O Método do Tubo de Trajetórias para a Equação de Convecção.
Parte II: Implementação Numérica
Luciana P. M. Pena
Laboratório de Ciências Matemáticas, (LCMAT/CCT), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF
Campos dos Goytacazes-RJ, Brasil Nélio Henderson e Eline Flores Grupo de Termodinâmica e Otimização
Instituto Politécnico, Universidade do Estado do Rio de Janeiro 28601-970, Nova Friburgo-RJ, Brasil
Resumo. Nesta Parte II, é desenvolvido
um esquema robusto e eficiente para o método do tubo de trajetórias, o qual foi formulado de uma forma geral na Parte I deste artigo. Aqui são também apresentados resultados de exemplos numéricos e algumas comparações com outras metodologias.
1. INTRODUÇÃO
Na primeira parte deste trabalho, veja [3], desenvolvemos a formulação geral do método do tubo de trajetórias destinado à resolução da equação de convecção, .( ) 0 C CV t ∂ + ∇ = ∂ , (1)
onde a função incógnita C=C X t( , ) é um escalar denotando a concentração de um traçador, X é um vetor que representa a posição e t simboliza o tempo. A função V =V X t( , ), a qual satisfaz o sistema de EDO’s
V dt dX
= , (2)
é um campo de velocidade previamente conhecido. Deduzimos o método do tubo de trajetórias utilizando os princípios básicos da mecânica dos meios contínuos, de modo que ele é Lagrangiano e conservativo. Assim, conforme mostrado na Parte I, considerando (num instante de tempo t+∆t) uma malha retangular como indicada na Figura 1, obtemos
( ) t t D n t dX t X C C ∆ + + Ω =
∫
( , ) 1 , (3) onde∫
∆ + Ω ∆ + ≡ Ω t t dX t t é a medida de umacélula arbitrária Ωt ∆+ t, Dt a sua imagem mapeada para o instante anterior t e C(n+1) é o valor médio da concentração na célula Ωt ∆+ t. Como enfatizado na Fig. 1, este mapeamento é feito seguindo-se as trajetórias do traçador no sentido reverso do tempo. Logo, o elemento Dt
não é necessariamente (apesar da ilustração na referida figura) um quadrilátero, e possivelmente encontra-se deformado com relação à Ωt ∆+ t. Note que a formulação na Eq. (3) é totalmente explícita, uma vez que ela determina valores médios de concentração no nível t+∆t em função de valores de C no tempo anterior t.
Figura 1. Tubo de trajetória no domínio
discretizado.
Neste artigo, partindo da Eq. (3), apresentamos um dos possíveis esquemas numéricos para a formulação geral deduzida na Parte I, [3], a qual foi desenvolvida inicialmente na tese de doutorado de Sampaio, [4]. Tal esquema foi analisado e exaustivamente testado na dissertação de doutorado de Pena, [2]. Nossa abordagem baseia-se em três paradigmas fundamentais, robustez, eficiência e simplicidade.
2. ESQUEMA NUMÉRICO
Supomos, por simplicidade, que o domínio mapeado Dt (no nível tempo t) é um quadrilátero, mas não necessariamente um retângulo (veja novamente a Fig. 1). Consideramos que a trajetória de uma partícula do traçador é determinada utilizando-se o campo de velocidade V , referente ao fluido. Note que esta hipótese é bastante razoável, pois de acordo com o modelo físico adotado na Eq. (1) estamos desprezando os efeitos da difusão molecular, ou seja, estamos efetivamente considerando
( )a
V ≅V, onde V( )a denota a velocidade do traçador.
