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Memória e as mulheres descendentes da diáspora africana: o uso dos turbantes, ritualística e resistência.

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Memória e as mulheres descendentes da diáspora africana: o uso dos turbantes, ritualística e resistência. Viviane L. da Conceição Doutoranda no CPDOC – FGV e-mail: vlc.lyma@gmail.com Resumo

Este trabalho tem o intuito de iniciar uma reflexão sobre a relação das mulheres negras brasileiras com o uso dos Turbantes, também conhecidos como Ojá, torço, pano de cabeça. Além disso, tem como um dos seus objetivos trazer à tona as simbologias e ritualísticas deste pedaço de tecido, não apenas no aspecto religioso, mas ainda, que se torna uma indumentária repleta de significados. E ainda perceber alguns dos processos de identificação de memória cultural e os processos de construção de identidade social a partir desta indumentária. Para as mulheres da diáspora, enturbantar-se é antes de tudo um ato político, este pedaço de tecido carrega consigo as representações de ancestralidade, identidade e cultura. Atualmente, sendo ainda símbolo de memórias, resistência, autoestima e pertencimento, além de um posicionamento político de aceitação da cultura, servindo como elo entre os países da diáspora Africana. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Pretende-se contribuir para o rompimento das construções sociais hegemônicas que perpassam a subjetividade dessas mulheres e colaborar para a transformação de pensamentos e práticas sociais.

Palavras-chave: Identidade; Memória subterrânea; Turbantes

Introdução

No sentido de identidade e pertencimento, a vida em sociedade é marcada por inúmeros rituais, estes fazem parte de nosso cotidiano, mesmo que muitas vezes nos

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neguemos a dar-lhes efetiva importância. Neste sentido quando falamos em rituais, é muito comum associarmos às atividades religiosas ou povos tradicionais.

Devemos levar em consideração que em toda sociedade há eventos importantes, casamentos, batizados, colação de grau, posse de um presidente, e estes podem ser considerados como rituais, pois representam valores da sociedade que o está praticando. São uma forma de transmitir conhecimento e até mesmo para resolver conflitos, pois compõe o sistema cultural e simbólico (PEIRANO, 2003).

A história é composta por estruturas de significados, uma conjuntura de encontros culturais, e os rituais ao longo do tempo têm plasticidade e permanência. Sendo a cultura um simbolismo, e as relações cotidianas estão repletas deste. De acordo com (SEGALEN, 2002, p.119), “perceber a plasticidade dos ritos e se interrogar sobre as condições sociais dessa variabilidade significa compreender melhor as causas de sua manutenção na sociedade moderna’. A flexibilidade dos ritos, está no sentido que cada indivíduo ou comunidade atribui a ele, pois os elementos são mexidos ou incorporados se houver um terreno social fértil, um caleidoscópio de referências identitárias e simbólicas.

A partir das observações de Lévi-Strauss (2017) passamos a entender que mesmo havendo diferenças entre as sociedades, há um agrupamento basilar de informações que são compartilhadas, aproximando as forças sociais ativas, o que aproxima o comportamento do homem primitivo e o moderno. Em Durkeim (2001) entendemos que é necessário analisar a potência das ações sociais, para identificarmos os aparatos que movem as sociedades. O ritual em termo nativos, tratado de forma etnográfica é visto por (PEIRANO, 2003, p. 49) em suas características como algo que “tem o poder de ampliar, iluminar e realçar uma série de ideias e valores que, de outra forma, seriam difíceis de discernir”. Os rituais nos permitem entender aspectos fundamentais da vida em sociedade, pois os elementos ali usados são comuns no repertório social, com as características marcantes do ritual, os elementos passam por uma condensação, as práticas sociais são reforçadas.

