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CONSELHO DE DISCIPLINA

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CONSELHO DE DISCIPLINA

SECÇÃO PROFISSIONAL

Processo n.º - 8 – 2020/2021

DESCRITORES: Uso ilícito de slogans ou de

publicidade – Leis do jogo – Equipamento –

Roupa interior – Slogans, declarações ou

imagens políticas, religiosas ou pessoais –

Inobservância de outros deveres – deveres de

lealdade, correção e retidão no plano

desportivo

Proporcionalidade

Arquivamento.

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ESPÉCIE: Processo disciplinar

PARTES: Adewale Oluwafemi Sapara (Lic. n.º 1127709), jogador da Leixões Sport Clube – Futebol, SAD;

OBJETO: Eventual uso ilícito de slogans ou publicidade no jogo n.º 20107 (204.01.007), entre a Leixões Sport Clube – Futebol SAD e a Casa Pia Atlético Clube – Futebol SDUQ, Lda., realizado no dia 13 de setembro de 2020, a contar para a Liga PRO;

DATA DO ACÓRDÃO: 13 de outubro de 2020 TIPO DE VOTAÇÃO: Unanimidade

RELATOR: Marta Vicente

NORMAS APLICADAS: Artigos 19.º, n.º 1, 161.º, 167.º e 234.º n.º 3, todos do RDLPFP19; artigo 80.º, n.º 3, al. d) do RCLPFP19.

SUMÁRIO:

I. De acordo com o artigo 161.º do RDLPFP19, constitui infração disciplinar a conduta do jogador

que, em desrespeito pelas Leis do jogo, exiba slogans, imagens ou formas de publicidade fora dos locais regulamentarmente previstos e independentemente do seu suporte.

II. Não desrespeita as Leis do jogo o jogador que, sem conexão com o respetivo equipamento

ou roupa interior, exiba t-shirt contendo slogans, declarações ou imagens políticas, religiosas ou pessoais.

III. Admite-se que os deveres de lealdade, correção e retidão no plano desportivo, bem como o

interesse na boa organização do espetáculo desportivo, reclamam que o jogador profissional se iniba de, através de outros suportes (que não o equipamento e a roupa interior), usar o evento desportivo para manifestações não relacionadas com o desporto. Daqui não resulta, porém, uma proibição absoluta de quaisquer manifestações de individualidade ou da personalidade do jogador no terreno de jogo, estando a solução disciplinar e constitucionalmente adequada dependente de um balanceamento dos direitos e interesses em presença.

IV. Destarte, não pratica a infração disciplinar p. e p. no artigo 167.º [Inobservância de outros

deveres] o jogador que exiba, aquando da celebração de um golo, uma t-shirt não vestida contendo imagem de pessoa falecida e uma inscrição dizendo “Rest well my friend. We miss you Boss”.

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ACÓRDÃO

Acordam, em Plenário, ao abrigo do artigo 206.º, nº 1, do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional1 os membros do

Conselho de Disciplina, Secção Profissional, da Federação Portuguesa de Futebol,

I – Relatório

1. Por deliberação datada de 15.09.2020, a Secção Profissional do Conselho de Disciplina da

Federação Portuguesa de Futebol instaurou e remeteu, no dia 16.09.2020, à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante, CI), o presente processo, autuado como processo disciplinar, em que é Arguido o jogador Adewale Oluwafemi Sapara (Lic. 1127709), e cujo o objeto é «[E]ventual uso ilícito de slogans ou publicidade no jogo n.º 20107 (204.01.007), entre a Leixões Sport Clube – Futebol SAD e a Casa Pia Atlético Clube – Futebol SDUQ, Lda., realizado no dia 13 de setembro de 2020, a contar para a Liga PRO» (cfr. capa do processo).

2. Na sequência do despacho do Exmo. Senhor Presidente da Comissão de Instrutores, datado

de 17.09.2020 e proferido ao abrigo do artigo 210.º, al. c) do RDLPFP19, o processo foi distribuído ao Senhor Dr. Rogério Macedo Oliveira, nomeado instrutor e incumbido de realizar o subsequente procedimento disciplinar contra o jogador Arguido, dando início à respetiva instrução.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 227.º do RDLPFP19, em despacho datado

de 18.09.2020 (fls. 16 a 17), determinou o Ilustre Instrutor que se procedesse à notificação do Arguido, informando-o:

a) Da abertura do presente processo disciplinar pelo Conselho de Disciplina da FPF; b) Que o mesmo tem por objeto a factualidade melhor resultante do jogo oficialmente

identificado sob o n.º 20107, realizado no Estádio do Mar, entre a Leixões Sport Clube –

1 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na

Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 22 de junho de 2019, doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP19. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP.

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Futebol, SAD e a Casa Pia Atlético Clube – Futebol, SDUQ, Lda., no dia 13.09.2020, pelas 16:00, relativo à 1.ª jornada Liga PRO, concretamente a constante no Relatório do árbitro, elaborado por ocasião do jogo em referência, quando por volta dos 31 minutos de jogo «O jogador número 7 da equipa A, após a marcação de um golo, dirigiu-se para uma das bandeirolas de canto e exibiu uma t-shirt, não tendo sido possível perceber o que estava lá escrito» - factualidade essa suscetível de integrar infração disciplinar p. e p. no artigo 161.º [Uso ilícito de slogans ou de publicidade] do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional;

c) De que poderia, querendo, pronunciar-se, nomeadamente por escrito e no prazo de

5 (cinco) dias, acerca dos factos em investigação, tendo o direito de requerer diligências instrutórias pertinentes e necessárias para o objecto dos presentes autos.

4. Por se poder revelar essencial à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, foi

ainda ordenado, ao abrigo do disposto no artigo 228.º, n.º 2 do RDLPFP19, a título de diligências instrutórias (fl. 17):

• Que fosse junto aos autos o extrato disciplinar do Arguido;

• Que se procedesse à junção da gravação das imagens oficiais do jogo em apreço nos autos ou, inexistindo esta, da gravação integral do jogo a que alude o artigo 50.º, n.º 1 do Regulamento da Competições da Liga Portugal [gravação integral do jogo, sempre que este não seja objeto de transmissão

televisiva em canal aberto ou fechado e promover o seu envio à Liga Portugal, no final do jogo];

• Que se procedesse à notificação do Departamento competente da Liga Portugal para proceder à junção aos autos da compilação de notícias exclusivamente atinentes ao jogo oficialmente identificado sob o n.º 20107, realizado no Estádio do Mar, entre a Leixões Sport Clube – Futebol, SAD e a Casa Pia Atlético Clube – Futebol, SDUQ, Lda., no dia 13.09.2020, pelas 16:00, relativo à 1.ª jornada da Liga PRO.

5. Na sequência da notificação efetuada para que, querendo, se pronunciasse sobre os factos

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constante de fls. 63, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, destacando-se o seguinte segmento:

«(...)

2. Atenta a factualidade acima descrita, resulta claro que estamos perante uma situação em que o jogador apenas e tão só pretendeu prestar homenagem a um amigo de infância que de forma trágica e precocemente perdeu a sua vida.

(...)»

6. Finalmente, por Despacho datado de 22.09.2020 a fls. 65-66, o Ilustre Instrutor determinou,

ao abrigo do preceituado no artigo 228.º do RDLPFP19, que se procedesse à notificação do árbitro principal [Rui Lima], para que viesse aos autos prestar os seguintes esclarecimentos:

«(...)

