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Corporeidade, ecologia e saúde na contemporaneidade: uma compreensão da educação física / Body expression, ecology and health in contemporary times: an understanding of the physical education

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Academic year: 2020

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761

Corporeidade, ecologia e saúde na contemporaneidade: uma compreensão da

educação física

Body expression, ecology and health in contemporary times: an understanding

of the physical education

DOI:10.34117/bjdv6n7-037

Recebimento dos originais: 03/06/2020 Aceitação para publicação: 01/07/2020

Sidinei Pithan da Silva

Doutor em Educação pela Universidade Federal do Paraná

Instituição: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Endereço: Rua Xv de Novembro 746 , ap. 301 . Centro - Ijuí-RS, Brasil

E-mail: sidinei.pithan@unijui.edu.br

Paulo Carlan

Doutor em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina Instituição: Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul

Endereço: Rua Paraná 595 - Centro - Ijuí-RS, Brasil E-mail: carlan@unijui.edu.br

RESUMO

O texto destina-se a refletir sobre a relação existente entre Corporeidade, Ecologia e Saúde a partir da compreensão da Educação Física. A tese defende que a modernidade é o momento de culminância de um processo de separação entre o ser humano e a natureza, entendimento que tem desencadeado implicações na vida humana e na compreensão de mundo e dos outros. O objetivo do texto é apostar no movimento humano como uma possibilidade de religar e conhecer o mundo mediado pela experiência estética.

Palavras-chave: corporeidade, ecologia, saúde, educação, educação física.

ABSTRACT

The text is intended to reflect on the relationship between Body Expression, Ecology and Health from the understanding of Physical Education. Our thesis is that modernity is the moment of culmination of a process of separation between human beings and nature, and that modern thought has triggered implications in human life and its understanding with the world and with others. So our goal is to bet on the human movement as a chance to reconnect and meet the world mediated by the aesthetic experience.

Keywords: body expression, ecology, health, education, physical education.

1 INTRODUÇÃO

O tema Corporeidade, Ecologia e Saúde continua sendo debatido na contemporaneidade, portanto, não é novo, mas continua sendo atual. Seus conceitos podem ser objeto de tematização das mais diversas áreas de conhecimento, mostrando que não está, necessariamente, esgotado, daí a

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761 importância de refletir a seu respeito. A questão que se pretende ora debater refere-se à reflexão filosófica e educacional dos três conceitos mediados por uma proposta pedagógica da Educação Física.

O primeiro pressuposto implica na ideia de assumir que Corporeidade, Ecologia e Saúde são conceitos interligados, o que significa que qualquer ação humana desencadeia implicações em maior ou menor grau em suas constituições. O segundo pressuposto destaca que os referidos conceitos não necessariamente dependem exclusivamente de parâmetros científicos e claramente estabelecidos para a sua definição e compreensão. O terceiro pressuposto considera que são conceitos produzidos pelos seres humanos, portanto, são históricos, culturais, sociais e políticos. Pode-se afirmar que são conceitos com forte vínculo com a experiência/sensibilidade humana, que é mediada pela cultura e pelo vínculo com a subjetividade e o mundo social e histórico. Já o quarto pressuposto determina que para superar um paradigma na perspectiva de desconstruí-lo e reconstruí-lo é necessário um processo educativo, com vistas ao esclarecimento e emancipação dos sujeitos envolvidos no processo da vida, o que envolve a participação da escola, da universidade, bem como da Educação Física Escolar. O texto, portanto, procura promover uma reflexão sobre esses quatro pressupostos, tendo como eixo mediador o movimento humano, e o seu sentido potencial e educativo, no contexto escolar.

