INTRODUÇÃO À LEITURA DOS PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DO DIREITO DE GEORGE WILHELM FRIEDRICH HEGEL.
Murilo Duarte Costa Corrêa1
* Notas de leitura sobre o prefácio (XXIII-XL), a introdução (1-34) e o plano da obra (35-37), In: HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Princípios da
filosofia do direito. Tradução de Orlando
Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997, 329p.
A. Prefácio. (XXIII-XL).
1. Contexto da obra: trata-se de desenvolvimento mais completo e sistemático das idéias fundamentais sobre o direito, expostas na Enciclopédia das Ciências Filosóficas, dedicada, igualmente, ao ensino.
2. Do caráter não-definitivo ou inacabado de um esboço filosófico: a filosofia como “manto de Penélope, que à noite se desfia e todos os dias recomeça desde o princípio”. (XXIV).
3. Método (XXIV/XXV): fundado no espírito lógico: “na ciência o conteúdo encontra-se essencialmente ligado à forma”. (XXV) Critica a arbitrariedade de dissertar com base no sentimento e ao sabor das intuições [e, portanto, alheia ao universal e confundida com o contingente]2; Hegel critica, ainda, a filosofia como descobrimento de verdades que formam um turbilhão permanente (nem velho, nem novo – e, portanto, desligados da História, p. XXVI). Filosofia [degenerada] que tende a opiniões e convicções subjetivas com pretensão de verdade. (XXXIV) 4. No Direito, na moralidade, no Estado: “a verdade é tão antiga como seu aparecimento e reconhecimento nas leis, na moral pública e na religião. O espírito
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Advogado, professor universitário. Mestrando em Filosofia e Teoria do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (CPGD/UFSC). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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Os textos entre colchetes constituem esclarecimentos pessoais realizados no corpo do texto, ou sínteses explicativas sobre algumas categorias hegelianas.
que pensa não se limita a possuir “a verdade” segundo suas formas exteriores,
imediatas; “só pode ter para com ela a atitude de a conceber e de encontrar uma forma racional para um conteúdo que já o é [racional] em si”. (XXVI).
5. Isso nos conduz à justificação do conteúdo para o pensamento livre: [aquele] “que ao invés de se encerrar no que é dado (...) só a si mesmo toma como princípio e por isso tem de estar intimamente unido à verdade”. (XXVI).
6. Incompatível [o pensamento livre] com a atitude do sentimento ingênuo, “de se limitar à verdade publicamente reconhecida, com uma confiante convicção, e de, sobre esta firme base, estabelecer a sua conduta e a sua posição na vida”. Dificuldade: a infinita diversidade de opiniões não permite distinguir e determinar o que nelas pode haver de universalmente válido, oriunda [a dificuldade] de um obstáculo que eles mesmos [os que julgam tirar partido dessa dificuldade] ergueram. [Lembrar da metáfora que Hegel utiliza: daquele que não consegue enxergar a floresta porque tem uma árvore a atrapalhar sua visão].
7. É preciso lembrar que o homem pensa: “e é no pensamento que procura a sua liberdade e o princípio de sua moralidade” (XXVII) – mas não pode afastar-se dos valores universalmente reconhecidos, de modo que o pensamento só se reconheça como livre ao imaginar descobrir algo que lhe seja próprio.
8. Filosofia e Natureza: a natureza contém em si a razão [imanente]: “razão que a natureza deve conceber, não nas formas contingentes que à superfície se mostram [sentimento imediato e imaginação contingente (XXX)], mas na sua harmonia eterna [o universal, o válido]”. (XXVIII). Porque “a filosofia é a inteligência do presente [historicidade] e do real [racional], não a construção de um além [ideal vazio3] (...)”. (XXXV).
