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Modelos de Presbíteros no Contexto Católico

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Academic year: 2020

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Silvio José Benelli

MODELOS DE PRESBÍTEROS NO CONTEXTO

Resumo: neste artigo buscamos mapear alguns modelos de pres-bíteros no cenário eclesial contemporâneo. Para tanto, recolheremos a contribuição de Cozzens (2001) relativa o tema da crise do sacerdócio na atualidade eclesial global. Discutimos o perfil do presbítero que se configura no documento da Congregação para o Clero (2003) e apresen-taremos as análises de Lorscheider (2002) relativas ao perfil do padre de hoje, discutindo as diferenças entre ambas as perspectivas.

Palavras-chave: psicologia social, paradigmas eclesiais, formação do clero

Artigos

CATÓLICO

S

eria possível mapear alguns modelos diferentes, inclusive contra-ditórios, de presbíteros no cenário eclesial contemporâneo? Há modelos ou perfis que poderiam ser considerados hegemônicos no meio eclesiástico? Essas são algumas questões que procuraremos desenvolver neste trabalho.

Para tanto, recolheremos a contribuição de Cozzens (2001) relativa o tema da crise do sacerdócio na atualidade eclesial global. Discutiremos o perfil do presbítero que se configura no documento da Congregação para o Clero (2003) e apresentaremos as análises de Lorscheider (2002, p. 297-306) relativas ao perfil do padre de hoje. Em seguida, estudaremos alguns efeitos psicossociais da longa permanência no seminário na constituição da cultura clerical e do clericalismo nos seminaristas e no clero. Apresentare-mos também uma análise crítica do funcionamento paroquial, derivada das considerações anteriores. Comblin (2005) propõe que a Igreja precisa de um novo projeto, centrado de modo radical numa experiência pessoal de Jesus Cristo. Todos esses elementos nos fornecem um contexto sócio-eclesial

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para entendermos o diagnóstico que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (2004) traçou quanto à situação do clero no Brasil.

A análise da literatura poderá nos oferecer pesquisas e análise rela-tivas à situação e vida do clero católico que poderão evidenciar ou não a incidência do processo formativo promovido na instituição seminário na sua prática cotidiana (COZZENS, 2001, 2004; BRIGHENTI, 2001; LORSCHEIDER, 2002; CONGREGAÇÃO... 2003; RIZZUTO, 2003; VALLE, 2003a; PEREIRA, 2004; CNBB, 2004; MEDEIROS, FERNAN-DES, 2005; COMBLIN, 1998, 2002, 2005; LIBANIO, 2005b, BENELLI, 2006a, 2006b). Embora trabalhemos com um pessimismo analítico, não abrimos mão de um otimismo utópico.

Brighenti (2001), por exemplo, apresenta um interessante panorama da situação eclesial católica, mapeando pelo menos sete vertentes no seio da experiência religiosa católica na atualidade: o catolicismo popular, o com-prometido, o reacionário, o universalista, o pentecostal, o emancipado e o descomprometido. Talvez pudéssemos encontrar também padres diferentes estimulando, participando e promovendo essas diversas modalidades de experiências religiosas, nem sempre conscientes de seu próprio posiciona-mento eclesiológico. Inclusive, pensamos ainda que haverá também padres sendo formados dentro dessas diversas possibilidades eclesiais. “Partimos de uma constatação de fato, embora estejamos conscientes de que é único o sacerdócio de Cristo, há hoje no Brasil uma variedade de modelos de presbíteros. São tantos os modelos quantas as eclesiologias existentes na prática” (CNBB, 2004, p. 21-2).

Cozzens (2001), ao discutir “a face mutante do sacerdócio” na Igreja Católica nos permite equacionar o problema: haveria uma crise de identi-dade nos sacerdotes deflagrada pelas mudanças ocorridas na moderniidenti-dade e na pós-modernidade, portanto no plano sócio-cultural, que incidem diretamente na configuração e auto-compreensão da Igreja Católica e de seu papel no mundo, na dimensão eclesial. Assim como a Igreja Católica atravessaria uma crise de identidade, o clero, estamento eclesial central da cristandade tridentina, também estaria em crise.

O MODELO CULTUAL E O MODELO “SERVO-LÍDER” DO SACERDÓCIO

Vamos apresentar a seguir, com base em Cozzens (2001) dois perfis do presbítero católico que acreditamos serem representativos de perspectivas divergentes no contexto eclesial católico. A partir de nossas observações

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de campo e de literatura pertinente, pensamos que haveria dois modelos de sacerdócio claramente distintos. Um deles seria o modelo cultual do sacerdócio – que estaria se impondo de modo hegemônico na atualidade – e o outro poderia ser denominado de modelo do “servo-líder”, tal como indicado por Cozzens (2001).

No modelo denominado cultual, o sacerdote é um homem sagrado, separado, dedicado ao culto em suas dimensões sacramentais e litúrgicas. É o homem da sacristia, do altar e do púlpito, de onde prega para o povo a Palavra de Deus. A pregação clássica com freqüência enfatiza as verdades doutrinais da fé e aponta os comportamentos morais corretos, num tom instrucional e exortativo. As homilias despejam o conhecimento bíblico-teológico na mente dos fiéis. Centrado no poder de ministrar os sacramentos, sobretudo a euca-ristia, o padre tem um estilo individualista no ministério. O modelo cultual enfatiza o poder sacramental único do sacerdote. Sua espiritualidade tem um cunho fortemente monástico. A espiritualidade do sacerdote é influenciada há séculos pelas diversas tradições monásticas. A formação espiritual no seminário transmite, fundamentalmente, ideais e práticas espirituais mais adequadas para a vida consagrada comunitária do que para padres que provavelmente irão viver sozinhos em suas paróquias. A função primária do sacerdote seria constituída pela salvação das almas, sobretudo através da celebração dos sacramentos e do trabalho pastoral. Esse modelo clássico e tradicional teria predominado na Igreja Católica até o Concílio Vaticano II.