O procedimento para o cálculo da integral ( , )
t
DC X t dX
∫
é elaborado como descrito a seguir. O primeiro passo é constituído de uma etapa denominada de “etapa de backtracking”. Nessa etapa realizamos um processo retroativo no tempo ao longo das trajetórias. Efetivamente, os pontos X1, X2, X3e
X
4 (os vértices do suposto quadriláteroD
t)são obtidos resolvendo-se o sistema de equações diferenciais ordinárias representado em Eq. (2), com condições finais do tipo
X t
( + ∆ =t
)X
. Isso é feito para cada vérticeX
~
1,
X
~
2,
X
~
3 e X~4de Ωt ∆+ t. Esse passo determina completamente o (suposto) quadrilátero mapeado,
D
t. Depois, a integral C X t dX t D ) , (∫
é aproximada através de uma estratégia de integração eficiente. Essa segunda etapa será denominada de “etapa de integração”.No presente trabalho, consideramos somente exemplos bidimensionais. Assim, escreveremos X =(x,y) e V =(u,v). Em todos os exemplos, usaremos uma grade de células centradas possuindo N ×x Ny blocos de tamanho uniforme, com espaçamentos
x
x
N
L
x
=∆ e ∆y =Ly Ny , onde
L
x e Lysão as dimensões do domínio retangular nas direções
x
e y, respectivamente, veja a Fig. 2.Figura 2. Grade de células centradas.
Deste modo, no instante t+∆t, a variável
C
i(,nj+1) denotará o valor médio de C na célula ( , )i j[
1 2,
1 2] [
1 2,
1 2]
t+∆t
x
i−x
i+y
j−y
j+Ω
=
×
.Aqui, tal quantidade efetivamente representará o valor da concentração no centro de Ω( jt ∆i+, )t. Na
etapa de backtracking, resolveremos o sistema de equações diferenciais indicado em Eq. (2), sujeito às condições finais dadas por x(t+∆t)=~x e
y t t
y( +∆ )=~. Isso é feito através do método de Runge-Kutta de quarta ordem.
Apesar da possibilidade de empregarmos métodos de integração em duas variáveis, no entanto, objetivando a eficiência e simplicidade do esquema, a integral dupla de
) , (X t
C sobre o domínio
D
t será calculada como segue,Λ
≅
∫
C
X
t
dX
C
t Dˆ
)
,
(
, (4)sendo C =ˆ C(Xˆ,t), onde Xˆ é um ponto em
D
t obtido por backtracking do centro da célula Ω( jt ∆i+, )t, e Λ é a medida de uma áreaapropriadamente escolhida, a ser descrita abaixo. Após a determinação de Xˆ , o cálculo de
) , ˆ ( ˆ C X t
C = solicita uma interpolação bidimensional. Isso é exigido pois esse ponto não recai, necessariamente, no centro de uma célula da grade, referente ao instante
t
, veja Fig. 3. Empregamos uma interpolação 2-D com pesos. Trata-se de uma interpolação robusta que utiliza o valor da concentração definido no centro da célula que contém o ponto X =ˆ (xˆ,yˆ) e os valores definidos em cada célula vizinha ao bloco que possui o referido ponto, veja a Fig.4.Figura 3. O backtracking e a localização do
ponto Xˆ .
Assim, se os nós
(
x
i,
y
i)
representam (de uma forma geral) os centros das células indicadas na Fig. 4, então a interpolação bidimensional com pesos pode ser escrita na seguinte forma:Figura 4. Exemplos de pontos usados na
interpolação 2-D com pesos.
