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Matrizes Culturais Da Arte No Brasil - Unidade 1

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Academic year: 2021

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Professoras autoras

Professoras autorasMaria Elizia BorgesMaria Elizia Borges,,Ludimilia Justino de MLudimilia Justino de Melo Vazelo VazeeIvaina de Fátima OliveiraIvaina de Fátima Oliveira

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Sabemos que as nossas matrizes são muitas e di-versas, plurais. Basta prestar atenção a nossa lín-gua portuguesa e ver a riqueza de palavras que compõem nosso vocabulário: axé, caxixi, abajour, futebol, etc. Você seria capaz de dizer a origem de cada uma delas? A mesma coisa acontece com o nosso vocabulário de representações visuais. No entanto, apesar dessa diversidade, algumas formas foram historicamente mais valorizadas e conside-radas melhores e mais “certas” do que as outras. Ao focarmos esse conteúdo nas três matrizes: in-dígena, africana e européia queremos colocá-las em pé de igualdade como referência para a nossa formação estética visual, enfatizando algumas es-pecicidades, mas também ressaltando processos de hibridizações, sincretismos, mestiçagens, apro-priações, resignicações pelos quais essas matri-zes passaram ao longo desses mais de 500 anos de história. O conteúdo dessa disciplina é formado por um texto base da professora Dra. Maria Elizia Borges (unidades 1, 2 e 4), que apresenta a arte rupestre, in-dígena e as matrizes européias (produção jesuítica e a produção de imagens sacras de vertente popu-lar). Aprofundando a informação sobre arte rupes-tre, temos o texto complementar da professora Ms. Ludimilia Justino de Melo Vaz. Sobre as matrizes africanas, temos o texto da professora Ms. Ivaina de Fátima Oliveira referente à unidade 2 - Matriz africa-na. Como texto complementar temos “A falsa idéia de matrizes culturais” de Dernival Venâncio Ramos Júnior e Allysson García Fernandes.A proposta des-te mades-terial é fornecer aos leitores um conhecimento geral acerca das matrizes culturais da arte no Brasil.

Esta proposta está organizada de forma simples, sucinta e didática. Sabemos das diculdades de encontrarmos materiais didáticos publicados sobre tais assuntos agrupados em um único livro.

Profa. Leda Guimarães - Coordenadora do Curso

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DISCIPLIN

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Ementa

Matrizes Culturais da Arte no Brasil: estudo das vi-sualidades dos traços estéticos culturais de diferen-tes povos na formação da nossa arte; sincretismo, retenções, permanência e hibridismos das três ma-trizes na arte brasileira; o museu afro-brasileiro e demais espaços do gênero; a presença dos aspec-tos da herança africana e indígena na produção artística no Brasil; espaço da cultura afro-brasileira e indígena no ensino de artes visuais; discussão da lei 10.639/03 que torna obrigatório o ensino da His-tória e Cultura Afro-brasileira e Africana.

Objetivos

Compreender aspectos das matrizes estético

culturais da arte brasileira;

Entender os processos de sincretismos,

mesti-

çagens e hibridismos na arte brasileira;

Discutir e questionar as relações de poder

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tre as diferentes matrizes culturais;

Problematizar o uso das matrizes culturais na

formação do docente de

artes visuais.

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APRESENTAÇÃO

DADOSDADISCIPLINA

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UNIDADES

Unidade 1: Matrizes indígenas 1.1 Uma produção artística primordial 1.2 Produções artísticas de caráter coletivo

Texto complementar: Arte rupestre brasileira. Uma viagem ao mundo simbólico da Pré-História.

Unidade 2: Matrizes africanas: religiosidade, resistência e ofícios

2.1 Contribuição da cultura negra na formação cultural brasileira 2.2 Resistência e luta da cultura negra

2.3 Religiosidade africana e sincretismo

2.4 Miradas de universalidade positiva da cultura negra Unidade 3: Matrizes européias: colonizar, catequizar e construir

3.1 Registro artístico de uma terra exótica Unidade 4: Imagens sacras

4.1 Aleijadinho 4.2 Veiga Valle

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Nota da autora: Material originalmente elabora-do com a ajuda de algumas pessoas, às quais dirijo um agradecimento coletivo. No volumoso trabalho de compilação documental e em momentos vários nas atividades da pesquisa, menciono Henrique de Freitas. No trabalho de processamento do texto, recebi ajuda de Rodrigo Borges Marques. A artis-ta Lucimar Bello Pereira Frange fez a leitura crítica. No zelo com o tratamento didático do livro, contei também com a leitura criteriosa do aluno então, secundarista Ricardo Felício do Nascimento.

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A literatura arqueológica menciona três catego-rias de trabalhos manuais realizados pelas culturas chamadas de primitivas que habitavam todo o ter-ritório brasileiro, no período denominado Pré-co-lonial, entre 10.000 a.C. e 15.000 a.C., até a chegada dos portugueses. São artefatos líticos, pinturas e

cerâmicas e estão espalhadas em sítios arqueoló-gicos por todo o país. Das regiões pesquisadas até o momento, destacam-se os estados de Minas Ge-rais, Goiás, Piauí, São Paulo e Rio Grande do Sul. Os trabalhos manuais não eram considerados

obras de arte pelas culturas que os produziram, pelo menos não no sentido formal em que é usa-do o conceito. Trata-se, na verdade, de uma pro-dução artística originária de um contexto social completamente diferente da civilização ocidental, que adota tal terminologia.

Para o arqueólogo Ulpiano Bezerra de Meneses (Zanini, 1983), esses produtos devem ser estuda-dos, quanto a suas funções, e aos procedimentos de manufatura, a m de identicar quais deles te-riam prováveis funções estéticas. Sabe-se que toda manifestação estética propicia um aguçamento na sensibilidade das pessoas, logo, o estudo dessa produção tem grande interesse para os historia-dores da arte.