Para tanto, cumpre entender, inicialmente, os limites do paradigma moderno de conhecimento, para então procurarmos uma via de compreender o corpo, a subjetividade e o conhecimento, em seu vínculo com a ecologia, e uma nova forma de ser e estar do homem no mundo. Condição que engendra uma nova pedagogia do corpo, que situa a Educação Física, como uma área de conhecimento, uma profissão e uma prática social, importante para o século XXI, porque lida com a educação corporal, o movimento humano, e a cultura corporal de movimento. No contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), este enfoque que relaciona, corpo, saúde e ecologia, também pode inspirar trabalhos que contemplem não somente os conhecimentos das ciências naturais (enfoque biomédico), como também os conhecimentos das ciências humanas, da filosofia e das artes. No contexto escolar, a temática do corpo, da ecologia e da saúde é particularmente importante, porque pode ser desenvolvida por todas as áreas de conhecimento, mas pode ser contemplada de maneira especial pelos professores de Educação Física, os quais podem criar uma nova pedagogia, atualizada para nosso tempo.

Esta nova pedagogia que religa o homem à natureza, por intermédio de uma nova cultura corporal/movimento humano, cria condições para a emergência de uma nova sociedade/mundo, bem como os alicerces para um campo simbólico do saber que se refere à arte e à sabedoria de viver, à qual denominamos de Educação Física. O movimento humano, em um sentido ecológico, mediado pela experiência estética, de um corpo-sujeito, constitui-se numa forma de estabelecer novas formas

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761 de religar o que está separado em diversas áreas de saber, e portanto, constitui-se num médium fundamental para novas relações educativas.

2 PROJETO SOCIAL MODERNO E EDUCAÇÃO: IMPLICAÇÕES NA CORPOREIDADE, NA ECOLOGIA E NA SAÚDE

O conhecimento pautado no paradigma da racionalidade instrumental acarretou implicações em todas as áreas da sociedade moderna, desdobrando-se na Educação, nas Artes, na Economia e, por que não dizer, na Educação Física. O conceito de razão tornou-se um dos fundamentos do pensamento moderno, reforçando um dualismo entre sujeito e objeto, mente e corpo, pensamento e movimento, ciências humanas e ciências naturais.

Este é o modelo de Ciência, segundo Souza Santos (2008 apud SILVA, 2016, p. 72), que predomina na modernidade – um modelo que ignora e despreza a subjetividade e toda a complexidade do objeto/fenômeno. Conhecer, segundo o mecanicismo moderno, é unicamente encontrar as causas, a razão que explica a essência e a existência das coisas, independentemente do sujeito que conhece e da complexidade do objeto conhecido. O conceito de razão, criado na história do Ocidente, particularmente na Grécia (VI a.C –IV a.C), tornou-se a força expressiva da ideia de Filosofia, e guarda grande vínculo com a noção de liberdade, de justiça e de democracia. Durante o período medieval (IV d. C-XV d. C), a noção de razão ficou tributária da Teologia, e logo subordinada à fé. Embora com enorme potencial, e grande significado para pensar a condição humana, no período da modernidade ocidental (XVII), o sentido do termo razão passou a ser tributário do universo dos conhecimentos da Física e da Matemática, particularmente das Ciências da Natureza. Uma questão considerada necessária é indagar: será que as ciências da natureza conseguem responder e ou/compreender tudo o que é do humano?

Entende-se que não. Ela é importante, necessária, mas insuficiente diante da complexidade do que é o Humano. No entanto, esse modelo de modernidade, segundo Silva (2016, pp. 74-75), produziu uma nova forma humana de sensibilidade, enfim, uma nova moral e uma nova episteme, afastando-se e negando a tradição, valorizando o preafastando-sente, o atual e o novo. Fritjof Capra (2007), em sua obra O Ponto de Mutação: a Ciência, a Sociedade e a Cultura emergente, destaca os limites da noção de Ciência que emergiu entre os séculos XVII e XIX. O autor sinaliza para o significado que este modelo de racionalidade representou para o Ocidente, em termos de fornecer não apenas um modelo de Ciência, como também, um modelo para pensar a natureza, o corpo, a saúde, a educação, a cultura, a política e a moral. O século XX, segundo o autor, esboça a crise deste modelo de pensamento moderno, denominado por ele de cartesiano-newtoniano. Edgar Morin (2013, p.19, em sentido

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761 semelhante destaca que há um dificuldade de pensar o presente. Parafraseando Ortega Y Gasset, afirma que: “Não sabemos o que se passa e é isso que se passa”.