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Para Durkheim (2001) nas sociedades tribais há um senso de comunidade, por realizarem muitas tarefas similares juntos, o que favorece a interdependência entre o grupo. E ao examinar os rituais do totemismo nativo, percebeu similaridades entre as religiões, por estas distinguirem certas coisas como sagradas e outras não. Tendo a religião uma relação intrínseca com a sociedade compondo sistemas de crenças seculares. Defendendo a sociologia do conhecimento, baseando-se nas categorias como poder social, tempo social. Sendo a manutenção da ordem social, um produto dos valores coletivos. Podemos observar que todos os grupos sociais possuem eventos que consideram especiais, no entanto cada sociedade tem ritos diferentes. Temos que ponderar ao analisar os ritos de outras sociedades que os critérios que consideramos como válidos em nosso cotidiano, podem ser totalmente diferentes para outros grupos sociais. Os ritos mais comuns encontrados nas sociedades estão relacionados com o nascimento de um novo membro, como por exemplo o resguardo e a escolha de um nome, simbolizando uma iniciação. Outro rito importante é o que se relaciona com a morte, pertinente a passagem para uma outra condição, os rituais de sepultamento, o rito fúnebre e luto. O ritual não pode ser visto como mera formalidade, pois nos auxilia a compreender os valores e pensamentos de grupo social. Desta forma, o evento em si privilegia o agir, e permite alcançar cosmovisões, permitindo uma reflexão sobre os fenômenos sociais em constante referência às dimensões culturais, Peirano (2003).

Outro fator a ser levado em consideração, nos é apresentado por (SEGALEN, 2002, p. 105) que os meios de comunicação como dinamizador na transmissão dos ritos, uso o exemplo da transmissão televisiva do enterro da princesa Diana, que teve sua transmissão do Reino Unido para muito além das fronteiras daquele país. Permitindo as pessoas das mais diferentes partes do mundo acompanharem o cortejo fúnebre, um rito de passagem; “a sociedade da comunicação reforça então o poder do ritual”.

Um exemplo de transmissão de tradições e costumes em muitas antigas comunidades rurais era feita pelos membros mais velhos, que ficam em responsabilidade de cuidar dos netos enquanto os pais estão na lavoura, como ilustra BLOCH (2006). Nas comunidades dos povos originários é comum a observação as considerações e conselhos

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dados pelos anciões, por serem estes comparados à bibliotecas vivas, portadores dos conhecimentos e da historicidade de sua comunidade.

Dentro da questão de costumes e tradições sociais, temos que levar em consideração ainda a identidade social, formada da interação entre o indivíduo e os demais sujeitos sociais. Onde o “eu” original seria modificado de acordo com o diálogo constante com os aspectos culturais exteriores, internalizando seus significados, formando processo de transformação contínua. No entendimento de HALL (2005) “a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia”. Pois para este autor podemos nos identificar com uma multiplicidade de identidades de acordo com as representações culturais que nos são expostas, tornando tal processo altamente complexo. E o que estaria diferenciando as sociedades ‘modernas’ das sociedades ‘tradicionais’, é o processo rápido e constante de mudanças por qual passam as sociedades modernas, onde as práticas sociais são constantemente reformadas, abrindo possibilidade de articulações e criação de novas identidades.

De acordo com Chagas (2003, p.141) “O caráter seletivo da memória implica o reconhecimento de sua vulnerabilidade à ação política de eleger, reeleger, subtrair, adicionar, excluir e incluir fragmentos no campo do memorável”. Na construção do processo da preservação das memórias, está intrínseca uma ação política, e de quem tem o poder de eleger, incluir ou excluir. Tal fato, possibilitará a interpretação do passado a partir das memórias previamente selecionadas. Devemos levar em consideração que as memórias coletivas de uma nação são construídas e influenciadas pela memória tida como oficial, e esta por sua vez, não tem dado o devido espaço e reconhecimento as memórias populares, colocando-as como memórias subterrâneas (POLLACK, 1989).

O capital cultural fica inserido nas relações de poder, compondo métodos de afirmação identitária e estratégias de posicionamento perante as culturas hegemônicas, (FARIAS, et al, 2011). Tais circunstâncias são por demasiado complexas e necessitam de um estudo futuro mais profundo.

