Perigo de Vida, 1989 Foto: rosana maria
249
Po e s i a
Poemas
Nelson Savioli
s
uperintendente executivo da Fundação roberto marinho; autor, entre outros livros, de Burajiru Haicais e Insistente Aprendiz, publicados pela qualitymark editora.Nelson Savioli
250
*
A voz do silêncio – assim que amanhecer será primavera.
*
suave é o vento – parecem dialogar os amores-perfeitos.
Poemas 251
*
O perfil do gato estampado na parede – relâmpago azul.*
Formiga caminha e estaciona em desdém – a leitura estanca.desfigura, 2006 Foto: cris miranda
253
Po e s i a
Poemas
Amador Ribeiro Neto
É
professor do curso de letras da uFPB, campus de João Pessoa. Autor de Barrocidade e Imagens & Poemas – ambos de poesia. Organizador de Muitos: outras leituras de Caetano Veloso; Epifania da poesia; A linguagem da poesia e Literatura na universidade – todos ensaísticos. Os poemas aqui reproduzidos integram o livro inédito Poemail.Amador Ribeiro Neto
254
o corvo de joão cabral
nunca nem morre e(ver)
pois sendo um & de cuja espécie não existe algum
vive
certo sim certo não aqui ali na contramão
Poemas
255
o que seria de lampião sem o ponto cruz
o céu o sol o sertão cem centos pontas facas
balas & cactos lâminas & lixas representamentos
imagens
bornal em zelosa karmação armada de ponto cruz
Amador Ribeiro Neto
256
tom atômico jobim
na navegabilidade duns anjos barro-renascentistas
pós-humanos & pluriantenadécios chamam (no) tom astia
o antônio maestro brasileiro chega de saudade há sinal de (o)rganism(o) (o)rgasm(o) no planeta brasil pega esse cruzeiro navega inverga o galeão chega de avião
Poemas
257
são paulo 3
para o marcelo, in memoriam
o pai que sou &
um dia teve de arrumar as flores no último leito de seu
quarto
filho
nunca de nunca não desimpregna-se jamais do grosso da massa da morte
o pai
tornou-se um campo sem visão
[
Amador Ribeiro Neto 258
mundo
porto passou ficou ponto posto pasto mundo solto mar morto en volto259
Po e s i a
Poemas
Ivan Miziara
i
van miziara, 57 anos, é médico, poeta, ex-jornalista. estreou em poesia em 1981 com Cotidiário (massao Ohno & roswitha Kempf editores). No mesmo ano recebeu menção honrosa no Prê-mio Fernando chinaglia da Academia Brasileira de letras pelo ro-mance O beijo é um símbolo fatal (inédito).Participou da antologia Cem poemas brasileiros (escrita, 1979) e venceu, na categoria poesia, a “mostra literária do dce-livre da usP” (1980). em 1999 lançou Vestígios & resíduos e Inventário da Luz (BmGV editora). em 2006, Pela água e Elegias (BmGV editora, edição limitada). Poemas dispersos 2000-2007, contendo poemas pu-blicados em jornais e revistas e também nos euA e França, saiu em 2007 (BmGV editora).
“O sorriso do dia” (2014) é um poema longo, publicado este ano em edição do autor, é seu sétimo livro de poesia.
Os poemas a seguir fazem parte de um novo livro, Invenção do corpo, ainda inédito.
Ivan Miziara
260
cântico
Para Hilda Hilst uma ave canta
melhor na cegueira. Por isso meus olhos vazei;
para fazer-me a mim de minha garganta pássaro – puro canto.
Poemas
261
sabedoria
existem homens que não sabem o rumo das cerejas
espalhadas pelo quintal; existem homens que não sabem o sabor de mel
do orvalho no inverno.
existem homens que não sabem apenas sentem
que a vida é maior, mais verdadeira que a mais alta das estrelas
que a mais alta das luas na primavera.