9. O que é racional é real [efetuado] e o que é real [efetuado] é racional. Fórmula platônica (de A República). Apresentada como a convicção de toda consciência livre de preconceitos, dela parte a filosofia (XXXVI). A Idéia não constitui a representação da opinião, mas é real: trata-se de “reconhecer na aparência do
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Aqui Hegel apresenta crítica a filosofia transcendental kantiana. A respeito, confira-se KANT, Emannuel. Introduction a la doctrine du droit. In: Metaphysique des moers. Oevres Philosophiques.
temporal e do transitório [contingente, marca de historicidade] a substância que é imanente e o eterno que é presente [o racional é real e o real é racional]”. (XXXVI). 10. Diante dessa concepção sobre a Idéia é que se tentará conceber o Estado
como algo de racional em si (XXXVII) – [não se trata da construção ideal de um
Estado – ele como deve ser –, mas de pensar o Estado filosoficamente; ou seja: realizar a inteligência do Estado no presente e no real, para além de suas formas contingentes, centrando-se em analisar o que, no Estado, o constitui como algo de racional em si, vale dizer, de real [racional] e presente [histórico]].
11. Mesmo porque a missão da filosofia, para Hegel, “está em conceber o que é,
porque o que é é a razão”. (XXXVII). Em Hegel, cada um é filho de seu tempo, e
pensa seu tempo [por isso, a filosofia como inteligência do presente, essa nota de historicidade], sob pena de se transformar em um mundo que existe, mas na mera opinião [um mundo que deve ser – e que, se deve ser (como expressão de
potentia), é porque não é (como algo de atual efetuado, concreto, real em Hegel)].
12. Assim, deve haver, logicamente, algo entre a razão como espírito consciente
de si e a razão como realidade dada: isso se deve ao fato de ela [a razão] estar
enleada na abstração sem que se liberte para atingir o conceito (XXXVIII). Isso a impede de se realizar [de se efetuar como real, de vir-a-ser real, permanecendo, pois, como pura abstração; existente, mas como mera opinião, embora não como algo capaz de realizar-se, de fazer sua passagem ao real]. [Aqui, Hegel aponta que a mera abstração não é suficiente para atualizar o real, realizar-se no devir histórico. Logo, a razão consciente de si deve atingir o conceito, superando a mera abstração (libertando-se dela), para atingir a razão como realidade dada]. Visão racional, medianeira e conciliadora com a realidade.
13. A Idéia filosófica, pois, é a identidade consciente do conteúdo [que, em sua concreta significação, é a razão como essência substancial da realidade moral e também natural] e forma [que, em sua concreta significação, é a razão como conhecimento conceitual]. (XXXVIII). [A idéia filosófica é atingida, então, no momento em que se identifica conscientemente o conteúdo, como essência substancial da realidade, com a forma – razão como conhecimento conceitual. A essa identificação consciente dá-se um aspecto de concretude, por conta da
própria definição de Idéia; vejamos: fosse a Idéia apenas forma, estaríamos diante de uma pura abstração incapaz de atualizar-se, porque lhe faltaria a essência substancial da realidade moral e natural (o conteúdo) sobre a qual conceituar de forma conciliadora como real (pois real inexistiria); se fosse apenas conteúdo, estaríamos diante de uma razão como essência substancial da realidade moral e natural, dissociada das possibilidades de um conhecimento conceitual sobre ela e, portanto, seria impossível identificar em uma tal realidade qualquer coisa de universal ou válida, ou de ali determinar o que há de contingente e o que há de universal e válido – seria impossível efetuar essa distinção, para a qual é requerida a forma, razão como conhecimento conceitual].
14. Diante disso, para Hegel, o único método adequado para se falar de um assunto é o científico e o objetivo. As críticas que não comportem refutação, escreve Hegel, serão consideradas mera opinião (subjetiva). (XL). [Isso se deve ao conceito de Idéia Filosófica (que liga o conceito (forma) à essência substancial (conteúdo)) e ao conceito de Pensamento Livre].
