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A utilidade de procurações públicas em políticas fundiárias: Distribuição de lotes no distrito federal / The utility of public procurement in land policies: Distribution of real estate properties in the federal district

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 7, p. 48992-49029 jul. 2020. ISSN 2525-8761

A utilidade de procurações públicas em políticas fundiárias: Distribuição de

lotes no distrito federal

The utility of public procurement in land policies: Distribution of real estate

properties in the federal district

DOI:10.34117/ bjdv6n7-519

Recebimento dos originais: 21/06/2020 Aceitação para publicação: 21/07/2020

Eber Zoehler Santa Helena

Tabelião de Notas e Protesto de Títulos de Águas Lindas de Goiás, Consultor aposentado de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, Mestre em Direito pelo Centro

Universitário de Brasilia – UNICEUB e doutorando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB

E-mail: zoehler@gmail.com

Breno de Andrade Zoehler Santa Helena

Tabelião de Notas e Protesto de Títulos de Planaltina – DF. Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasilia – UNICEUB e doutorando em Direito pelo Centro Universitário de

Brasília – UNICEUB E-mail: brenoz@gmail.com

RESUMO

O artigo volta-se à utilidade da procuração pública em políticas fundiárias, com foco na política de distribuição de lotes do Distrito Federal. A eficácia da política pública de distribuição de lotes na capital federal está intimamente ligada ao prazo existente entre a entrega do lote e a transferência da propriedade. Quanto maior o transcurso do prazo entre a entrega e a transferência, menor a efetividade da política e consequentemente maior o grau de irregularidade na região loteada. Em casos extremos, enorme parcela de bairros loteados e entregues pelo Poder Públicos se transformam em ocupações irregulares em razão da demora do ente público em concretizar a transferência da propriedade. A procuração pública se apresenta, em tal contexto, como elemento atenuador dos efeitos deletérios do decurso do tempo, em razão de sua formatação jurídica dada no Distrito Federal. Para tanto, utilizou-se os dados notarias e registrais constantes referentes aos lotes inseridos em tais políticas públicas na região administrativa de Planaltina-DF, a fim de se demonstrar o grau de relevância do uso da representação na consolidação da propriedade em nome dos ocupantes.

Palavras-chave: Políticas Públicas, Procuração Pública, Representação, Lotes, Distrito Federal. ABSTRACT

The article focuses on the utility of public procurement in land policies, with a focus on the Federal District's land distribution policy. The effectiveness of the public policy for the distribution of land property in the federal capital is closely linked to the time between the delivery of the land and the transfer of ownership. The longer the period between delivery and transfer, the less effective the policy and, consequently, the greater the degree of irregularity in the subdivided region. In extreme cases, a huge portion of subdivided districts and delivered by the Public Power are transformed into irregular occupations due to the delay of the public entity in carrying out the transfer of property.

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The use of public procurement presents itself, in such a context, as a mitigating element of the deleterious effects of the course of time, due to its legal format given in the Federal District. For that, the notary and registry data constant referring to the land inserted in such public policies in the administrative region of Planaltina-DF were used, in order to demonstrate the degree of relevance of the use of representation in the consolidation of the property on behalf of the occupants.

Keywords: Public policy, Public procurement, Representation, Real states, Federal District.

SUMÁRIO

1. Introdução; 2. A distribuição de lotes no Distrito Federal – o caso dos Setores Residenciais Leste, Residencial Norte-A e Vila Nossa Senhora de Fátima; 3. As dificuldades enfrentadas pela política fundiária do Distrito Federal; 3.1. A realidade extrapola o planejado; 3.2. A timidez na formulação da política habitacional; 3.3. O efeito das falhas e a regularização fundiária; 3.4. O processo de titulação no cenário global; 4. A formatação jurídica das procurações públicas no Distrito Federal agrega elementos importantes à política pública; 4.1. Autonomização da procuração pública; 4.2 Cadeia de legitimação; 4.3 Atribuição de efetividade pelo Judiciário local; 4.4. Inexigibilidade de comprovação do direito; 4.5. Ausência de qualificação registral; 4.6. Baixo custo dos emolumentos notariais; 4.7. Vantagem tributária. 5. Conclusão; 6. Referências

SUMMARY

1. Introduction; 2. The distribution of lots in the Federal District - the case of the Residential Sectors Leste, Residencial Norte-A and Vila Nossa Senhora de Fátima; 3. The difficulties faced by the Federal District's land policy; 3.1. The reality goes beyond the planned; 3.2. Shyness in formulating housing policy; 3.3. The effect of failures and land tenure regularization; 3.4. The titling process on the global stage; 4. The legal formatting of public powers of attorney in the Federal District adds important elements to public policy; 4.1. Autonomization of public power of attorney; 4.2 Chain of legitimation; 4.3 Attribution of effectiveness by the local Judiciary; 4.4. Unenforceability of proof of the right; 4.5. Absence of registration qualifications; 4.6. Low cost of notary fees; 4.7. Tax advantage. 5. Conclusion; 6. References

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1 INTRODUÇÃO

A utilização de procurações públicas pode atenuar os efeitos deletérios do tempo na política de distribuição de lotes no Distrito Federal. Apesar de planejado, o Distrito Federal tem enormes problemas fundiários. Um dos responsáveis pelo caos imobiliário no Distrito Federal é a ineficiência da política pública de distribuição de lote. A queda da taxa de conversão da titulação (concessão de uso para propriedade) em razão do prazo decorrido eleva o grau de irregularidade de imóveis em bairros que, por sua origem Estatal, deveria ser totalmente regulares. Em relação à tal efeito temporal, a procuração pública se apresenta historicamente como instrumento relevante de remediação, pois serve de ferramenta a intermediar o mercado informal das unidades imobiliárias e a política fundiária. Fato que pode ser demostrado por meio da análise do número de matrículas abertas no loteamento e número de propriedades outorgadas no decorrer do tempo, em especial, as por meio de representação. O método a ser adotado é o de análise quantitativa de tais dados a serem colhidos no tabelionato de notas e registro imobiliário locais.

