• Nenhum resultado encontrado

Senhoras e escravas do Sudoeste de Goiás no século XIX Considerações sobre o feminino: Violência, resistência e resignação.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Senhoras e escravas do Sudoeste de Goiás no século XIX Considerações sobre o feminino: Violência, resistência e resignação."

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

Senhoras e escravas do Sudoeste de Goiás no século XIX – Considerações sobre o feminino: Violência, resistência e

resignação.

Diovana Ferreira de Oliveira Especialmente após 1950, a historiografia goiana passou por várias revisões a respeito do tema da escravidão as quais se fazem necessárias até hoje. Isso se deu principalmente porque ao relatarem nos escritos de suas viagens, muitos viajantes preocupados com o que e não quem1 vivia aqui - embora tenham contribuído para o nascimento da historiografia goiana, enfatizavam uma perspectiva depreciativa da província de Goyás, além disso, talvez pretensiosamente, por vezes deixaram de lado aspectos importantes das classes subalternas, principalmente a escrava que já articulava em muitas regiões da província a formação de quilombos. A partir dos relatos de Saint-Hilaire, George Gardner, Luiz d’Alincourt, entre outros que passaram por aqui no século XIX, observa-se o preconceito ao povo goiano. Assim como índios e escravos as mulheres da região também por vezes foram citadas de forma depreciativa. Essa característica legou à história goiana uma série de mitos e distorções, além de interpretações equivocadas e tendenciosas.

Palavras como “decadência”, “indolência”, “inatividade”, “ócio” e “preguiça”, dentre muitas outras, revelando aspectos negativos da população goiana, não omitindo nem a de “cor branca” são facilmente detectáveis na obra de Johan Emanuel Pohl.

George Gardner, por sua vez, referido-se à população da vila de Natividade, escreve que “Os habitantes são vadios e indolentes em extremo e, por isso, sempre há escassez das coisas comuns na vida (SILVA, 2003 p.169)

1

Os viajantes geralmente eram enviados ao interior para coletarem espécies de plantas, observarem a fauna, enfim eram emissários de instituições científicas, que produziram mapas e roteiros, analisaram a flora, a fauna, a geografia, etc. Não estavam preocupados com as condições de vida nem com costumes da população.

(2)

Não é contraditório que o viajante Oscar Leal, apesar de pouco se referir Às classes subalternas, nos seus relatos de “Viagem às terras goyanas” poucos anos após George Gardner passar por essas terras, tenha encontrado pessoas e lugares dignos de elogios quando se reporta ao movimento republicano? Leal deixa claro que a população do sudoeste de Goiás, a qual visitou em 1890, era admirável por seus pensamentos modernos propensos ao progresso. Entretanto encontramos aí outra contradição, quando fala em progresso, Leal se refere ao pensamento republicano, sabe-se que no Brasil houve grande resistência ao abolicionismo o que conseqüentemente prejudicava movimento republicano. Já que os principais articuladores da abolição estavam inteiramente ligados à campanha pela proclamação da república, ainda que isoladamente abolicionistas e republicanos estivessem separados; enfim o fato é que em uma região tão ‘atrasada’ como o interior de Goyás de acordo com Pohl e Gardner, basicamente comandada por latifundiários, dificilmente se apoiaria os abolicionistas republicanos.

Martiniano J. Silva comenta em “Quilombos do Brasil Central: Violência e Resistência Escrava 1719-1888” que a campanha abolicionista presente em jornais em circulação na época foi negligenciada, assim como a formação de quilombos entendida aqui como forma de resistência escrava, teve pouca referência na historiografia de Goiás. É visível, portanto ao revisitar as obras de viajantes, tanto estrangeiros como brasileiros, a necessidade de revisão historiográfica, não só no que se refere ao período escravocrata - no qual o aspecto generalizador da Casa Grande e Senzala é equivocadamente aplicado, mas a História goiana como um todo.

A partir das poucas referências historiográficas e documentais especialmente da região do sudoeste goiano, pretende-se verificar em especial, as relações entre pretende-senhoras e escravas

(3)

durante o Império do Boi2, recorte no qual se inscreve tanto o cativo, quanto a mulher cuja importância enquanto sujeito histórico foi pouco explorada na historiografia goiana tradicional.