No modelo denominado “servo-líder”, o sacerdote, convencido da dignidade fundamental e da igualdade básica dos membros do Povo de Deus, se relaciona com os fiéis como líder-companheiro, e não como alguém dotado de uma autoridade inquestionável. Ele enfatiza a participação, a co-responsabilidade e o diálogo na condução da vida eclesial. Como “portador do mistério”, sua tarefa é introduzir e iniciar as pessoas no mistério de Deus, ele é um “mistagogo”. O ministério colaborativo é preponderante: o padre, sem demérito do seu papel único de sacerdote ministerial, se concentra nos dons ministeriais da comunidade e os incentiva e promove, para beneficio de todos. Esse padre precisa de uma espiritualidade secular e o ritmo de sua busca espiritual é marcado por suas atividades ministeriais. O Povo de Deus é redimido enquanto povo, por isso o pecado social e institucional ganham relevância: o trabalho pastoral visa a promoção da justiça, da paz e da libertação. Nesse sentido, a comunidade de fé e a ordem social emer-gem como o contexto permanente no qual se manifesta a graça salvadora de Deus. Esse é o modelo novo de sacerdote, nascido na América Latina depois do Concílio Vaticano II.

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Não é difícil perceber dois modelos eclesiológicos subjacentes aos modelos de sacerdotes: o modelo pré-conciliar, tridentino, tradicional, se manifesta no modelo cultual de sacerdote, o modelo pós-conciliar, se expressa no sacerdote de perfil libertador. Parece que a tendência predominante na atualidade é a restauração do modelo cultual, num retrocesso ao antigo modelo e paradigma. É isso que estaria indicando o perfil do presbítero que se configura no documento da Congregação para o Clero (2003) como veremos em seguida.

O PRESBÍTERO: PASTOR E GUIA DA COMUNIDADE PAROQUIAL

A Instrução da Congregação para o Clero (2003) busca realçar a função do sacerdote na comunidade paroquial, colocando em evidência a centralidade de Cristo que o sacerdote representa. Esse documento eclesiástico se inicia com um discurso do papa João Paulo II para a própria Congrega-ção para o Clero do qual vamos destacar alguns aspectos que nos parecem relevantes para situar o perfil do presbítero que emerge desse texto.

Em seu discurso, João Paulo II afirma que “Cristo está presente na sua Igreja da maneira mais sublime no Santíssimo Sacramento do Altar” (CONGREGAÇÃO..., 2003) e que in persona Christi o sacerdote celebra o Sacrifício da Missa e administra os sacramentos, além de pregar e orientar os fiéis. O título de pastor deve ser reservado especificamente ao sacerdote. Sem a presença de Cristo representada pelo presbítero, guia sacramental da comunidade cristã, ela não poderia ser considerada realmente eclesial. O papa afirma ainda que Cristo está presente na Igreja de modo eminente na Eucaristia, que seria a fonte e ápice da vida eclesial, ele valoriza muito a missa como Santo Sacrifício e considera o pão consagrado e conservado no sacrário como o coração mesmo da comunidade. Diz que sem o culto eucarístico, “coração pulsante” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 10) da paróquia, ela seria árida. A paróquia seria um lugar privilegiado para o anúncio da Palavra de Deus e que a eficácia da pregação do presbítero deriva sobretudo do fato de ele ser representação sacramental de Cristo, Cabeça e Pastor. A função de orientar a comunidade também deriva da sua relação peculiar com Cristo. “Trata-se de uma função sacramental. Não é confiada ao sacerdote pela comunidade, mas, mediante o bispo, é-lhe concedida pelo Senhor” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 12). João Paulo II continua dizendo que o presbítero deverá cumprir sua função de autoridade com humildade, aceitando a colaboração dos leigos, considerada “desejável e,

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muitas vezes, necessária” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 12), utilizando os organismos de consulta previstos pelo direito canônico.

De acordo com o discurso de João Paulo II, não é difícil perceber que o presbítero é, enquanto pároco, o único adulto de direito na comunidade, dotado do poder e da tarefa de pastorear, guiar, ensinar e santificar o povo católico, pois ele é plenamente representante de Cristo.

Depois dessa introdução representada pelo discurso do papa, em sua primeira parte, o documento propriamente dito, trata do tema do sacerdócio comum e do sacerdócio ordenado, afirmando que:

Nos últimos decênios, a Igreja teve experiência de problemas de “iden-tidade sacerdotal”, derivados, por vezes, de uma visão teológica menos clara entre os dois modos de participação no sacerdócio de Cristo. Em alguns ambientes, veio-se a romper aquele equilíbrio eclesiológico profun-do, tão próprio do Magistério autêntico e perene. Existem hoje todas as condições para superar tanto o perigo da ‘clericalização dos leigos’, como o da “secularização” dos ministros sagrados (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 28).