A estrutura da política pública de distribuição de lotes no Distrito Federal torna-se falha com o transcurso do tempo. No intuito de participar ativamente na ocupação do solo do Distrito Federal, o Governo local implementou, no decorrer das décadas, políticas de distribuição de lotes à população mais carente ou a categorias do funcionalismo público. Ao conceber tais políticas, o ente federal estabeleceu mecanismos e requisitos como: a existência de fila de cadastramento, contemplação à unidade familiar, pessoalidade da doação, inalienabilidade do lote adquirido, utilização do instrumento de concessão de uso, etc. Tais elementos, se justificáveis em um primeiro momento, em momento posterior, apresentam-se como entraves ao objetivo da política de organizar a cidade com a outorga da propriedade à população. A existência de lapso temporal entre o ato de entrega do lote e de outorga da propriedade aumenta a dificuldade da política pública em cumprir seu papel. A existência de mercado imobiliário da posse e de fluxo populacional migratório no decorrer do tempo fazem com que os ocupantes do momento de aquisição da propriedade sejam diferentes dos ocupantes originais que receberam o lote. Como consequência, bairros que foram concebidos pelo próprio ente responsável pela fiscalização da regularidade fundiária acabam ficando com grande parcela irregular.

Paralelamente à política de distribuição de lotes do Distrito Federal, a atividade notarial é aperfeiçoada pelas modificações e adaptações normativas de seus institutos, a exemplo da procuração pública. A procuração pública é instrumento de representação, moldado principalmente para a prática de atos civis, motivo pelo qual está disposto no Código Civil. Contudo, sua utilidade transborda seu intuito original, afetando também a relação cidadão x Administração Pública. A

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evolução do instituto e sua regulamentação no nível administrativo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Território deram-lhe roupagem singular em relação a atividade notarial em outros entes federativos. Características adquiridas como cadeia de remissões e confirmações, flexibilidade na qualificação do objeto, modicidade dos emolumentos... facilitam sua utilização pela população em relação aos lotes distribuídos.

A ineficiência temporal do modelo de políticas públicas de distribuição de lotes é atenuada pela formatação da procuração pública no Distrito Federal. Os efeitos do decurso de prazo entre a entrega dos lotes e a outorga da propriedade são minorados pela utilização da procuração pública e sua cadeia de legitimação. Inúmeros lotes que restariam irregulares em razão da negociação no mercado paralelo são alçados ao mercado formal imobiliário, graças à utilização ampla da procuração pública no Distrito Federal. Vários são os lotes doados nos quais a propriedade é adquirida por meio de procurador.

Por fim, da análise da experiência no Distrito Federal, mais especificamente na região de Planaltina, induz-se que falhas em políticas públicas imobiliárias podem ser sanadas ou atenuadas com a modelação de outros instrumentos jurídicos disponíveis no ordenamento jurídico, como instrumentos notariais.

Imagem 1 - Localização Planaltina-DF

2 A DISTRIBUIÇÃO DE LOTES NO DISTRITO FEDERAL – O CASO DOS SETORES RESIDENCIAL LESTE, RESIDENCIAL NORTE-A E A VILA NOSSA SENHORA DE FÁTIMA

O presente artigo analisa a políticas habitacional de distribuição de lotes promovida pelo Distrito Federal com base em estudo quantitativo realizado sobre três bairros de Planaltina-DF: o

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Setor Residencial Leste, o Setor Residencial Norte-A e Setor Residencial Oeste - Vila Nossa Senhora de Fátima.

Imagem 2 - Bairros Pesquisados

O processo de urbanização em relação aos três setores ilustra bem a informalidade do Distrito Federal em organizar registralmente o espaço urbano. O Distrito Federal implementou os três setores sem a observância da legislação federal, distribuindo os lotes sempre antes da aprovação dos loteamentos pelo próprio ente e por vezes antes da conclusão dos próprios estudos. O açodamento na ocupação do solo também se deu em relação à delimitação jurídica das unidades sob o prisma registral. A ocupação dos lotes por outorga do ente público antecedeu vários anos o registro do loteamento e abertura das matrículas.