∑
∑
− − ≅ i i i i i d d C C 1 1 ˆ , (5) onde as distâncias 2 2)
ˆ
(
)
ˆ
(
i i ix
x
y
y
d
=
−
+
−
são os pesos considerados.Finalmente para completar o cálculo de
∫
t DdX
t
X
C
(
,
)
é necessário determinar a área Λ indicada na Eq. (4). Aqui, de acordo com a Fig. 1, suporemos que Λ é a área do quadrilátero cujo os vértices são os pontosX =
1(
x
1,
y
1)
,)
,
(
2 2 2x
y
X =
,X =
3(
x
3,
y
3)
e)
,
(
4 4 4x
y
X =
, os quais já foram obtidos por backtracking. Assim sendo, podemos calcular Λ pela soma dos seguintes determinantes,1
1
1
2
1
1
1
1
2
1
4 4 3 3 2 2 4 4 2 2 1 1y
x
y
x
y
x
y
x
y
x
y
x
+
=
Λ
. (6)3. RESULTADOS NUMÉRICOS
Com objetivo comparar o método do Tubo de Trajetórias com outras metodologias, optamos por dois métodos descritos e analisados no artigo de Giraldo e Neta, [1]. Nossa escolha reside em alguns pontos fundamentais. O primeiro refere-se ao fato dos códigos computacionais dos algoritmos analisados por Giraldo e Neta (escritos em FORTRAN 77) estarem disponíveis, sendo de fácil acesso no
endereço eletrônico
http://math.nps.navy.mil/~bneta. O segundo ponto tem haver com os tipos de metodologias disponibilizadas por esses autores. Foi desenvolvido um código de um método Euleriano que utiliza uma estratégia sofisticada de elementos finitos, e um outro método que combina a mesma discretização em elementos finitos com uma abordagem Lagrangiana para a equação de convecção. Assim, podemos comparar o método do Tubo de Trajetórias com um método do tipo Euleriano, além de compará-lo com um outro método típico da sua própria classe.
4. Testes Comparativos
Nos testes comparativos selecionamos um problema proposto por Leveque (1996). Trata-se da rotação de um sólido definido no domínio
B =
[
0, 1
] [
×
0, 1
]
. O corpo sólido tem seu estado inicial definido pela seguinte função:100 ( , , 0) [1 cos( ( , ))] 2 C x y = +
π
r x y , (7) onde 2 2 0 0( , )
min( (
c)
(
c) , ) /
r x y
=
x
−
x
+
y
−
y
r
r
,(8) sendox =
c0.25
,y =
c0.5
er =
00.2
.O corpo é posto a girar no sentido anti-horário com velocidade angular
ω
, em torno de um eixo fixo que passa através do ponto(
x
0,
y
0)
∈
B
e tem direção normal ao plano xy. Os valores que representam a velocidade linearnas direções
x
e y são dados, respectivamente, pelas relações:(
y
y
0)
u
=
−
ω
−
, (9)(
x −
x
0)
=
ω
v , (10) sendo,x
0=
y
0=
0.5
eω
=1.Com intuito de comparar a solução numérica com a solução exata dada por
( , , f) ( , , 0)
C x y t =C x y foram especificados
cinco diferentes valores para k: 1, 2, 3, 4 e 5, sendo tf =kp com p=2
π
/ω
(o tempo de umarevolução completa do corpo).
A análise comparativa realizada aqui leva em consideração o estudo erro
ε
2, definido por:(
)
(
)
2 numérica analítica , , , 2 analítica 2 , , i j i j i j i j i j C C Cε
=∑
−∑
(11)Além disso, comparamos também o erro relativo de conservação de massa definido por:
. ( ) ( , ) , , .
( , , )
( , , )
teor n i j i j t i j CM teorC
x y t dX
C
C
x y t dX
ε
Ω Ω−
Ω
≡
∑
∫
∫
.(12)onde a integral teor.
( , , )
B
C
x y t dX
∫
representa a massa exata obtida com auxílio da solução teórica e o somatório ( ), ( , )
, n i j i j t i j C Ω
∑
representa a massa total calculada com a solução numérica, ambas tomadas sobre o domínio B.
A figura 5 mostra a solução analítica, em qualquer instante de tempo.