Professora AutoraMaria Elizia Borges*

*Mini-currículo da autora:Professora do Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual e do Programa de

Pós-Graduação de História, ambos na Universidade Federal de Goiás, Brasil. Pesquisadora do CNPq com ar-tigos publicados no país e no exterior sobre arte funerária no Brasil. Foi professora e coordenadora do curso de Artes Plásticas da Universidade de Ribeirão Preto (1973-91). Ministrou aulas na Faculdade de Arquitetura da Instituição Moura Lacerda (Ribeirão Preto, 1992) e no curso de pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista (Franca, 1994-95). Foi Secretária da Cultura em Ribeirão Preto (1993). Livros publicados: A pintura na “Capital do Café”: sua história e evolução no período da Primeira República (1999); Arte Funerária no Brasil (1890-1930): Ofício de marmoristas italianos em Ribeirão Preto (bilíngüe, 2002). Integra o Comitê Brasileiro de História da Arte – CBHA, a Associação Brasileira de Críticos de Arte - ABCA, a Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais – ABEC, a Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas – ANPAP e a Asso-ciation for Gravestone Studies – AGS. Site: artefunerariabrasil.com.br

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Tanto os arqueólogos como os historiadores da arte se deparam, na coleta do material nos sítios arqueológicos brasileiros, com diculdades de ordem geofísica: variações climáticas, acesso aos sítios, preservação dos materiais como bras, ma-deiras, peles etc. E de ordem geossocial: nancia-mento, sistematização de critérios cientícos e ca-rência de pesquisadores.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), fundado em 1937, é o órgão responsável pela preservação do patrimônio dos sítios arqueológicos.

1.1.1 Artefatos líticos

Com lascas de pedras os homens zeram,lâminas de machado com funções múltiplas: furar, cortar, raspar, alisar e pressionar. Nos sítios, é encontrada uma grande variedade desses artefatos, com for-mas arredondadas, planas e côncovas, tendo pon-tas bifaciais e losangulares, e acabamento polido. A estrutura geométrica é o ponto comum de to-dos os artefatos líticos, inclusive to-dos que continu-aram sendo feitos por diferentes tribos indígenas, em períodos posteriores.

Há também os zoólitos, objetos utilitários de pe-dra, de formas geométricas e naturalistas, que representam animais – aves, peixes etc. – assim como os pequenosobjetos líticos– pingentes, ber-loques e talismãs (muiraquitãs), gurados em sa-pos, rãs e pererecas.

1.1.2 Pinturas rupestres

No Brasil, já foram localizadas pinturas rupestres em áreas de Várgea Grande-PI, Lagoa Santa – MG, Jaraguá e Serranópolis – GO, Campos de Lages, São Leopoldo – SC e Montenegro – RS e outras.

São observados dois procedimentos técnicos na feitura dessas pinturas: apictograae opetroglifo. O primeiro consiste na pintura sobre superfícies

Ponta de Flecha. quartzo hialino, cachoeira do Chacorão, rio Tapajós, PA

Muiraquitã, formas diversas. Zoólitos. Tapajós, Santarém – PA. Museu Paraense Emílio Goeldi - Belém do Pará.

Pictograas. Abrigo de Santana do Riacho – MG.

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rochosas das grutas, com pincéis de bras ou com os dedos, utilizando-se de cores advindas de pig-mentos de origem mineral – óxido de ferro (ama-relo) – e vegetal – urucum (vermelho), jenipapo (preto) e carvão. O segundo utiliza instrumentos líticos para sulcar, picotear e friccionar as paredes rochosas de grutas e habitações subterrâneas. Independentemente da técnica, os motivos das pinturas rupestres apresentam dois repertórios. Ogeométrico consta de inúmeras linhas e formas.

O orgânico compõe-se de guras humanas e de animais esquematizados e isolados ou associados a cenas de pesca, caça, dança, combate e relações sexuais. Os pormenores, muitas vezes, são natura-listas e o registro do meio ambiente vegetal tor-na-se raro. Da direita para a esquerda, há aspectos ligados ao movimento, ao espaço e a aparência dessas imagens não verbais.

1.1.3 A Cerâmica

A feitura da cerâmica no território brasileiro desen-volveu-se a partir do primeiro milênio a.C., época em que as culturas primitivas já viviam no estágio de sociedade agrícola. A documentação existen-te nos museus antropológicos do país advém das inúmeras peças realizadas com uma matéria-prima farta – a argila. Fizeram-se recipientes utilitários, como vasilhames e vasos; objetos decorativos e de uso, como estatuetas e tangas; recipientes especí-cos, comournas funerárias – vasos onde se depo-sitavam o cadáver ou as cinzas dos mortos.

As principais fases da cerâmica ocorreram, sucessi-vamente, em locais diversos: Ilha de Marajó – AM, Santarém – PA e Maracá – AP.

Acerâmica marajoarafoi produzida por agriculto-res de origem andina, que habitavam as oagriculto-restas tropicais. Formavam uma sociedade em processo de estraticação social, haja vista o valor dado ao ritual da morte, atestado pela produção de grande quantidade de urnas funerárias bem elaboradas. São urnas de grande porte e exibem decoração exuberante, proveniente da técnica epintura, com

fundo geralmente creme claro, e da técnicaexcisa, em que o desenho é ressaltado por linhas de vá-rias espessuras, mediante a retirada da superfície da cerâmica, antes da queima.