[...] o conhecimento fica desorientado pela rapidez das evoluções e das mudanças contemporâneas e, ao mesmo tempo, pela complexidade própria à globalização: inumeráveis inter-retroações entre processos extremamente diversos (econômicos, sociais, demográficos, políticos, ideológicos, religiosos, etc). [...] Enfim, nós, habitantes do mundo ocidental ou ocidentalizado, sem ter consciência disso, sofremos dois tipos de carência cognitiva: as cegueiras de um modo de conhecimento que, compartimentando os saberes, fragmenta os problemas fundamentais e globais que demandam de um conhecimento transdisciplinar; o ocidentalocentrismo, que nos instala no trono da racionalidade e nos dá a ilusão de possuir o universal. [...] Assim, não é apenas nossa ignorância; é também nosso conhecimento que nos cega (MORIN, 2013, p.19).

Segundo Gonçalves (1994, p. 17), o pensamento moderno e sua forma de organização social, seja no mundo do trabalho, na educação ou no lazer, trouxe ao homem moderno ocidental implicações para a sua corporalidade, ou seja, potencializou-se um processo de “descorporalização” (Entkoerperclichung) que, para a autora, significa uma evolução contínua da racionalização, reduzindo a sua capacidade de percepção sensorial e expressiva. Neste sentido, cumpre repensar a forma de entender o corpo no mundo, e o modo como o mundo social e histórico se expressa no corpo e na subjetividade, evidenciando os vínculos complexos entre corpo, linguagem, imaginário e cultura. Este tipo de vínculo (complexo) entre corpo e mundo, é diferente e oposto ao modelo mecanicista (cartesiano-newtoniano). Ele sugere portanto, uma necessidade de mudança acerca de nossa noção e percepção de corpo, de psique, de subjetividade, em que temos uma nova valoração sobre as questões da razão e da sensibilidade – elas se vinculam a um corpo encarnado.

No âmbito de nossa percepção de mundo, ao problematizarmos a linearidade das formas de interpretação, que nos produzem cegueiras (MORIN, 2019), temos uma eco-lógica, ou seja, uma nova forma de perceber (complexa) as relações entre todos os seres existentes, e sua relação com o corpo vivo. O corpo-sujeito surge como morada da vida em sua plenitude – cósmica, terrena, social, cultural. Este tipo de noção é diferente da noção de corpo-objeto que se tornou característica do modelo biomédico que predominou ao longo da modernidade. No campo da Educação Física escolar, torna-se importante educar tendo em vista esta nova noção de corpo-sujeito-ecológico, amparada em uma hermenêutica e epistemologia complexa, o que pode engendrar um novo tipo de experiências educativas, muito mais capazes de promover saúde e de produzir consciências ecológicas.

3 CORPOREIDADE E SUBJETIVIDADE

Pensar a corporeidade na contemporaneidade pressupõe pensar a sua relação com as tecnologias e as técnicas, consideradas antes de tudo, um modo determinado de relacionamento do homem com o mundo. A técnica, convertida em tecnologia, no mundo moderno, se torna a forma

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761 concreta dos seres humanos dialogarem com o mundo e com a realidade. O predomínio da concepção mecanicista no mundo moderno conferiu um grande poder à esfera de fabricação do mundo. A tecnologia, como um derivado da ciência, foi acoplada à indústria, e potencializou um certo modo de vida, associado ao lucro, à eficiência e à competitividade.