“Os olhos negros e brilhantes das mulheres de Goiás trazem as paixões que as dominam, mas seus traços não têm nenhuma delicadeza, seus gestos são desgraciosos e sua voz não tem doçura. Como não receberam educação, sua conversa é inteiramente desprovida de encanto. São inibidas estúpidas, e se acham reduzidas praticamente ao papel de fêmeas para os homens” (SAINT-HILAIRE, apud SILVA, 2003 p.168)

O comportamento rude das mulheres goyanas na visão de Auguste de Saint-Hilaire e sua ‘função’ social como reprodutora remonta o início da colonização brasileira, momento em que a mulher, branca e cristã, tinha a função de reproduzir e dar ao homem o prazer que era negado a ela,3enquanto a negra e a nativa eram destinadas ao trabalho e consideradas selvagens. Em relação às mulheres em geral, segundo Mary Del Priore, criaram-se na historiografia muitos estereótipos que necessitam ser revistos.

Em Goyas no século XIX, segundo Martiniano Silva, as mulheres brancas além de mães eram donas de terras e cruéis com empregados e escravos. Silva registra que a violência praticada pelas senhoras às escravas tinha como principal característica o ciúme. Viajantes como Johan Emanuel Pohl, registraram isoladamente alguns casos de crimes praticados por mulheres contra escravos.

É certo que a história de submissão da mulher está carregada do mito da fragilidade que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres. No entanto, sabemos que se os homens negros sofreram todo tipo de discriminação racial e violência, as mulheres negras foram ainda mais penalizadas. Considera-se, portanto que as mulheres negras advêm de uma experiência diferenciada e o discurso clássico sobre a

2

Expressão utilizada primeiramente pelo ambientalista Binômio da Costa Lima, para se referir à expansão agropecuária no inicio do povoamento de Jataí em meados do século XIX.

3

Ver DEL PRIORE, Mary. Ao Sul do Corpo: Condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. Rio de Janeiro, RJ: José Olímpio; Brasília, DF: Edunb, 1993.

(4)

opressão da mulher ainda não deu conta da diferença qualitativa da opressão sofrida pelas mulheres negras. O seu perfil é marcado pela opressão e investido com base no patriarcado. Em geral foram e são agredidas por diversos segmentos, entre eles, pelo branco, pelo homem-negro, pela mulher-branca.

Na história do Brasil e, especificamente na região de Goiás, a violência por parte da mulher branca, dona de engenho, contra as mulheres negras, escravas, data de meados do século XIX, na região do Brasil Central, onde, de acordo com Lima apud Silva (2004, p. 249): “(...) são comuns as referências em que escravas tinham olhos, dentes, unhas ou orelhas arrancados por ordem de suas senhoras”. (GODINHO, 2006 p.03)4

A violência era comum nos castigos destinados principalmente aos negros fujões que carregavam marcas pelo corpo, entretanto na região de Jataí pelo que consta em documentos do final do XIX, período do chamado escravismo tardio, de acordo com Silva, o trabalho escravo se limitava às atividades da fazenda e das casas urbanas, ainda que existissem casos de castigo, o número de escravos da região nesse período se reduzia a menos de 300 indivíduos em sua maioria mulheres5 pertencentes aos maiores fazendeiros6. Entretanto para a densidade demográfica7 do sudoeste goiano no segundo quartel do século XIX era considerável a comercialização de escravos, mesmo às vésperas da abolição.

Atenta-se para a idéia de que a resignação, assim como a violência e a resistência, fez-se presente nos anos de escravidão do então jovem povoado de Jataí principalmente quanto às escravas, a mucama Justina que viveu em Jataí entre a segunda metade do XIX e 1945, segundo relatos de descendentes, era bem tratada e após a

4

GODINHO, Tereza Martins PUC-SP/ Fundação Ford. Traços da Violência

Praticada Por Mulheres Brancas Contra Mulheres Negras no Período Escravocrata, em Fazendas No Estado De Goiás Seminário Internacional Fazendo Gênero 7,

Florianópolis -SC Agosto de 2006.

5 Durante todo o século XIX as estatísticas mostram que a população feminina escrava em Goiás era maior que a masculina. Elas na sua maioria eram mucamas.

6

Segundo o Memorialista Dorival de Carvalho Mello, um escravo nessa região era artigo de luxo.

7

Segundo Censo realizado em 1896 a população Jataiense atingia a marca de 1500 habitantes.