Em ambos os casos, a decoração apresenta-se com formas geométricas estilizadas. Muitas vezes, recor-re também à recor-reprecor-resentação zoomorfa de rãs e co-bras, ou antropomorfa, de mulheres e homens. To-das as urnas são bem poliTo-das, assim como os vasos e as tangas, que têm o mesmo processo de manufa-tura. Quanto ao formato, as variações são básicas e simples, variando da forma esférica à cilíndrica.

Acerâmica de Santarémfoi produzida por índios Ta-pajós, com um sistema de organização grupal su-perior aos habitantes da Ilha de Marajó, uma comu-nidade diversicada, hierarquizada e escravocrata. As cerâmicas são menores que as marajoaras e, nas peças, observa-se o emprego da policromia,

de três cores ou mais – daincisa– o uso de artefa-tos líticos para gravar os desenhos – e dos adornos modelados – aplicados na superfície dos vasos. Os Tapajós também empregavam de motivos

geo-Petroglifo. Pedra do Ingá – PB.

Urna antropomorfa marajoara. Cerâmica,Ilha de Marajó – PA. Museu Paraense Emílio Goeldi – Belém do Pará.

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métricos estilizados, muito dos quais inspirados nas formas antropomorfas e zoomorfas.

A decoração, sempre sutil e delicada, evidencia o grau avançado da manufatura dessas cerâmicas. As

estatuetas– ídolos do culto da fertilidade – e os va-sosutilizados tanto em ritos cerimônias como nos hábitos do cotidiano, são um bom exemplo disso.

Quanto à cerâmica de Maracá, encontrada em

sí-tios próximos a igarapés do Rio Maracá, dela só restaram algumas peças vinculadas ao ritual da morte – pequenas urnas funerárias destinadas a sepultamentos secundários. O formato é variado com estilização de formas zoomorfas e antropo-morfas complexas, que estão esculpidos até mes-mo em adereços, pulseiras, cocares e braçadeiras. Em outros sítios arqueológicos, como o Tupi-gua-rani, também há exemplos de cerâmica – urnas funerárias, vasos e outros artefatos.

Em resumo, o fenômeno artístico do período pré-colonial reúne grande variedade de artefatos artísticos, produzidos com diferentes técnicas e funções diversicadas por culturas em estágios diferentes de socialização.

Por que todos os objetos de função utilitária apro-priam-se mais da representação antropomorfa e da geométrica? Por que foi dado um maior de-sempenho técnico e artístico às pinturas rupestres e às urnas? Expressam as formas plásticas o fato diferenciador e identicador dos trabalhos manu-ais, quanto ao valor de uso e ao valor cerimonial? Estas e outras indagações serão, por certo, eluci-dadas à medida que essa produção for estudada de um ponto de vista mais global. Peter Pilles, arqueólogo do Serviço Florestal dos Estados Uni-dos, em entrevista ao jornalO Popular , de 9 de

se-tembro de 1997, conrma pesquisas realizadas na África do Sul, que buscam explicar por que a arte rupestre de vários lugares do mundo, inclusive a do Brasil é parecida. Essa semelhança tem sido relacionada às necessidades básicas das culturas, isto é, considera-se que se trata de uma produção artística primordial. Requer “olhar para ver” as se-melhanças entre imagens plásticas, requer aten-ção e treinamento.

SAIBA MAIS

 Aonde ir 

em Goiás:

Museu de Antropologia da Universidade Federal

de Goiás. Praça Universitária - Goiânia. Fundação Jesco Putkamer – Goiânia.

Sítios arqueológicos: Serra da Mesa - Serranopólis.

Memorial do Cerrado – UCG - Goiânia.

Casa do Índio – Goiânia.

Quando viajar, aproveite e visite os espaços listados: Museu Paraense Emílio Goeldi - Belém – PA.

Parque Zoobotânico – Carajás - PA.

Museu do Estado. Recife – PE.

Museu de Arqueologia e Etnologia da

Universida-

de de São Paulo. Cidade Universitária-SP.

Museu Paulista da Universidade de São Paulo.

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dim do Ipiranga. São Paulo – SP.

Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul.

Ta-

quara – RS.

Museu Universitário. Cidade Universitária.

Trinda-

de. Florianópolis – SC.

Vaso de gargalo com apliques. Zoomorfos. Cultura Cerâmica. Santarém – PA. Museu Paraense Emílio Goeldi – Belém do Pará.

Urna antropomorfa. Maracá. Cerâmica, escultura Maracá –AP. Museu Paraense Emílio Goeldi- Belém do Pará.

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Quando os portugueses aportaram em terras do Novo Mundo, ele era habitado por várias culturas nativas. O antropólogo Darcy Ribeiro (Zanini, 1983) faz distinção entre as modalidades gerais dessas culturas, em função dos seus sistemas adaptativos de ordem geográca:

Os

 silvícolas – vivem em regiões de orestas

com vegetação densa e clima úmido; Os

 campineiros – vivem em regiões do

cerra-do, com vegetação mais rasteira e clima seco. A quantidade de animais é mais escassa. Seu sistema agrícola é inferior ao dos silvícolas. Ambas as modalidades são produtoras de uma grande quantidade de artefatos manuais primoro-sos, de cestaria, cerâmica, tecelagem e plumária. Os objetos confeccionados pelos povos indí-genas eram considerados, até há poucos anos, mero documento etnográco. A história da arte moderna começou, então, a avaliar parte desses objetos como fatos artísticos e como pontos de referência estética.

Um estudo global dessas comunidades evidenciou a importância da criatividade artística como ele-mento de integração cultural nessas sociedades. Para os índios, as atividades artísticas fazem parte da vida cotidiana. Todos têm tempo livre, dedica-do ao lazer, ao fazer artístico e ao convívio social. A pintura, a escultura, a arquitetura, a decoração, a música, a dança, são todas, manifestações de igual valor expressivo. Todos os elementos da comuni-dade participam do processo como críticos e como autores. Logo, não existe acervo, pois o produto é feito com função e uso determinados, conrmando, assim, a identidade particular de cada comunidade. Três gêneros artísticos destacam-se pela relevân-cia e meticulosidade estilística. São eles: efêmeros,

 perecíveiseduradouros.