Considerando o concretamente vertido no Relatório de árbitro elaborado por ocasião do jogo em referência, designadamente quando, por volta dos 31 minutos de jogo, «O jogador número 7 da equipa A, após a marcação de um golo, dirigiu-se para uma das bandeirolas de canto e exibiu uma t-shirt, não tendo sido possível perceber o que lá estava escrito», e considerando ainda a fotografia que se apurou ser a correspondente à imagem exibida,

a) A mera exibição de uma t-shirt, no decurso de um jogo, nos termos e conforme exibida pelo atleta Adewale Oluwafemi Sapara, jogador da Leixões Sport Clube – Futebol, SAD, consubstancia alguma infração às Leis do Jogo? Em caso afirmativo, qual a Lei(s) do Jogo violada(s) e a sua transcrição?

b) Atento o conteúdo da mensagem exibida na t-shirt e visualizado agora o mesmo, consubstancia o comportamento do atleta Adewale Oluwafemi Sapara, jogador da Leixões Sport Clube – Futebol, SAD, alguma infração às Leis do Jogo? Em caso afirmativo, qual a Lei(s) do Jogo violada(s) e a sua transcrição?

(...)»

Notificado do Despacho de fls. 65-66, veio o árbitro [Rui Lima] responder o seguinte, através de comunicação eletrónica de fls. 69:

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1. A mera exibição da t-shirt não consubstancia qualquer infração às Leis do Jogo, pelo facto de o jogador não tirar a camisola de jogo nem cobrir a cabeça com a mesma;

2. Não foi possível identificar o conteúdo da mensagem exibida na t-shirt no terreno de jogo, no entanto, pela imagem apresentada, não constitui qualquer infração às Leis do Jogo.

(...)»

§ Relatório Final

7. Considerando encerrada a atividade instrutória, o Ilustre Instrutor elaborou, em 28.09.2020,

o Relatório Final, constante de fls. 70 a 79, que se dá aqui por inteiramente reproduzido para todos os efeitos. Importa realçar, no plano da apreciação jurídico-disciplinar, as seguintes passagens:

«(...)

• Ainda que a mensagem e imagem em causa sejam de conteúdo pessoal e

referentes a pessoa que haveria falecido, a sua exibição consta de uma t-shirt (não vestida) sem qualquer conexão com o equipamento do jogador, e sem que contenha linguagem ofensiva, injuriosa ou grosseira, ou consubstanciem, ambas, Gesto provocatório, de troça ou inflamatório – Lei 04 – O equipamento dos jogadores [Interpretação da lei]

• Confrontado o árbitro principal do encontro com a exibição da referida imagem

e mensagem, foi o mesmo peremptório ao afirmar que “A mera exibição de t-shirt não consubstancia qualquer infração às Leis do Jogo, pelo facto de o jogador não tirar a camisola de jogo nem cobrir a cabeça com a mesma” e que a “imagem apresentada, não constitui qualquer infração às Leis do Jogo”;

Conclui-se pela inexistência de indícios suficientes da prática, pelo arguido, da infração disciplinar p. p. pelo artigo 161.º do RD [Uso ilícito de slogans ou de publicidade].

(...)»

8. Em linha com as passagens transcritas, pugnou o Ilustre Instrutor, na Proposta final, pelo

arquivamento do processo disciplinar, ao abrigo do disposto no artigo 234.º do RDLPFP19.

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9. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1 do RJFD20082, compete a este Conselho, de acordo com a lei e com os regulamentos e sem prejuízo de outras competências atribuídas pelos estatutos e das competências da liga profissional, instaurar e arquivar procedimentos disciplinares e, colegialmente, apreciar e punir as infrações disciplinares em matéria desportiva. No mesmo sentido, dispõe o artigo 15.º do Regimento deste Conselho.3

III – Ponto prévio

10. Sendo o presente acórdão prolatado na vigência do RDLPFP20,4 que entrou em vigor no dia

16.09.2020, na sequência da publicação do Comunicado Oficial n.º 83, datado de 15.09.2020

(mas publicado no dia seguinte),5 cumpre indagar se a sucessão de regimes regulamentares

levanta, in casu, um problema de aplicação da lei no tempo.

11. Ora, desde já se avança que esse problema não se coloca. Com efeito, a Disposição

transitória 1.ª do novo Regulamento estatui o seguinte: «O presente Regulamento entra em vigor imediatamente após a publicação em comunicado oficial da deliberação de ratificação pela Assembleia-Geral da FPF, nos termos do artigo 47.º dos Estatutos Federativos» (o itálico é nosso).

12. Em linha com os anteriores, o RDLPFP20 contém disposições específicas em matéria de

aplicação no tempo, lendo-se no artigo 11.º o seguinte: «(...)

1. As sanções são determinadas pela norma punitiva vigente no momento da prática da infração disciplinar.

2 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (Regime Jurídico das federações desportivas e do

estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2º e 4º Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio.

3 Disponível, na íntegra, na página da Federação Portuguesa de Futebol.

4 Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional aprovado na

Assembleia Geral Extraordinária de 27 de junho de 2011, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 14 de dezembro de 2011, 21 de maio de 2012, 06 e 28 de junho de 2012, 27 de junho de 2013, 19 e 29 de junho de 2015, 08 de junho de 2016, 15 de junho de 2016 e 29 de maio, 13 de junho de 2017, 29 de dezembro de 2017, 13 de junho de 2018 e 29 de junho de 2018 e de 22 de maio de 2019 e de 28 de julho de 2020, ratificado na reunião da Assembleia Geral da FPF de 26 de agosto de 2020, doravante abreviado, por mera economia de texto, por RDLPFP20. O texto regulamentar encontra-se disponível, na íntegra, na página da LPFP.

5 Cf. Comunicado Oficial n.º 83, de 15.09.2020, disponível em

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2. O facto punível como infração por norma legal ou regulamentar no momento da sua prática deixa de ser punível se, em virtude da entrada em vigor de nova disposição legal ou regulamentar, deixar de ser qualificado como infração disciplinar; no caso de já ter havido condenação, ainda que por decisão já definitiva na ordem jurídica desportiva, cessa de imediato a respetiva execução.

3. Quando a sanção aplicável no momento da prática do facto for diversa daquela que vigorar em momento posterior será sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva na ordem jurídica desportiva.

(...)

6. As normas procedimentais previstas no presente Regulamento serão aplicáveis a todos os procedimentos instaurados após a sua entrada em vigor.

(...)»

13. Ora, neste conspecto, uma vez que a factualidade que motivou a abertura do presente

processo foi praticada antes da entrada em vigor do RDLPFP20 (referimo-nos à exibição, pelo jogador Arguido, no jogo realizado em 13.09.2020, de camisola consubstanciando eventual uso ilícito de slogans ou publicidade), e tendo presente que o processo disciplinar foi instaurado ainda na vigência no RDLPFP19 (mediante deliberação desta Secção Profissional com data de 15.09.2020), o direito aplicável, tanto do ponto de vista substantivo como do ponto de vista processual-adjetivo, é o RDLPFP19. Acresce que a norma onde se prevê a referida infração não sofreu alterações – nem na sua hipótese, nem na sua estatuição – pelo que se dispensa o confronto entre os regimes jurídicos sucessivos no sentido de apurar qual o regime jurídico mais favorável ao Arguido.

IV – Apreciação da proposta de arquivamento §1. Da factualidade em causa

14. No contexto das diligências instrutórias, foi apurada a seguinte factualidade com relevância

para a decisão nos presentes autos:

(i) No dia 13.09.2020, pelas 16h00, realizou-se o jogo oficialmente identificado sob o n.º 20107

no Estádio do Mar, disputado entre a Leixões Sport Clube – Futebol, SAD e a Casa Pia Atlético Clube – Futebol, SDUQ, Lda., relativo à 1.ª jornada da Liga PRO.

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(ii) Por volta dos 31 minutos de jogo, conforme Relatório de Árbitro de fls. 6, o jogador número

7 da equipa A [que vem a ser Adewale Oluwafemi Sapara (Lic. n.º 1127709)], após a marcação de um golo, dirigiu-se para uma das bandeirolas de canto e exibiu uma t-shirt, segurando-a com as duas mãos e elevando-a até ao rosto.

(iii) A t-shirt referida no ponto anterior não foi vestida pelo jogador, nem em momento anterior

nem em momento posterior à sua exibição.