A Lei nº 6.766, de 1979, no intuito de evitar a perpetuação de bairros inteiros irregulares estabeleceu sistemática estrita para o fracionamento do solo urbano. Para se fracionar o solo urbano, a lei prescreve a necessidade de aprovação pelo ente público do projeto de loteamento, arts. 6º e 12, e seu registro, art. 18. Tal procedimento deve ser seguido também pelos entes públicos (GALHARDO, 2004 p. 39), apesar da falta de menção expressa no texto original da lei, mas a se ver pelos seus arts.18, §4º e 53-A, parágrafo único introduzidos pela Lei nº 9.785 de 1999, bem como na menção expressa à lei de parcelamento nos memoriais descritivos dos setores analisados. A intenção da norma é que a expansão da cidade, com a criação das novas unidades jurídicas imobiliárias, se faça de forma planejada e dentro dos moldes legais, ou seja, com a existência das

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individualizações jurídicas dos lotes no registro imobiliário. O esforço da lei pela ocupação juridicamente ordenada do espaço se exemplifica pela tipificação da conduta de iniciar o loteamento sem a devida aprovação dos projetos, art. 50, culminando com reclusão de 1 a 4 anos além de multa. No caso em análise, acontece, todavia, que as ocupações foram realizadas com a inobservância pelo ente público do procedimento legal. Os três bairros em estudo surgiram de processo de urbanização por meio de loteamento promovido pelo Governo do Distrito Federal, como ocupação originária. Os bairros foram criados e as pessoas alocadas nas unidades a partir de área desocupada, diferentemente de outros casos, onde o ente público participa do processo de urbanização a reboque, regularizando situação irregular criada por particulares. Nos casos em apreço, a irregularidade foi criada exclusivamente pela participação do ente público como fracionador do solo urbano.

Em todos os bairros, a ocupação promovida pelo ente público antecedeu a formalização do loteamento. Os setores, em razão de sua grande extensão, foram urbanizados com base em mais de uma matrícula, mas em todas constatou-se a antecedência da ocupação em relação ao preenchimento dos requisitos legais.

Por exemplo, as quadras 18 e 19 do Setor Residencial Leste tem seus primeiros atos de concessão fornecidos em 1998, ano no qual foram elaborados o Memorial Descritivo, projeto de urbanismo e normas de edificação, uso e gabarito. Contudo, a aprovação do loteamento só se deu no ano de 2001, como o Decreto distrital nº 22.201, e o registro do loteamento em 4 de dezembro de 2012, nos termos da Av.1 e R.2 da matrícula 1721 do 8º Ofício de Registro de Imóveis. Dentre a ocupação e sua aprovação transcorreram 3 anos, depois transcorreram mais 11 anos até que fosse regularizada registralmente o bairro, com emissão das matrículas dos lotes.

As quadras 21 a 26 do Setor Residencial Leste surgiram de forma distinta. Seus projetos foram realizados em 1993 e as ocupações mais antigas identificadas foram de 1998, todavia, a aprovação do loteamento só se deu com o Decreto distrital nº 29.571, de 7 de outubro de 2008, dez anos após as primeiras ocupações promovidas pelo próprio Governo do Distrito Federal. O registro imobiliário, por sua vez, somente foi requerido em março de 2009, com registro em maio do mesmo ano, haja vista R.2 da matrícula 4597 do 8º Ofício de Registro de Imóveis.

A Vila Nossa Senhora de Fátima não seguiu destino diverso. As primeiras ocupações datam de 1992, já os projetos são de 1995 e a aprovação somente com o Decreto distrital nº 30.275, de 21 de julho de 2009, com registro em janeiro de 2010, R.1 da matrícula 7814 do 8º Ofício de Registro de Imóveis.

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O Setor Residencial Norte-A tem suas primeiras ocupações em 1989, com projeto elaborado no mesmo ano, mas Decreto autorizativo somente em 1991 e registro em 1993, nos termos do R.1 da matrícula 142055 do 3º Ofício de Registro de Imóveis.

Em resumo, em todos os casos a ocupação dos lotes antecedeu a aprovação do loteamento e seu registro. No caso da Vila Nossa Senhora de Fátima, a ocupação antecedeu 3 anos os projetos e 17 anos sua aprovação. Só vindo os lotes serem individualizados 18 anos após o início da ocupação. As quadras 21 a 26 do Setor Residencial Leste fugiram a sina dos demais setores, ao terem seus estudos definitivos prévios à ocupação, mas mesmo assim, entre as ocupações e a individualização jurídica dos lotes com o registro transcorreram 10 anos.

Diante desses dados verifica-se que a política de distribuição de lotes é realizada irregularmente e durante grande lapso temporal. Irregularmente porque o ente público inverte a lógica legal de planejar > registrar > ocupar, adotando na maior parte dos casos a lógica ocupar -> planejar --> registrar ou, na melhor das hipóteses, planejar --> ocupar --> registrar. E durante grande lapso temporal porque há enorme diferença temporal entre a distribuição do lote e a individualização jurídica do mesmo. A distribuição do lote ocorre vários anos antes que a unidade imobiliária seja individualizada no registro imobiliário, ao arrepio da legislação federal sobre o tema.

A fim de estudar a eficiência da política pública na atribuição de titularidade imobiliária aos ocupantes, levantamos as matrículas dos imóveis no registro imobiliário local, bem como utilizamos os dados disponíveis no cartório de notas existente na cidade satélite. Foram analisadas 10.582 matrículas do 8º Registro de Imóveis do Distrito Federal, ofício competente pelo registro dos

30,45% 69,55% 0,00% 10,00% 20,00% 30,00% 40,00% 50,00% 60,00% 70,00% 80,00%

Titularidade de

Matrículas

Registro em Nome de Particulares Registro em Nome de Ente Público

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imóveis dos bairros em estudo. Dos 10.582, apenas 3.222 (30,45%) estavam em nome de particulares, enquanto que os 7.360 restantes (69,55%) continuavam em nome da ¹TERRACAP ou do Governo do Distrito Federal.