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Breve histórico da escravização no Brasil

O Brasil foi a última nação das Américas a abolir a escravidão, estima-se que até o ano de 1850 quando data o fim do tráfico negreiro, afere-se que mais de 3,6 milhões de africanos tenham sido obrigados a vir para esta nação. SCHWARCZ (2013). Uma escravidão que se prolongou por mais de três séculos. Tratados como propriedade, peça ou coisa bestial, os africanos perderem sua origem e o direito à identidade, assim como seus próprios nomes ao serem sumariamente batizados ao chegarem aos portos. O escravo era alugado, penhorado ou leiloado, classificados sob a rubrica de bens semoventes, assim como os animais da propriedade. Segundo a historiadora (SCHWARCZ, 2001, p.39), o regime escravista “supõe a posse de um homem por outro, legitimou com sua vigência a hierarquia social, naturalizou o arbítrio e inibiu toda a discussão sobre cidadania. [...] e a violência se legitimou nessa sociedade das desigualdades”. Não é possível precisar o número exato de escravos, visto que em 1891, o ministro de finanças Rui Barbosa, assinou a circular número 29, em 13 de maio, onde ordenou a destruição dos documentos históricos e arquivos relacionados com o comércio escravista. Dava-se início a um processo de apagamento.

A campanha abolicionista, em fins do século XIX, mobilizou vastos setores da sociedade brasileira. No entanto, passado o 13 de maio de 1888, os negros foram abandonados à própria sorte, sem a realização de reformas que os integrassem socialmente. Por trás disso, havia um projeto de modernização conservadora que não tocou no regime do latifúndio e exacerbou o racismo como forma de discriminação. (MARANGONI, 2011, p.1).

Muitos foram os atos de rebeldia dos escravos, vários cometeram suicídio, ou o que se chamou de Banzo, uma depressão que os levava a morte. Várias fugas foram intensificadas, principalmente nos anos de 1880. Portanto, ao ser sancionada a lei Áurea, pela princesa Isabel em maio de 1888, muitos cativos já haviam conquistado sua liberdade, importante ressaltar que esta lei não se preocupou em incorporar os recém libertos a sociedade. Tendo a partir de então os negros que competirem num processo desigual com a mão de obra do imigrante. Para este enorme contingente de pessoas recém libertas dos grilhões, não houve nenhum tipo de política ou projeto de inserção dos

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homens e mulheres negras na esfera social, a eles continuavam sendo negados os direitos fundamentais, a garantia de uma existência digna, saúde e educação.

A partir dos anos de 1870, alguns intelectuais, pertencentes a classe hegemônica, passaram a apresentar estudos, tendo como base uma ciência positivista, mensurar a partir de atribuições físicas a diferença entre as raças. Inicia-se então um racismo científico, quando sobrepõe uma raça a outra. No Brasil, segundo (SCHWARCZ, 2001, p. 43) as teorias “serviram para explicar a desigualdade como inferioridade, mas também apostaram em uma miscigenação positiva, contanto que cada vez mais branca”.

Paralelemente ao processo de liberação dos escravos, teve início uma política de branqueamento favorecida pela entrada maciça de imigrantes europeus no século XIX. Somou-se ao rol de desafios enfrentados por uma população negra estigmatizada e desamparada, o processo de embranquecimento e o mito da democracia racial, que de acordo com Abdias Nascimento, trata-se da utilização de eufemismos raciais, por parte de Freyre, em sua obra insistir no termo morenidade, no entendimento de (NASCIMENTO, 2017, p. 49), sobre a democracia racial, temos o seguinte:

“não se trata de um ingênuo jogo de palavras, mas sim de proposta de vazando uma extremamente perigosa mística racista, cujo objetivo é o desaparecimento inapelável do descendente africano, tanto física como espiritualmente, através do malicioso processo de embranquecer a pele negra e a cultura do negro”. Inicia-se ainda a concepção pérfida de que as raças que deram origem a população brasileira, o índio, o negro e o branco europeu viviam em harmonia, em igualdade, assim também como a ausência de sentimentos ou atitudes discriminatórias em relação a outras raças. Apesar de a história brasileira apresentar uma convivência equilibrada entre as etnias 1que formaram a população brasileira. Barbosa (2006) nos relata que