O sacerdócio comum dos cristãos se fundamenta no batismo, pelo qual se configuram a Cristo, Sacerdote, Profeta e Rei, tornando-se membros do novo Povo de Deus, povo eleito, nação santa, sacerdócio real que reina com Cristo:

Se o sacerdócio comum é uma conseqüência do fato de que o povo cristão é escolhido por Deus como ponte até a humanidade e diz respeito a cada crente, uma vez que está inserido neste povo, o sacerdócio ministerial, por sua vez, é fruto de uma eleição, de uma vocação específica: ‘Jesus chamou os discípulos e escolheu doze dentre eles’ (cf. Lc 6,13-16). Graças ao sacerdócio ministerial, os fiéis tornam-se conscientes do seu sacerdócio comum e atualizam-no [...] (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 24-5). Portanto, no seio do Povo de Deus, povo sacerdotal, Cristo insti-tuiu o sacerdócio ministerial para o qual alguns são chamados para servir os demais “com caridade pastoral e por meio do poder sagrado” (CON-GREGAÇÃO..., 2003, p.25). Haveria diferenças essenciais e não apenas de grau, entre o sacerdócio comum e o ministerial, seriam participações essencialmente diversas no único sacerdócio de Cristo. Pelo batismo, o cristão pertence a Jesus e está habilitado a participar da vida litúrgica da

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Igreja e também a exercer seu sacerdócio batismal através de uma vida de santidade e de uma caridade eficaz (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 26): O sacerdócio ministerial, ao invés, fundamenta-se no caráter impresso pelo sacramento da Ordem, que configura a Cristo sacerdote, de modo a poder agir na pessoa de Cristo Cabeça com o sagrado poder, para oferecer o Sacrifício e para perdoar os pecados. Aos batizados, que receberam depois o dom do sacerdócio ministerial, foi conferida sacramentalmente uma missão nova e específica: a de personificar no seio do Povo de Deus o tríplice múnus – pro-fético, cultual e régio – do próprio Cristo como Cabeça e Pastor da Igreja. Portanto, no exercício das suas funções específicas, agem in persona Christi Capitis e, do mesmo modo, conseqüentemente, in nomine Ecclesiae. Qual é, portanto, a identidade do presbítero segundo o documento da Congregação para o Clero (2003, p. 31-2)?

O sacerdote torna presente Cristo Cabeça da Igreja mediante o minis-tério da Palavra, participação da sua função profética. ‘In persona et in nomine Christi’, o sacerdote é ministro da palavra evangelizadora, que convida todos à conversão e à santidade; é ministro da palavra cul-tual, que exalta a grandeza de Deus e dá graças pela sua misericórdia; é ministro da palavra sacramental, que é fonte eficaz de graça. Nessas múltiplas modalidades, o sacerdote, com a força do Paráclito, prolonga o ensinamento do Divino Mestre no seio da Igreja.

O sacerdote é chamado à santidade para corresponder à graça da Ordem sacramental que o identifica com Cristo. Por isso deve construir uma “unidade de vida”, ligando coerentemente sua vida espiritual e a atividade ministerial, cultivando uma autêntica espiritualidade sacerdotal, centrada na adoração do Santíssimo Sacramento do Altar, esse “colóquio íntimo de adoração [...] constitui uma prioridade pastoral de longe superior a qualquer outra” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 36).

Contrariando algumas correntes da cultura contemporânea que in-terpretam a virtude interior, a mortificação e a espiritualidade como formas de intimismo, de alienação e mesmo de egoísmo incapaz de compreender os problemas do mundo e das pessoas, o documento declara:

A obra pastoral de maior relevância é decididamente a espiritualidade. Qualquer plano de pastoral, qualquer projeto missionário, qualquer

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dina-mismo na evangelização, que prescindisse do primado da espiritualidade e do culto divino, estaria destinado ao fracass (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 36).

A vida espiritual do presbítero deriva de sua participação no senhorio de Cristo na Igreja e deve amadurecer na “consciência de ser ministro”. O presbítero deve ter a vontade consciente e livre para fazer intencionalmente, mediante seus gestos ministeriais, aquilo que a Igreja entende realizar: ele é um instrumento pessoal a serviço de Cristo e da Igreja, quando atua concretamente. Sua ligação com Cristo é permanen-te e epermanen-terna, crescendo em direção à plenitude, “implicando a menpermanen-te, os sentimentos, a vida, as disposições morais e espirituais correspondentes aos gestos ministeriais do padre” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 37). O amor a Jesus e a Virgem Maria são aspectos fundamentais da espiritu-alidade sacerdotal (CONGREGAÇÃO..., 2003).

A eucaristia deve ocupar, para o sacerdote, ‘o lugar verdadeiramente central no seu ministério’, porque ela contém todo o bem espiritual da Igreja e é, em si, fonte e ápice de toda evangelização. Daí a importância da preparação à Santa Missa, da sua celebração cotidiana, da ação de graças e da visita a Jesus Sacramentado ao longo do dia! (CONGRE-GAÇÃO..., 2003, p. 39).

O sacerdote deve ainda ser fiel à disciplina eclesiástica, pois a vida e a missão da Igreja exigem ordenamento, regras e leis de conduta, para poder se desenvolver. A consciência de ser ministro eclesiástico “implica o empenho do cumprimento fiel da vontade da Igreja, que se expressa con-cretamente em suas normas” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 41). Pede-se então, docilidade às suas leis e disposições litúrgicas:

A Sagrada Liturgia é considerada o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo, ação sagrada por excelência [...]. ‘Regular a Sagrada Liturgia compete unicamente à autoridade da Igreja, a qual reside na Sé Apostólica e, se-gundo as normas do direito, ao bispo. [...] Ninguém mais, absolutamente, mesmo que seja sacerdote, ouse por iniciativa, suprimir ou mudar seja o que for em matéria litúrgica.’ Arbitrariedades, expressões subjetivis-tas, improvisações, desobediência na celebração eucarística constituem outras tantas patentes contradições com a própria essência da santíssima eucaristia, que é o sacrifício de Cristo. O mesmo vale para a celebração

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dos outros sacramentos, principalmente para o sacramento da penitência, mediante o qual se perdoam os pecados e se é reconciliado com a Igreja (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 42).

