Comarca : Fernandópolis – 2ª Vara Cível
Apelante : Indústria Elétrica W TW Ltda. (massa falida) , p/ seu Administrador Judicial
Apelado : Antonio Brito Ga lvã o
VO TO Nº 15. 859
“Apelação. Emb argo s de Terceiro. Falên cia. Inefi cácia. Veículo alienado pela empresa cu ja quebra foi decret ada, durant e o t ermo legal da fal ênci a. O estab elecimento p revi sto no artigo 129, VI, da Lei nº 11.101/2005, cu ja venda pode ser decl arad a inefi caz, é o compl exo d e ben s previ sto no artigo 1.142 do Código Ci vil e tem a naturez a de univers alidad e de fato. A vend a isolada de component e d o estab el eci mento que não o f ragiliz e o u o in viabiliz e como instru men to da ati vid ade empresari al, mesmo realiz ada no termo leg al, não incide n a inefi cáci a objeti va l egal. Manuten ção da sentença de a colhimento dos emb argos de terceiro com lib eração do veículo cu ja arrecad ação foi determinad a. Ap el o despro vido.”
1. Trata-se de apelação manejada por
M ASS A F ALID A DE INDÚSTRI A ELÉTRIC A WTW LTD A ., nos
autos de embargo s de terceiro opo stos por ANTONIO BRITO
G ALV ÃO , inconformada com a r. sentença de fls. 89/90,
relató rio adotado, que os a colheu para o fim de libera r o ve ículo de propriedade do embargante da constrição judicial que o atin giu.
Alega a Massa Falida, po r seu administrador judicial , que a decisão está equ ivocada, u ma ve z que a sentença que decretou a quebra foi p rolatada em 23/06/2006, fixando o termo legal na data do 1º protesto – 06/06/2003 –, com a consequente ineficácia de qualquer alienação de bens realizada pela falid a após aq ue la data . In voca doutrina que afirma a ineficácia objetiva em relação à massa falida dos atos de disposição de bens durante o termo lega l da falência, mesmo que o contratante esteja de boa -fé, o que justifica a arrecad ação do caminhão adquirido pelo emb ar gante, ora apelado, situ ação que auto riza o pro vimento d o apelo. (fls.93/96).
Recurso receb ido (fls.100), com contra riedade à s fls. 102/113.
A D. Procurado ria Geral de Justiça opina pelo despro vimento do recu rso (fls.116 /118).
Com a de vida vê nia das bem lançadas ra zões do recu rso, não tem ra zão a ap elante.
Alegou o auto r, no s embargo s de terceiro, que adquiriu o caminhão “Mercedes -Benz”, ano 1999, em 7 de julho de 2006, da empresa Cosmar Ve ícu los e Má quina s S/A, em Jundia í, conform e nota fiscal de fls. 36, sendo que, à época da aquisição, ve rifico u ine xistir no Departamento de Trânsito qualque r re striçã o ou ônus sobre o aludido ve ícu lo. Posteriormente, em 1 de fevere iro d e 2007, ao realiza r pesquisa no Detran sob re infrações ou mult as, foi surpreend ido com a informação de que consta va restrição de blo queio à transferência e licen ciamento do aludido caminh ão, por determinação da 3 ª Vara Cível de Fe rnandópolis, e xpedida nos autos da falência de Indústria Elétrica W TW Ltda.. Conside rand o-se que é o atual prop rietá rio do caminh ão, que adquiriu mediante re gula r emissão de nota fiscal e com o pagamento da quantia de R$ 54.000,00, com prévia con statação da inexistência de qualque r ônus ou restrição sobre o automotor, afirma ser adqu irente de boa-fé, ra zão pela qu al, com fundamento no artigo 1.046 e segu intes do Código de Processo Civil, na condição de senhor e possuidor , postulou a antecipação da tutela e, a fina l, a p rocedên cia d os embargos de te rceiro a fim de ser exclu ído aludido ve ículo d a arre cadação rea lizada na falência ind icada.
Em que pese a fixação do termo legal da falência pela r. sentença que decretou a quebra de Indústria
Elétrica W TW Ltda., “a partir do primeiro protesto por falta de pagamento” (fls. 69/70), e estando provado que o primeiro protesto po r falta de pagamento ocorreu em 06/06/2003, constando da nota fiscal rep rodu zida à fl. 98, que o caminhão objeto deste recu rso foi alienado em 11/12/2003 para o senhor Jerry Messia s da Silva, o que, em tese, autorizaria o reconhecimento da ineficácia da alud ida alienação, nos termos do artigo 129, VI, da Lei nº 11.101/2 005, verifica -se qu e, a teor da pro va p rodu zida, não ficou caracterizada a h ipótese de trespasse de estabelecimento empresaria l, mas sim, de um ve ículo que integra va, como elemento materia l o estabelecimento, mercê do que, in viá vel o reconhecimento da ineficácia ob jet iva , pre vista no artigo 129 da Lei de Recuperação de Empresas e Fa lências.
Na clássica obra “Teoria do Estabelecimento Comercial”, o saudoso professor OSCAR BARRETO FILHO , após exaustiva p esqu isa doutrinária, ensina que estabelecimento comercial “é o complexo de bens, materiais e
imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante para a exploração de determinada atividade mercantil” (obra
citada, Ma x L imonad Editor, São Paulo , 1969, pág.75 ).