(5)

abolição continuou trabalhando para os antigos donos. Já no período final do escravismo e com poucos recursos, além do fato de ser mulher a conformidade com a condição de subordinação era um dos caminhos daquelas que não se aventuravam na fuga. O livro 1º do Cartório do Primeiro Tabelionato de notas de Jataí, datado dos últimos anos de escravidão registra cartas de liberdade cedidas aos negros e negras ‘em agradecimento pelos anos de serviços prestados!’ Esses episódios se davam tanto pela relação entre os escravos e seus donos, quanto pela condição econômica da família que tinha dificuldade de se dar ao luxo de possuir escravos.

Quanto à violência praticada por senhores não se tem registro de casos especificamente em Jataí; embora as mulheres dos maiores fazendeiros, quando viúvas, assumissem toda a autoridade e controle dos bens nos quais se incluíam os escravos. Sabe-se que o capitão Serafim José de Barros não teve filhos com Prudenciana Maria Vilella, sua esposa legítima, no entanto, era pai de dois filhos com uma mestiça de Poconé – MT não se sabe se ela reagia negativamente a esse fato.

Quando da morte de sua mulher, a sogra, Leocádia Perpétua da Silveira, registrou no Cartório do 1º Ofício uma escritura de abstenção de herança a que tinha direito pela morte de sua filha Prudenciana Maria Vilella, “cuja meação nenhuma diferença faz nos bens que possui e nem tão pouco nos de seus herdeiros, por isso que todos eles se acham em boa posição de fortuna, faz, portanto, abstenção da referida herança de sua filha em favor do dito seu genro, Serafim José de Barros, atendendo as maneiras delicadas e atenciosas com que sempre tratou a sua filha durante sua vida conjugal...” Esse documento é de 28 de setembro de 1895 e, pela família, só teve a assinatura de Dona Leocádia, sogra de Serafim. (ACERVO VIRTUAL www.jataí.not. br)8

Apesar do modelo patriarcal fixado nessa região e as características do coronelismo as relações entre senhores, senhoras e

8

(6)

escravos em Jataí foram mais ‘brandas’ não no sentido de harmonia como coloca Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala, mas de menor violência que em outras regiões do Brasil Central. Essa perspectiva pode ser avaliada no livro memorialista de Basileu Toledo França Pioneiros, no qual o Senhor José de Carvalho Bastos é reconhecido como homem de bom coração que não maltratava seus escravos. Ainda assim, Silva, ao se referir à obra acima citada e a algumas fontes orais, insiste na violência praticada pelos coronéis em Jataí o que causava as fugas das fazendas.

Babilônia, lugar “são Bernardes”, 90 quilômetros do Cedro, ora em Mineiros e então município de Jataí, pertencente a Antônio Gabriel de Moraes, morto pelos índios bororos, da qual fugiram vários escravos; do Bonfim que se tornou assombrada de tanto judiarem com os escravos, destes recebendo como resposta o castigo mágico ou o velho fetiche africano de virar o feitiço contra o feiticeiro, no município de Jataí 80 quilômetros do Cedro, constituída em 1850 e reformada por seu primeiro proprietário em 1888, José Antônio de carvalho, apelidado “Zé Antônio do Bonfim”, deixada para o filho homônimo, mais conhecido por “Zeca Lopes”, de onde, por certo, fugiam escravos, embora ali tivessem melhor tratamento do que os de algumas outras; São Pedro, do capitão Serafim José de Barros, 90 quilômetros do Cedro, no município de Jataí, uma das mais bem organizadas da região e temida pelos escravos devido aos maus-tratos ali verificados, chegando a ser modelo para os demais escravos da redondeza que se rebelavam, ainda estando no imaginário regional a expressão: “vou te levar pro capitão Serafim, nego ruim, ele vai te acertar” da qual sem dúvida também fugiam; (SILVA, 2003 p.408)

Os quilombos de Goiás eram o reduto de escravos fugidos de outras regiões e também das fazendas locais. Martiniano Silva aponta para a importância das pesquisas envolvendo o tema da escravidão no qual se inscreve a formação de quilombos, em especial o Quilombo do Cedro que hoje é uma comunidade remanescente, situado na cidade de mineiros, o Credo surgiu em meados do XIX e por ser o mais próximo de Jataí abrigou muitos escravos da região. Fundada por ‘Chico Moleque’ escravo que viveu e trabalhou na região de Jataí.