Com base nos dados do tabelionato de notas local, foi pesquisado o uso de procurações públicas na política de distribuição de lotes. Analisamos o número de escrituras que foram lavradas com base na representação dos ocupantes por meio de procurador constituído. O percentual de escrituras lavradas com base em procurações oscilou entre os setores, sendo o menor percentual de uso em 32% na Vila Nossa Senhora de Fátima e o maior de 64% no Setor Residencial Leste. O Setor Residencial Norte-A teve 42%. Em razão do distinto número de unidades nos três setores, no total, 54% de todas as escrituras lavradas foram por meio da utilização de procuração pública. O alto percentual de uso do instrumento de representação demonstra sua importância para a efetividade da política pública. Sem as cadeias de representação (procurações e substabelecimentos), mais da metade das escrituras públicas não seriam lavradas e a propriedade não seria transferida.

Posteriormente, foi analisado o tempo médio entre a data de concessão da atual ocupação e a lavratura da escritura pública, onde se constatou grande lapso temporal entre a concessão e a escrituração. Como visto alhures, a política de distribuição de lotes nos setores analisados foi feita com inversão da ordem lógica e cronológica que se espera no desenvolvimento de loteamento. Não só a ocupação veio antes da regularidade jurídica das unidades autônomas, como o lapso temporal entre eles é gigantesco. Não por menos, tal elemento se reflete nos dados referentes a diferença temporal entre a concessão e a lavratura das escrituras pública.

1 A TERRACAP é a empresa pública criada pela Lei nº 5.861, de 12/12/1972, que tem como objetivo tratar de questões imobiliárias do Distrito Federal..

0% 20% 40% 60% 80% SRL SRN-A VNSF Total

Uso de Procurações

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Duas análises foram feitas em relação a diferença temporal concessão/escrituração: 1) a verificação dos tempos médios das lavraturas e 2) a diferença média em relação ao uso de procuração.

Na primeira análise, quanto ao tempo médio geral, foi identificada a diferença de 7.058 dias, cerca de 19 anos e 4 meses. Tal data é compatível com a lapso temporal ocupação/registro loteamento. A escrituração das unidades só era possível após a abertura das unidades autônomas no registro imobiliário. Contudo, o longo prazo não pode ser somente atribuído à autoridade pública. Como visto, a maior parte dos imóveis aptos a escrituração nem chega a ser escriturado, cerca de quase 90%. Natural que os que o são, sejam protraídos no tempo.

O prazo de 7.058 dias também é mais dilatado do que inicialmente poderia parecer. Apesar da ocupação dos bairros ser relativamente simultânea em toda sua extensão, os prazos de concessão que se transformam em propriedade são pulverizados no tempo. Nem todas as concessões que transformaram em escritura pública são as dos ocupantes originais, vez que durante as décadas anteriores houve períodos onde os órgãos responsáveis pelo programa permitiam a atualização dos ocupantes. Por exemplo, o Decreto distrital nº 34.210, de 13 de março de 2013 permitiu a regularização dos ocupantes por meio de requerimento dos interessados até a data limite de 31 de dezembro de 2013. Assim, a atualização de parcela das concessões analisadas esconde prazo ainda maior existente entre a ocupação original e a outorga da propriedade.

A segunda análise feita com base no lapso temporal concessão/escrituração refere-se à utilização de procurações públicas. A hipótese levantada antes da pesquisa era a de que o uso de procurações não só caracteriza mercado imobiliário informal como também é um instrumento hábil para a efetividade da política pública na transferência da propriedade aos ocupantes. Como visto, as procurações representam 54% da amostra de escrituras lavradas. Por outro lado, também se constatou a divergência de tempo entre escrituras públicas lavradas sem o uso de procurações e com o uso de procurações. Se a média geral do lapso concessão/escrituração fora de 7.058, a média de tempo para as transferências de propriedade sem o uso de procuração foi de 6.509 (17,8 anos) e as com uso de procuração, 7.466 (20,45 anos). Há um hiato de 3 anos entre escriturações com ou sem procurações. Escrituras com procuração são feitas em prazo maior. Ademais, se analisado o lapso dentro das categorias do grupo “com procurações”, se identifica que quanto maior o número de procurações lavradas, maior o prazo para a escrituração, como pode se ver no gráfico a seguir.

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O aumento do prazo proporcional ao aumento do número de procurações se justifica na própria utilização do instrumento. As procurações são utilizadas como instrumento de caracterização das transações. Assim, conforme o imóvel vai sendo negociado no mercado informal, aumenta-se o número de procurações. Portanto, imóveis já inseridos no mercado informal, já dotados de certa liquidez, tendem a demorar mais para serem regularizados. Foram encontrados casos mais extremos onde a cadeia era composta por inúmeros atos notariais, por exemplo: cadeia com 6 atos (uma procuração e 5 substabelecimentos) e outra com 8 atos (uma procuração e 7 substabelecimentos). A cadeia com 8 atos teve o lapso concessão/escrituração de 9.797 dias, cerca de 26 anos.