1 De acordo com as pesquisas de Lima (2008), no que se refere aos estudos étnico-raciais “a perspectiva teórica do uso dos conceitos de afrodescendência, etnia e identidade negra, sem perder de vista o conceito e raça como categoria historicamente implicada com a afrodescendência da população brasileira e do racismo como instrumento de desigualdade nos diversos espaços da sociedade. Para Gomes (2005) “o Movimento Negro e alguns sociólogos, quando usam o termo raça, não o fazem alicerçados na ideia de raças superiores ou inferiores, como originalmente era usada no século XIX”. Tal termo apresenta-se como uma dimensão político e social. Atribuindo ao termo raça um contexto político, através das análises das dimensões históricas e culturais no Brasil. É possível então compreendermos que raças são na realidade construções sociais, produzidas nas relações de poder.

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“Independentemente de qualquer evidência empírica em contrário, o brasileiro se percebe como um “cara’ igualitário, aberto e sem preconceito e vê o seu país como uma sociedade não-discriminatória.” (p.126). Não obstante a autora nos apresenta que o racismo e a discriminação então presentes em nossa sociedade e atuam nas mais diferentes formas, seja sutil ou de forma densa e violenta.

“lembro apenas a existência de entradas de serviços na maioria dos prédios brasileiros, independentemente do nível de renda dos moradores e da localização geográfica. As entradas secundárias são um momento vivo e eufemístico à discriminação social (empregadas) e racial (negros), embora todos neguem veementemente isso. Cito por exemplo os vários incidentes envolvendo síndicos, moradores e visitantes – atores principais de situações constrangedoras de discriminação grosseira. Empregadas retiradas à força do elevador social, usado, sem o menor pudor, para o transporte de animais de estimação. Visitantes negros impedidos por síndicos e porteiros de usarem o elevador social porque foram confundidos com serviçais etc.” (BARBOSA, 2006, p.127).

A substituição do racismo científico, pelo processo ideológico de democracia racial tratou de considerar a miscigenação como característica básica da formação e identidade nacional. Para (ALMEIDA, 2019, p. 197). tal processo envolve um complexo esquema de dominação política e econômica. Na análise deste “Achar que no Brasil não há conflitos raciais diante da realidade violenta e desigual que nos é apresentada cotidianamente beira o delírio, a perversidade ou a mais absoluta má-fé.” A corrente ideológica na qual está inserido o mito da democracia racial, pretende negar a existência de desigualdades entre negros e brancos, afirmando haver igualdade de oportunidades e tratamentos, atuando como mecanismo de perpetuação dos estereótipos e assim reforçando abismos sociais. Tal visão idílica, na verdade esconde seu caráter pérfido, tornou-se muito útil as elites brasileiras, para disfarçar os contextos de violência e dominação praticados contra negros e índios.

Ao nos referirmos ao termo identidade, é importante salientar o posicionamento da pesquisadora Gomes (2005), que apresenta a identidade não como algo inato, mas

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“a um modo de ser no mundo e com os outros [...] indica traços culturais que se expressam através de práticas linguísticas, festas, rituais, comportamentos alimentares, tradições populares referências civilizatórias que marcam a condição humana”.

Para a pesquisadora Lima (2008) devemos ainda refletir sobre o racismo institucional, pois este refere-se “às operações anônimas de discriminação em organizações, profissões ou inclusive de sociedades inteiras”. É importante salientar que, a identidade negra é construída durante a trajetória escolar e os atores sociais que compõe o corpo de educadores esteja consciente de sua responsabilidade social dentro deste contexto complexo, contribuindo de forma positiva no respeito as diversidades apresentadas pelos discentes. De acordo com Gomes (2005), “construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que historicamente, ensina aos negros, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo é um desafio pelos negros e pelas negras brasileiras”.