(iv) A sobredita t-shirt continha uma imagem de um indivíduo e a frase “Rest well my friend. We

miss you Boss”.

§2. Enquadramento jurídico-disciplinar

A – Fundamentos e âmbito do poder disciplinar

15. O poder disciplinar exercido no âmbito das competições organizadas pela Federação

Portuguesa de Futebol – ou, por delegação, pela Liga Portuguesa de Futebol profissional – assume natureza pública. Com clareza, concorrem para esta proposição as normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 5/2007 de 16 de janeiro (Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto), e dos artigos 10.º, 13.º, alínea i), do RJFD2008.6

16. A existência de um poder regulamentar disciplinar justifica-se pelo dever legal – artigo 52.º,

n.º 1, do RJFD2008 – de sancionar a violação das regras de jogo ou da competição, bem como as demais regras desportivas, nomeadamente as relativas à ética desportiva, entendendo-se por estas últimas as que visam sancionar a violência, a dopagem, a corrupção, o racismo e a xenofobia, bem como quaisquer outras manifestações de perversão do fenómeno desportivo (artigo 52.º, n.º 2, do RJFD2008).

O poder disciplinar exerce-se sobre os clubes, dirigentes, praticantes, treinadores, técnicos, árbitros, juízes e, em geral, sobre todos os agentes desportivos que desenvolvam a atividade desportiva compreendida no seu objeto estatutário (artigo 54.º, n.º 1, do RJFD2008).

Em conformidade com o artigo 55.º do RJFD2008 o regime da responsabilidade disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal.

6 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro (Regime jurídico das federações desportivas e do

estatuto de utilidade pública desportiva) e alterado pelo artigo 4.º, alínea c), da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Cria o Tribunal Arbitral do Desporto e aprova a respetiva lei) e ainda pelos artigos 2.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 93/2014, de 23 de junho, cujo texto consolidado constitui anexo a este último. O artigo 3.º da Lei nº 101/2017, de 28 de agosto, veio também a introduzir alterações neste regime, embora sem relevância neste domínio.

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17. Todo este enquadramento, representa, entre tantas consequências, que estamos perante

um poder disciplinar que se impõe, em nome dos valores mencionados, a todos os que se encontram a ele sujeitos, conforme o âmbito já delineado e que, por essa razão, assenta na prossecução de finalidades que estão bem para além dos pontuais e concretos interesses desses agentes e organizações desportivas.

B - Das infrações disciplinares em geral

18. O RDLPFP encontra-se estruturado, no estabelecer das infrações disciplinares, pela

qualidade do agente infrator – clubes, dirigentes, jogadores, delegados dos clubes e treinadores, demais agentes desportivos, espectadores, árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga.

Para cada um destes tipos de agente o RDLPFP recorta tais infrações e respetivas sanções em obediência ao grau de gravidade dos ilícitos, qualificando assim as infrações como muito graves, graves e leves.

C - Da infração disciplinar em causa

19. No caso concreto, situamo-nos no universo das infrações específicas dos jogadores,

concretamente, do ilícito disciplinar previsto e punido no artigo 161.º do RDLPFP19 [Uso ilícito de slogans ou de publicidade], qualificado como grave,7 cujo texto agora se transcreve na

íntegra: «(...)

Artigo 161

Uso ilícito de slogans ou de publicidade

“1. O jogador que, em desrespeito pelas Leis do Jogo, exibir slogans, imagens ou formas de publicidade fora dos locais regulamentarmente previstos, independentemente do seu suporte, é punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 20 UC e o máximo de 50 UC.

2. Caso a infração tenha sido cometida em jogo objeto de transmissão televisiva ou por outro meio audiovisual, o jogador será punido com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 500 UC.

7Capítulo IV (Infrações disciplinares), Secção III (Infrações específicas dos jogadores), Subsecção III (Infrações

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3. Em caso de reincidência, os limites mínimo e máximo das sanções previstas no número anterior são elevados para o dobro.

(...)»

§3. O caso concreto: subsunção ao direito aplicável

20. Determina o artigo 17.º (Conceito de infração disciplinar), n.º 1, do RDLPFP19, que se

considera infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente

culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.

21. São, assim, elementos essenciais da infração disciplinar, de verificação cumulativa, os

seguintes:

(i) o facto do agente (que tanto pode traduzir-se numa ação como numa omissão); (ii) a ilicitude desse mesmo facto e

(iii) a culpa.

Como sabemos, no plano da culpa basta que estejamos face a uma conduta meramente culposa ou negligente do agente, para que essa conduta, desde que ilícita, seja passível de punição disciplinar, a menos que o tipo de ilícito disponha em sentido diverso.

22. A subsunção ao direito aplicável pressupõe que se efetue a exegese da norma sancionatória

em liça quanto à Arguida, para, assim, verificar se se encontram ou não preenchidos todos os elementos típicos, objetivos e subjetivos, que a mesma comporta, apreciando, no mesmo compasso, a proposta de arquivamento veiculada pelo Ilustre Instrutor. A aplicação do tipo disciplinar previsto no artigo 161.º do RDLPFP19, depende do apuramento de (i) exibição pelo jogador, (ii) em desrespeito pelas Leis do jogo, (iii) de slogans, imagens ou forma de publicidade (independentemente do seu suporte), (iv) fora dos locais regulamentarmente previstos.

23. De uma leitura perfunctória do preceito regulamentar resulta, portanto, que se em certas

situações, a exibição, pelos jogadores, de slogans, imagens ou formas de publicidade está vedada pelas Leis do Jogo, outras há em que essa exibição é admissível à luz daquele mesmo

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normativo.8 A disquisição do sentido dos elementos objetivos do tipo de ilícito p. e p. do artigo

161.º do RDLPFP19 reclama, neste sentido, que o intérprete e aplicador do direito determine quais são as situações de exibição conformes e contrárias às Leis do Jogo.9

24. Como dá conta o Ilustre Instrutor, a Lei do Jogo que versa sobre o tema dos presentes autos

é a Lei do Jogo n.º 04,10 que tem por objeto «O equipamento dos jogadores». Lê-se no ponto 5

dessa Lei, sob a epígrafe «Slogans, mensagens, imagens ou publicidade», o seguinte: «(...)

O equipamento não pode conter slogans, mensagens ou imagens, políticas, religiosas ou pessoais. Os jogadores não estão autorizados a exibir roupa interior com slogans, declarações ou imagens políticas, religiosas ou pessoais ou publicidade para além do logótipo do fabricante. Se for cometida qualquer infração, o jogador e/ou equipa são sancionados pela organização da competição, pela respetiva federação membro ou pela FIFA.

Princípios

A Lei 4 aplica-se a todos os equipamentos (incluindo indumentária) usados pelos jogadores, substitutos e jogadores substituídos; estes princípios também se aplicam a todos os elementos oficiais na área técnica.

• Os seguintes casos são(geralmente)permitidos:

• número do jogador, nome, emblema / logotipo da equipa, slogans / emblemas de iniciativas que promovam o jogo de futebol, respeito e integridade, bem como qualquer publicidade permitida pelas regras de competição ou Federação nacional, confederação ou regulamentos da FIFA

• os dados do jogo: equipas, data, competição/evento, local;

8 Por publicidade entende-se, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 1 do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-lei n.º

330/90, de 23 de outubro, na redação conferida pela Lei n.º 30/2019, de 23 de abril, «qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo direto ou indireto de:

a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.

2 - Considera-se, também, publicidade qualquer forma de comunicação da Administração Pública, não prevista no número anterior, que tenha por objetivo, direto ou indireto, promover o fornecimento de bens ou serviços. 3 - Para efeitos do presente diploma, não se considera publicidade a propaganda política».

O suporte publicitário é, por seu turno, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, al. c) do mesmo Código, «o veículo utilizado para transmissão de mensagem publicitária».