B. Introdução. (1-34).
1. Tópico que Hegel inicia por tratar do objeto da ciência filosófica do direito: diz sê-lo a Idéia do direito: o conceito do direito (forma, razão como conhecimento conceitual = o racional é real) e a sua realização / efetuação (conteúdo, razão como existência substancial = o real é racional).4 Da identidade consciente entre forma e conteúdo [do direito] nasce a idéia filosófica [do direito], objeto da ciência filosófica [do direito]. Vê-se, pois, que a filosofia não se ocupa com conceitos [em sentido estrito], mas com Idéias, das quais os conceitos fazem parte [eles as
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“O Racional é real e o real é racional” explica, enfim, a natureza da Idéia Filosófica como razão conciliadora com o real, como identidade consciente entre forma como conhecimento conceitual e conteúdo como essência substancial da natureza e da moral, então a fórmula deve ser entendida na simultaneidade atual de seus termos; quer dizer: o racional é real ao mesmo tempo e em igual proporção em que o real é racional. Isso corresponde ao concreto e, também, à verdade [concreta] em Hegel.
integram em seu aspecto formal]. Por isso, o conhecimento a respeito apenas do conceito seria parcial e inadequado. O conceito dá a si mesmo forma concreta ao realizar [ao se tornar real, atualizado], distinguindo-se de sua forma inicial de puro conceito [abstração, potentia não-atualizável / realizável / efetuável] (1).5
2. A ciência do direito integra a filosofia, como uma parte sua; tem por objeto desenvolver, a partir do conceito [por isso, o capítulo que se segue à introdução é o Direito Abstrato] a Idéia [a razão do objeto], ou, [o que é o mesmo] observar a evolução [nota historicista] imanente [a razão que o objeto dá a si realizando-se, tornando-se real ou atual] própria da matéria.
2 -A. A ciência positiva do direito não procura, como o método formal, antes de tudo a definição; o que lhe importa, ao contrário, é formular o que é de direito, formular as disposições legais particulares. A dedução da definição, muitas vezes seria feita a partir dos casos particulares, fundando-se no sentimento e na representação dos homens.(2) Consciência imediata e o sentimento – transformam em princípios o que é contingente, subjetivo e arbitrário.6
2-B. Injustiça: condiz com a crueza da contradição oriunda da incoerência entre o conteúdo das regras de um direito, que acarretam a impossibilidade de definições que possam conter as regras gerais. (cf. nota n. 6).
3. O direito é positivo em geral:
a. pelo caráter formal de ser válido num Estado, validade legal que serve de princípio ao seu estudo: a ciência positiva do direito;
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Eis o ponto em que Karl Marx não apreendera adequadamente a filosofia hegeliana; embora Hegel seja idealista, apenas o é na medida em que seu sistema explicativo gira em torno da idéia filosófica. Desde Kojève, é possível, pois, perceber que a filosofia hegeliana demanda, por princípio, uma mediação concreta; vale dizer: a idéia, caracterizada como identidade consciente entre conteúdo e forma, não constitiu um mero ideal vazio [ideologia], como Marx define a idéia em Hegel. Apesar disso, Marx desperta-nos, em seu Crítica à filosofia do direito de Hegel, a necessi dade de um retorno às pulsações da realidade, já esquecida, àquele tempo, pelos chamados hegelianos de direita; nesse ponto, verifica-se a crítica a uma corrente filosófico-política que tomava conceitos hegelianos e os moldava de acordo com suas conveniências – e, nisso, é que reside a grande avalia da crítica marxiana. Marx, ao afirmar que o direito não é outro senão o que existe, porém, finda por provocar uma redução do direito, que nem mesmo Hegel permitiria com sua idéia filsófica. A respeito, cf. MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Tradução de Rubens Enderle e Leonardo de Deus. São Paulo: Boitempo, 2005; e, ainda, KOJÈVE, Alexandre. Introduction à la lecture de Hegel. Paris: Gallimard, 1947.
6 Atualmente, o problema do decisionismo, que tende a transformar decisões particulares e contingentes em princípios universais, o que tornaria o direito injustiça, segundo Hegel, pois despidas do sentido da universalidade. (v. prefácio, XXVII.)
b. quanto ao conteúdo: um elemento positivo.
b1. pelo caráter nacional particular de um povo, o nível de seu desenvolvimento e o conjunto de condições que dependem da necessidade natural;
b2. pela obrigação que todo sistema de leis tem de ampliar a aplicação de um conceito geral à natureza particular dos objetos e das causas, que é dada de fora [absorção do intelecto = aplicação].
b3. pelas últimas disposições necessárias para decidir na realidade (4).