Falar da história da população negra no Brasil é falar de uma população que carrega um fardo histórico de invisibilidade, revoltas e como diria Conceição Evaristo “nadificação2 de sua existência”. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2016 pretos e pardos somavam a maioria da população, 54,9%. Segundo estatísticas deste mesmo órgão, o Brasil ainda está distante de uma redução da desigualdade racial, tendo em vista que os brancos têm os maiores salários, acesso a maioria das vagas no ensino de nível superior e sofrem menos com o desemprego. Tal realidade é uma herança do colonialismo somado ao fato de sermos o último país a acabar com a vexatória política escravocrata.

Memória: o uso dos turbantes

Neste estudo, entende-se o patrimônio cultural imaterial vinculado a questões que permeiam a sociedade, como práticas sociais, relaciona-se com a construção de

2 Termo utilizada pela escritora em suas palestras para tratar do fenômeno da invisibilização social, ou humilhação social.

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identidades (Tolentino, 2003). E a necessidade de valorização das identidades locais, antepondo-se ao mundo marcado pelos efeitos da globalização. Para Pollak (1992, p. 5), " a memória constitui o sentimento de identidade, tanto a memória coletiva e individual, e sendo um fator importante para a continuidade e coerência de um indivíduo ou um grupo, trabalhando assim a reconstrução desses". A política de patrimônio resguarda o sujeito social, seu conhecimento, sua sabedoria. Desta feita, torna-se necessário compreender a relevância histórica da mulher, enquanto memória viva, detentora de modos de fazer. Seu papel dentro do espaço econômico e social da construção de cultura das comunidades.

A história dos turbantes remete aos países do oriente, sua origem concretamente não é conhecida, mas data-se de antes de Cristo. Muito utilizado pelos homens nas religiões islâmicas, para a proteção da cabeça e consequentemente dos pensamentos. De acordo com (LODY, 2004, p.84) para os mulçumanos o turbante “opõe-se a tudo que é profano, ele protege o pensamento sempre propenso a dispersão, ao esquecimento.” Também usado pelos seguidores da Sikh, Índia. Utilizado pela população em seu cotidiano, como em cerimônias religiosas e em cerimônias de casamento faz parte do traje do noivo.

No continente africano há referência ao uso de turbantes, tratam no antigo Egito como parte das vestimentas dos faraós. Mesmo sofrendo a influência dos diferentes culturas e transformações, o turbante é um dos instrumentos de organização da hierarquia das religiões de matriz africana, para proteger o Ori (cabeça) no Candomblé. O tecido que pode ser amarrado em diferentes partes do corpo, também é utilizado como turbante. E dentro da religião pode ser amarrado aos atabaques que serão usados nas cerimônias, ou em grandes árvores do terreiro onde a cor representará determinado Orixá, (LODY, 2004).

A partir de uma visão racista, as religiões de matriz africana foram tratadas em nível mais baixo de evolução quando comparadas as demais religiões, pois foi classificada como fetichistas, mágica, exótica. Associada ao primitivismo, tal associação introduz estereótipos e preconceitos. Quando refletimos sobre os silenciamentos impostos a

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população diaspórica, creio ser importante a pesquisa de Kilomba (2019), que inicia sua reflexão, tratando do silenciamento. As práticas de silenciamento são representadas principalmente ao falar da máscara que as mulheres e homens que foram escravizados pelo colonizador eram obrigados a usar, não somente com o objetivo de impedir que se alimentassem durante a exaustiva jornada de trabalho, mas ainda, para impedir qualquer manifestação de protesto. Tal objeto de controle e tortura era imprimido, somado a outros meios para conter a população escravizada. Na proposta de silenciamento dos sujeitos negros, já não mais utiliza-se uma máscara, pois a partir do momento que ele é o outro, não tem que ser ouvido, mesmo que consiga falar, o colonizador não o escuta. Então, “aquelas/es que não são ouvidas/os, se tornam aquelas/es que não pertencem” (Kilomba, 2019, p.43).

Apesar de todo o processo de apagamento, os negros que chegavam ao Brasil, traziam consigo sua cultura, e sua religião, a religião dos Órisá3. Para (MAGGIE, apud Caputo, 2012, p. 43),

“chamar as religiões de afro escondia um medo de chamá-las de religiões negras. As origens africanas lhes davam um caráter mais ‘limpo e aristocrático’. A África estava longe, os africanos são estrangeiros e isso lhes confere outro status”.