9 De acordo com o artigo 4.º, n.º 1, al. p) do RDLPFP19, por Leis do jogo entende-se «as Leis do Jogo aprovadas pelo

International Football Association board». Encontram-se em vigor, desde junho de 2020, as Leis do Jogo 2020/2021, traduzidas para português pelo Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol, e que podem ser consultadas no site oficial da Federação Portuguesa de Futebol.

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• Os slogans, mensagens ou imagens permitidas devem ser confinados à parte da frente da camisola de jogo, manga e / ou braçadeira;

• Em alguns casos, o slogan, mensagem ou imagem só pode aparecer na braçadeira do capitão.

(...)»

25. Um aspeto prévio que importa clarificar é o de que, não obstante estar em causa a eventual

relevância disciplinar do comportamento de um jogador, no terreno de jogo, em violação das Leis do jogo, não há que aquilatar in casu da aplicação da field of play doctrine nem dos respetivos pressupostos. Esta doutrina – com maturado respaldo na jurisprudência deste Conselho11 – encontra arrimo no princípio da autoridade do árbitro, ou seja, no princípio

segundo o qual as decisões tomadas pela equipa de arbitragem no terreno de jogo, inclusivamente as medidas disciplinares relativas à aplicação das leis do jogo, são decisões finais que devem ser respeitadas pelo órgão disciplinar. Só assim não será, segundo a jurisprudência do CAS (Court of Arbitration for Sport), quando fique demonstrado que o árbitro não percecionou o lance em toda a sua extensão, ou quando fique demonstrada a existência de má-fé por parte do agente de arbitragem,12 nas hipóteses em que este haja percecionado o lance

em toda a sua extensão.13 A Secção Profissional deste Conselho já teve, porém, oportunidade

de esclarecer que quando o árbitro tenha visualizado parte dos factos e os tenha sancionado no terreno de jogo, não é possível, quando os factos visualizados e os não visualizados constituam uma unidade para efeitos disciplinares, sancionar autonomamente e a posteriori a parcela de

11 Cf. Entre outros, cf. Processo Disciplinar n.º 85 2019/2020, acórdão tirado por unanimidade em 09.06.2020 (Relator:

Ricardo Rodrigues Pereira); RHI n.º 60 2018/2019, acórdão tirado por unanimidade em 18.04.2019 (Relator: Maria José Carvalho); RHI n.º 35 2019/2020, acórdão tirado por unanimidade em 03.07.2020 (Relator: Coutinho de Almeida); Processo Disciplinar n.º 81 2019/2020, acórdão tirado por unanimidade em 11.08.2020 (Relator: Marta Vicente).

12Cf. Arbitration CAS ad hoc Division (OG Rio) 16/028 Behdad Salimi & National Olympic Committee of the Islamic

Republic of Iran (NOCIRI) v. International Weightlifting Federation (IWF), award of 21 August 2016 (par. 36-37); CAS ad hoc Division OG 00/013 Bernardo Segura / IAAF, award of 30 September 2000 (par. 17); e Arbitration CAS 2004/A/727 Vanderlei De Lima & Brazilian Olympic Committee (BOC) v. International Association of Athletics Federations (IAAF), award of 8 September 2005 (par. 10). As decisões podem ser consultadas em

https://jurisprudence.tas-cas.org/ (acesso em 07.10.2020).

13Cf. Arbitration CAS 2014/A/3665, 3666 & 3667 Luis Suárez, FC Barcelona & Asociación Uruguaya de Fútbol (AUF) v.

Fédération Internationale de Football Association (FIFA), award of 2 December 2014 (par. 63). A decisão pode ser consultadas em https://jurisprudence.tas-cas.org/ (acesso em 07.10.2020). In casu, o CAS concluiu que os órgãos disciplinares da FIFA seriam competentes para rever as consequências disciplinares do lance (“mordidela” do jogador Luis Suárez a um jogador da equipa contrária) uma vez demonstrado que a equipa de arbitragem não havia percecionado tal lance em toda sua extensão.

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factualidade não percecionada.14

26. Qualificamos estas considerações como desnecessárias no tratamento jus disciplinar da

presente hipótese, uma vez que, por remissão para as leis do jogo, se constata que o comportamento do jogador, sendo disciplinarmente relevante, não é suscetível de sanção pelo

árbitro no terreno de jogo. Com efeito, dispõe o ponto 5 da Lei do Jogo n.º 4 o seguinte: «Se for

cometida qualquer infração [ao preceituado nesse ponto 5], o jogador e/ou a equipa são sancionados pela organização da competição, pela respetiva federação membro ou pela FIFA». Suscetível de medida disciplinar no terreno de jogo (advertência com exibição de cartão amarelo), como esclareceu o Árbitro na resposta de fls. 69, é tão-só o ato de, aquando da celebração de um golo, tirar a camisola ou cobrir a cabeça com a camisola [cf. Lei n.º 12, ponto 3 (Medidas disciplinares), secção relativa à “celebração de um golo”]. Por conseguinte, não estando o árbitro habilitado, à luz das Leis do jogo, a exercer autoridade disciplinar sobre a conduta sob apreciação, não há que indagar da verificação nem dos pressupostos nem das circunstâncias que podem abalar o princípio da autoridade do árbitro.

27. Da leitura do ponto 5 da Lei do Jogo n.º 04 conclui-se, com interesse para os presentes autos,

que: (i) o equipamento do jogador não pode conter slogans, mensagens ou imagens, políticas,

religiosas ou pessoais; (ii) os jogadores não estão autorizados a exibir roupa interior com slogans, declarações ou imagens políticas, religiosas ou publicidade para além do logótipo do fabricante;

(iii) há slogans, mensagens e imagens que podem figurar no equipamento do jogador; (iv) a proibição de publicidade nos equipamentos pode ser derrogada pelas regras de competição, da Federação nacional, da confederação ou pelos regulamentos da FIFA.

28. Importante na identificação dos slogans, mensagens e imagens suscetíveis de figurar no

equipamento do jogador é, para além das leis do jogo, o disposto no Regulamento de equipamentos, constante do Anexo XI ao RCLPFP19. Neste estabelece-se um conjunto de regras sobre o material, emblemas, números, cores, nomes, publicidade e outros elementos facultativos e obrigatórios dos equipamentos dos jogadores das competições organizadas pela Liga Portugal, bem como regras sobre o procedimento de aprovação dos equipamentos. Assim,

14 Processo Disciplinar n.º 80 2019/2020, acórdão da Secção Profissional tirado por unanimidade em 26.08.2020

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o artigo 3.º, n.º 1 do Regulamento define equipamento como «o vestuário e outras peças de equipamento desportivo». Como se lê no n.º 2 do artigo 4.º, «será recusada a autorização para a utilização de artigos, logótipos, imagens, mensagens, etc., que ofendam os bons costumes ou transmitam mensagens políticas, religiosas ou de cariz racial». As mensagens comerciais apenas são permitidas nos termos expressamente previstos no Regulamento, termos esses definidos no artigo 11.º, que aqui transcrevemos no essencial:

«(...)

Artigo 11.º Publicidade

1. É autorizado o uso de publicidade nos equipamentos dos jogadores das equipas que participam nas competições da Liga Portugal, sem limite de patrocinadores.

2. A publicidade e outras inscrições carecem de homologação pela Liga Portugal, de acordo com o procedimento previsto nos números seguintes.

(...)

9. É proibida a exibição de quaisquer slogans, imagens ou formas de publicidade fora dos locais regularmente previstos, independentemente do seu suporte.

(...)

11. A publicidade deve enquadrar-se com as cores do equipamento e não pode ter qualquer efeito crítico para os jogadores, árbitros, árbitros assistentes, dirigentes, técnicos e espectadores.

12. Além da publicidade, é autorizada a aposição do nome ou marca do fabricante do equipamento, numa área que não exceda 20 cm2, em cada peça de equipamento, incluindo a camisola interior.

(...)»