Figura 5. Superfície e curvas de nível da solução
Tabela 1 – Erros, máximos e mínimos de
concentração e tempo computacional para cinco diferentes valores de k (Número de Revoluções), com o método Euleriano semi-implícito.
k 2
ε
ε
CMC
mínimoC
máximo 1 0.04836921 -0.00020136 -2.81901967 100.07119 2 0.08378683 0.00034662 -5.47062785 102.04795 3 0.11448035 0.00040750 -5.58806680 101.53467 4 0.14307590 0.00081586 -6.70614846 100.68193 5 0.17108887 0.00050666 -8.02796066 100.71626Figura 6. Superfícies e curvas de nível das
soluções numéricas obtidas com o método Euleriano semi-implícito (
θ
=
1 2
), proposto por Giraldo e Neta, para três diferentes valores de k: 1, 3 e 5, usando ∆ =t 0.05p e ∆ = ∆ =x y 0.03, comC ≈
R0.5
.Tabela 2 – Erros, máximos e mínimos de
concentração e tempo computacional para cinco diferentes valores de k, com o método semi-Lagrangiano semi-implícito. k 2
ε
ε
CMC
mínimoC
máximo 1 0.07811152 -0.00082094 -0.55687647 99.40775 2 0.15453701 -0.00068887 -0.70603817 98.24492 3 0.22991706 -0.00045521 -0.80867269 99.09399 4 0.30397341 -0.00018814 -0.91112843 99.15157 5 0.37643841 0.00002509 -1.02841657 98.41339Figura 7. Superfícies e curvas de nível das
soluções numéricas obtidas com o método semi-Lagrangiano semi-implícito (
θ
=
1 2
), proposto por Giraldo e Neta, para três diferentes valores dek: 1, 3 e 5, usando ∆ =t 0.02p e 0.03
x y
Tabela 3 – Erros, máximos e mínimos de
concentração e tempo computacional para cinco diferentes valores de k, com o método do Tubo de Trajetórias. k 2
ε
ε
CMC
mínimoC
máximo 1 9.0012956E-08 0.00022293 1.90983E-13 99.574735 2 1.7882476E-07 0.00044557 1.90898E-13 99.228029 3 2.6673821E-07 0.00066816 1.90813E-13 98.88279 4 3.5385191E-07 0.00089070 1.90728E-13 98.539012 5 4.4027660E-07 0.00111319 1.90643E-13 98.196691Figura 7. Superfícies e curvas de nível das
soluções numéricas obtidas com o método semi-Lagrangiano semi-implícito (
θ
=
1 2
), proposto por Giraldo e Neta, para três diferentes valores dek: 1, 3 e 5, usando ∆ =t 0.02p e 0.03
x y
∆ = ∆ = , com
C ≈
R2.0
.5. CONCLUSÕES
Comparações numéricas com duas metodologias diferentes, uma Euleriana e a outra semi-Lagrangiana, demonstram a superioridade do método proposto.
Os resultados computacionais confirmaram que o esquema analisado apresenta na prática uma boa propriedade conservativa, estabilidade e precisão numérica, e eficiência suficiente para ser empregado em problemas práticos, modelados pela equação de convecção.
Em resumo, a análise experimental desenvolvida neste artigo ressalta a superioridade da solução gerada pelo método do Tubo de Trajetórias.
6. REFERÊNCIAS
[1] Giraldo, F. X. e Neta, B., A Comparison of a Family of Eulerian and Semi-Lagrangian Finite Element Method for the Advection-Diffusion Equation, In Computer Modelling
of Seas and Coastal Regions Iii, J. R. Acinas and C. A. Brebbia (eds), Computational Mechanics Publications, Southampton, U. K., (1997).
[2] Pena, L. P. M., Análise de um Método para a Equação de Convecção Formulado à Luz da Mecânica dos Meios Contínuos com Aplicações a Advecção de Anomalias Oceânicas e Meteorológicas, Tese de Doutorado, IPRJ-UERJ, (2006).
[3] Pena, L. P. M., Sampaio M., Henderson, N. e Platt, G. M., O Método do Tubo de Trajetórias para a Equação de Convecção. Parte I: Formulação, artigo completo a ser submetido ao XXX CNMAC, Florianópolis, Santa Catarina, (2007).