REALIDADE INTERNACIONAL
A constatação empírica dos novos fenómenos precede sempre o conhe-cimento, a adaptação e a criação de novos instrumentos, mais adequados à realidade. Assim, acontece também com a legislação portuária.
Um novo fenómeno que se tem vin-do a verificar nos sectores portuário e dos transportes em todo o mundo é a crescente necessidade que as indús-trias demonstram de externalização de todo o processo das funções da
logís-tica e da distribuição, tendo vindo a surgir novos ope-radores logísticos e cadeias logísticas dominadas por empresas especialistas ao nível global, da produção ao local de consumo, que oferecem todos os servi-ços de transporte, organização, distribuição, peque-nas montagens, adaptação às exigência do consu-midor final, etc.
Estas empresas, que passaram a dominar as ca-deias logísticas, são muitas vezes originárias do seg-mento de transporte marítimo e adquirem empresas e parques terrestres, ou surgem de transportadores terrestres ou mesmo de empresas portuárias, sub-contratando muitos dos serviços necessários, mas sem perderem o controlo das cadeias e criando for-tes laços comerciais com certas indústrias, marcas ou grupos económicos.
Assim, muitos dos portos mundiais, nomeada-mente os do norte da Europa, têm vindo a adoptar uma nova figura de concessão de terminais portuá-rios dedicados aos navios e cargas de certos arma-dores ou que são servidos por determinado opera-dor logístico ou cadeia logística específica, desde que possuam uma dimensão mínima de mercado.
Tal figura de concessão, permite ao concessioná-rio o controlo total da passagem das respectivas ca-deias logísticas por um dos elos mais fracos, o por-tuário, em adequadas condições de eficiência, cus-tos, velocidades de operação e segurança,
garantin-do-se ainda, habitualmente, a reali-zação das necessárias operações lo-gísticas no terminal portuário, com o apoio de terminais de 2ª linha.
A partir de alguns conceitos bá-sicos conhecidos, aplicados às con-cessões portuárias em todo o mun-do, poderá tentar perceber-se que condições legislativas faltarão criar, em Portugal, por forma a acolher-se esta nova realidade.
TIPOS DE GESTÃO PORTUÁRIA
A gestão de um terminal portuário assume habi-tualmente uma de quatro formas mais típicas:
u Gestão total pelo Estado - como acontece em
Singapura, enquadrado numa intervenção em massa do Estado na vida dos cidadãos, que do-mina quase todos os grandes sectores da eco-nomia e da vida social/política com sucesso in-ternacional, tendo em conta a história e a men-talidade local;
u Gestão do Estado e operação por privados em
livre concorrência - como acontecia até há pou-co tempo em Portugal, pou-com problemas ao nível da qualidade de serviço, salários acima da mé-dia da economia e falta de flexibilidade e de efi-ciência;
u Contrato de prestação de serviços - situação
em que o Estado contrata uma empresa priva-da que lhe presta os serviços de gestão do ter-minal, pagando o Estado um “fee” à empresa privada;
u Concessão ou licença de curto/médio prazo- em
que o Estado constrói a infraestrutura do termi-nal e a empresa privada apenas opera ou
assu-Por: Victor Caldeirinha *
me o risco da aquisição do equipamento, pa-gando uma renda da concessão ao Estado (re-presentado pela Autoridade portuária ou outra), que pode ter uma maior ou menor intervenção na regulação do serviço;
u Concessão de longo prazo - em que o
concessi-onário constrói toda a infraestrutura e a opera;
u Venda ao sector privado - como sucedeu em
alguns terminais portuários de Inglaterra, fican-do este bem raro nas mãos de algumas empre-sas que controlam a sua utilização.