O processo de escravização significou a separação dos laços familiares e sociais. Segundo BERKENBROCK apud CAPUTO (2012, p. 45)

“tirar a própria vida era uma forma de resistência. Os escravos sabiam que podiam através do suicídio prejudicar seu dono e souberam utilizar essa forma de vingança. Inclusive crianças chegaram a se suicidar. [...] o suicídio não tinha apenas motivo político, mas também religioso. Através da morte, havia a esperança de voltar à pátria dos pais.”

Os segredos dos cultos africanos sãos preservados na memória das Ialorixá4 e dos Babalorixás5, sendo transmitidos aos filhos de Santo em cerimônias e ritos. Esse conjunto de informações torna-se a herança como uma narrativa atemporal, reforça a autoridade deste grupo social, colocando-se como uma guardiã desta memória, que se torna uma

3 Escrita em Yorùbá, língua nativa de negros de diferentes regiões africanas. 4 Sacerdotisa, chefe do terreiro de Candomblé.

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memória coletiva. Reforçando laços de coesão social a partir de processos ritualizados trazendo características de um passado mítico, oscilando entre o particular e coletivo, ao mesmo tempo acenando para o futuro, Caputo (2012).

É importante salientar que as religiões africanas foram discriminadas desde a chegada desta população, pois o Estado era católico e qualquer outro tipo de credo era proibido. Sendo assim, aos negros era imposto o silenciamento e a obrigação de aceitar a religião dos senhores de escravos. Podemos citar que o Império do Brasil, em 1831, teve seu código criminal, o artigo 276, que tratava como ofensa celebrar outro credo. VERGER (apud CAPUTO 2012, p.130) ilustra que:

“os africanos conseguiram sua sobrevivência como raça e como cultura, resistindo de forma tão sutilmente inteligente que foi confundida com aceitação dos cânones brancos ou com inferioridade cultural. Quando fomos até os testamentos, inicialmente nos espantamos com a falta de pistas deixadas pelos africanos quando à própria cultura, até que nos apercebemos de que o maior vestígio era o silêncio”.

O pano de cabeça traz consigo um simbolismo de fé, de tradição. Na década de 60 com os movimentos de resistência negra americano, este veio ao cenário como um dos símbolos de resistência desta população, tornando-se uma atitude política, identitária. Ao contrário do que ocorreu na década de 30, quando o estilista francês Paul Poiret, introduziu-o como acessório da alta costura6, sendo utilizado por mulheres sofisticadas da época, perdendo assim seu simbolismo original, sendo usado apenas como adereço.

Vale refletir sobre o uso do turbante como um possível patrimônio cultural imaterial, pois ele traz consigo um rol de subjetividades e significados para a população negra. Para NOGUEIRA (2002, p.142, apud Monteiro; Ferreira, 2005, p.388) “não é apenas cor, textura, matéria prima, forma e função. O objeto é tudo isso, e mais história, contexto cultural, emoção, experiência sensorial e comunicação corporal”. É possível transmitir valores de uma cultura, uma linguagem significativa da cultura africana. Assim,

6 Matéria do Jornal do Paraná, Folha de Londrina. Intitulada: A moda que faz a sua cabeça. No endereço

https://www.folhadelondrina.com.br/folha-da-sexta/a-moda-que-faz-sua-cabeca-749973.html acessado em 02 de junho de 2019.

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como patrimônio pode ser interpretado como signo polifônico, baseado em diferentes interpretações de mundo, potencializando significados.

Ao considerarmos o turbante, as práticas de “amarração” deste tecido seja na cabeça, ou no busto, como possibilidade de símbolo cultural, patrimônio imaterial, pois segundo o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, os bens culturais de natureza imaterial são os que dizem respeito a “práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações, [...]; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas)”7 Sendo o patrimônio cultural transmitido entre as gerações, gerando um sentimento de identidade e continuidade, sofrendo constantes ressignificações no decorrer do tempo.

