação Nuclear de Teerão

Julho de 1968: O Irão assina e ratifica o Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Anos 70:Sob o xá Reza Pahlavi, fazem-se planos de construir até 20 centrais nucleares no país com o apoio dos EUA. A empresa alemã Kraftwerk Union (subsidiária da Siemens) começa a construção da central de Bushehr (na foto) em 1974.

1979:O novo regime saído da revolução iraniana congela o programa nuclear. Em Julho, a Kraftwerk Union abandona o programa deixando um reactor 50% e outro 85% construídos. A empresa recebera 2.500 mil dólares, mas nada devolveu.

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1982: As autoridades iranianas anunciam planos para construir um reactor nuclear, usando o seu próprio urânio no Centro Tecnológico Nuclear de Isfahan.

1990:O Irão começa negociações com a União Soviética para retomar a construção da central de Bushehr.

Janeiro 1995: Teerão assina um contrato de 800 milhões de dólares com a Rússia para completar os reactores de Bushehr sob as salvaguardas da AIEA.

29 de Janeiro de 2002:George W. Bush faz o discurso do "Eixo do Mal".

Dezembro 2002: A Casa Branca acusa o Irão de tentar construir uma bomba atómica.

16 Junho 2003: Mohamed El Baradei, director da AIEA, diz que o Irão "não relatou certos materiais e actividades nucleares, mas em nenhum momento declara que o Irão violou o Tratado de Não-Proliferação.

11 de Novembro de 2003: A AIEA diz não ter provas de que o Irão esteja a tentar construir uma bomba atómica.

13 de Novembro 2003: Washington afirma que é "impossível acreditar" no relatório da AIEA.

18 de Dezembro 2003: O Irão assina o Protocolo Adicional do TNP.

Junho 2004: O ministro de Negócios Estrangeiros do Irão afirma: "Não aceitaremos quaisquer novas obrigações. O Irão tem altas capacidades técnicas e tem de ser reconhecido pela comunidade internacional como membro do clube nuclear. É um caminho irreversível."

27 de Julho 2004:O Irão retoma a construção de centrifugadoras em Natanz, rompendo um compromisso voluntário, feito em Outubro de 2003, de suspender o enriquecimento de urânio.

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22 de Novembro 2004:O Irão declara a suspensão voluntária do programa de enriquecimento do urânio para abrir negociações com a União Europeia.

Junho 2005: Condoleezza Rice afirma que El Baradei deve ou endurecer a sua posição ou desistir de se candidatar a um terceiro mandato à frente da AIEA. Mas em 9 de Junho os EUA recuam e El Baradei é reeleito.

9 de Agosto 2005:Ali Khamenei anuncia uma fatwa proibindo a produção, armazenamento e uso de armas nucleares.

15 de Setembro 2005: O novo presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad (eleito em Agosto), declara na ONU que o seu país tem o direito de desenvolver um programa nuclear civil nos termos do TNP. Oferece uma solução de compromisso que permitiria empresas estrangeiras de participar no programa nuclear iraniano, garantindo assim que não poderia ser usado para fabricar armas.

Janeiro 2006: O Irão apresenta aos negociadores europeus uma proposta de seis pontos que inclui uma oferta de

suspender de novo o enriquecimento de urânio por um período de dois anos, em troca da manutenção de negociações. A proposta é rejeitada e não relatada na imprensa europeia.

4 de Fevereiro 2006: A AIEA vota por 27 a 3 apresentar um relatório sobre o Irão ao Conselho de Segurança da ONU. Depois da votação, o Irão anuncia a intenção de acabar a cooperação voluntária com a AIEA, para além das exigências básicas do TNP, e reatar o enriquecimento de urânio.

Março 2006: A Estratégia de Segurança Nacional dos EUA condena abertamente o Irão, dizendo que este "violou as salvaguardas do TNP e recusa-se a dar garantias objectivas de que o seu programa nuclear tem fins exclusivamente pacíficos."

16 de Março 2006: Zbigniew Brzezinsky, ex-conselheiro de segurança nacional de Jimmy Carter, diz num discurso no Centro para o Progresso Americano: "Porque é que a nossa política em relação ao Irão é tão diferente da que temos em relação à Coreia do Norte? A Coreia do Norte está talvez a fazer mais coisas que não queremos do que o Irão. Mas com a Coreia do Norte estamos envolvidos em negociações multilaterais directas. Quanto ao Irão, recusamo-nos a fazê-lo. Será que estamos a querer evitar um compromisso? Queremos realmente que o Irão desista, ou queremos empurrá-lo para o extremismo? Não pode certamente ser a nossa intenção deliberada fundir o nacionalismo iraniano com o fundamentalismo. Mas é precisamente o que estamos a fazer."

11 de Abril 2006: O presidente Mahmoud Ahmadinejad anuncia oficialmente que o Irão se juntou ao grupo dos países que têm tecnologia nuclear. "Baseados nos regulamentos internacionais, vamos continuar o caminho até atingir a

produção à escala industrial do enriquecimento [do urânio]", reafirmando que os fins do enriquecimento são exclusivamente civis e pacíficos.

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12 de Abril 2006: Condoleezza Rice diz que o Conselho de Segurança deve dar "passos fortes" para induzir Teerão a mudar de curso quanto às suas ambições nucleares.

26 de Abril 2006: O líder supremo do Irão, aiatola Ali Khamenei, diz que os americanos devem saber que se atacarem o Irão os seus interesses serão atacados em qualquer lugar do mundo.

Referências

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