3-A. Fatores históricos do direito positivo [definição relativa ao b1]: (Montesquieu, ponto de vista filosófico) = “não considerar isolada e abstratamente a legislação geral e suas determinações, mas vê-las como elemento condicionado de uma totalidade e correlacionadas com as outras determinações que constituem o caráter de um povo e de uma época; nesse conjunto elas adquirem seu verdadeiro significado e nisso encontram portanto a sua justificação.” (5).
3-B. A investigação filosófica, desenvolvida sobre bases históricas, não pode ser confundida com o desenvolvimento a partir do conceito [=forma, razão conceitual]; a legitimação e a explicação históricas não representam nunca uma
justificação em si e para si. Uma determinação jurídica, embora adequada ao
desenvolvimento histórico, pode apresentar-se como injusta e irracional em si e para si. Exemplos: regras de direito privado romano consequentes das instituições do poder paternal [direito de vida e morte do pater familias] e o direito conjugal. A demonstração, para Hegel, de que se tratariam de regras justas, dar-se-ia pelo conceito, sem descurar de sua origem e da história das particularidades que a determinaram. [Desse modo, exsurge como essencial o conceito da coisa: isso dirá sobre sua racionalidade e justiça (e universalidade!); a visão particular de suas justificações históricas, meramente, nada apontam sobre tais aspectos de racionalidade e justiça – apenas com o conceito é capaz de tanto]. [A verdadeira legitimação de um conceito, em si e para si, com justo e racional, em Hegel, não se confunde com a justificação histórica, portanto]. (6).
4. O domínio do direito é o espírito em geral. Ponto de partida: na vontade livre: a liberdade constitui sua substância [conteúdo] e o seu destino [devir]; o sistema do
direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo. [Espírito: de início, inteligência que
efetua o seu desenvolvimento [devir, historicidade] desde o sentimento [como sentimento de si, império das necessidades insatisfeitas/passíveis de satisfação no âmbito de uma consciência de si para cujo atingimento não necessito de um outro a reconhecer-me como um valor em mim, desejando meu valor e, por isso, reconhecendo-o (dialética do senhor e do escravo, Hegel. Fenomenologia do
espírito)] até o pensamento (como modo de forjar uma consciência para si em
relação com o desejo de um outro e pelo reconhecimento de meu valor [desejado] por esse outro)]. [Jornadas para alcançar produzir-se como vontade que, enquanto espírito prático em geral, é a verdade próxima da inteligência]. (12). [A segunda natureza [produzida] a partir de si mesmo: a natureza humana, dialeticamente produzida a partir da consciência de si que atinge, também, a consciência para si]. (12).
5. A vontade, o puro pensamento em si mesmo: trata-se da consciência reflexa de cada um – pode cada um encontrar em si o poder de abstrair de tudo o que cada um é, bem como o de se determinar [realizar ou atualizar] a si mesmo, e por si mesmo, não importa que conteúdo [forma de si como razão conceitual de si] e ter, portanto, na sua consciência de si, um exemplo das determinações que vamos apresentar. (13).
De modo que contém a vontade:
a. elemento da pura indeterminação ou da pura reflexão do eu em si mesmo; a infinitude ilimitada da abstração e da generalidade absolutas, o puro pensamento de si mesmo; [Trata-se da liberdade do vazio: pode manifestar-se como uma figura real [= paixão], manter-se teórica [= fanatismo da contemplação], ou, voltada à ação [= o fanatismo de destruição de toda ordem social existente, já que toda ação, em Hegel, é negadora]]: “Só na destruição esta vontade negativa encontra o sentimento de sua existência.” / “É negando esta especificação e esta determinação objetiva [da realidade, que implica uma certa ordem qualquer, que
não se pode querer, justamente por que é a realidade] que a liberdade negativa se torna consciente de si.” (14).