Na segunda parte o documento trata das questões relativas ao pároco e à paróquia. A paróquia é uma área delimitada do território diocesano que é considerada uma comunidade de fiéis cristãos, cujo cuidado pastoral é confiado pelo bispo a um pároco. Ali deve se realizar uma comunhão orgâ-nica entre o sacerdócio comum e o ministerial, com a colaboração fraterna e dinâmica entre todos, respeitadas as funções, competências e responsabi-lidades próprias e dos demais. Recomenda-se que o pároco não utilize, no seu ministério pastoral, formas antigas de autoritarismo, nem modalidades de gestão inspiradas no democratismo, “ambas estranhas à realidade mais profunda do ministério” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 50). Célula da diocese, a paróquia deve se caracterizar “por um mesmo espírito de comunhão, de ordenada co-responsabilidade batismal, por uma mesma vida litúrgica, centralizada na celebração da eucaristia, e por um mesmo espírito de missão” (Congregação para o Clero, 2003, p. 51). O sacerdote é o pároco ao qual foi confiado o cuidado pastoral da comunidade, em serviço da qual exerce o múnus de ensinar, santificar e governar:

Outro elemento básico da noção de paróquia é a cura pastoral e ou cura das almas, própria do múnus do pároco, que se manifesta, principalmente, na pregação da Palavra de Deus, na administração dos sacramentos e na direção pastoral da comunidade (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 53). No anúncio da Palavra de Deus e na pregação da doutrina católica autêntica, é da responsabilidade do pároco: a proclamação do evangelho na missa, a homilia e a instrução catequética, além da promoção de iniciativas que difundam o espírito evangélico na vida humana em geral. Ele deve formar a todos, crianças, jovens e adultos, procurando os que se afastaram e os que não professam a fé cristã, promovendo a conversão de todos. Seu trabalho será coordenar a vida paroquial com o objetivo de cumprir essas diversas funções, contando com a colaboração dos fiéis leigos:

Quanto aos meios ordinários de santificação, o cânon 528 estabelece que o pároco cuide, de modo especial, que a santíssima eucaristia seja o centro da comunidade paroquial e que todos os fiéis possam alcançar a plenitude da vida cristã mediante a participação consciente e ativa na

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Sagrada Liturgia, na celebração dos sacramentos, na vida de oração e nas boas obras (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 59).

Recomenda-se que o pároco esteja atento à confissão sacramental in-dividual, na forma prescrita pela Igreja. Deve também favorecer ao máximo a prática da visita ao Santíssimo Sacramento, mantendo a igreja aberta, pro-movendo momentos celebrativos de adoração e benção eucarística. O pároco não é um funcionário que presta serviços religiosos:

Como homem de Deus, ele exerce, de modo integral, o seu ministério, procurando os fiéis, visitando as famílias, participando nas suas necessi-dades, nas suas alegrias; corrige com prudência, cuida dos anciãos, dos fracos, dos abandonados, dos doentes e ajuda com exuberante caridade os moribundos; dedica particular atenção aos pobres e aflitos, empenha-se pela conversão dos pecadores, dos que empenha-se encontram no erro e ajuda cada um a cumprir seu dever, incentivando o crescimento da vida cristã nas famílias. Educar no exercício das obras de misericórdia espirituais e corporais permanece uma das prioridades pastorais e sinal da vitalidade de uma comunidade cristã (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 62).

De acordo com essa perspectiva, aparentemente, o pároco deve de-sempenhar atividades pastorais baseadas na prática da caridade espiritual e do assistencialismo, num trabalho de manutenção das estruturas sociais e políticas.

Ele deve ainda promover o desenvolvimento da função específica dos fiéis leigos na missão da Igreja, precisa também fomentar e acompanhar novas vocações sacerdotais. Outras funções designadas à responsabilidade do pároco são: administrar o batismo, administrar o sacramento da confirmação aos que estão em perigo de morte, administrar o Viático e a Unção dos Enfermos, dar bênção apostólica, assistir aos casamentos e dar benção nupcial, realizar funerais, benzer a fonte batismal no tempo pascal, fazer procissões e dar bênçãos solenes fora da Igreja, além de celebrar mais solenemente a santís-sima eucaristia nos domingos e festas de preceito (CONGREGAÇÃO..., 2003). São todas ações sacramentalizadoras.

O pároco é estimulado a valorizar e implementar o conselho pastoral paroquial, órgão consultivo através do qual os fiéis leigos possam participar da vida paroquial. O pároco é o presidente nato do conselho “e, portanto, não teria sentido considerá-lo um órgão que substitui o pároco na direção da paróquia ou que, com um critério de maioria, condicione praticamente

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a direção do pároco” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 74). Sistemas de deliberação relativos às questões econômicas da paróquia também não po-dem condicionar o papel pastoral do pároco, pois ele é, segundo o direito canônico, o representante legal e administrador dos bens da paróquia.

Notamos aqui uma distinção complexa entre “comunidade” e “institui-ção-paróquia”. Os fiéis cristãos constituem a comunidade, mas o patrimônio material: imóveis, móveis, veículos, bens materiais e financeiros são geridos exclusivamente pelo clero. Os cristãos são a Igreja, mas de certa forma, a Igreja pertence ao clero, que a governa e administra. Sua realidade concreta é produzida cotidiana e socialmente, portanto, coletivamente, pelos diversos atores institucionais que a compõem. Mas ela não é plenamente “nossa”, é “deles”. Isso parece semelhante ao funcionamento de uma empresa no siste-ma capitalista na qual a apropriação da siste-mais-valia seria privada, particular, pertenceria ao clero. É difícil que o fiel se reconheça como sujeito adulto na comunidade paroquial, dessa forma. Pensamos que essa dissociação ideológica entre produzir social e coletivamente o funcionamento da vida eclesial e institucional paroquial e a apropriação dos lucros pelos proprietários (que idealmente serão revertidos em benefício da própria comunidade) criam e mantêm uma situação de tutela, de alienação e infantilização que acomoda e paralisa os agentes institucionais.