Subjaz ao Regulamento uma preocupação funcional que ambiciona preservar a verdade desportiva e a qualidade do espetáculo desportivo. Procura-se através da padronização do equipamento facilitar a identificação dos jogadores e garantir a sua não “confundibilidade” no terreno de jogo. Paralelamente, denota-se uma evidente preocupação com o conteúdo das imagens, slogans e publicidade incorporadas no equipamento, por forma a que este não seja fator de perturbação da ordem pública, e daí a proibição de elementos que ofendam os bons

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costumes ou que transmitam mensagens políticas, religiosas ou de cariz racial. Esta disposição

deve ser lida em conjugação com o ponto 5 da Lei do Jogo n.º 04, não afastando, portanto, a possibilidade de incorporação nos equipamentos de elementos afetos a campanhas de promoção do espírito desportivo e de combate à discriminação no futebol.15

29. As normas sobre o equipamento e a roupa interior dos jogadores devem, portanto, ser

enquadradas no espetro mais alargado de regras e princípios sobre a prevenção e combate à violência, ao racismo, à xenofobia e a outras formas de intolerância no desporto. Como este Conselho tem reiteradamente afirmado,16 a prevenção e combate à violência no desporto é uma

imposição constitucional (artigo 79.º), que, quando conjugada com o disposto nos artigos 25.º (integridade pessoal) e 26.º, n.º 1 (“proteção legal contra quaisquer formas de discriminação”) da Constituição, alicerça um verdadeiro dever estadual de produção legislativa, já concretizado através do Regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos

espetáculos desportivos, aprovado pela Lei n.º 39/2009, de 30 de junho, com as alterações da

Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro, e do Regulamento de prevenção da violência, constante do anexo VI do RCLPFP19. Não há necessidade de reproduzir, nesta sede, o sem-número de disposições que faz impender sobre o promotor do espetáculo desportivo e sobre o organizador da competição deveres de incentivar o espírito ético e desportivo dos seus adeptos e deveres de se abster de praticar atos de incitamento à violência, bem como os inúmeros deveres de que está dependente o acesso e permanência de adeptos no recinto desportivo ou o apoio, pelos clubes, a grupos de organizados de adeptos.17

30. Estes concretos esforços legislativos e regulamentares de sancionamento de

comportamentos de incitamento à violência, racismo, xenofobia, intolerância e ódio seriam coartados se não fossem acompanhados, no que respeita aos protagonistas do espetáculo

15 A FIFA pretende ser um role model para as federações e confederações associadas, sendo possível destacar um

extenso leque de iniciativas, códigos de conduta e regras sobre a discriminação no futebol. Sem pretensões de exaustividade, cf. os artigos 3.º e 4.º dos Estatutos da FIFA, os artigos 11.º a 13.º do Código Disciplinar da FIFA (edição de 2019), o artigo 20.º do Código de Ética da FIFA, bem como as iniciativas elencadas em documentos oficiais, como, por ex., o Guia de Boas práticas da FIFA em matéria de diversidade e combate à discriminação, que pode ser consultado em https://img.fifa.com/image/upload/wg4ub76pezwcnxsaoj98.pdf. (acesso em 06.10.2020).

16 Cf., a título exemplar ainda que meramente exemplificativo, o Processo Disciplinar n.º 28 2019/2020, acórdão da

Secção Disciplinar tirado por unanimidade em 11.08.2020 (Relator: Vasco Cavaleiro); Processo Disciplinar n.º 74-2019/2020, acórdão da Secção Profissional tirado por unanimidade em 26.08.2020 (Relator: Maria José Carvalho).

17 Referimo-nos, concretamente, aos artigos 6.º, 7.º, 9.º e 10.º do Regulamento de prevenção da violência; e os artigos

8.º, 14.º, 22.º e 23.º do Regime jurídico da segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos.

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desportivo – os jogadores – de idênticos deveres de abstenção de comportamentos suscetíveis de comprometer a ética desportiva e o fair play e de pôr em dúvida a formação integral dos agentes desportivos (cf. artigo 3.º da Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto).

31. Mesmo rejeitando uma visão excessivamente “deontológica” do papel do jogador

profissional de futebol (ou do desportista profissional em geral) – isto é, uma conceção que obnubile a individualidade do jogador “de carne e osso” (perdoe-se-nos o coloquialismo) – não há como ignorar a ressonância da sua conduta no terreno de jogo.18 Destarte, sem esquecer que

o jogador-pessoa é sujeito ativo de direitos fundamentais – designadamente do direito à liberdade de expressão e do direito ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 37.º e 26.º da Constituição, respetivamente) – é compreensível que tanto as Leis do Jogo como os regulamentos desportivos o perspetivem como destinatário privilegiado de certos deveres. Com efeito, respeitado o princípio da proporcionalidade, é-lhes assacável um dever de abstenção de quaisquer comportamentos que, pelo contexto em que têm lugar, possam comprometer a boa organização da competição desportiva e, por banda dela, a própria ordem e segurança públicas.19

32. É este o enquadramento histórico, teleológico e sistemático do ponto 5 da Lei do Jogo n.º

04. São estas considerações da maior importância para qualquer conclusão sobre o preenchimento dos elementos do tipo de ilícito disciplinar p. e p. do artigo 161.º do RDLPFP19, porquanto, como se disse supra, o que neste vem sancionado é a exibição de slogans, imagens ou formas de publicidade, pelos jogadores, em desrespeito pelas Leis do jogo e

independentemente do seu suporte. Consequentemente, importa aquilatar se, in casu, aqueles

elementos se acham preenchidos.

33. Como decorre dos autos, a instauração do presente processo disciplinar teve por base factos

18 Sobre este problema, cf. Francisco Javier López Frias, «El derecho a la intimidad de los deportistas», in Deporte y

derechos (coord. Pérez Trivino/Cañizares Rivas), Reus Editorial, Madrid, 2017, pp. 125-148 (em especial p. 141 ss.).

19 Basta para tanto atentar na Secção III do RDLPFP19, relativa às “Infrações específicas dos jogadores”, e os inúmeros

ilícitos disciplinares aí previstos associados a agressões (artigos 145.º, 151.º e 152.º), incitamento à indisciplina (artigo 153.º), prática de jogo violento (artigo 153.º), uso de expressões ou gestos ameaçadores (artigo 157.º), injúrias e ofensas à reputação (artigo 158.º), comportamentos discriminatórios (artigo 159.º), protestos e atitudes incorretas (artigo 166.º). Idêntico cuidado é visível no Código Disciplinar da FIFA (edição 2019), em particular nos artigos 11.º (comportamento ofensivo e violação dos princípios do fair play), 12.º (comportamento incorreto de jogadores e elementos oficiais) e 13.º (discriminação).

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constantes do Relatório do árbitro do jogo, realizado no dia 13.09.2020, entre a Leixões Sport Clube – Futebol, SAD e a Casa Pia Atlético Clube, Futebol, SDUQ, Lda. Como aí se relata (a fls. 6 dos autos), por volta do minuto 31, após a marcação de um golo, o jogador número 7 (o Arguido – Adewale Oluwafemi Sapara) da equipa A (Leixões Sport Clube – Futebol, SAD) exibiu uma t-shirt. Essa t-shirt, como resulta da imagem de fls. 64, contém uma imagem de um indivíduo e a frase “Rest well my friend. We miss you boss”. Daqui deflui, sem necessidade de outras considerações, que o jogador Arguido exibiu, durante o jogo, uma imagem e uma mensagem

impressas numa t-shirt.