1.2.1 Gêneros artísticos efêmeros

Em rituais cerimoniais, muitos se expressam atra-vés da pintura corporal – desenho sobre a pele de

formas abstratas e cores variadas. A arte do corpo não é feita de maneira aleatória, é determinada pelo ritual e é condizente com o signicado de cada um deles. Cabe a cada indivíduo ressaltar sua beleza dentro das normas preestabelecidas.

1.2.2 Gêneros artísticos perecíveis

Alguns povos indígenas dão especial atenção aos

cortes de cabelos, aos adornos de lábios, narinas e

orelhas; outros adotam adornos e diademas plu-máriossobre a cabeça; e muitos utilizam arranjos de decoro– braçadeiras, tornozeleiras, tangas, cin-turões, faixas e colares, que são feitos de miçan-gas, sementes, dentes, plumas, cipós e tecidos. Todos esses adereços colocados no corpo pintado servem para identicar o tipo de ritual realizado. As máscaras são objetos ritualísticos elaborados com palha, madeira, pigmentos, etc. Utiliza-se uma guração grotesca e/ou abstrata para simbo-lizar o imaginário coletivo do bem e do mal, con-forme as manifestações místicas dessas culturas.

Gênero artístico efêmero. Pintura corporal indígena

Máscaras ritualísticas., Índios Tukuna.

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1.2Produçõesartísticas

decarátercoletiv o

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Os trançados – cestos, abanos, peneiras, esteiras e redes são produtos elaborados e sua duração também é relativa, pois a matéria-prima empre-gada consiste de folhas, cipós, talos e bras. A complexidade na combinação das tramas resulta num trançado de formas geométricas.

1.2.3 Gêneros artísticos duradouros

Incluem-se, nesse gênero, os objetos cerâmicos e as edicações coletivas. A cerâmica da cultura indígena atual adota processo semelhante ao das culturas pré-coloniais, visto na unidade anterior. Destacam-se aqui, oslicocós– peças pequenas de cerâmica que retratam homens, mulheres e crian-ças com corpos pintados e adornados. Eles são semelhantes às Vênus Esteatopígias, do período paleolítico superior europeu.

As primeiras culturas indígenas deram um caráter próprio e inconfundível aoslicocós: posição estáti-ca, estilizada, desproporção das partes do corpo, movimentos leves e simplicidade temática. Já nas produções atuais, oslicocósretratam os hábitos da vida cotidiana: cenas em movimento de formas estilizadas, vazadas e policromadas. São temas narrativos que procuram o resgate de seus mitos. Asmalocassão moradias edicadas pelos homens. As construções são realizadas da maneira mais ru-dimentar à mais complexa, conforme o estágio cul-tural de cada tribo indígena. Existem malocas cuja função é apenas abrigo. As mais elaboradas

tor-nam-se símbolo da comunidade, pois exprimem a capacidade do trabalho coletivo e o poder da lide-rança tribal. Normalmente, elas têm uma congu-ração com bases circulares ou ovais e o teto cônico, considerados de grande valor arquitetônico.

Outro modelo de moradia é o de formato qua-drangular, telhado de duas águas, podendo abri-gar centenas de pessoas. Os sistemas de cobertu-ra são variados, a depender da matéria-prima de cada região: galhos e palhas, folhas de sororoca, toldos de esteiras de cana e palmas.

A arquitetura moderna emprega o concreto ar-mado em suas edicações e pode apropriar-se de inúmeras formas cônicas como elemento de liber-dade formal e técnica. Um exemplo é a Igreja de São Francisco de Assis de Belo Horizonte projeta-da pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Você conhece formas similares em outras construções?

Para reetir

O que signica para você o artesanato indígena? É um objeto de decoração ou de uso? Você já dormiu em uma rede? Como se sentiu?

Cesto Carguerio, katari anon - Índios Wayana-Aparaí 

Maloca indígena

Igreja São Francisco de Assis. 1943. Pampulha, Belo Horizonte – MG. Oscar Niemeyer, arquiteto.

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As linguagens visuais podem apresentar simi-laridades, mas o que se deve levar em conta é o contexto cultural em que ela foi criada. É preciso querer “olhar para ver” as diversidades, além das semelhanças.

Texto Complementar

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Ludimília Justino de Melo Vaz 

Arte rupestre é o termo cunhado especicamen-te para referir-se ao comportamento do homem deculturas ágrafasde representar grasmos em suportes rochosos. São as pinturas e gravuras ins-critas em paredões rochosos, ou grandes blocos aorados, que algumas vezes proporcionaram ambiente para o abrigo humano.

As inscrições rupestres registram o impenetrável mundo simbólico das populações pré-históricas. Não se sabe o que representavam estes desenhos ou qual a sua função no grupo, mas são admirá-veis as formas e as cores que perduram ocultas nas paisagens rochosas.

No tempo presente o homem contemporâneo permanece utilizando paredes como suporte para se expressar, no entanto, estes grasmos diversos – pichações, grates, palavras de ordem, declara-ções de amor – contém outros signicados sociais, que devem ser compreendidos dentro do contex-to a que pertencem. Comumente esta confusão é feita na intenção de estabelecer parâmetros entre as diferentes manifestações. Contudo, cada siste-ma simbólico deve ser compreendido dentro do seu próprio contexto.