Acreditamos que cada vez mais, os fiéis rejeitarão esse tipo de admi-nistração centralizada e autocrática, sobretudo do dinheiro. Quem manda no dinheiro, afinal de contas, tem poder sobre aquilo que realmente interessa. Atualmente, as pessoas querem saber o que é feito com seu dinheiro, como ele é gasto. Contas claras e prestação de contas são exigências cada vez mais comuns na vida contemporânea. A paróquia não poderá funcionar bem em outro tipo de regime, hoje considerado superado.

Organismos de consulta podem ser considerados concessões estraté-gicas do estamento clerical que faz as leis e o direito canônico. A consulta é apenas um nível primário de real e efetiva participação na vida eclesial. Ainda há muito espaço a ser conquistado para que o leigo, finalmente, seja adulto na Igreja.

Segundo o documento, guiar os fiéis numa vida interior sólida e fundamentada na doutrina cristã é considerada “obra pastoral muito mais relevante e fundamental” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 76,74):

Hoje, mais do que nunca, é necessário redescobrir a oração, a vida sacra-mental, a meditação, o silêncio adorante, o coração a coração como Nosso Senhor, o exercício cotidiano das virtudes que a ele configuram; tudo

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isso é muito mais produtivo do que qualquer discussão e é, de qualquer forma, a condição para sua eficácia.

Uma “espiritualidade da comunhão” deve ser o princípio educativo anterior a qualquer iniciativa concreta, promovendo na comunidade paro-quial uma “pastoral da santidade”:

[Isso] implica uma autêntica pedagogia da oração, uma renovada, persuasiva e eficaz catequese sobre a importância da santíssima eucaristia dominical e também cotidiana, da adoração comunitária e pessoal do Santíssimo Sacra-mento, sobre a prática freqüente e individual do sacramento da reconciliação, sobre a direção espiritual, sobre a devoção mariana, sobre a imitação dos santos, um novo impulso apostólico vivido como compromisso cotidiano das comunidades e das pessoas, uma adequada pastoral da família, um coerente compromisso social e político (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 77-8). A pastoral paroquial deve se pautar pelo primado da vida interior e da busca da santidade. O planejamento e a organização da comunidade paroquial devem ser realizados sob a perspectiva da universalidade da vocação cristã à santidade. “A pedagogia da santidade coloca a programação sob o signo da santidade e é o principal desafio pastoral no contexto do tempo presente.” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 79). Portanto, a santidade deve ser a meta de todos os cristãos:

Na sociedade, caracterizada hoje pelo pluralismo cultural, religioso e ético, parcialmente caracterizada pelo relativismo, pelo indiferentismo, pelo irenismo e pelo sincretismo, parece que alguns cristãos se tenham quase habituado a uma espécie de ‘cristianismo’ destituído de reais referências a Cristo e à sua Igreja; tende-se dessa forma, a reduzir o projeto pastoral a temáticas sociais colhidas numa perspectiva exclusivamente antropo-lógica, no âmbito de um genérico apelo ao pacifismo, ao universalismo e a uma referência não bem especificada a “valores”. A evangelização do mundo contemporâneo será realizada somente a partir da redescoberta da identidade pessoal, social e cultural dos cristãos. Isso significa sobretudo a redescoberta de Jesus Cristo, Verbo encarnado, único Salvador dos homens (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 81-2).

Os ventos da secularização seriam os responsáveis pela tendência da sociedade em “homologar o sacerdote nas malhas de suas categorias de

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pensamento, despojando-o da sua essencial dimensão mistérico-sacramen-tal” (CONGREGAÇÃO..., 2003, p. 84). No plano ad intra, o sacerdote também é acossado pelos perigos da burocratização, do funcionalismo, do democratismo, de uma planificação mais empresarial do que pastoral, além do cansaço físico e espiritual produzido pelo excesso de trabalho e por dificuldades pastorais.

Contrariando a análise da Congregação para o Clero (2003), Libanio (2005b, p. 802-3), por exemplo, afirma que o voluntarismo autoritário imagina que a decisão da autoridade faz a verdade da realidade, simples-mente projetando sobre o real, o que a pessoa imagina, sem alterar os dados objetivos na direção desejada:

Um autoritarismo pouco clarividente vem provocando uma reação dos fiéis que se caracteriza como um verdadeiro ‘cisma branco’. Interpela a Igreja a exigência de desenvolver dentro de si um ethos democrático de respeito às liberdades, às consciências, às criatividades, às opções, sem recorrer às condenações. A democracia tem força heurística e em nada conflita, antes responde à prática mesma de Jesus e aos princípios fundamentais que ele nos deixou para o governo e a criação de estruturas eclesiásticas. “Os que parecem governar as nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Entre vós, porém, não deve ser assim! Ao contrário, quem de vós quiser ser o primeiro, seja escravo de todos.’ Depois dessa proposta, ele se oferece como modelo: “Pois também o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de muitos” (Mc 10,42-45). Pensamos que atualmente não há objeções quanto à dimensão onto-lógica do sacerdote, mas os problemas se encontram sobretudo no modelo jurídico-político que a instituição Igreja deriva dele. É muito difícil não vê-lo como um modelo monárquico absolutista, inclusive ainda feudal, apesar de todas as palavras amenizadoras e das boas intenções:

O poder do clero está inscrito no Código de Direito Canônico. Este deriva do direito romano, no sentido de que define os poderes na Igreja (99% dos cânones). Há outras acepções do direito, concepções que prevaleceram em todas as sociedades não-imperiais, não-ditatoriais: o direito define as liberdades e os direitos. Precisamos de um novo direito, se quisermos entrar num novo projeto de Igreja no mundo atual. Precisamos de um direito que proteja os fracos e limite os fortes, proteja os leigos e limite os poderes do clero. A estrutura atual do Direito Canônico infantiliza os

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leigos. Forma pessoas submissas, sem pensamento próprio, tímidas, sem combatividade, sem iniciativa, sem preparação para o diálogo ou a deli-berações, com o resultado de que não provocam conversões. Há exceções, porque há sempre algumas pessoas que conseguem dominar o sistema. Mas a maioria entra no sistema e dentro do sistema é muito difícil chegar ao amadurecimento espiritual (COMBLIN, 2005, p. 854).