(Cf. fls. 64 dos autos)

34. O ponto 5 da Lei do Jogo n.º 04 regula o equipamento dos jogadores. Esse equipamento não

pode conter slogans, mensagens ou imagens políticas, religiosas ou pessoais. Além disso, os jogadores não estão autorizados a exibir roupa interior com slogans, declarações ou imagens políticas, religiosas ou pessoais ou publicidade (para além do logótipo de do fabricante). Segundo a pronúncia de fls. 63, o jogador Adewale Oluwafemi Sapara «apenas e tão só pretendeu prestar homenagem a um amigo de infância que de forma trágica e precocemente perdeu a sua vida». Tratou-se, portanto e assumidamente, da exibição de uma imagem e de

uma declaração pessoais.20

20 Não convocamos, para dar como assente esta qualificação, a interpretação autêntica a que o próprio IFAB procede

na secção “Interpretação da lei”, integrada no ponto 5 da Lei do Jogo n.º 04. Diz-se aí, a dado momento, que: «(...) Embora seja relativamente simples definir os termos religioso e pessoal, o "político" é menos claro, mas não são permitidos slogans, mensagens ou imagens relacionadas com o seguinte:

Qualquer pessoa(s), viva ou morta (a menos que seja o nome da competição oficial);

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35. Falta saber, todavia, se a conduta do jogador arguido se configura como “exibição de roupa

interior”. Com efeito, decorre limpidamente da imagem de fls. 64 que o Arguido não exibiu uma

t-shirt vestida. É nesta circunstância, aliás, que o Ilustre Instrutor faz assentar a proposta de

arquivamento pela infração p. e p. no artigo 161.º do RDLPFP19. Lê-se no Relatório Final o seguinte: «Ainda que a mensagem e imagem em causa sejam de conteúdo pessoal e referentes a pessoa que haveria falecido, a sua exibição consta de uma t-shirt (não vestida) sem qualquer

conexão com o equipamento do jogador...» (o itálico é nosso).

36. Ao problema que se levanta caberá uma resposta definitiva caso se conclua que, do ponto

de vista gramatical, a exibição de uma t-shirt não vestida é um significado não comportado, do ponto de vista gramatical, pela hipótese “exibição de roupa interior”. Nisto consiste, de uma perspetiva hermenêutica, a relevância negativa de letra da lei, com respaldo no artigo 9.º, n.º 2 do Código Civil, desempenhando o elemento gramatical uma função de exclusão dos sentidos que não tenham na letra da lei o mínimo de respaldo verbal. Ora, mesmo admitindo – por mera cautela – que uma t-shirt não vestida não está per se excluída do leque de itens suscetíveis de constituir “roupa interior” pensamos que uma compreensão global do texto da norma e bem assim a mobilização de elementos extratextuais apontam decisivamente para um resultado de não subsunção.21 Vejamos.

37. Do ponto de vista sistemático, isto é, perspetivando o texto jurídico como obra de um só autor e procurando os significados que promovam a unidade e suprimam a incoerência, é mister

ter em consideração que a hipótese que agora se interpreta está integrada no ponto 5 [Slogans,

• Qualquer entidade governamental, local, regional ou nacional ou respetivos departamentos, escritórios ou funções.

• Qualquer organização discriminatória

• Qualquer organização cujos objetivos/ações possam ofender um número considerável de pessoas • Qualquer ato/evento político específico.

(...)»

Afigura-se-nos, na verdade, que a enumeração transcrita – onde se inclui especial referência a pessoa viva ou morta – pretende elencar as situações que, no entender do Autor das Leis do Jogo, consubstanciam mensagens de natureza

política, por ser este o leque de situações supostamente mais difícil de identificar. Esta nota não compromete,

contudo, a conclusão de que a t-shirt exibida pelo Arguido contém uma mensagem pessoal. Visa apenas deixar claro que tal conclusão não se estriba na enumeração proposta pelo IFAB na secção “Interpretação da lei” (o itálico é nosso).

21 Na versão em língua inglesa das Leis do Jogo 20/21, lê-se «[P]layers must not reveal undergarments...». Segundo o

Dicionário Collins (disponível online em https://www.collinsdictionary.com, acesso em 07.10.2020), “undergarments” «are items of clothing that you wear next to your skin and under your other clothes».

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mensagens, imagens ou publicidade] da Lei do Jogo n.º 04, cuja epígrafe é “O equipamento dos jogadores”. Ora, como se fez referência supra (ponto 28), o equipamento diz respeito às peças de vestuário utilizadas ou usadas pelos jogadores durante o jogo. Inclusivamente, determinam as Lei do Jogo que o árbitro “inspecione” os jogadores antes do início do jogo e caso conclua que o jogador está a usar uma peça de vestuário ou joia não autorizado, ordene ao jogador que “retire o artigo em questão” [cf. ponto 1 (Segurança) da Lei do Jogo n.º 04].22

38. As considerações expendidas supra nos pontos 29 a 31 enquadraram as normas sobre o

equipamento dos jogadores num espectro mais vasto de dispositivos orientados para a prevenção e combate da violência no desporto. Este enquadramento poderia levar o intérprete a um significado normativo que vedasse a exibição, pelo jogador, de publicidade bem como de quaisquer slogans, declarações ou imagens de caráter político, religioso ou pessoal,

independentemente de o jogador envergar, usar ou vestir o suporte dessas mensagens ou de se servir de objetos ou suportes não vestidos. Nesta perspetiva, o fim da norma seria o de obstar à

comunicação, por qualquer suporte (vestido, não vestido, gestual, coreográfico), de mensagens de cariz político, religioso ou pessoal.

39. Não sendo este um entendimento descartável, afigura-se-nos que subjacente às Leis do Jogo

– e, em especial, ao ponto 5 da Lei do Jogo n.º 04 – está um propósito mais específico.23 Na

verdade, o que se intenta prevenir é a comunicação de mensagens alheias ao fenómeno

desportivo através do equipamento oficial, não ignorando o Autor das Leis do Jogo (IFAB) que

este tipo de exibição, por ter geralmente lugar nos momentos decisivos do jogo (e.g., a marcação de um golo), constitui fator redobrado de perturbação da ordem desportiva. Na verdade, alguns ordenamentos jus disciplinares reconhecem expressamente que os perigos inerentes à exibição de roupa interior do jogador são mais evidentes em certos momentos do jogo, em especial aquando da celebração de um golo.24 Mesmo aí, sanciona-se o ato de levantar a camisola do

22 Em consonância, o ponto 6 da Lei do Jogo n.º 04 dispõe o seguinte: «Por qualquer infração a esta lei, o jogo não

deve necessariamente ser interrompido e o jogador infrator: deve ser instruído pelo árbitro a deixar o terreno de jogo

para corrigir o seu equipamento; deve deixar o terreno de jogo na interrupção do jogo seguinte, a menos que já tenha corrigido o seu equipamento» (os itálicos são nossos).

23 Não contestando esta interpretação (embora a questão não se tenha aí colocado nos mesmos termos já que o

jogador levantou, aquando da celebração de um golo, a camisola oficial e mostrou uma mensagem através da sua roupa interior), cf. Processo Disciplinar n.º 99 2019/2020, acórdão da Secção Não Profissional tirado por unanimidade em 09.04.2020 (Relator: Leonel Gonçalves), em especial o ponto 24 da decisão.

24 Cf. o artigo 91.º, n.º 1 do Código Disciplinario de la Real Féderación Española de Fútbol, sob a épígrafe

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equipamento oficial, com indiferença perante o conteúdo ou a finalidade das imagens,

desenhos, siglas ou publicidade exibidos.25

40. Destarte, a exibição de uma t-shirt, por um jogador, que não integra o seu equipamento

oficial nem pode ser qualificada como “roupa interior”, não constitui uma conduta em desrespeito do ponto 5 da Lei do Jogo n.º 04. Daqui não resulta, de forma automática, a irrelevância disciplinar da conduta do jogador Adewale Oluwafemi Sapara à luz das leis jogo. Resulta tão-só que o normativo que contém uma proibição absoluta de exibição deste tipo de mensagens através do equipamento ou da roupa interior do jogador não é aplicável in casu.