Observe como as classicações que fazemos das formas estéticas do passado são puramen-te convencionais, realizadas a partir do ponto de vista das noções artísticas do nosso tempo. São tentativas de entender culturas das quais temos apenas vestígios.

Apesar de a arte rupestre constituir um objeto xo que está exposto ao consumo visual, a sua função não era a de uma obra artística como entendemos hoje. Ela tinha a nalidade de transmitir e reforçar o conhecimento cultural do grupo, provavelmen-te, em situações rituais.

Para Upiano Bezerra de Meneses (1983), o ponto frá-gil para a apreciação da manifestação artística do pe-ríodo Pré-colonial é fundamentalmente acreditar na existência de uma categoria à parte de objetos de-nidos como artísticos. É assim que alguns objetos que não tem nalidade utilitária são enquadrados no âmbito artístico, tais como os adornos e enfeites. Porém, até estes objetos tiveram um signicado social bastante relevante para as sociedades pré-coloniais, as formas estéticas estavam incorpora-das aos artefatos ou utensílios do uso cotidiano, não havendo a categoria de objeto artístico dis-sociada da função utilitária. Através deles estavam impressas formas estéticas e valores, tais como, posição social, descendência, faixa etária, entre outros. A arte rupestre, como expressão do co-Saiba mais

O que ler:

Maria Heloísa Fénelon Costa. Berta Ribeiro;

Aonde ir:

Lavras e Louvores. Museu de Antropologia da Universidade Federal de Goiás. Praça Universitá-ria. Goiânia – GO

O que assistir:

SérieO povo brasileiro(matrizes indígenas) – you-tube

Exposição sobre Gilberto Freyre – Youtube Casa da cultura da mulher negra –Canal Futura

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Arterupestrebrasileira.

Um av iagem aom undo

sim bólicodaPré-História.

Para reetir

“Antigamente a gente tinha muitos adornos de penas, eram grandes e grossos, muito mais bo-nitos que os de agora. Mas naquele tempo não se precisava de tanto trabalho para conseguir as penas: o pajé cantava e elas vinham voando; vi-nham penas de tucano, de arara, de japu para fa-zer os colares das mulheres e aqueles diademas grossos”. (Ribeiro e Ribeiro, 1957:79).

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nhecimento cultural destes grupos, estava mistu-rada à vida cotidiana – ritual, festividade, enterra-mento – sem que os seus autores distinguissem entre um signicado e outro.

Panorama da arte rupestre

no território brasileiro

No território brasileiro são encontrados cente-nas de paredões rochosos com arte rupestre. Os primeiros habitantes nos limites do Brasil viviam da caça e da coleta, seu modo de vida exigia que circulassem em diferentes ambientes ecoló-gicos em busca dos recursos necessários para a manutenção do grupo. Os caçadores coletores estabeleciam-se em acampamentos temporários sob abrigos rochosos, onde manifestavam suas crenças, realizavam rituais, enterravam seus mor-tos. Posteriormente, quando o homem aprende a cultivar plantas, ele se torna sedentário, constrói sua moradia, aumenta o número de membros da comunidade, mas continua fazendo excursões em abrigos rochosos, para a caça, pesca ou coleta de recursos diversos e também para ns rituais. Nas investigações arqueológicas nem sempre é possível encontrar correspondência entre as pin-turas do paredão e os diferentes grupos cultu-rais que ocuparam o abrigo rochoso ao longo do tempo. Isto se dá porque, ao escavar o terreno de um abrigo, são encontrados vestígios de agricul-tores ceramistas, nas camadas superciais do solo e de caçadores coletores nas camadas mais pro-fundas. E o arqueólogo só poderá associar a arte rupestre a um desses níveis temporais se encon-trar vestígios desta atividade, como por exemplo, restos de pigmentos.

As classicações estilísticas baseadas nos critérios formais, técnicos e temáticos dos painéis de arte rupestre, têm sido utilizadas por arqueólogos para compreender as dispersões e mudanças culturais desse complexo universo de imagens.

Para compreender a diversidade da arte rupestre no Brasil vamos apresentar um quadro geral, ba-seado nas investigações e registros arqueológicos sistematizados por André Prous (1992). Conforme vamos observar, algumas áreas especícas conso-lidaram determinados modos ou estilos de fazer grasmos rupestres, baseados em técnicas,

temáti-cas, formas e cores, e que apresentam uma grande distribuição territorial. Nos estudos arqueológicos estes conjuntos são chamados tradições, uma vez que incluem certa variabilidade dentro do conjun-to, provocada pela dinâmica cultural. Esta classica-ção tem sido utilizada como parâmetro de similari-dade a cada vez que um novo painel é identicado e estudado (PROUS, 1992; GASPAR, 2003)

De um modo geral, as gravuras, também chama-das petroglifos, parecem pertencer a contextos sócio-culturais distinto das pinturas, mas algumas vezes se interpenetram.

Para a elaboração da gravura era usada uma rocha que servia de artefato para o picoteamento ou fric-ção do suporte rochoso. Os painéis gravados cons-tituíam desenhos geométricos e formas humanas. Sobre os grasmos geométricos não podemos deixar de dizer que estes participavam ativamen-te dos códigos de linguagem visual encontrados no território brasileiro. As formas, que para nós são abstratas, tinham um signicado reconhecido e aceito pelos grupos pré-históricos, tanto que, muitos desses desenhos se repetem em diversos painéis, demonstrando a aceitação da representa-ção iconográca (VAZ, 2005).

No Rio Grande do Sul um conjunto de gravuras de temática geométrica apresenta-se alinhado nas es-carpas do Planalto, corresponde à Tradição Meridio-nal. A temática pode ser dividida em dois grupos. Um que se caracteriza pela ocorrência de círculos maiores rodeados por círculos menores, sugerindo pegadas de felídeos. E a outra apresenta traços retos paralelos ou cruzados e as vezes curvos. A unidade gráca formada por três linhas que partem do mes-mo vértice, conhecida por “tridáctilo”, é identicada em diversos painéis gravados.