6. O Eu: passagem da indeterminação indiferenciada á diferenciação que caracterizará um objeto e um conteúdo, o qual pode ser dado pela natureza [=sentimento de si animal] ou produzido a partir do conceito do espírito [consciência de si que se realiza humana ao atingir uma consciência também para si, ao fazer a passagem do plano subjetivo ao objetivo]. (14/15). Determinado, o Eu entra na existência em geral [momento absoluto do finito e do particular no Eu, como abolição de uma primeira negatividade abstrata]. [U (C) P; P (C) U; P = determinação (finita e particular) de U]; Esse primeiro universal é abstração de
toda determinação e, portanto, não pode ser confundido com o universal concreto [o conceito realizado]. O que lhe coloca como finito e unilateral é, justamente, o
seu ser abstrato, que constitui sua específica determinação como tal. (15).
7. A autodeterminação do Eu: consiste em situar-se a si mesmo num estado que é a negação do Eu, pois que determinado e limitado [como abstração impossível de qualquer determinação], e não deixar de ser ele mesmo – não deixa de estar ligado senão a si mesmo na determinação. “O Eu determina-se enquanto é relação de negatividade consigo mesmo, e é o próprio caráter [negativo/negador] de tal relação que o torna indiferente a essa determinação específica [de ser abstrato], pois sabe que é sua e ideal”.
7-A. Toda consciência se concebe como universal, como possibilidade de se abstrair de todo o conteúdo, e como um particular que tem um certo objeto, um certo conteúdo, um certo fim. Esse universal e particular [segundo os quais toda consciência se concebe], contudo, são apenas abstrações; tudo o que é concreto e verdadeiro são o universal que tem no particular o seu oposto, mas num particular que, graças a sua reflexão que em si mesmo faz, está em concordância com o universal. [volta à idéia de um particular como determinação (atualizada) e particularidade (concreta) de um universal no qual está contido = estar em concordância com o universal, como expressão de uma razão conciliadora.]
7-B. A individualidade: a respectiva unidade [entre esse universal e particular concretamente considerados] – não em sua imediateidade [conteúdo extrínseco], mas em seu conceito [forma = razão conceitual].
7-C. A verdade: só pode ser pensada especulativamente, como terceiro momento de dois abstratos, anteriores [dialética: (1) a vontade pode se abstrair; (2) é determinada por si mesma ou por algo de alheio; (3) momento da verdade que o intelecto se recusa a penetrar = o conceito]. (17, medium).
7-D. A vontade é universal, a vontade se determina, se exprime como sujeito
abstrato já suposto. Não é acabada ou universal antes da determinação, pois só é
vontade como atividade que se estabelece sobre si mesma uma mediação a fim de regressar a si [fazendo concordar particular e universal e conceber-se como conceito (verdade)].
9. Determinações da vontade: produtos próprios da vontade, particularização refletida em si, pertencente ao conteúdo [que é a razão como essência substancial da realidade]. Esse conteúdo é um fim: subjetivo e interior na vontade que imagina; fim, também, realizado por intermédio da ação [negadora] que transpõe o sujeito no objeto.
10-A. Determinações da vontade (2ª parte): conteúdo = determinações que iniciam por serem imediatas. Tomada em si, a vontade é livre; quer dizer, só no seu conceito é vontade; passa a ser para si o que é em si [a vontade] a partir do momento em que toma a si mesma por objeto. (18).
10-B. Ser em si e ser para si: algo concebido apenas em si, ainda não é capaz de conter sua verdade. Ser em si = conceitual: tem existência, mas essa existência é apenas um de seus aspectos. (19). Separação entre o ser em si e para si: constitui-se no finito [ou seja, na determinação, no plano ainda abstrato] sua existência bruta e sua aparência. Se o intelecto assim o toma, limita-se ao que há de abstrato [não atinge a verdade que é a idéia (18, in fine)].