41. A verdade, porém, é que tão-pouco se perfilam outras “Leis do jogo” que o Arguido possa

ter violado. De facto, este: (i) não fez gestos nem agiu de uma maneira provocatória, de troça ou inflamatória;26 (ii) não cobriu a cabeça ou a cara com uma máscara ou outro artigo

semelhante;27 (iii) não tirou a camisola nem cobriu a cabeça com a camisola; (iv) não atuou de

maneira que demonstre falta de respeito pelo jogo; e (v) não usou linguagem ou gestos ofensivos, injuriosos ou grosseiros.28

42. Atente-se, ainda assim, no disposto no artigo 11.º do Código Disciplinar da FIFA (edição de

2019), integrado no Título II [Infrações], Capítulo 1 [Desrespeito pelas Leis do Jogo]:29

«(...)

vicisitudes del juego, alce su camiseta y exhiba cualquiera clase de publicidad, lema, leyenda, siglas, anagramas o dibujos, sean los que fueren sus contenidos o la finalidad de la acción, será sancionado, como autor de una falta grave, con multa en cuantía de hasta 3.000 euros y amonestación».

25 Acrescente-se, aliás, que, sem recurso ao equipamento ou à roupa interior, os jogadores transmitem

recorrentemente “mensagens” variadas ao público, através de gestos, coreografias, gritos, etc. Basta pensar, por ex., na celebração tradicional de Antoine Griezmann aquando da marcação de um golo, que passa por fazer uma coreografia inspirada numa música de Drake (Hotline Bling), ou na celebração tradicional de Cristiano Ronaldo, cuja coreografia vem acompanhada da frase “Calma, eu estou aqui”.

26 Seria, a nosso ver, o caso de o jogador exibir uma t-shirt, ainda que não vestida, com a impressão “Why always

me?”, como fez o jogador Mario Balotelli aquando da celebração de um golo num jogo entre o Manchester City e o Manchester United (para ler a notícia, cf. https://apnews.com/article/98070ec26c4a43b9b9ac279f17186b4b, acesso em 07.10.2020).

27 Foi o caso, por ex., do jogador Aubameyang que, na celebração de um golo marcado num jogo entre o Arsenal e

Rennes, a contar para a Liga Europa, em 2019, colocou uma máscara semelhante à usada no filme “Black Panther”, o que deve ser visto igualmente como uma manifestação política, visto que a máscara exibida está ligada ao movimento “Black Power Salute” (para ler a notícia, cf. https://scroll.in/field/916692/from-batman-to-black-panther-a-look-at-aubameyang-and-his-iconic-superhero-mask-celebrations, acesso em 07.10.2020).

28 Cf. a Lei do Jogo n.º 12 [Faltas e incorreções], em especial o ponto 3 [Medidas disciplinares], e as secções “Infrações

passíveis de advertência”, “celebração de um golo” e “infrações passíveis de expulsão”.

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11 – Offensive behaviour and violations of the principles of fair play

1. Associations and clubs, as well as their players, officials and any other member and/or person carrying out a function on their behalf, must respect the Laws of the Game, as well as the FIFA Statutes and FIFA’s regulations, directives, guidelines, circulars and decisions, and comply with the principles of fair play, loyalty and integrity.

2. For example, anyone who acts in any of the following ways may be subject to disciplinary measures:

(...)

c) using a sports event for demonstrations of a non-sporting nature;

(...)»

Este dispositivo impõe ao jogador que se abstenha de usar o evento desportivo para exibições

ou manifestações de natureza não desportiva, sem cuidar de especificar os meios, as formas, os

momentos ou as finalidades das exibições proibidas. Trata-se, portanto, de uma proibição mais ampla do que aquela que consta do ponto 5 da Lei do Jogo n.º 04.

43. Visto que a mencionada disposição está integrada, na estrutura do Código Disciplinar da

FIFA, num Capítulo intitulado “Desrespeito pelas Leis do jogo”, importa perceber se a violação do dever de abstenção, pelo jogador, de manifestações não desportivas constitui uma violação das Leis do jogo para efeitos do preceituado no artigo 161.º, n.º 1 do RDLPFP19. Ora, de acordo com o artigo 4.º, n.º 1, al. p) do RDLPFP19, por Leis do jogo entende-se «as Leis do Jogo aprovadas pelo International Football Association board».30 Identicamente, dispõe o artigo 2.º,

n.º 3 dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol que «[A] FPF e os seus Sócios estão obrigados a respeitar as Leis do Jogo emitidas pelo IFAB, bem como a reconhecer este organismo como o único com competência e legitimidade para a sua criação e alteração» (o itálico é nosso). Neste conspecto, quando no artigo 161.º, n.º 1 do RDLPFP19 se faz referência ao “desrespeito pelas Leis do jogo” deve essa remissão ser interpretada como abarcando as Leis do Jogo elaboradas pelo IFAB, e não todos os demais Regulamentos, Códigos, Estatutos, Diretivas e

30 Cf., em sentido idêntico, o artigo 3.º, al. t) do RCLPFP19 [Regulamento das Competições Organizadas pela Liga

Portuguesa de Futebol Profissional, com as alterações aprovadas nas Assembleias Gerais Extraordinárias de 27 de Junho de 2011, 14 de Dezembro de 2011, 21 de Maio de 2012, 28 de Junho de 2012, 27 de Junho de 2013, 20 de Junho de 2014, 19 e 29 de Junho de 2015, 21 de Outubro de 2015, 15 de Março de 2016, 28 de Junho de 2016, 07 de Fevereiro de 2017, 12 de Junho de 2017, 29 de Dezembro de 2017, 27 de Fevereiro de 2018, 27 de Abril de 2018, 25 de Maio de 2018, 29 de Junho de 2018 e 22 de Maio de 2019].

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decisões da FIFA.

Assim, se é certo que o jogador exibiu, durante o jogo, uma imagem e uma mensagem de caráter pessoal, não o fez através do equipamento oficial ou da sua roupa interior, pelo que não houve desrespeito pelas leis do jogo, nem, por conseguinte, preenchimento dos elementos do tipo de ilícito p. e p. no artigo 161.º do RDLPFP19 [Uso ilícito de slogans e publicidade]. Assiste, portanto, razão ao Ilustre Instrutor na proposta de arquivamento relativa a esta infração disciplinar.

44. Este ponto não encerra, em definitivo, a questão da relevância disciplinar da conduta do

Arguido. Pode questionar-se, na verdade, se a conduta do jogador Adewale Oluwafemi Sapara é suscetível de constituir a prática da infração disciplinar p. e p. no artigo 167.º do RDLPFP19 [Inobservância de outros deveres].31 Vale a pena atentar na redação deste normativo:

«(...)

Artigo 167.º

(Inobservância de outros deveres)

1. Os demais atos praticados pelos jogadores que, embora não previstos na presente secção, constituam violação de disposições regulamentares são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 3 UC e o máximo de 25 UC.

(...)»

Entre esses deveres ou disposições regulamentares, conta-se, com pertinência para os presentes autos, o dever de lealdade, de correção e de retidão no plano das relações desportivas, inscrito no artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP19 («As pessoas e entidades sujeitas à

observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica ou social»), e reiterado no artigo 80.º, n.º 3, al. d)

do RCLPFP19 («Os jogadores devem em especial proceder com lealdade e correção para com os

restantes intervenientes do jogo, espetadores e demais pessoas autorizadas a permanecer no recinto do jogo, nos termos do presente Regulamento»).

31 O ilícito disciplinar p. e p. no artigo 167.º RDLPFP19 integra-se no universo das infrações específicas dos jogadores

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45. Apesar de, como vimos, haver razões para sancionar mais robustamente a exibição de

mensagens, imagens e slogans através do equipamento oficial ou da roupa interior do jogador, não se compreenderia, à luz da especial responsabilidade dos jogadores na preservação dos valores e princípios fundamentais do ordenamento desportivo – em especial, os princípios da ética desportiva – que estes pudessem exibir através de t-shirts, cartazes ou de outros suportes, mensagens, imagens, slogans ou publicidade que lhes está vedado exibir nos itens de vestuário dos jogos oficiais. Para esta convicção, contribui não só a teleologia que inspira o ponto 5 da Lei do Jogo n.º 04, como também os subsídios normativos retirados do artigo 11.º do Código Disciplinar da FIFA (transcrito supra), ambos apontando no sentido de que sobre o jogador profissional recai o especial dever de não se servir do evento desportivo para transmitir mensagens “extra-futebol”.