Para Fensterseifer (2001, p. 248), essa imersão no universo tecnológico, mediada pela lógica da fabricação, causa uma certa dificuldade no trato das questões que não se subordinam, pelo menos facilmente, pela lógica das ciências exatas, que é o caso dos aspectos ligados ao corpo, ao lúdico, às percepções, às sensações. Em outros termos podemos dizer, que se de uma parte a tecnologia permitiu ao seres humanos desenvolver uma ampliação de suas capacidades de comunicação, deslocamento, memória, visão, ampliando os domínios corporais sobre o mundo, a forma como ela foi incorporada à vida social em sua totalidade, pela lógica da fabricação, ou mesmo de uma razão produtiva, que hipervaloriza a objetividade, o rendimento físico, em detrimento da subjetividade, e da experiência corporal, contribuiu para menosprezarmos a corporeidade em sua singularidade expressiva.

Nessa perspectiva o pensamento de Merleau-Ponty (1989) para a Educação Física é importante na medida em que potencializa a compreensão do corpo e do movimento humano integrados na totalidade humana. A experiência do corpo, pelo corpo, é uma relação fundante homem-mundo, sendo esse corpo sensível, visível, relacional, expressivo e emotivo. A mensagem de Merleau-Ponty é clara para a espécie humana, e ela significa que: mais do que ter um corpo, somos uma corporeidade viva. O autor se contrapõe à todo cientificismo reinante, e à todo dualismo cartesiano-newtoniano herdado, apontando um novo horizonte para pensar a condição do humano no mundo. Obviamente que a estética e a arte ocupam um lugar especial neste projeto, em medida, que a relação do artista com sua obra, é muito diferente da relação do cientista com seu objeto de pesquisa. No entendimento de Dal-Col & Galvão (2020, p.5):

Merleau-Ponty, (1999) descreve que a experiência perceptiva, na concepção ser-no mundo, revela a existência humana, pois na junção eu-mundo surgem o ser das coisas e o ser do homem”. Não há uma consciência pura constituinte do mundo, ou que seja preexistente à percepção. O que existe é uma unicidade anterior a consciência, um corpo reflexionante que sente-percebe-interage com o mundo.

Foi com Kant que a Estética consolidou-se como uma modalidade autônoma da experiência humana. Nessa perspectiva, a Estética está intimamente ligada à subjetividade humana, que se define, no limite, pelo prazer que proporciona, pelas sensações ou pelos sentimentos que produz nos sujeitos (MARASCA, 2008, p. 177). A esfera da Estética, assim como a da Ciência, foram muito importantes no mundo moderno, mas esta última tornou-se um modelo oficial e hegemônico, que por seu ampliado poder de domínio e de controle acaba se tornando a mais operante.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761 No contexto da Educação Física no Brasil, entre aos anos 60 e 80 do século XX, a cientifização ocorre por conta do grande crescimento do valor e da importância social e política do esporte, assinala Betti (2014), amparado nos estudos de Bracht (1999). E, acrescentaríamos, por conta do grande prestígio que possui a ciência no mundo moderno e o poderoso e sedutor discurso que ela tece sobre o corpo. Assistimos então, uma grande força da pedagogia esportiva, em detrimento de uma teoria educacional, ou pedagogia, assumindo a discursividade acerca da identidade e do sentido da Educação Física. No enfoque esportivo os sentidos e finalidades da Educação Física se voltariam para o esporte e não para a formação integral humana.

No sentido da questão corporal, o predomínio da Ciência, de métodos rigorosos e quantitativos, acabou por reduzir a experiência corporal ao movimento corporal padronizado e objetivo. O corpo foi convertido em objeto, e a pedagogia foi reduzida à uma pedagogia científica, destinada à controlar e modelar o corpo conforme seu modelo. A retomada da reflexão Estética, no campo filosófico, a partir dos escritos de Merleau-Ponty, por exemplo, quando desdobrada no campo pedagógico, recoloca a questão do corpo na condição de sujeito (SANTIN, 1987), bem como de sua complexidade. Logo, permite reformular a perspectiva pedagógica, tendo em vista a dimensão (inter)subjetiva, sensitiva, afetiva, imaginária, desejante, em suma, integral, envolta em todo ato humano, corporal e pedagógico.