Gravuras da tradição Meridional. Canhemborá. Nova Palma – RS. Fonte: Prous (1992).

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Nas ilhas litorâneas do estado de Santa Catarina os locais sinalizados estão a cerca de 15Km da costa, são de difícil acesso e até mesmo perigosos. Este conjunto foi denido como tradição Litorânea Ca-tarinense. Os painéis rupestres orientam-se para o alto-mar, sugerindo uma mensagem endereçada para quem chega do oceano. Os grasmos são com-postos por linhas sinuosas, círculos concêntricos e guras humanas bastante esquemáticas.

No continente, no planalto brasileiro que vai da região Sul até a Nordeste as gravuras são identi-cadas como Tradição Geométrica, encontram-se nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Paraíba. Pode-se dizer que se caracterizam por motivos geométricos inexis-tindo quase completamente representações gu-rativas. São predominantes as depressões esféri-cas, destacando-se também os “tridáctilos”.

As gravuras da tradição Geométrica no Nordeste do Brasil estão nas imediações de rios e cachoeiras, al-gumas vezes sujeitas às enchentes sazonais. A Pedra Lavrada do Ingá, próxima ao município de Campina Grande, na Paraíba é uma obra de tamanho monu-mental, o bloco rochoso tem 24 metros de largura por três metros de altura. A maioria dos desenhos são sinais não identicados, mas existem também guras zoomorfas e antropomorfas.

Os pigmentos empregados na arte rupestre são predominantemente de origem mineral. Os óxidos minerais foram empregados para a obtenção dos pigmentos vermelho e amarelo. O branco, tam-bém de origem mineral, é encontrado em forma-ções calcárias. O preto é proveniente do carvão de vegetais ou de ossos. Os pigmentos penetram nas ssuras da rocha incorporando-se a ela, o que tem proporcionado longa durabilidade (LAGE, 2002) O conjunto classicado como tradição Planalto apresenta guras basicamente monocrômicas, estão espalhadas desde a fronteira entre Paraná e São Paulo até a Bahia. As pinturas foram produ-zidas por pigmentos vermelhos, mais raramente aparece o preto, o amarelo e o branco. A temática representa animais, que ocorrem em maior fre-qüência que os desenhos geométricos, enquanto que as guras humanas são raras.

No Vale do Rio São Francisco em Minas Gerais, Bahia e Sergipe ocorrem painéis rochosos de pin-turas caracterizadas pelo uso intenso da bicromia, agrupados na Tradição São Francisco. As cores vermelha, amarela, preta e branca dão grande in-tensidade aos painéis de grasmos geométricos (Fig. 7). A temática abstrata é predominante em relação às guras de animais e humanos. Os raros

Gravuras da tradição Meridional. Sítio Josefa – RS. Fonte: Prous (1992).

Gravuras da tradição Litorânea Catarinense. Ilha dos Corais. Fonte: Prous (1992).

Gravuras da tradição Geométrica meridional. Morro do Avencal (SC) Fonte: Prous (1992).

Pedra Lavrada, Ingá (PB).

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zoomorfos são quase que exclusivamente peixes, pássaros, cobras, lagartos e tartarugas. Ocorrem representações isoladas de pés humanos, armas (lança, propulsores), instrumentos (cestos, tipiti, panela, maracas).

Nos municípios de Montalvânia e Januária, em Minas Gerais, região do São Francisco as investi-gações arqueológicas revelaram que a ocupação mais antiga da área se deu por volta de 11.000 a.C. Diversos grupos culturais se sucederam ali até o período histórico. O resultado dessa diversidade cultural se manifesta nos paredões rochosos, que apresentam, além das pinturas geométricas poli-crômicas, outros grasmos semelhantes aos en-contrados no Parque Nacional Serra da Capivara – PI, representando humanos em cenas de ação (PROUS et al., 1984, p. 47-58).

O maior acervo de pinturas rupestres está implan-tado no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. A formação geológica composta por uma cuesta – imensa linha de paredões verticais – abri-ga um nicho ecológico favorável à ocupação pré-histórica. Neste contexto e em suas adjacências já foram registrados mais de 500 painéis rochosos com pinturas e gravuras rupestres.

Nesta área podem ser identicados dois conjun-tos de pinturas rupestres. Um deles, denominado tradição Agreste, tem como elemento denidor as guras animais ou humanas isoladas, de grande ta-manho, dando destaque ao painel. O outro conjun-to classicado como tradição Nordeste, caracteriza-se pela abundância de guras humanas agrupadas e formando cenas de expressão dinâmica.

A tradição Agreste é encontrada, além do Piauí, nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Para-íba e Pernambuco. Os painéis pintados são com-postos por vários sinais acompanhados por ani-mais ou guras humanas, que costumam ser de tamanho grande, destacando-se no conjunto das pinturas. A gura humana pode ser representada de modo isolado ou em raras cenas de poucos personagens. Os animais geralmente são estáti-cos, havendo emas, quelônios e pássaros de asas abertas e longas pernas, alguns com tendência ao antropomorsmo. Há grandes guras geométri-cas bem elaboradas e carimbos

As cenas de temática reconhecível da tradição Nor-deste sugerem caça, dança, guerra, cópula, rituais, etc. As guras humanas seguram armas (bastões, propulsores), cestas e outros. Estas pinturas forne-cem informações sobre a vida cotidiana, as crenças,

Saiba mais

Os desenhos gurativos são chamados de antro-pomórcos quando representam a gura huma-na, e zoomórcos na representação de animais. O antropomorsmo, por sua vez, indica a gura animal com caracterização humana, como, por exemplo, a posição ereta com os membros supe-riores abertos. A frontalidade da gura animal, que sempre é representada de perl, neste caso, seria uma tendência ao antropoformismo. Este termo busca descrever guras de âmbito regional, não sendo, convencional a todos a arte rupestre.