46. Contudo, ao contrário do ponto 5 da Lei do Jogo n.º 04, que contém uma proibição tout court

de mensagens, imagens e slogans de cariz pessoal inscritas num suporte específico (equipamento ou roupa interior), a conclusão no sentido de que houve desrespeito pelos deveres de lealdade, de correção e de retidão nas relações dos jogadores com os outros intervenientes do jogo carecerá, necessariamente, de uma indagação casuística que tenha em atenção o conteúdo da mensagem, imagem ou slogan que o jogador pretendeu exibir, o timing da exibição e bem assim o seu potencial disruptivo sobre os princípios da ética desportiva e da boa organização do espetáculo desportivo.

47. A discricionariedade que o preenchimento das previsões daqueles normativos confere ao

órgão disciplinar reclama, por conseguinte, que este proceda a uma operação de sopesação entre a medida de lesão ou de perigo de lesão dos bens jurídicos desportivos, por um lado, e os direitos fundamentais dos jogadores que participam no espetáculo desportivo, em especial – como se referiu supra – os direitos à liberdade de expressão e ao livre desenvolvimento da personalidade (artigos 37.º e 26.º da Constituição, respetivamente).32 Como há muito ensina

32 A ligação entre os dois direitos, liberdades e garantias é destacada pela doutrina. Veja-se o que diz J. Melo

Alexandrino, «Artigo 37.º», in Constituição Portuguesa Anotada – Vol. 1 (org. Jorge Miranda/Rui Medeiros), UCE, Lisboa, 2017, p. 615: «Sem a liberdade de expressão do pensamento atinge-se não apenas o pensamento, mas também e imediatamente a dignidade da pessoa humana (artigo 1.º) e o desenvolvimento da personalidade (artigo 26.º, n.º 1)». O Autor reconhece, no quadro dos limites e das afetações à liberdade de expressão, a configuração de situações de «conflito, num caso concreto, entre a liberdade de expressão e outro ou outros direitos na esfera jurídica de outro titular (ou eventualmente com um interesse jurídico-constitucional objetivo). Não estando expressamente regulada pela Constituição, requer esta hipótese (quando, para encontrar a regra do caso, não seja suficiente o

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Vieira de Andrade,33 em caso de colisão de direitos, a solução constitucionalmente adequada é

aquela que comprime, na menor medida possível, os bens ou interesses em causa, tendo em conta o seu peso relativo numa situação concreta, isto é, «segundo a intensidade e a extensão com que a sua compressão no caso afecta a proteção que a de cada um deles é constitucionalmente concedida» (o itálico é nosso).

Impor uma “blanket ban” sobre toda e qualquer expressão de individualidade e de personalidade do jogador profissional de futebol, sem cuidar de calibrar a medida em que tal manifestação se mostra apta a impactar negativamente os bens jurídicos desportivos que se ambiciona salvaguardar seria uma aplicação constitucionalmente inadequada – porque

manifestamente desproporcional – dos normativos disciplinares em análise.

48. Quanto a isto, todos somos em concordar que haverá, certamente, outras mensagens –

inclusivamente de tipo pessoal e mesmo desprovidas de caráter ofensivo ou provocatório34

que, quando exibidas pelos jogadores no terreno de jogo, mormente aquando da celebração de um golo ou noutro momento decisivo da partida, consubstanciarão inequívoca lesão dos bens jurídicos que os referidos deveres visam preservar. Note-se que o Arguido não teceu críticas nem comentários depreciativos, não usou símbolos suscetíveis de ferir os princípios fundamentais da organização política,35 não mostrou imagens nem fez referências a pessoas

(vivas ou mortas) conhecidas do público, não fez piadas que pudessem ser mal interpretadas, não se pronunciou sobre questões politicamente relevantes, não exprimiu adesão a movimentos sociais.36 Limitou-se a prestar homenagem a um ente querido que havia falecido

recurso às soluções legais harmonizadoras) uma metodologia que tem de levar em consideração um leque variável de fatores (...), não dispensando muitas vezes (...) a ponderação dos bens ou interesses em conflito».

33José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Almedina, Coimbra,

2019, p. 297-299 [«Terá pois de respeitar-se a proteção constitucional dos diferentes direitos ou valores, procurando as soluções no quadro da unidade da Constituição, isto é, tentando harmonizar da melhor maneira os preceitos divergentes, em função das circunstâncias em que se põe o problema (...)»]; e na jurisprudência sobre a liberdade de expressão, entre muitos outros, Acórdão do STJ, processo 1454/09.5TVLSB.L1.S1, 31.01.2017 (Relator: Roque Nogueira), disponível em www.dgsi.pt (acesso em 07.10.2020).

34 Caso em que consubstanciarão uma violação das leis do jogo e serão sancionadas pelo árbitro no terreno de jogo,

sem prejuízo de intervenção posterior do órgão disciplinar.

35 Referimo-nos, muito concretamente, ao uso de “esteladas” (bandeira associada à independência da Catalunha) na

final da Copa del Rey de 2016, entre o Barcelona e o Sevilla, ou aos apupos ao hino Espanhol durante a final da Copa

del Rey de 2015, entre o Barcelona e o Athletic Bilbao. Cf., para um tratamento jurídico destes acontecimentos, Eva

Cañizares Rivas, «Deporte y libertad de expressión», in Deporte y derechos (coord. Pérez Trivino/Cañizares Rivas), Reus Editorial, Madrid, 2017, pp. 19-36, em especial a p. 25.

36 Recentemente, vários jogadores da Bundesliga exibiram roupa interior com mensagens manifestando a sua

solidariedade para com George Floyd (“Justice for George Floyd”). Mesmo aí, a Federação alemã de futebol (Deutschen Fußball-Bundes) emitiu um comunicado dando conta de que não seria exercida ação disciplinar contra os

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recentemente, num exercício de autonomia e de realização pessoalíssimas de significativa importância para o Autor e que em nada contendem com o princípio da ética desportiva e com a manutenção da ordem e segurança públicas no recinto desportivo. O não sancionamento do Arguido procede, portanto, de uma metodologia de ponderação constitucionalmente adequada e perfeitamente adaptada às especificidades do caso.

49. Finalmente, foi este também o entendimento do árbitro após a visualização da imagem

reproduzida a fls. 65 dos autos («Não foi possível identificar o conteúdo da mensagem exibida

na t-shirt no terreno de jogo, no entanto pela imagem apresentada, não constitui qualquer infração às Leis do Jogo»). Esta perceção, apesar de irrelevante no que respeita à field of play doctrine – pelas razões enunciadas supra nos pontos 25-26 – coonesta o diagnóstico de que a

conduta do Jogador Arguido em nada beliscou os valores desportivos.

50. Termos em que se conclui não haver, também, lugar à aplicação da infração disciplinar p. e

p. no artigo 167.º do RDLPFP19.

VI – Decisão

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os membros da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF em determinar o arquivamento do presente processo disciplinar no que respeita à infração p. e p. no artigo 161.º do RDLPFP19.

Sem custas (artigos 279.º, n.º 1, a contrario, do RDLPFP19).

Registe, notifique-se o Arguido e publicite (artigo 216.º RDLPFP19). Cidade do Futebol, 13 de setembro de 2020

O Conselho de Disciplina, Secção Profissional

jogadores envolvidos (para ler notícia, cf. https://www.dfb.de/news/detail/keine-verfahren-wegen-solidaritaetsbekundungen-mit-george-floyd-216060/, acesso em 07.10.2020).

Referências

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