Com todo o apresentado, cremos que é fácil localizar o sacerdote desenhado nas páginas do documento da Congregação para o Clero (2003) como situado no modelo cultual. Temos aí o reforço do modelo do padre tridentino clássico, com alguns traços de adaptação aos tempos atuais. O PERFIL ESPIRITUAL E PASTORAL DO PRESBÍTERO HOJE SEGUNDO LORSCHEIDER

Lorscheider (2002, p. 297) afirma que pelo batismo toda pessoa está revestida de Jesus Cristo e unida a Ele, mas ‘o padre é, objetivamente falan-do, mais inserido em Cristo, de sorte que ele pode, subjetivamente, revelar mais fortemente Cristo Jesus aos outros’. O padre seria, por sua vocação, ordenação e missão, “a pessoa mais importante do mundo”, no plano da fé. Partindo de um leque de problemas atuais relacionados com o padre, Lorscheider apresenta como “de fato, deveria ser o padre hoje”. Veremos que ele permanecerá no plano dos valores, das boas intenções, sem descer para as mediações institucionais concretas nem apontar para as decisões políticas pertinentes que poderiam implementar sua proposta. Isso apesar de sua notável agudeza crítica.

Quais são os problemas atuais do presbítero, de acordo com Lors-cheider (2002)? Haveria contradições entre a figura do padre tradicional e antigo e a de um novo perfil sacerdotal, advindas da eclesiologia do Povo de Deus, na qual se acentua mais a igualdade fundamental de todos em Cristo do que a diversidade de funções. Valoriza-se mais a vocação do cris-tão leigo e sua participação na vida eclesial. Como fica o status do padre? Como conciliar o “sacerdócio comum dos fiéis” e o “sacerdócio hierárqui-co”? Estaria em questão a autoridade do padre enquanto “Alter Christus”. Como relacionar a prática pastoral do padre e os desafios do engajamento sócio-político? Outro problema seria a dimensão da oração na vida do padre, sua espiritualidade: como deveria ser a oração do padre? O dilema evangelização versus sacramentalização também está posto no cotidiano do clero. Seria necessário purificar a idéia primitiva de sacerdócio, que estaria

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eivado de aspectos próprios do judaísmo e também do paganismo. Final-mente, Lorscheider (2002) afirma que seria preciso enfocar a teologia do presbiterato no plano eclesiológico, para poder equacionar dialeticamente toda essa problemática detectada.

Ele apresenta duas visões eclesiológicas: a primeira se caracteriza pelo esquema “hierarquia-laicato”, a segunda, pelo esquema “Igreja Povo de Deus”, na qual haveria uma passagem do modelo do padre-autoridade para o do padre enquanto presidente e animador da comunidade:

Uma visão eclesiológica acentua mais o aspecto institucional da Igreja. Interessa-se pela Igreja ad intra. A preocupação é a administração dos sacramentos. Atingir com os sacramentos todos os paroquianos para salvá-los. Importante é que todos se confessem, assistam à missa aos domingos. Para isso multiplicam-se as celebrações aos sábados e do-mingos. Existe preocupação com a catequese, mas em geral, dada por catequistas nem sempre bem preparadas. Nos sacramentos, também na Eucaristia, não se liga muito à celebração da Palavra de Deus que, em geral é anunciada de qualquer jeito, não importando muito quem a proclame e como a proclame, sendo, às vezes, até omitida porque o povo não entende mesmo. O que mais importa é consagrar, batizar, absolver, distribuir a comunhão, casar. Favorecem-se, ao máximo, as devoções. Grande importância têm as novenas, o mês de maio, o mês de outubro, o mês das almas, o tempo da desobriga. Prevalece uma visão devocional e cúltica, quase mágica. Na ação, o presbítero faz tudo ou quase tudo. Não abre muito espaço para os leigos. Eles são mais sacristães do que membros ativos de um povo em marcha. Até o canto da missa o presbítero dirige. Ele é que sabe, o povo é ignorante. Por isso, o presbítero explica tudo; ele comenta, se comentário houver. O compromisso com uma transformação real da sociedade não interessa. Por que meter-se naquilo que não é da conta da gente? O presbítero não se mete em brigas dos outros. Ele luta, isto sim, contra os pecados, quais a infidelidade conjugal, as brigas em família, as bebedeiras, os namoros muito pra frente... Reunião é tempo perdido. Para que perder tempo em conversas que não levam a nada? Opção pelos pobres só há enquanto se procura dar-lhes alguma esmola, alguma assistência para aliviar a emergência. Conselho Paroquial não existe. Se houver, é es-colhido pelo pároco. Este presbítero gosta de construir. Gosta também mais de falar do que ouvir. Ele tem cultura; o povo pouco ou nada sabe (LORSCHEIDER, 2002, p. 299).