11. A vontade que ainda só em si é vontade livre é a vontade imediata ou natural. As determinações diferenciadoras que o conceito, ao determinar-se a si mesmo, situa na vontade surgem na vontade imediata como conteúdo imediato: são os
por sua natureza [ou seja: a vontade imediata, determinada pelo conceito ao determinar-se a si mesmo, é constituída ainda segundo um plano meramente subjetivo (a vontade que ainda só em si é vontade livre); está, portanto, num plano anterior à humanidade – plano objetivo: daí chamar-se vontade imediata ou natural]. Trata-se de uma vontade de conteúdo racional, mas racional apenas na medida de sua forma imediata – racional em si, dirá Hegel – não lhe sendo possível adquirir a forma da racionalidade. Trata-se de vontade finita em si mesma, uma vez que tal conteúdo não se encontra identificado [Idéia: identidade consciente de forma e conteúdo] com a forma.
12. A vontade real: é a decisão, assim tornada vontade decisiva quando a vontade dá-se a si mesma, sob a forma da individualidade, calcada sobre uma dupla indeterminação da estrutura do conteúdo daquela vontade [n. 11]: consistente no fato de que aquela vontade é apenas “(...) um conjunto e uma diversidade de instintos; cada um deles é absolutamente o meu ao lado de outros, e é ao mesmo tempo geral de indeterminado [dupla indeterminação], dispondo de toda a espécie de meios para se satisfazer”. (20). É pela decisão que há: afirmação da vontade como de um indivíduo determinado e diferenciação em relação a outrem.
13. A vontade é finita: “quando o Eu, embora infinito, não se reflete sobre si mesmo e só formalmente está junto a si”. (21) Mantém-se acima do conteúdo, dos diferentes instintos e de todas as espécies de realização e satisfação. Vontade que, embora formalmente infinita, se encontra presa a conteúdo que constitui as determinações de sua vontade e de sua realidade exterior. [Não atinge a forma como razão conceitual; presa ao conteúdo, tem-se uma vontade limitada porque apegada aos caracteres de sua contingência e particularidade. Por isso, trata-se de um Eu que não se reflete sobre si mesmo: pois se refletisse, veria aquele conteúdo como apenas um dentre as possíveis determinações de sua vontade – trata-se do Eu ainda incapaz da consciência de si, já que as determinações não lhe aparecem como algo de exterior, e é impossível diferenciá-las de seu interior (consciente de si)].
14. A liberdade da vontade é o livre-arbítrio: onde se reúnem dois aspectos: (1) a reflexão livre, que vai se separando de tudo, e (2) a subordinação ao conteúdo e à
matéria dados interior ou exteriormente. Porque o conteúdo se define como simples possibilidade para a reflexão, o livre-arbítrio é a contingência na vontade (22).
15. Esse livre-arbítrio nada tem a ver com a vulgar representação da liberdade: a concepção da liberdade como possibilidade de fazer o que se queira demonstra uma total “falta de cultura do espírito”, para Hegel (22), pois não se vêem quaisquer concepções do que seja a vontade livre em si e para si [que pressupõe o outro], o direito, a moralidade etc..
16. “Longe de constituir a liberdade em sua verdade, o livre-arbítrio é antes a vontade em sua contradição” (23). [Isso porque, se o livre-arbítrio faz com que o conteúdo se defina como simples possibilidade para reflexão, e a vontade (finita) toma esse conteúdo como limite à reflexão do Eu sobre si mesmo, impõe-se que a vontade se contradiga, pois o livre-arbítrio, como escolha entre possibilidades de determinações, constitui, como se viu (n. 14) a “liberdade da vontade”, liberdade de escolher entre determinações possíveis, sendo, por isso, a contingência na vontade].
16-A. “Mas esta possibilidade de ultrapassar (...) qualquer outro conteúdo que se substitua ao primeiro e de assim continuar indefinidamente não liberta a vontade do seu caráter finito, pois cada um daqueles conteúdos é algo diferente da forma, portanto finito (...)” (23).
17. Livre-arbítrio: contradição implícita – manifesta-se na dialética dos instintos e das tendências: destroem-se reciprocamente: a satisfação de um arrasta a subordinação e o sacrifício de outro. O instinto não tem outra direção que não seja seu próprio determinismo7; logo, seu sacrifício e sua subordinação só se dão como decisão contingente do livre-arbítrio. (24).