(7)

É inegável que a violência tenha sido uma característica marcante do escravismo em Goiás, entretanto assim como na questão da resistência escrava e da resignação é preciso ponderar alguns pontos, eliminar lacunas e confrontar dados. É preciso localizar a escravidão na história de Goiás como algo próprio da região e do período da expansão agropecuária, para assim situar informações dentro da historiografia brasileira. Trabalhos e pesquisas recentes como de Mary Karasch e Martiniano Silva, entre outros, avançaram muito no trabalho de reconstrução da história da escravidão em Goiás, que deve ser retomada e aprofundada. Nesse sentido em seu estudo monográfico “A dinâmica de construção e desconstrução da identidade étnica na comunidade remanescente de quilombos do Cedro por meio da idéia de mestiçagem”, Murilo Borges Silva considera o lugar dado à história dos negros do Brasil nos últimos anos em pesquisas históricas e antropológicas e à sua importância no contexto educacional e cultural do país:

Nos últimos anos tem se observado um eminente interesse nas pesquisas históricas e antropológicas pela temática que abrange os estudos sobre a África, a escravidão e participação dos negros na formação econômica, social, política e cultural no Brasil, justificada pela ampliação da discussão a cerca do assunto. Como exemplos, em 2003 a lei federal de número 10.639 torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira, nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares.

No ano de 2004 a nova grade do curso de História da Universidade Estadual de Goiás, traz duas novas disciplinas, ambas relacionadas aos estudos africanos: Temas de História da África e História e Cultura dos Afro-descendentes. No ano seguinte, em 2005 a Universidade Federal da Bahia inaugura o primeiro curso de mestrado e doutorado no Brasil voltado para os estudos africanos intitulado de: Estudos Étnicos - Raciais e Africanos.

Nesse contexto, a história dos negros no Brasil, até então esquecida pela historiografia tradicional, mencionada superficialmente ou ainda sufocada pelas elites intelectuais, obtém relevância, destacando a contribuição dos africanos e seus descendentes no processo histórico de formação da sociedade brasileira, ao que tange a nossa identidade, cultura, religiosidade, economia e outros. (SILVA, 2007 P.8)

(8)

Na certeza de que ainda a muito a se fazer em relação ao tem da história da escravidão em Goiás, aponta-se nesse trabalho perspectivas a serem mais bem exploradas em pesquisas futuras. A partir daí a nova legislação educacional (Lei 10.639/2003) terá condições de aperfeiçoar sua própria aplicabilidade e abordagem num âmbito regional no ambiente escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALENCASTRO, Luís Felipe. O trato dos Viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul. 5. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. ALINCOURT, Luís d’. 1978-1984. Memória sobre a viagem do

Porto de Santos à cidade de Cuiabá. Belo Horizonte: Itatiaia; São

Paulo: USP, 1975.

FRANÇA, Basileu Toledo. Pioneiros. Goiânia: Ed. UFG, 1995.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: Formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51. ed. São Paulo: Global, 2006.

GARDNER, G. Viagem ao interior do Brasil, principalmente nas províncias do Norte e nos distritos do ouro e do diamante durante os anos de 1836-1841. Trad. de Milton Amado, Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1975.

LEAL, O. Viagem às terras goyanas (Brasil Central). Goiânia: Editora da UFG, 1980.

SILVA, M. J. Quilombo do Brasil Central: violência e resistência escrava 1719 – 1888. Goiânia: Kelps, 2003.

Referências

Documentos relacionados

13 Assim, a primeira fase no momento da dispensa de um MSRM é a validação da receita, por isso, independentemente do modo de disponibilização da prescrição, a receita

radiográficas relacionadas às anomalias dentárias de desenvolvimento, às alterações em tecido ósseo e às calcificações em tecido mole observadas em radiografias

È importante que o gerenciamento do custo total veja a empresa como uma interface entre os fornecedores e os clientes, sendo que esta deve identificar, coletar, organizar e analisar

Os peixes foram alojados em lotes homogêneos de 10 peixes por caixa, com duas refeições diárias (9hrs-17hrs) até saciedade aparente; Ao final dos 60 dias foram submetidos a

Basicamente, pelo estudo da casuística, destacam-se os seguintes principais pontos: 1 a condenação dos Estados Unidos à revisão e reconsideração das sentenças de morte; haja vista

Considerando esses pressupostos, este artigo intenta analisar o modo de circulação e apropriação do Movimento da Matemática Moderna (MMM) no âmbito do ensino

aulas a serem ministradas, possibilitando a construção do senso crítico do aluno diante do estudo, buscando sempre uma relação com a temática proposta e o cotidiano

Para atingir os objetivos propostos pela pesquisa, foi necessário investigar a construção do conteúdo das conversações entre apresentadores e ouvintes na cobertura