Gadamer (2008, p. 519) se manifesta sinalizando que “às vezes, a linguagem parece pouco capaz de expressar o que sentimos”. Referindo-se à dificuldade de traduzir em palavras o sentimento, o autor entende que a sensibilidade é mediada pela cultura e enquanto tal é, também, histórica. A cultura humana é, de certa forma, a extensão ampliada do corpo humano e, por isso, o corpo enquanto linguagem é humano porque é atravessado pela cultura. Este entendimento, não apenas sinaliza uma diferença entre estética e ciência, como também mostra que é preciso considerar, que a própria ciência é dependente da linguagem, do imaginário, do corpo. Isso representa, sobretudo, um limite acerca da aposta da noção de razão moderna, a qual tinha, em última instância, a pretensão de conhecer para controlar, e prever para dominar, imaginando que a linguagem poderia traduzir em palavras tudo àquilo que diz e interfere na condição humana. Há uma imensa limitação acerca de nossas forças de objetivar e conhecer o mundo, e isso não significa que devemos abandonar os significados potenciais das ciências naturais, mas que tão somente elas não são independentes, da corporeidade e da subjetividade humana, e sua concreta inserção numa comunidade social, histórica e cultural.

Condição que nos desafia a repensar a relação entre homem e natureza, valorizando os saberes e conhecimentos das humanidades (ciências humanas, filosofia e artes), e repensar os vínculos entre corporeidade, ecologia e saúde. Esta guinada filosófica, que reconhece os limites das ciências naturais, no campo da Educação Física, permitiu uma “repedagogização” da teorização em Educação

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761 Física que se iniciou na década de 1980 (BETTI, 2014). Mas, entendemos que ela precisa se ampliar ainda mais para incorporar as questões da teoria da complexidade, e amparar-se numa nova relação entre o homem e a natureza. Isto guarda potencialidade para pensar e recriar o campo da educação em saúde na escola, bem como na atenção básica em saúde, ampliando os significados para a o trabalho do professor/profissional de educação física no SUS, para além dos argumentos apontados, por exemplo, por La Rocque et. al. (2020), sobre o corpo/organismo e Oliveira et. al. (2020), sobre a formação continuada .

4 RELIGAÇÃO HOMEM X NATUREZA

O conhecimento contemporâneo, herdeiro da matriz epistemológica da modernidade, tem se pautado pela capacidade de fragmentação, de saber separar os objetos do ambiente que os rodeia, bem como as disciplinas de ensino. A inteligência humana reforça o separar, fracciona a realidade, havendo dificuldade de pensar a multidimensionalidade/complexidade da relação Homem-Mundo. Para Morin (2001, p. 434), é necessário pensar uma educação que contemple a abordagem complexa, multidimensional, disciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar. Isso significa religar os conhecimentos. Religar é integrar, ou seja, pensar uma unidade integradora e diversa de consciência, de vida e de subjetividade.

A questão que se coloca, então, é a seguinte: Qual seria a contribuição da Educação Física na perspectiva de religar os conceitos de corporeidade, ecologia e saúde? Reconhece-se que a sociedade contemporânea tem dificuldade de ver o conhecimento como uma condição para pensar o Mundo numa dimensão integradora e complexa. Isso decorre da herança originada do paradigma da racionalidade instrumental (mecanicista), que acarretou entre tantos limitadores a dificuldade de percepção da relação entre parte e totalidade, levando a uma desconsideração ecológica, uma forma de ruptura Homem x Natureza x Saúde, mediada pela separação de reflexões éticas e ações conscientes.

Isso exige concebermos um processo educativo e pedagógico na perspectiva de uma nova concepção de viver em sociedade e por uma nova experiência de Ser (corporal) com os outros e com o mundo natural, terreno e cósmico. Significa, sobretudo, uma aproximação da abordagem complexa e ecológica do corpo-sujeito, permitindo a este se reconhecer e se entender e sentir como parte do Universo. É o reencantamento pela experiência, que consiste no grande desafio educacional e civilizatório, o qual levanta questões sobre a ideia sistêmica do desenvolvimento cego e descontrolado do capitalismo, o qual não reconhece singularidades, corpos ou existências.