FORMAS DE ADJUDICAÇÃO DAS CONCESSÕES/ GESTÃO
As formas de adjudicação da gestão dum termi-nal, independentemente da natureza do concessio-nário, das cargas e dos clientes que serve, são:
u Concurso - geralmente utilizado quando existe
mais que um interessado na ocupação de um espaço portuário, na gestão de um terminal portuário, no fornecimento de um certo servi-ço, no desenvolvimento de uma certa activida-de, na captação e exploração de um certo
mer-cado e, simultaneamente, não é possível atri-buir licenças, espaços ou a possibilidade de operação, em determinados mercados, a todos os potenciais interessados, para que concorram livremente. Há que escolher. Esta impossibili-dade pode dever-se à escassez de dimensão de mercado, ou de espaço no porto ou por ra-zões de segurança. Por outro lado, esta opção justifica-se quando não é possível escolher cla-ramente um dos interessados que possua um projecto ou condições tão únicas e diferentes dos outros que seja possível considerar de in-teresse nacional a sua escolha, como aconte-ceu com a PSA em Sines;
u Negociação Directa - geralmente aplicada
quan-do não existe mais quan-do que um interessaquan-do, ou quando existem espaços físicos e diferentes mercados suficientes para abarcar todos os in-teressados ou quando se considera que o pro-jecto de um dos concorrentes é, claramente, de interesse nacional. Daí que se considere, habitualmente, que a instalação de uma nova indústria ou de um terminal privativo que serve uma indústria são projectos de interesse nacio-nal, dado o elevado investimento global que
NATUREZA DAS CARGAS
Quanto à natureza da carga a servir nos termi-nais, esta assume habitualmente as formas:
u Multiusos (carga geral e granéis) u Granéis (sólidos e líquidos)
u Especialidados: a) granéis sólidos; b)
determi-nado granel; c) granéis líquidos; d) roro; e) con-tentores; f) carga fraccionada; g) determinada carga fraccionada “new bulks”.
ORIGEM/DESTINO DAS CARGAS
Quanto à origem/destino das cargas existem os seguintes tipos de terminais, por exemplo:
u Terminal dedicado às cargas e navios no
tráfe-go Europeu de curta distância;
u Terminal dedicado às cargas com as ilhas;
clientes do segmento a servir sejam empresas e indústrias locais, sem possibilidade de op-ção por outro porto, não se permitindo que fi-quem em posição de fraqueza;
u Interportuária e Intra-regional - Deverá ser
ga-rantida a concorrência interportuária, mas in-traregional, sempre que a maioria dos clientes do segmento a servir sejam empresas e indús-trias regionais, sem possibilidade de opção por um porto de outra região do País;
u Inter-regional - Deverá ser garantida a
concor-rência entre portos de diferentes regiões, sem-pre que a maioria dos clientes do segmento a servir sejam de âmbito nacionail, podendo as-sim optar por portos em diferentes regiões do País;
u Internacional – Não deveria ser necessária a
concorrência em território nacional nos casos dos segmentos de mercado portuário em que
TERMINAIS PORTUÁRIOS - USOS PRIVATIVOS, PÚBLICOS E DEDICADOS
os investimentos sejam muito elevados e exista claramente a regulação do mercado a nível in-ternacional, como é o caso do “transhipment” de contentores.
NATUREZA DOS CLIENTES/UTENTES A SERVIR
Quanto à natureza dos clientes/indústrias/arma-dores/cadeias logísticas a servir, a gestão dos termi-nais assume normalmente os seguintes tipos princi-pais:
u Serviço ao público - a todos os navios,
carrega-dores ou operacarrega-dores logísticos, sem distinção alguma, preferência ou prioridade;
u Uso privativo Industrial - que pressupõe a
utili-zação exclusiva por cargas com origem ou des-tinadas a certos estabelecimentos industriais;
u Terminal dedicado a um armador ou operador
logístico - apenas servindo os navios de um certo armador, e não os dos outros, o qual está habitualmente ligado ou domina determinada cadeia logística. Ou, pode-se escolher como concessionário um determinado operador logís-tico ligado a certas cadeias logísticas, dedican-do o terminal às respectivas mercadedican-dorias e na-vios (vários armadores/operadores logísticos possuem terminais dedicados em todo o mun-do).