Representações de animais da tradição Planalto. Pinturas. Fonte: Prous (1992).

Grasmos policrômicos da tradição São Francisco. Lapa do Boquete, Januária (MG). Fonte: Gaspar (2003).

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as manifestações rituais daqueles povos. Entre os animais dominam as emas, os cervídeos e peque-nos quadrúpedes. As cenas de caça são as mais re-presentadas, compostas por um ou mais animais, por caçadores e artefatos utilizados para este m.

As investigações arqueológicas na Serra da Capi-vara têm dado importantes informações sobre a presença humana na pré-história das Américas, re-cuando sua antiguidade a cerca de 50 mil anos. O processo de ocupação da região deu-se de maneira contínua. A manifestação pictural aparece ainda no Pleistoceno, período em que a clima sofria baixas temperaturas, a cerca de 29.000 anos atrás. Mas as expressões parietais constituídas nos padrões esti-lísticos recuam a 12.000 anos (PESSIS, 2003).

A região do Parque Nacional Serra da Capivara pa-rece ter sido o berço da Tradição Nordeste caracte-rizada pelas cenas de ação, considerando a quan-tidade e diversidade dessas pinturas na região. Os grasmos de ação estendem-se pelos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Minas Gerais e Goiás. A dispersão do estilo pode estar ligada à expansão do grupo cultural provo-cada pelo crescimento demográco.

As pinturas da região do Seridó, no Rio Grande do Norte, correspondem a uma variação da tra-dição Nordeste. Os grasmos da região do Seridó destacam-se pela representação humana de boca aberta, talvez simulando um “bico de pássaro”. As guras têm tamanho pequeno, geralmente, pinta-das com traço no com tinta líquida vermelha.

A temática gurativa na composição de cenas se estende até a região de Lagoa Santa, no estado de Minas Gerais. Nesta região são encontrados painéis pintados cuja particularidade está na fre-qüência de guras derivadas da forma de pássaro. Encontram-se aves de asas abertas e pequenas guras antropomorfas de corpos lineares e com bico de pássaro. Na Lapa do Ballet estão represen-tadas duas las de guras humanas com identi-cações de gênero, as mulheres são identicadas pelo volume do ventre e os homens pelo falo.

Pinturas da tradição Agreste. Parque Nacional da Serra da Capivara (PI). Fonte: Gaspar (2003).

Grasmos de reconhecimento. Tradição Nordeste. Serra da Capivara – PI. Fonte: Pessis (2003).

Grasmos reconhecimento. Tradição Nordeste. Serra da Capivara – PI. Fonte: Pessis (2003)

Grasmos de ação. Tradição Nordeste. Seridó – RN. Fonte: Pessis (2003).

Representações de gênero. Lapa do Ballet, Lagoa Santa – MG. Fonte: Prous (1992).

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SAIBA MAIS

Os desenhos esquemáticos correspondem àque-les que representam apenas elementos essenciais para o reconhecimento do objeto real. As guras humanas esquemáticas estão representadas por tronco, membros estendidos e cabeça apenas delineada, sem detalhamento de pés, mãos ou articulações que poderiam sugerir movimento.

A Tradição Nordeste também é identicada em situações pontuais no sudoeste do Mato Grosso. Na Bacia do Rio São Lourenço foram encontra-dos diversos abrigos com pinturas e lajeencontra-dos com petroglifos. Em meio às inscrições geométricas predominantes no contexto regional as represen-tações de guras humanas em ação são quanti-tativamente minoritárias. As cenas reconhecíveis mostram parto, caça e situações rituais.

A tradição Amazônica abrange pinturas e gravuras localizadas nos estados do Pará, Roraima, Amapá, Rondônia e Mato Grosso. Só no baixo Rio Ama-zonas foram identicados mais de uma centena de inscrições rupestres, sendo identicados pelo menos dois estilos de pinturas diferentes. Nesta região os painéis estão compostos por guras hu-manas simétricas e geometrizadas, que medem cerca de 50cm de altura. Os antropomorfos estão em posição estática, o tronco é retangular preen-chido por linhas cruzadas. Os diferentes painéis mostram cabeças humanas gravadas, geralmente radiadas, bastões e linhas curvas gravadas, pintu-ras de retas e retângulos preenchidos com traços, além das guras humanas esquemáticas de mãos dadas. São, também, recorrentes os desenhos de mãos, algumas vezes preenchidos com círculos concêntricos (Fig. 13).

Os estudos na Caverna da Pedra Pintada, locali-zada no município de Monte Alegre no estado do Pará, revelam que os caçadores coletores se adaptaram também à oresta tropical. As data-ções radiocarbônicas situaram as primeiras ocu-pações entre 11.200 e 10.000 anos atrás, datas que correspondem às camadas com concentração de pigmento utilizado nas pinturas. As guras rupes-tres são grasmos geométricos, diversos animais e cenas de caça e parto, além de impressões de mãos de crianças e adultos.

A antiguidade das manifestações

rupestre em Goiás

A ocupação do Planalto Central, nas divisas do es-tado de Goiás, teve início a 11.000 anos atrás. Nos municípios de Serranópolis e Caiapônia as forma-ções rochosas de relevo tabular instalam locais que serviram de abrigos para grupos humanos no passado. A estratigraa dos grandes abrigos com arte rupestre indicou a presença dos caçadores-coletores nas primeiras ocupações e de agriculto-res ceramistas nas mais recentes.