Uma vez identificada tais características da política pública habitacional de distribuição de lotes no Distrito Federal, passa-se para a verificação de seus contornos jurídicos bem como dos elementos presentes nas procurações públicas a justificar sua utilização como instrumento socio-jurídico dentro da política fundiária.

3 AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELA POLÍTICA FUNDIÁRIA NO DISTRITO FEDERAL

A ineficácia relacionada à política fundiária habitacional no Distrito Federal decorreu de inúmeros fatores. Dentre eles podemos enumerar a falha nas expectativas relacionadas ao planejamento do Distrito Federal, onde a população esperada se mostrou demasiadamente subestimada, e a própria formatação da política pública.

R² = 0,903 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 0 1 2 3 4 5 6 Pra zo mé d io p ar a Es critu ra ção (d ias )

Número de Procurações e Subestabelecimentos

Prazo Médio para Escrituação (dias) x Número de

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 7, p. 48992-49029 jul. 2020. ISSN 2525-8761 3.1 A REALIDADE EXTRAPOLA O PLANEJADO

Apesar de ter surgido como uma unidade federada organizada desde seu início e representar a ideia de planejamento urbanístico mundialmente, inclusive como um dos patrimônios culturais da humanidade pela UNESCO (COMMITTEE, 2017 p. 119), o idealismo de planejamento do Distrito Federal rapidamente sucumbiu à realidade na qual estava inserida. A população máxima planejada a longuíssimo prazo foi suplantada nos primeiros 10 anos, como se vê no gráfico a seguir. Segundo correspondência² enviada pelo Diretor do Departamento de Urbanismo e Arquitetura da NOVACAP ao Instituto de Arquitetos do Brasil, acerca de consultas formuladas pelos concorrentes do edital ao Plano Piloto da Nova Capital, o item 8 esclarecia que: “8 – Densidade. Provisão para 500.000 habitantes, no máximo.” O desenvolvimento e expansão urbana no Distrito Federal se deu à revelia das previsões ordenadas de sua concepção (GONZALES, 2010 p. 119), e, se previsto inicialmente para comportar, no máximo, 500 mil pessoas, rapidamente suplantou tal meta. Tamanho o crescimento da população do Distrito Federal que nos próximos anos deverá alcançar os 3 milhões, 6 vezes maior que a meta original.

O crescimento imprevisto do Distrito Federal acarretou o aumento da pressão social em prejuízo do planejamento urbano. O enorme influxo de pessoas de todas as regiões do Brasil à recém criada capital, suplantou a capacidade urbana em absorvê-las. A fim de absorver a crescente população foi desenvolvido programa habitacional com distribuição de lotes e construção de moradias.

² A correspondência foi emitida por Oscar Niemeyer e endereçada ao Sr. Dr. Ary Garcia Roza, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, segundo documento anexo ao (2018)

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Contudo, o déficit habitacional continuou aumentando proporcionalmente à população a despeito da política pública. O déficit habitacional cresceu tanto em razão do número absoluto de moradias como em seu percentual relacionado ao total de moradias disponíveis. Por exemplo, entre 2007 e 2012, o déficit habitacional no Distrito Federal saiu de 96 mil unidades necessárias para 115 mil, com um pico de 118 mil em 2011. Crescimento de 20,4% do déficit em números de unidades entre os 5 anos. Em relação ao percentual do déficit frente ao número total de domicílios disponíveis no Distrito Federal, no mesmo período, o déficit saiu de 12,8% para 13,6%, não só bem acima que o percentual nacional, como também em sentido inverso. Enquanto que no resto do país houve queda do percentual de déficit de domicílios em tal período, no período Distrito Federal houve aumento, como se vê no gráfico a seguir.

Fonte: IBGE/PNAD 2007-2012 Fonte: IBGE/PNAD 2007-2012

Fruto do constante déficit habitacional surgiram as invasões, que demandaram resposta do ente público. A fim de satisfazer a demanda por moradia por aqueles que chegavam na capital desde sua origem, o Distrito Federal desenvolveu políticas habitacionais. Tem se como exemplo icônico da busca pela manutenção da ordem e planejamento urbano frente às constantes invasões, a criação em 1972 da Comissão de Erradicação de Núcleos Habitacionais Provisórios, nos termos do Decreto 1.991, e extinta pelo Decreto 2.243 de 1974, bem como a Campanha de Erradicação de Invasões – CEI, declarada de utilidade pública pelo Decreto 2.426 de 1973, e que deu origem a atual cidade satélite da CEIlândia.