Ao trata r dos e lementos corpó reo s do estabelecimento, o citado autor menciona os bens imóve is: terreno s, edif ício s, constru ções, usina s, arma zéns, com tudo que neles é emp regado com escopo de e xp loração, como má quina s, equipamentos, matérias -primas, produtos manufaturados,
mercadorias em ge ral, mobiliá rios, utensílios, ve ícu los, etc. (mesma obra, pá g. 155).
No caso em e xam e, ve rifica -se que não houve a a lienação do estabelecimento empresarial, qu e tem a nature za juríd ica d e unive rsalidade d e fato e se constitui num comple xo de bens, como exp ressamen te define o artigo 1 .142 do Código Civil, “in verbis”: “Considera-se estabelecimento todo complexo de bens organizado, para o exercício da empresa, p or empresário ou sociedade empresária”. Houve, em rigor, a venda
isolada de um ca minhão, que é classificado como elemento material do estabelecimento empresa rial.
Antiga lição do saudoso professor RUBENS REQUIÃO deve ser aplicada à hipótese “sub judice” :
“A simples venda de componentes do estabelecimento, como as mercadorias, as máquinas etc., que não o inutilize como instrumento da atividade do empresário, ou que não enfraqueça de tal forma o seu patrimônio que o passivo ultrapasse o ativo, não incide n a vedação legal”. (Curso de Direito Falimentar, Ed.
Saraiva , 16ª Ed içã o, 1995, 1º volume, pág.201 ).
Na mesma linha de interp retação é a lição do insuperá ve l PONTES DE MIRANDA, ao comentar o artigo 52, VIII, do re vo gado Decre to -lei nº 7.6 61/45, que co rre sponde ao atual artigo 129, in ciso VI, da Lei nº 1 1.101/2005:
“O art. 52, VIII, fala de alienação do estabelecimento comercial ou industrial. É questão de fato a de se saber se a alienação foi de peças, ou de utensílios, ou de partes não essenciais, ou se, embora não do total, foi, em verdade, alienação do estabelecimento comercial ou industrial” (Tratado de Direito
Privado, Ed. Borsoi, Rio de Janeiro, 1960, vo l. 28, § 3.359, n º 9, p. 352).
Por isso, de se concluir que a autora não demonstrou que a fa lida, ao vender o caminhão dentro do termo lega l da falência assinalado na sentença de quebra, tenha alienado componente do estabelecimento empresarial que o tenha fragilizado a ponto de causar -lh e a insolvência , ra zão pe la qual, a hipótese não se enquadra n o artigo 196, VI, da Lei nº 11.101/2005, o qu e impede o recon hecimento da ineficácia da indigitada alienação e, por conseq uência, obstaculiza a arre cadação do be m de propriedade d o terce iro embarga nte.
Impende ressa ltar ainda, como o faz o culto Dr. P romotor de Justiça, Dr. AL BERTO CAMIÑA MOREI RA ao se manifestar pela D. Procu radoria Geral de Ju stiça que, não procede a preten são de se obter a ineficácia da venda do caminhão ao embargante com arrimo na decisão reprod uzida às fls. 65/66, que se mostra im prestá ve l para ju stifica r a arre cadação do ve ículo. Diz o e minente rep resentante do “Parquet” paulista: “Essa decisão diz respeito ao contrato celebrado entre a falida e a empresa J.M.Silva Transformadores, em 18/05/2004, tornado ineficaz, e também à locaç ão do prédio à
mesma sociedade. Os efeitos dessa decisão são restritos aos negócios nela referidos, e a pesar do trec ho de que se vale a recorrente “logo, qualquer alienação feita pela empresa falida após essa data (6.6.2003), é tida como ineficaz em relaçã o a terceiros, sendo o ato jurídico nulo de pleno direito”, não tem ele o alcance pretendido. É a fundamentação da decisão acerca do negócio referido na decisão. Não se trata de uma decisão genérica de ineficácia de tudo o que se fez na sociedade falida, a té porque isso é incabível. O segundo ponto digno de realce, que, de alguma forma, se imbrica com o primeiro, é o de que faltou decisão específica acerca da ineficácia da alienação do caminhão em questão; de conseguinte, incabível a arrecadação pretendida .”
Ressa lta a inda o especia lizado Pro motor de Justiça: “Por fim, há necessidade de que o negócio impugnado
encontre enquadramento numa das hipóteses do artigo 129 da Lei 11.101/2005, assunto de que não se cogitou. Aparentemente, trata -se de negócio onero so, e, portanto, ter - -se- ia de discutir a incidência do inciso VI do art. 129, que, como se sabe, comporta alguma divergência quanto ao seu alcance, e que, no caso em questão, sem dúvida alguma, se apresentaria: vender o caminhão de uma indústria elétrica é vender o estabelecimento?” (fls. 117/118).
Perfilhando a doutrina a cima e xplicitada, bem como o bem lançado parecer da D. Procu radoria Geral de Justiça, de se concluir que a arre cadação do ve ícu lo adquirido pelo embargante em loja espe cializada, com no ta fiscal re gula rmente emitida (fls. 25), devida mente registrado n o Detran
(fls. 26 ), mesmo tendo sido ante riormente alienado du rante o termo le gal da falência da antiga p roprietária, não autoriza o decreto de ineficá cia da alud ida a qu isição. Conse quenteme nte, incab íve l a arrecad ação do ve ículo, m ercê do que, os e mbargos de terce iro foram corretamente acolhidos, com a liberação do ve ículo.
3. Isto posto, pe lo meu voto, nego
pro vimento ao recu rso.
D E S EM B AR G AD O R M AN O EL D E Q U E I R O Z P ER E I R A C AL Ç AS R E L AT O R