No município de Serranópolis estão concentra-dos cerca de 40 abrigos de ocupações humanas, as ocupações mais antigas são datadas em ao me-nos 10.500 ame-nos A.P. As pinturas eram feitas com tinta líquida aplicada com um “pincel” ou dedo ou com pigmento seco riscado na rocha. O tamanho predominante das guras é de 15m a 30 cm, mas existem guras com alguns poucos centímetros e outras que atingem até um metro. A cor mais fre-qüente é o vermelho, mais raramente aparecem o amarelo, o preto e o branco (SCHMITZ, et al.,1984). A temática compõe-se de guras animais, hu-manas e geométricas. Os animais são variados: lagarto, tatu, tartaruga, macaco, veado, ema, se-riema, arara, papagaio e outras aves (Fig. 14). As guras humanas são raras e as pisadas humanas aparecem com certa freqüência. Os grasmos ge-ométricos podem ser círculos, elipses, triângulos, losangos, retângulos, e ainda linhas retas, que-bradas e curvas. As guras podem estar vazias ou preenchidas (SCHMITZ, 1984).

Em Serranópolis as gravuras aparecem nos abri-gos, junto às pinturas. As pinturas eram executa-das, geralmente, sobre as partes mais lisas e duras

Cabeças humanas. Monte Alegre – PA. Fonte: Pereira (2003).

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da rocha, enquanto que os petroglifos aparecem nos arenitos mais moles. Existem também abri-gos exclusivamente com gravuras. Neste caso, a temática se caracteriza por geométricos lineares formando ângulos, guras fechadas, círculos pre-enchidos com raios, grades, elipses, pés de felinos e de humanos, folhas, entre outros. Os únicos mo-tivos elaborados a partir das duas técnicas são fo-lhas e pés. A diversidade de motivos gravados não permitiu um indicador de semelhança estilística, porque alguns grasmos têm ampla distribuição no território brasileiro (SCHMITZ, 1981/82, p. 415). Na região de Caiapônia as técnicas de pintura são as mesmas empregadas em Serranópolis – a tin-ta líquida aplicada com “pincel”, a pintura a dedo e o bastão seco. O pigmento mais comum foi o vermelho, raramente aparecem o preto e a poli-cromia do vermelho e amarelo e/ou preto. As -guras humanas, em tamanho pequeno, cerca de 10cm, representam cenas de ação. Entre os ani-mais estão representados os veados, antas, tatus, tartarugas, onças, aves, macacos e peixes. Algu-mas vezes os animais compõem cenas com hu-manos ou são representados em bandos. Os pei-xes, por exemplo, podem estar aos pares ou em cardumes. Os geométricos ocorrem em menor quantidade, correspondendo a círculos concên-tricos, losangos geminados, lineares, entre outros (SCHMITZ, et al.,1984).

Em Caiapônia foram localizados três abrigos com

petroglifos em uma área de inúmeros abrigos pin-tados. Os desenhos lineares e fechados aparecem  juntos a pés e guras humanas. As “cruzes” são os únicos desenhos coincidentes nos petroglifos e pinturas. Foram realizados pela técnica de abra-são e picoteamento; os sulcos abra-são preenchidos com pintura vermelha ou preta. O picoteamento parece mais recente do que a técnica de abrasão (SCHMITZ, 1981/82).

Pinturas e gravuras são encontradas ainda em ou-tras regiões do estado de Goiás como em Formo-sa, Serra de Jaraguá, Planaltina de Goiás e Nique-lândia. A arte rupestre nestes locais apresenta um alto nível de degradação provocado por fatores diversos, entre eles, a intervenção nos painéis fei-ta pela população atual com inscrições a carvão e o uso dos locais para atividades atuais.

Signicados da arte rupestre

na contemporaneidade

Depois deste panorama é possível compreender a diversidade dos grupos culturais e a vastidão do território brasileiro por eles ocupado no pe-ríodo pré-histórico. Vale ressaltar, no entanto, a fragilidade deste acervo exposto às intempéries e ao processo de ocupação e usos contemporâ-neos destes locais. Muitos paredões rochosos têm sido destruídos dando perda irreversível à arte rupestre.

A preservação da arte rupestre como patrimônio cultural exige ações e intenções especícas, que lidam com a apreciação da arte, com a conser-vação do patrimônio e com a continuidade das pesquisas. Trabalhando dentro desta dinâmica de interesses é que a Fundação Museu do Homem Americano, juntamente com o IBAMA elaboraram um Plano de Manejo para ser aplicado no Parque Nacional da Serra da Capirava (GUIDON, 2002). Para alcançar o desenvolvimento econômico e social auto-sustentável, que envolvesse a popu-lação local, optou-se pelo turismo. As belezas naturais do Parque aliadas aos vestígios da pré-história foram os grandes atrativos da região. Com este intuito, o Parque foi preparado para a visitação com abertura de estradas e trilhas de acesso, colocação de passarelas para a condu-ção do público nos sítios arqueológicos, além da

Pinturas, Serranópolis – GO. Fonte: Fundação Bienal (1984).

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preocupação com a higienização do Parque e conservação dos painéis de pinturas rupestres. A preservação do patrimônio arqueológico se  justica, além de outros fatores, pelas referências que traz do passado pré-histórico e pelo teste-munho do processo de mudança atravessado pela humanidade.

A arte rupestre é um sistema de signicação do passado que emerge na contemporaneidade com outros sentidos. As manifestações estéticas da pré-história podem produzir vínculos afetivos do homem com o seu espaço, com a sua terra mátria, na medida em que é conhecida e entendida como pertencente aos diferentes grupos sociais que constituem o povo brasileiro.

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Referências

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