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Essa Igreja do esquema “hierarquia-laicato” seria de índole mais de-vocional, menos engajada socialmente, mais ativa no plano exclusivamente religioso e privatista. Seria a Igreja da administração dos sacramentos, da celebração das novenas, das promessas, da devoção aos santos, das missas multiplicadas. A outra perspectiva eclesiológica seria mais voltada para o mundo, ad extra:

Acentua mais o compromisso com a comunidade, de modo particular o compromisso com a justiça e com a libertação do povo. Há muito espaço para os leigos. Faz questão de ter o Conselho Paroquial, livremente eleito com a participação de todos os paroquianos. Fazem-se reuniões e assembléias paroquiais. O presbítero não falta nas reuniões do clero e da Diocese. Tem gosto pela pastoral de conjunto. Promove as CEBs. A sua opção é pelos pobres num esforço de mudança social. A sua ação é uma pastoral profética e libertadora. É a Igreja de uma consciência mais clara de Igreja fermento, serviço, povo. Há uma tomada de consciência da injustiça institucionali-zada. É uma Igreja missionária. Os cristãos sentem sua responsabilidade política. Por isso é a Igreja da educação política e da educação sindical. É a Igreja mais ad extra do que ad intra. É a Igreja com forte participação do povo nas decisões pastorais (LORSCHEIDER, 2002, p. 300). Lorscheider (2002, p. 300) afirma que o Concílio Vaticano II, complementado pelas conferências episcopais de Medellín, Puebla e Santo Domingo oferece um novo perfil de presbítero, com uma fisionomia diversa e que ainda se encontra em processo de mudança:

Aqui entra em jogo o processo de formação permanente do presbítero. Não é possível, numa Igreja peregrina na História dos homens sob a ação do Espírito Santo, ficar parado no tempo e no espaço. É necessário caminhar na história, discernindo os passos libertadores de Deus. [...] Aggior-namento significa escutar, vir ao encontro, abrir-se às justas exigências do mundo de hoje, em suas profundas mudanças de modos de ser, inserindo-se no mundo para ajudá-lo num espírito de caridade total, que é a diaconia dos anawin de Javé. É a abertura crítica da Igreja diante do mundo de hoje (LORSCHEIDER, 2002, p. 300-1).

O padre tradicional era apresentado como mediador entre Deus e os homens, como um santo que estava acima do povo cristão. Era alguém “separado”, colocado “à parte”, como “Alter Christus”, era quase mais um

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anjo do que um ser humano de carne e osso. Ele comandava o povo a partir de sua autoridade eclesiástica. O novo presbítero é localizado dentro do Povo de Deus, do qual também faz parte e para o qual desempenha um serviço especial de pastor, animador e servidor do povo.

O presbítero deixa de ser o único ministro da Igreja para ser “promotor de ministérios variados e harmonicamente ligados entre si [...] O presbítero tem o dever de ‘despertar’ as várias vocações dentro da comunidade eclesial, ‘discernindo-as’ conforme os diferentes carismas e as necessidades do meio em que trabalha” (LORSCHEIDER, 2002, p. 302). Para tanto, surge a necessidade do planejamento pastoral. “A pas-toral orgânica ou de conjunto é uma exigência eclesiológica da vida do presbítero. A ‘ascese’ do planejamento pastoral deve integrar sua espiri-tualidade” (LORSCHEIDER, 2002, p. 302). As CEBs são apresentadas como “novo modo de ser Igreja”, inclusive sublinhando que talvez elas sejam “o modo de ser Igreja”.

O clássico padre “factótum”, centralizador e monopolizador, ge-neralista, com a emergência dos ministérios leigos, irá sendo substituído por um presbítero especialista em certos setores pastorais específicos. Aquele sacerdote isolado, individualista, independente e até auto-su-ficiente, “uma espécie de dono da paróquia”, que “na visão de muitos era uma espécie de feudo” e cuja “pastoral era a mesma em toda parte” (LORSCHEIDER, 2002, p. 303) deve dar lugar para um membro de um presbitério que exerce seu ministério colegiadamente, junto com o bispo numa Igreja Particular:

À concepção de um sacerdócio estático, dominador, individualista, sucedeu uma visão de sacerdócio dinâmico, multiforme, concebido como serviço e exercido colegialmente. A pastoral de conjunto, também no presbitério, traz um novo modo de ser padre e marca a espiritualidade e a vida do presbítero (LORSCHEIDER, 2002, p. 303).

A tendência eclesial intimista deve passar para uma Igreja mais en-gajada, de matiz predominantemente profético e libertador:

O contexto da maioria das pessoas é o de gente empobrecida, domina-da, explorada. A imensa maioria do povo está colocada à margem da sociedade. É sem poder, sem terra, sem casa, sem pão, sem possibilidade de promoção. As pessoas não são levadas em conta; são tratadas como se gente não fossem, como se nem existissem ou não tivessem direito à

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existência. Ora, dentro deste contexto salta à vista a necessidade urgente do compromisso cristão em favor da justiça social [...]. A Igreja hoje acentua mais fortemente a responsabilidade social e política do Povo de Deus e, por conseguinte, também do presbítero (LORSCHEIDER, 2002, p. 303-4).

Lorscheider (2002, p. 304) afirma que “toda essa transição não significa mudança na essência do sacerdócio. Significa apenas um novo modo de ser e de viver esta mesma essência.” Isso porque “o sacerdócio é fundamentalmente um dom de Jesus Cristo para o seu povo”. A idéia de essência aqui é que nos parece problemática e talvez esse conceito seja o que explique que não se aluda à instituição de formação do clero como elemento importante para a formação de um novo presbítero:

O presbítero, por vocação, está situado na junção, na articulação entre o Mundo e a Igreja. Sofre, conseqüentemente, choque de uma e de outra parte. A imagem do padre muda, porque o mundo muda e situação histórica em que ele está inserido também muda. A ima-gem do padre está ligada simultaneamente à existência histórica da Igreja e à eclesiologia que lhe corresponde (LORSCHEIDER, 2002, p. 305).