A concessão de um novo terminal dedicado ou de uso privativo pode implicar retirar uma fatia de mercado aos restantes terminais de serviço ao públi-co, existentes num porto. Por outro lado, implicam sempre o uso de um bem escasso, que é o espaço físico portuário, e poderão implicar ainda a opção por esta indústria e não pela outra, por este armador e não por outro ou por este operador/cadeia logística e não a outra. Caso se tenha que escolher entre vários interessados deverá ser realizado um proces-so claro de escolha.
Os terminais dedicados não estão previstos na legislação portuguesa, embora sejam formas contra-tuais frequentemente utilizadas noutros países.
EVOLUÇÃO NATURAL DOS CONCEITOS
Recorrendo-se a um pequeno exemplo teórico de um país imaginário com um só porto, poderemos verificar a evolução normal do conceito de terminal de serviço público e as novas necessidades emer-gentes da evolução da indústria e da logística.
Imagine-se um país onde só existe um terminal portuário eventualmente construído pelo Estado. Este
teria forçosamente que ser multiusos e de serviço ao público, para que toda a economia o pudesse utilizar.
Se houvesse massa crítica, então poder-se-ia ter dois terminais concorrentes, por forma a que o me-canismo de mercado regulasse os preços, a quali-dade e a eficiência do serviço, evitando as desvan-tagens dos monopólios. O concurso seria a regra de escolha.
Se um ou dois industriais resolvessem expandir-se e ter um volume de carga suficiente para possui-rem terminais portuários de uso privativo próprios, poder-se-ia negociar, com cada um, a concessão de uma área para a construção e exploração de um ter-minal. Caso pretendessem o mesmo espaço escas-so, então deveria ser feito um concurso ou, pelo menos, um processo de selecção transparente e cla-ro.
Se determinado segmento de mercado cresces-se e o justificascresces-se, por exemplo contentores, poder-se-ia criar um novo terminal especializado em con-tentores no serviço ao público, o que permitiria ma-iores velocidades no cais e mama-iores benefícios para a economia.
Se um determinado armador possuísse várias li-nhas semanais no porto, mas os terminais não sa-tisfizessem as suas necessidades específicas de controlo total da sua rede logística, então poderia ser atribuído um espaço para a construção privada e exploração de um terminal dedicado aos navios des-se armador.
Se o espaço ou o mercado fosse escasso e hou-vesse mais que um armador interessado, então de-veria haver um concurso ou processo de selecção.Se depois, um determinado operador logístico interna-cional (não armador) ou integrado numa rede logísti-ca internacional, ao serviço de determinadas indús-trias, pretendesse ter um terminal dedicado aos na-vios e cargas movimentadas, no âmbito da cadeia logística a que pertence, então poderia ser disponi-bilizado um espaço para a construção privada e ex-ploração desse terminal portuário. Se o espaço ou o mercado fosse escasso e houvesse mais que um interessado, então deveria haver um concurso ou processo de selecção.
CONCLUSÕES
Em conclusão, os terminais dedicados às cargas e navios de determinados operadores logísticos, ter-restres e/ou marítimos, não são ainda permitidos na legislação portuguesa, embora pareçam ser noutros países da União Europeia.
No entanto, a criação destes tipos de terminais, independentemente da avaliação da necessidade de concurso ou de processos de selecção transparen-tes em cada caso, deverá ter em conta que, quando se selecciona a integração do porto numa determi-nada cadeia logística, através da selecção de um certo operador para um terminal dedicado, se está a assumir uma posição no mercado e a tomar partido por um grupo económico, podendo perder-se as cargas e os clientes que utilizam outros canais lo-gísticos.
Logo, a selecção de um operador deverá ser bem ponderada, devendo manter-se no porto um termi-nal de serviço ao público, alternativo para as cadei-as logísticcadei-as concorrentes.
Parece-nos que se deveria implementar a criação de legislação específica sobre a criação de termi-nais dedicados, tendo como referência a legislação noutros países da Europa.
* Professor na cadeira Estratégica e Marketing Por-tuário, da Pós-Graduação de Gestão do Transporte Marítimo e Gestão Portuária, do Instituto Superior de Economia e Gestão, UTL .