Ivan Miziara
262
Poema para mallarmé
se todos os homens são escravos da palavra
eu
que já nem o sou sou do acaso escravo
do vento que transforma a palavra pássaro em folha que cai da árvore molhada de orvalho pelo ínfimo peso de uma gota d’água
Poemas
263
solilóquio
Falei do tempo
como quem fala do caminho entre a relva e a areia do mar como quem fala do dia
vastoso, verde (ou azul) profundo. rumino, apenas rumino
entre o sol a pino e as pedras do cais – preso a meus passos – prisioneiro de mim mesmo. Falei do tempo
ontem e hoje como farei amanhã
Ivan Miziara
264
madrigal
A lúcida luz da manhã parece eterna, longínqua e não sabemos
se essa luz ilumina
abre as comportas de um novo dia ou é apenas memória
fluida
265
Po e s i a
Poemas
Omar Salomão
e
screveu os livros Impreciso (poesia e artes visuais, ed. dantes,2011) e À deriva (poesia, ed. dantes, 2005). como artista visual, participou das exposições 3.a Bienal da Bahia, 18.º Festival
internacional de Arte contemporânea sesc –Videobrasil – Panora-mas do sul (coletiva/sesc Pompeia, Novembro, 2013 – Fevereiro, 2014), Gil70 (coletiva), O que pensei até agora e o que ainda falta pensar (individual/galeria mercedes Viegas, rio de Janeiro, rJ, 2013), Turbulências são apenas nuvens no caminho (indiv./Galeria mercedes Vie-gas, rJ, 2011), entre outras. criou o cenário das peças Não Vamos Pagar de Dario Fo (direção inez Viana/sesi-sP, 2013) e Pedro e o Ca-pitão de Mario Benedetti (direção marcos loureiro/ccBB-sP, 2013). em 2010 desenvolveu o Projeto Lavanderia, com daniel castanheira e ericson Pires, misturando poesia e música eletrônica. de 2004 a 2009, integrou a banda VulgoQinho&OsCara. Foi curador com He-loísa Buarque de Hollanda e Bruna Beber da exposição BLOOKS – letras na rede, sobre literatura na internet, no espaço cultural Oi Futuro, em 2007.
Omar Salomão
266
Apagadas luzes
eu escrevo no escuro pra não te acordar acompanho com pupilas cegas
adivinhando fileiras de letras
extensões, linhas, calculando espaços hipotéticos entre, sem ter a certeza de onde,
sem saber nem ao menos se de fato existem
ou se no caminho entre o movimento dos meus dedos e a ponta de metal a tinta das minhas palavras secaram,
deixando apenas o papel marcado em leve relevo, frases transparentes,
quando, ao nascer do dia, eu já as tiver esquecido, tentarei recuperá-las.
a caneta dança, ágil, vaidosa, inútil e o papel nu, branco no escuro
e eu , na sombra, escrevo e escrevo esse fluxo insone enquanto você respira suavemente no meu ombro e baba.
Poemas 267
Planos
o fio d’água rente a calçada some entreas brechas da boca do bueiro sobra apenas o
delicado som de queda você ouve o que eu ouço? o sangue no vidro fiapos de espelho cortando meus dedos fileiras de insulfilm desencapando o asfalto rimos
seguindo as linhas no retrato arrastado pela rua
o cimento no seu riso surdo de orelha a orelha
todos os retratos do mundo são nossos amor
todos os sorrisos são velhos todos os risos perdidos já vivemos tanto amor
a luz que rasga entre as copas das
árvores e o farol alto
Omar Salomão
268 me procura flores sobre os fios o que lê refletido no brilho fino alcalino dos sorrisos atrás de ajuda
nos anúncios coloridos neon e vidro
Poemas
269
Ouro
são poemas que se perdem tosses que me tiram o sono ideias soterradas sob
capas de cadernos que deixei de abrir sobe, sobe, sobe, sobe!
são paulo me esmaga
que sentido teria se não o fizesse? tvs desreguladas
refletindo azul demais nas paredes da sala as pétalas não querem abrir
antes disso
as raízes que racharam o asfalto secam nesse frio atropeladas
Omar Salomão
270
Por que não?
Biscoito não serve só se diz bolacha
Ah, me deixe beijos, delegada Agrados e mais
Os garfos e serras dos gafanhotos pra destruir
colheitas e previsões. santos já temos todos Feito Bahia e Pernambuco. Banana, cacau e canela. café também.
Falta genipapo,
mas ameixa e jabuticaba servem.