Torna-se importante salientar que, a partir do amplo comércio de acessórios como turbante e guias, desligados do seu sentido, de sua simbologia, estes começam a perder sua ligação com a memória social de seu povo, e dos aspectos característicos do passado. No que podemos chamar de apropriação cultural, pois o uso destes passa a ser atrelado apenas a ornamentação. Porém, quando utilizados pelos descendentes das religiões de matriz africana, tais objetos são ligados por saberes, tradições, afetividades. Ao entender a história de tradições que esses objetos carregam, pode-se evitar o esvaziamento de seus significados e sua banalização. Os turbantes são utilizados ainda como elo de ligação entre as mulheres, sendo um instrumento de divulgação da beleza da cultura diaspórica e um símbolo de resistências as inúmeras investidas de práticas racistas e de silenciamento da cultura das negras e negros.

Discute-se de que forma a utilização de determinados aspectos da cultura, símbolos, pelas classes tidas como dominantes, podem afastar o sentido legítimo e ressignificar as demais culturas. Tornando-se uma tática para impor a cultura dominante, exemplo deste fato ocorre quando observa-se algumas festas direcionas ao público da classe hegemônica, que “utilizam objetos e termos oriundos das práticas religiosas de matriz africana para identificar a temática de festas, que normalmente não passam de um

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evento voltado para o lazer, sem nenhuma conotação religiosa” (PINHEIRO, 2015). Tais atitudes são tidas como desrespeitosas pelos religiosos que veem seus turbantes, guias de santo e pulseiras usadas como decoração, itens tratados como exóticos, alheio aos sentidos das práticas dos filhos e filhas de Santo.

Considerações Finais

Ainda há muito a ser discutido e pesquisado dentro do ensejo da diáspora Africana, e de todos os que dela provieram. Importante salientar que, as discussões sobre o que é característico ou não à cultura africana pertence não apenas a uma pauta de apropriação cultural, mais ainda sobre desigualdades sócio raciais e política. Neste sentido, artefatos, expressões e ritos são utilizados em uma estratégia de dominação, onde retira-se a legitimação original, identidade coletiva, e atribui-se novos significados.

Sendo assim a partir dos estudos sobre rituais, podemos entender que os membros das religiões de origem africana, evitam que suas cerimônias e práticas ritualísticas caiam em desuso. Evitam a fragmentação de seus papéis sociais e reestabelecem o equilíbrio nas relações ressignificando as mesmas. A partir desta observação, tem-se que os ritos podem ordenar o universo cotidiano, são momentos de exaltação coletiva. Reforçam o sentimento de pertencimento, reunindo presente e passado da comunidade, tendo uma configuração espaço temporal específica, fruto de uma aprendizagem.

Este texto não tem a pretensão de findar a discussão sobre o tema, contudo entende-se que, a riqueza dos simbolismos da tradição africana, contribui para transmissão de valores às sucessivas gerações da Diáspora. Pois conforme GOMES e OLIVEIRA, “isto implica aprender com o passado – com os ancestrais – para construir o presente e o futuro dos nossos jovens, crianças e não nascidos” (2019, p. 11). É importante refletir e ressignificar os valores epistemológicos africanos, sua experiência filosófica e cultural, alicerçar-se em sua memória e ancestralidade. Usar turbantes, pulseiras e guias como signos da matriz africana, e lembrar que os terreiros possuem um viés pedagógico, são locais onde se pratica a filosofia e se produz conhecimento. É de fundamental

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relevância a construção de uma sociedade mais justa que repudie qualquer forma de discriminação, e ainda a inserção de práticas que auxiliem na superação do racismo e na redução das desigualdades sociais. Os significados, e os diferentes formatos para utilização dos panos de cabeça, são passados para as gerações seguintes, são saberes transmitidos oralmente, e praticados por coletivos negros, e esse fazer traz consigo as memórias dos ancestrais, ressalta-se o protagonismo feminino nesta prática, fazendo a intersecção das mulheres negras da diáspora transatlântica entre África e Brasil.

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Referências

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