18. Determinações naturais [instinto] = opostas à liberdade e ao conceito de espírito.
19. Conteúdo da ciência do direito: a apreensão conceitual dos instintos reconhecendo a si mesmos como sistema racional de determinação voluntária, baseado em uma purificação dos instintos – a qual os liberta de sua forma de
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determinismo natural imediato, da subjetividade e da contingência de seu conteúdo, para referir à essência que lhes é substancial.
19-A. Por natureza, tem o homem o instinto do direito: o homem descobre em si, como dado da consciência, que quer o direito, a sociedade, o Estado etc. Mais tarde [devir histórico], outra forma do mesmo conteúdo: passagem do aspecto do instinto ao do dever. [Ou seja: o Estado, a sociedade e o direito apresentam-se ao homem, num primeiro momento, como conteúdos necessários, mas dispostos segundo a forma de instintos: motivo pelo qual o homem tem, por natureza, o instinto do direito; num segundo momento, haverá, para Hegel, uma modificação na forma de estabelecer o mesmo conteúdo: o dever, e não mais o instinto – quando o homem faz a passagem do racional em si ao racional em si e para si]. 20. Instintos, reflexão: a reflexão aplicada aos instintos traz a forma da generalidade, também com suas condições e consequências e ainda com a satisfação total deles [dos instintos] (=felicidade). Ao produzir-se esta universalidade do pensamento, a cultura adquire um valor absoluto.
21. O universal que a si mesmo se determina, a vontade, a liberdade: a verdade deste universal formal, que é indeterminado para si e só na matéria encontra a sua específica determinação, é o universal que a si mesmo se determina, liberdade, vontade. (25).
21-A. A Idéia em sua verdade: a partir do momento em que o conteúdo, o objeto e o fim do querer passam a ser ele mesmo, o universal, como forma infinita, o querer deixa de ser apenas a vontade livre em si, para ser também a vontade livre para si = é a Idéia em sua verdade [a identidade consciente entre conteúdo (substância essencial) e forma (razão como conhecimento conceitual)].
21-B. O princípio do direito: a consciência de si que se apreende como essência pelo pensamento e assim se separa do que é contingente e falso. “A consciência de si que purifica seu objeto [o direito], o seu conteúdo e seu fim, e o ergue àquela universalidade atua como pensamento que se estabelece na vontade”. (26).
22. Na vontade livre, o verdadeiro infinito é real e presente. Ela mesma [a vontade livre] é essa Idéia em si mesma. (27).
23. Vontade livre: quando consegue ser na sua existência o que o seu conceito é – se referencia a si mesma. (27). [Lembrar a idéia de conciliação do conceito (forma) com a realidade material (conteúdo)].
24. Conceito de vontade livre como universal: porque nela, toda limitação e singularidade individual ficam suprimidas; consistem estas [toda limitação e singularidade individual] na diferença do conceito e do seu objeto ou conteúdo, isto é, na diversidade do seu objetivo ser para si [razão conceitual] e do seu ser em si [conteúdo], da sua individualidade que decide [ou determina] e exclui e da sua universalidade (28). [que não a constitui como Idéia].
25. Subjetivo: o aspecto da consciência de si, da sua individualidade, na diferença que apresenta como o conceito em si dela mesma. [representação de si =/= representação para si].
25-A. A subjetividade designa (28/29):
a. A pura forma da unidade absoluta da consciência de si consigo mesma. Só em si mesma se funda, na sua interioridade e na sua abstração; é a
pura certeza de si mesma, que é diferente da verdade.
b. A particularidade da vontade como livre-arbítrio e conteúdo contingente de quaisquer fins;
c. O aspecto unilateral, no sentido de que aquilo que se quer começa por
ser apenas um conteúdo que pertence à consciência de si e um fim por realizar.