Como fator contributivo a esse cenário desolador ao ordenamento urbano e à persistente ausência de moradias suficiente, somou-se a alteração da situação administrativa do Distrito Federal pela Constituição Federal de 1988. O Distrito Federal, até o advento da Constituição Federal de

96279 98536 114172 118532 115922 0 20000 40000 60000 80000 100000 120000 140000 2007 2008 2009 2011 2012

Déficit Habitacional DF

-Número de Unidades

12,8% 12,9% 14,4% 13,6% 13,6% 10,0% 9,0% 9,7% 8,8% 8,5% 2007 2008 2009 2011 2012

Déficit de Domicílios DF

-Percentual em relação à

domicílios totais

Distrito Federal Brasil

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1988, esteve umbilicalmente ligado à União. Apesar de ser pensada e idealizada desde a época de colônia, Brasília e o Distrito Federal só viriam a ser implementados no mandato de Juscelino Kubitschek, com sua inauguração em 21 de abril de 1960. A Constituição Federal de 1946, vigente à época, tratava da administração do Distrito Federal em seu art. 26. Ele disciplinava que caberia ao Presidente da República a nomeação de Prefeito, após assentimento do Senado Federal, para governar o Distrito Federal nos moldes de organização administrativa e judiciária delimitada por lei federal, art. 25. Tamanha a vinculação do Prefeito nomeado ao Presidente da República, que poderia ser demitido ad nutum. A vinculação do Distrito Federal à União continuou sob a égide da Constituição Federal de 1967 e de sua Emenda nº 1 de 1969. Contudo, nestas últimas, com o chefe do executivo sendo denominado Governador e sem mais a menção à demissão ad nutum.

Somente com o advento da Constituição Federal de 1988, o Distrito Federal passou a ter autonomia administrativo-financeira-orçamentária e a população local a eleger seus próprios representantes, art. 18. A adoção da forma democrática, todavia, aproximou o elemento político aos programas habitacionais. A necessidade de satisfação das necessidades da população a qualquer custo foi “capturada” pela política, passando a ser utilizada com a finalidade de promoção eleitoral, o que influiu na organização dos loteamentos. Como afirma Aldo Paviani (2009 p. 83);

“A partir de 1988, com a nomeação do governador e eleição de deputados para Câmara Distrital, as instituições públicas passaram a barganhar apoio político e troca de favores tendo como moeda terrenos nos diversos “assentamentos semiurbanizados”. ³

Os setores em estudo foram realizados dentro de tal contexto. A unidade da federação criada com a pretensão de ser modelo de urbanização não suportou a pressão do crescimento populacional. A mudança da gestão administrativa estritamente vinculada à União, passou a se inserir em cenário democrático, com a eleição do governador, trazendo assim questões políticas à política pública habitacional e interferindo no processo de assentamento. Tais elementos, desencadearam na implementação dos setores em estudo de forma açodada e sem observância de normas urbanísticas e registrais relacionadas.

3.2 A TIMIDEZ NA FORMATAÇÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL

Outro elemento contributivo para as falhas de eficiência analisada foi a própria formatação da política habitacional.

³ Não por menos as ocupações foram realizadas em 1989, o governador que promoveu em sua gestão a ocupação dos bairros, foi o mesmo que, na primeira eleição para chefe do executivo Distrito Federal, se sagrou vencedor.

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As regras estabelecidas para filtragem dos beneficiários do programa, o instrumento utilizado e a vedação de alienação, todos contribuíram de uma forma ou de outra no fomento do mercado imobiliário informal. Das várias regras da política pública as mais relevantes ao presente estudo são: o perfil dos beneficiários (sem imóveis e de baixa renda) e a proibição de alienação do imóvel.

A política pública de distribuição de lotes, na qual estão inseridos os setores em estudo, teve sua origem no Decreto do GDF nº 11.476, de 09 de março de 1989, o qual instituiu normas para o assentamento de invasores em loteamentos desenvolvidos pelo Distrito Federal. Os beneficiários do decreto eram as pessoas residentes em áreas invadidas do Distrito Federal. Elas deveriam ser transferidas para loteamentos semi-urbanizados. Os beneficiários deveriam preencher alguns requisitos para serem contemplados com os lotes: 1) estar cadastrado pela Fundação de Serviço Social do Distrito Federal; 2) não ser, nem ter sido, proprietário, promitente comprador ou cessionário de imóvel no Distrito Federal; 3) não ter sido beneficiado, anteriormente, em programa similar do Distrito Federal; 4) que a renda familiar não ultrapassasse à época três vezes o valor do Piso Nacional de Salário (atual salário mínimo); 5) que a renda per capita, quando se tratasse de apenas um residente, fosse de até somente uma vez o valor do Piso Nacional de Salário. A entrega do lote era condicionado à disponibilidade e a forma de transferência era a de concessão de uso. A concessão de uso ficava condicionada à residência do ocupante no imóvel concedido sob pena da imediata retomada do bem pelo ente público. Os lotes a serem distribuídos eram transferidos pela Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP ao Distrito Federal, para que ele outorgasse as concessões.

A sistemática adotada pelo decreto sofreu poucas modificações por outros instrumentos normativos que o seguiram acerca do tema4, permanecendo, de grosso modo, requisitos ou elementos semelhantes aos originários. A atual Lei 3.877 de 2006 rege a matéria referente a tais assentamentos e substituiu o antigo decreto. Seu art. 4º determina que o interessado deve: I – ter maioridade ou ser emancipado na forma da lei; II – residir no Distrito Federal nos últimos cinco anos; III – não ser, nem ter sido proprietário, promitente comprador ou cessionário de imóvel residencial no Distrito Federal; IV – não ser usufrutuário de imóvel residencial no Distrito Federal; e V – ter renda familiar de até doze salários mínimos.