Segundo Assmann (1993, p. 75), a corporeidade é um tema relevante para a educação em geral, para a vida humana e para o futuro da humanidade neste planeta ameaçado, que necessita de

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761 uma compreensão crítica, ao mesmo tempo contingente, existencial e, de totalidade. Vive-se um momento de deterioração da Qualidade de Vida. Guattari (2012, p.9), destaca, neste sentido, sugerindo, em sua obra, Três ecologias, que: “Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere um autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais”. Essa grande mudança, necessária, precisa ocorrer não somente em grande escala, se desdobrando também no campo da educação corporal, ou mesmo, nos “domínios moleculares da sensibilidade, de inteligência e de desejo” (GUATTARI, 2012, p.9).

O desafio, portanto, é pensar uma proposta educativa com o objetivo de religar os conceitos de Corporeidade, Ecologia e Saúde a partir do movimento humano enquanto linguagem como forma de “conhecer o mundo” ressignificando conceitos, tratando-o como experiência estética. No entendimento de Santin (1992, p.35), “a ecologia será capaz de fornecer os subsídios necessários para construir ou inventar a educação física”. Isso exige conceber um novo sentido ético e moral que propiciará uma nova razão, instrumental, subjetiva, estética, sensitiva, sem abandonar as ciências exatas, mas articulando-as com as ciências humanas, a filosofia e as artes, concebendo uma proposta para a Educação Física que potencialize a relação Homem-Mundo via Movimento Humano com um contato dialógico (KUNZ, 2001, p. 165).

Este estudo aposta, no âmbito da Educação Física em geral, e da Educação Física Escolar, em particular, na religação dos conceitos, de Corporeidade, Ecologia e Saúde para pensar uma vida mais integradora na perspectiva da compreensão dos conhecimentos, dos conceitos, das experiências corporais, enfim, uma aposta na concepção de movimento humano/educação corporal/cultura corporal que potencialize os sentidos e significados, mais do que apenas os rendimentos e gestos mecânicos. Isso pode ser entendido como uma ideia de abertura para uma nova pedagogia do corpo, no campo escolar, e um novo paradigma de pensar – Um Ser-No-Mundo e com os Outros.

5 RELIGAÇÃO DE CORPOREIDADE, ECOLOGIA E SAÚDE: UMA INCURSÃO A PARTIR DO MOVIMENTO HUMANO E DA EDUCAÇÃO FÍSICA

O movimento humano deve ser compreendido como uma das formas de entendimento e compreensão do Homem em relação ao seu contexto de relações, seu Mundo, ou seja, é o diálogo entre homem e mundo. Movimento Humano é, assim, uma “ação em que o sujeito pelo seu se-movimentar, se introduz no Mundo de forma dinâmica e através desta ação percebe e realiza os sentidos/significados em e para o seu meio” (TAMBOER, 1989 apud KUNZ, 2001, p. 163).

A religação dos conceitos de Corporeidade, Ecologia e Saúde passa por práticas corporais nas dimensões dos sentidos, da contemplação, das experiências coletivas, colaborativas, sensitivas,

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761 expressivas, inclusivas, das emoções ou de saber interpretar. Isso significa aprender pelo movimento, ou seja, a partir de um “novo saber sensível”. Santin (1987, p.34), em sentido semelhante, já havia definido o movimento humano, para além da esfera física, motora, locomotiva ou produtiva, entendendo que:

O movimento humano, por fim, pode ser compreendido como linguagem, ou seja, como capacidade expressiva. O homem se expressa pelos seus movimentos, pelas suas posturas, pelos seus gestos. O corpo humano é fala e expressão. A presença do homem é sempre uma presença falante, mesmo silenciosa. O homem se expressa no seu olhar, na sua face, no seu andar, ao ocupar um lugar; o movimento humano será sempre intencional e pleno de sentido.