26. A vontade (29):
a. É simplesmente vontade objetiva no sentido se que se tem a si mesma como destino e está, portanto, conforme com o seu conceito.
b. A vontade objetiva, desprovida da consciência de si, é também a vontade mergulhada no seu objetivo e no seu estado [crianças, escravos etc.];
c. A objetividade é uma forma unilateral que se opõe à determinação subjetiva da vontade; é a imediateidade da existência como realidade exterior; a vontade só se torna objetiva no momento de realizar seus fins.
26-A. A vontade, enquanto liberdade (30) que existe em si mesma, é a própria subjetividade. Esta [a própria subjetividade] é, ao mesmo tempo, o seu conceito (da vontade) e, portanto, a sua objetividade. [Ou seja: subjetividade = vontade enquanto liberdade que existe em si mesma; a subjetividade, por ser o conceito da vontade é, por isso, sua objetividade]. A subjetividade, enquanto oposta à objetividade, é limitação: a vontade, ao invés de permanecer em si mesma, compromete-se no objeto [que é a própria subjetividade] e sua limitação consiste também em não ser subjetiva etc.
27. O destino absoluto = instinto absoluto do espírito livre [que é o de ter sua liberdade como objeto – duplamente, como sistema racional de si mesma e realidade imediata = idéia filosófica de liberdade], a fim de ser para si, como Idéia, o que a vontade em si é em geral, a vontade livre [conceitual] que quer a vontade livre [substancial ou material, como conteúdo determinado na realidade em harmonia com seu conceito].
29. Direito: é a liberdade em geral como Idéia. “O fato de uma existência em geral ser a existência da vontade livre constitui o direito.” (31).
30. Direito: “Só porque é a existência do conceito absoluto da liberdade consciente de si, só por isso o direito é algo de sagrado”. Diferentes formas de direito e dever: origem nas diferentes fases [históricas] que há no desenvolvimento do conceito de liberdade. (32) Cada fase do desenvolvimento da idéia de liberdade tem o seu direito particular porque é a existência da liberdade numa das determinações que lhe são próprias. (32)
30-A. Direito como espírito do mundo: absoluto e sem limites; o conflito entre direitos é algo limitado, porque se subordina a outro elemento.
31. Dialética: princípio motor do conceito: “a dialética superior do conceito consiste em produzir a determinação, não como um puro limite e um contrário, mas tirando dela, e concebendo-o, o conteúdo positivo e o resultado; só assim a dialética é desenvolvimento e progresso imanente”. (33). (Aufhebung = superar conservando).
31-A. O objeto é para si mesmo racional. O espírito em sua liberdade é a mais alta afirmação da razão consciente de si, que a si mesma se dá realidade [torna-se
idéia] e se produz como mundo existente. A ciência: traz à consciência esse trabalho próprio da razão da coisa [por meio do conceito].
C. Plano da Obra (35-37).
1. Tópico em que Hegel delimitará os domínios do direito abstrato, moralidade subjetiva e moralidade objetiva – partes um, dois e três, respectivamente, da obra
Grundlinien der philosophie der rechts [Traduzida, entre nós, como princípios da
filosofia do direito de Hegel].
2. Vontade: (fases do desenvolvimento da idéia de vontade em si e para si): (33, 35)
a. Imediata: seu conceito é abstrato: a personalidade. Sua existência empírica é uma coisa de exterior imediata – domínio do direito abstrato ou formal.
b. Individualidade subjetiva em face do universal: vontade que da existência exterior regressa a si. É a idéia dividida na sua essência particular: o direito da vontade subjetiva em face do direito do universo e o direito da idéia que só em si existe ainda – é o domínio da moralidade subjetiva.
c. Unidade e verdade desses dois fatores abstratos: é a idéia na sua existência universal em si e para si – a moralidade objetiva.
2-A. Substância: é simultaneamente: o espírito natural, a família; espírito dividido e fenomênico, a sociedade civil; o Estado como liberdade que, na livre autonomia de sua vontade particular, tem tanto de universal como de objetiva. Do espírito orgânico e real (de um povo) torna-se real [a substância], revela-se por meio de diferentes espíritos nacionais na história universal como espírito do mundo cujo direito é o que há de supremo. (33, 36).