O autor não parece perceber a relação entre os paradigmas eclesiais e os modelos de seminários que eles podem implementar (cada um utilizando variadas práticas, estratégias políticas, pedagógicas e místicas, além de me-todologias e conteúdos diversos e produzindo efeitos também diferentes) conforme aponta Benelli (2006b). Embora raciocine dialeticamente até certo ponto, Lorscheider (2002) não vai até o fim, tirando todas as con-seqüências de suas análises, provavelmente remetendo a cada presbítero individual a tarefa de decidir se será um padre tradicional e conservador ou se optará por tornar-se um padre libertador e socialmente engajado em favor dos pobres.

Contudo, em suas conclusões, ele não deixa de salientar que o perfil do presbítero de hoje deve ser o libertador, descrevendo suas características fundamentais: deve ser servidor carinhoso e dedicado ao povo, ouvinte e presente no meio das pessoas; suas celebrações devem ser gestos libertadores, deve gastar-se em seu envolvimento com a vida concreta do povo, sendo homem de oração e levando uma vida simples, pobre e austera (LORS-CHEIDER, 2002, p. 305-6).

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DUAS PERSPECTIVAS ECLESIOLÓGICAS DIVERGENTES QUANTO AO PERFIL DO PRESBÍTERO CATÓLICO

Antoniazzi (2003, p. 118-20) ao discutir a teologia do presbiterato explica que haveria um confronto entre duas vertentes, denominadas “dedu-ção cristológica” e “fundamenta“dedu-ção eclesiológica” em sua fundamenta“dedu-ção: Na primeira visão, que na teologia católica era a única presente até o final dos anos 1960, o presbítero ou sacerdote é visto exclusivamente como ‘alter Christus’, como figura e sacramento de Cristo diante da comunidade. Por isso, nessa visão, o presbítero corre o perigo de se consi-derar anterior à comunidade da Igreja (que nasce do esquema: Cristo → Apóstolos → Bispos→ Presbíteros→ Fiéis), com graves conseqüências pastorais: dissociação da Igreja local, desqualificação religiosa dos leigos, escassa inculturação, involuntário incremento da secularização da sociedade. Na visão eclesiológica, a Igreja nasce da missão do Filho, Jesus Cristo e do Espírito Santo, que fundam a Igreja pela Palavra e pelos sacramentos, de um lado, como também pela graça e pelos carismas, por outro. E é dentro da Igreja, comunidade de fé que, entre os diversos ministérios, o ministério ordenado continua o ministério apostólico, para manifestar a unidade da fé em Cristo.

Essa fundamentação eclesiológica seria divida em duas vertentes: a sacramental e a funcional, de acordo com Hackmann (2004). A primeira se concentra na dimensão simbólica da Palavra de Deus e dos sacramentos como desvelamento do mistério de Cristo. O presbítero, pelo sacramento da Ordem é o dispensador da graça de Deus, da qual nasce a Igreja. A segunda apresenta o presbítero como um líder da comunidade, mas sem nenhuma diferenciação ontológica com os demais ministérios ou serviços comunitários.

De acordo com Hackmann (2004), a tendência contemporânea é buscar a conciliação e a síntese entre as perspectivas cristológica e eclesioló-gica, procurando evitar sua justaposição meramente extrínseca, elaborando uma perspectiva trinitária:

Essa entende unir as duas representações – a de Cristo e da comunidade – por meio da dimensão trinitária do acontecimento da salvação, que, ao caracterizar toda a Igreja, também o faz com o ministério presbiteral. Assim se estabelece a interseção entre a autoridade e o poder de Cristo (auctoritas e potestas), fruto da representação de Cristo (in persona Christi)

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e o carisma na comunidade eclesial (communio), fruto da representação do Corpo de Cristo (in persona ecclesiae). Portanto, em Cristo (in persona Christi) o presbítero representa a cabeça da Igreja e na comunidade (in persona ecclesiae) o Corpo de Cristo congregado e plenificado de sua vida por meio do Espírito Santo (HACKMANN, 2004, p. 94).

A eclesiologia trinitária desemboca na eclesiologia da comunhão (HACKMANN, 2004). Mas nos parece que aí ainda estamos sempre no plano abstrato da teologia, sem a proposta de uma organização insti-tucional que de fato esteja mais próxima do plano discursivo. O risco é sempre permanecer numa postura reforçadora do poder clerical recoberta com um discurso que se pretende conciliador e inovador, mantendo tudo como está.

Ficamos intrigados com a flagrante divergência constatada entre o perfil traçado pela Congregação para o Clero (2003) e o apresentado por Lorscheider (2002) quanto ao modo de ser padre católico na atualidade. Curiosamente, ambas as perspectivas não relacionam o modelo de padre apresentado com um seminário que deveria formá-lo adequadamente. Simplesmente escotomizam o seminário enquanto agência de formação. É como se os padres fossem produzidos no vazio, ou então, que a forma-ção fosse tão ampla e geral que não incidiria de fato na configuraforma-ção dos presbíteros egressos do estabelecimento, que depois decidiriam quanto ao modo de ser e proceder no exercício do seu ministério. Quando realizada a análise da relação entre a formação recebida no seminário e o desempenho posterior do padre, não se conclui com indicações de uma prática política, pedagógica e mística coerentes.

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Este artigo é parte da pesquisa de doutorado A Produção Da Subjetividade Na Formação Contemporânea Do Clero Católico, desenvolvida por Sílvio

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José Benelli, sob orientação do Prof. Dr. Geraldo José de Paiva, no Curso de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Instituto de Psicologia da USP, São Paulo, com financiamento da Capes.

SÍLVIO JOSÉ BENELLI

Doutor em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da USP, São Paulo. Psicólogo.

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