De tais requisitos, para nosso estudo, se apresentam mais relevantes os incisos III e IV, que impedem pessoas titulares de outros imóveis receberem lotes. A regra era peremptória no Decreto nº 11.476 de 1989, contudo, no decorrer da execução da política pública, surgiram inúmeras situações surgiram inúmeras situações peculiares que demandaram o aprimoramento da política. O parágrafo único do art. 4º da Lei nº 3.877 de 2006 disciplinou então rol de 8 hipóteses aonde, ainda

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que proprietários ou titulares de bens imóveis, poderiam as pessoas permanecerem como beneficiários do programa5. As hipóteses, em resumo, giram em torno de titulares imobiliárias anteriores que por vários motivos (coercitivos ou voluntários) cessaram.

Apesar do grande número de hipóteses do art. 4º, os executores da política pública frequentemente se deparam com problemas semelhantes, mas sem solução: e se o beneficiário do lote adquirir outro imóvel durante a concessão, mas antes da aquisição da propriedade? Esta situação não se enquadra em nenhuma das hipóteses previstas na lei e tem aumento de incidência proporcionalmente ao tempo transcorrido entre a concessão e a transferência da propriedade.

A política habitacional é, obviamente, voltada a colmatar falhas existentes na distribuição da propriedade imobiliária residencial e outras falhas no mercado imobiliário. A ideia é que todos tenham acesso a moradia. Desta forma, natural, que, em sua formatação, fosse vedado que pessoas já titulares de imóveis viessem a ser contemplados. O objetivo do programa era e ainda é o de garantir moradia a pessoas sem imóvel de baixa renda. Pessoas de alta renda, ainda que sem imóvel, poderiam, pela lógica da política, utilizar-se do próprio mercado imobiliário para adquirir suas moradias.

Apesar da saída da linha de pobreza não impactar na aquisição do imóvel concedido, a possibilidade de tal pessoa vir a adquirir novo imóvel que não o concedido tem efeito obstativo, nos termos do art. 7º, II da Lei nº 3.877 de 2006. A falta de delimitação expressa da vedação somente até a época de concessão, exigiu dos atores envolvidos na política pública dar solução infralegal, a fim que se aumentasse a efetividade da distribuição da propriedade.

4 O Decreto nº 11.476 de 1989 fora revogado pelo Decreto nº 19.074 de 1998, que o fora revogado pelo Decreto nº

20.426 de 1999, que consequentemente o foi pelo Decreto nº 33.177 de 2011.

5 Lei nº 3.877 de 2006. Art. 4º.

Parágrafo único. Excetuam-se do disposto nos incisos III e IV deste artigo as seguintes situações:

I – propriedade anterior de imóvel residencial de que se tenha desfeito, por força de decisão judicial, há pelo menos cinco anos;

II – propriedade em comum de imóvel residencial, desde que dele se tenha desfeito, em favor do coadquirente, há pelo menos cinco anos;

III – propriedade de imóvel residencial havido por herança ou doação, em condomínio, desde que a fração seja de até cinqüenta por cento;

IV – propriedade de parte de imóvel residencial, cuja fração não seja superior a vinte e cinco por cento;

V – propriedade anterior, pelo cônjuge ou companheiro do titular da inscrição, de imóvel residencial no Distrito Federal do qual se tenha desfeito, antes da união do casal, por meio de instrumento de alienação devidamente registrado no cartório competente;

VI – devolução espontânea de imóvel residencial havido de programa habitacional desenvolvido pelo Governo do Distrito Federal ou por meio de instituição vinculada ao Sistema Financeiro de Habitação, comprovada mediante a apresentação de instrumento registrado em cartório;

VII – nua propriedade de imóvel residencial gravado com cláusula de usufruto vitalício; VIII – renúncia de usufruto vitalício.

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Nos documentos analisados, foi identificada a seguinte solução procedimental: 1) o cartório de notas; 1.1) menciona expressamente no instrumento público a data da concessão; 1.2) e consigna dentre as declarações do adquirente que ele não tinha imóveis até a data da concessão do imóvel; 2) a minuta com tais termos é enviado à análise e assinatura do ente público, que ao assinar ratifica tal interpretação restritiva do gravame; 3) o instrumento público é levado ao registro de imóveis, que, em razão da datação e declaração, não obsta o registro da propriedade caso constate imóveis em nome do concessionário adquiridos posteriormente à data da concessão.

Se a vedação de transmissão de imóveis concedidos à pessoas já titulares de outro imóvel apresenta-se como potencial óbice a persecução da pretensão da política pública em transmissão da propriedade, muito mais grave foi seu elemento obstativo da alienação dos imóveis concedidos.

O art. 10º da Lei nº 3.877 de 2006 veda a alienação dos imóveis concedidos (nem mesmo sua posse) antes da aquisição da propriedade. Apesar do Decreto-lei 271, de 28 de fevereiro de 1967, permitir expressamente a alienabilidade a concessões de uso, art. 7º, §4º, no Distrito Federal, optou-se por sua inalienabilidade, nos termos do art. 10 da lei distrital. A lei disciplina que: “enquanto não houver a transferência de domínio do Poder Público para o beneficiário, é vedado a este transferir a terceiros a posse de bem imóvel recebido”.