Esse “novo saber sensível” pode ser mediado pelo “Se-movimentar”, entendido como diálogo entre Homem-Mundo que, segundo Kunz (2001, p. 174), envolve o Sujeito desse acontecimento, sempre na sua Intencionalidade. É um corpo-sujeito relacional, existencial, corpo-fenomenológico que se constitui, também, pelas experiências estéticas das práticas corporais no Mundo construído pelas ações humanas.

A relação humana com a realidade concreta tem se afastado da experiência estética. As experiências corporais estão muito “pobres”, ou seja, as experiências com o Homem-Mundo não estão na primeira ordem. É um empobrecimento das experiências sensitivas, perceptivas, criativas e expressivas. Estão muito próximas do que Gonçalves (1994) denominou de “descorporalização”, a qual avança com o processo da racionalização e do progresso do mundo técnico. Como forma de contraponto, seja ao esquecimento do corpo na educação, na vida cotidiana, ou mesmo nas teorias sociológicas e pedagógicas, e, por conseguinte, nos espaços formais de educação, talvez “a aceitação da possibilidade da aprendizagem por construção corporal poderá trazer uma mudança radical em todo processo de ensino/aprendizagem” (SANTIN, 1992, p.25). Isso pode resultar no reconhecimento de que toda “pedagogia precisa passar pela corporeidade cujo cultivo está a cargo da Educação Física” (SANTIN, 1992, p.25).

Nesse sentido, reafirma-se a necessidade de pensar uma Educação Física que contemple um campo de tematização que religue os conceitos de Corporeidade, Ecologia e Saúde em toda a sua complexidade, potencializando a compreensão acerca dos limites e possibilidades da reconstrução e ressignificação da relação Homem-Mundo na perspectiva da formação humana. A Educação Física, sob este espectro, pode ser entendida como uma área de conhecimento, que sistematiza saberes e conhecimentos, implicados com a prática educativa. No modo como interpretou Santin (1987, p.32), “o elemento de toda educação é o ser humano”, e isso significa que “nenhuma tarefa educacional é desenvolvida sem uma compreensão do homem”, ou mesmo “do homem que se pretende construir”.

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Braz. J. of Develop., Curitiba, v. 6, n. 7, p. 42662-42672, jul. 2020. ISSN 2525-8761 Para Santin (1993, p.72) “a educação física torna-se o lugar próprio da aprendizagem constante de viver, ou seja, uma sabedoria de viver”. Isso a torna muito importante, para o ser humano e seu devir na sociedade, e no planeta. Também a torna tão complexa e dependente de um conjunto amplo de saberes e conhecimentos das mais diversas ciências, artes e filosofia. A ideia de corpo-sujeito/movimento humano, aparece aqui como uma forma de aprendizagem do homem no mundo, o qual reconhece os valores das ciências, da filosofia e da cognição, como também da experiência estética e sensível. Em ambas as dimensões emergem os aprendizados para ampliar o cuidado em saúde no adentrar do século XXI, bem como para compreender as complexidades que circundam o corpo, em uma sociedade interligada pela técnica, pelo consumo e pela exploração.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O interesse pelo tema não partiu de uma formulação definitiva e única, mas, sim, da provocação para o entendimento crítico acerca da possível relação entre Corporeidade, Ecologia e Saúde, até porque as certezas são sempre provisórias. Acena-se, porém, para uma proposta centrada no Corpo-Sujeito/Movimento Humano enquanto linguagem na perspectiva de religar e potencializar os referidos conceitos vinculados à experiência estética. O movimento humano/educação corporal/cultura corporal concebido a partir de uma relação dialógica Homem-Mundo permite religar os conceitos de Corporeidade, Ecologia e Saúde como dimensões do conhecimento da Educação Física, que nem sempre são conhecimentos da ordem conceitual, mas que incorporam um saber que fomenta as dimensões estéticas (sensíveis e subjetivas) e éticas (sociais e intersubjetivas).

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