O imóvel uma vez concedido, por força de lei, fica fora do mercado imobiliário, transformado em bem inalienável. Essa medida é a mola propulsora para a existência do mercado informal que neste artigo analisamos. A impossibilidade de venda do imóvel é maximizada com a inércia do ente público em transferir a propriedade. É inimaginável se esperar de uma população que, em sua integralidade, os beneficiários ocupantes permaneçam imutáveis durantes 20 anos, como visto, prazo em média esperado para a transferência da propriedade. Como consequência, a venda dos imóveis não foi coibida com a proibição, mas fora relegada a segundo plano. Desenvolveu-se profícuo mercado informal de imóveis em assentamentos públicos.

3.3 O EFEITO DAS FALHAS E A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA

A autorização legal para a doação dos lotes concedidos nos assentamentos públicos estava prevista na Lei do Distrito Federal n.º 770, de 28 de setembro de 1994, a qual autorizou a transferência da propriedade dos imóveis distribuídos com base no Decreto nº 11.476 de 1989. as unidades imobiliárias distribuídas no art. 11 a 14 da Lei nº 3.877 de 1993, tendo sido reforçada pelo artigo 1º da. O art. 9º da Lei nº 3.877 dispensava a autorização prévia do Poder Legislativo (como na desafetação) bem como no art. 13 da mesma lei dispensava-se a realização de licitação para a alienação dos bens, o que passou a ter reforço na esfera federal em razão da modificação da lei de

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licitações, Lei nº 8.666 de 1993, em junho de 1994, onde alterou-se seu §4º do art. 17 por meio pela Lei nº 8.883, dispensando a licitação de imóveis a serem doados, caso houvesse interesse público devidamente justificado.

Com base em tais permissões legais federal e distrital, o Governo do Distrito Federal passou a poder alienar a propriedade, caso as matrículas já estivessem individualizadas. A fim de aumentar a efetividade das doações, ainda no mesmo ano, em dezembro, o Distrito Federal editou a Lei nº 880, que, modificando a Lei nº 770, permitiu a doação aos ocupantes não originários que comprovassem a residência nos imóveis públicos até 31 de julho de 1994. Essa norma de adaptação reconhece, ainda que indiretamente, o mercado informal e tentou resolver o problema existente. A mesma lei anistiou os débitos dos ocupantes em relação às existentes taxas de ocupação de concessão de uso, art. 3º.

Contudo, a possibilidade de transferência da propriedade aos ocupantes sem a necessidade de realização de licitação não se esquivou à análise do Poder Judiciário. O Ministério Público do Distrito Federal, ao menos em duas oportunidades, levou o questionamento da constitucionalidade da dispensa de desafetação e de processo licitatório para a transferência dos imóveis à apreciação pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, sendo ambas ações julgadas improcedentes pelo Tribunal: 2006 00 2 011021-8 (dispensa de licitação) 2013 00 2 017704-9 (dispensa de autorização legislativa).

A possibilidade de doação da titularidade dos lotes por si só não foi suficiente para a aquisição das unidades pelos ocupantes. Parcela expressiva dos ocupantes permaneceram sem adquirir a propriedade, em parte por se sentirem seguros com a concessão que tinham e em parte por impossibilidade registral de ocorrer a transferência, vez que, como visto no primeiro capítulo, a individualização das matrículas dos lotes só se deu, em muitos casos, muitos anos depois.

Assim, o programa de concessão de moradias promovido pelo próprio ente público, apesar de contribuir para a satisfação da demanda por moradia, criou situação jurídica contraditória vez que os assentamentos tornaram-se áreas irregulares sob o prisma fundiário-registral.

Apesar do descaso do ente público em relação à situação registral, a grande extensão da população nos bairros criados induziu o Distrito Federal a criar legislação específica para a sua regularização. Em 19 de dezembro de 2012, foi editada a Lei distrital nº 4.996, a qual incorporou a legislação federal de regularização fundiária à esfera distrital, nos termos de seu art. 1º, e estabeleceu outras normas a respeito. Na esfera federal, fora editada em 2009, a Lei nº 11.977, fruto da conversão da Medida Provisória nº 459 do mesmo ano. Esta lei, institui o programa de habitação federal Minha

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Casa Minha Vida e também trouxe normatização referente à regularização fundiária nos seus arts. 46 a 71.

A Lei distrital nº 4.996, de 2012, autorizou, em seu art. 2º, a doação dos imóveis em cidades consolidadas, oriundas de programas de assentamento promovidos pelo Distrito Federal, às pessoas que os ocupassem de forma mansa e pacífica há mais que cinco anos (diz a norma 5 anos e mais um dia) até a data de sua publicação, ou seja, 19 de dezembro de 2012. Portanto, os ocupantes cuja origem da apreensão do bem remontassem a antes de 18 de dezembro de 2007, passaram a poder se inserir no cadastro para aquisição da propriedade, na mesma lógica adotada anteriormente pela Lei nº 3.877 em 1993.

Aos ocupantes que não preenchessem o requisito de “não ser e nem ter sido proprietário, promitente compradores ou cessionários de imóvel residencial no Distrito Federal”, a lei reconheceu direito de preferência na aquisição do imóvel que seria enviado à licitação pública, limitado a um único imóvel, art. 5º. A quem não procedesse com a devida regularização fundiária, a lei ameaçou que seus imóveis seriam levados a licitação, art. 6º. Os interessados em regularizar os imóveis deveriam apresentar seus requerimentos até o dia 31 de dezembro de 2013.

A regulamentação da Lei nº 4.996 de 2012 deu-se pelo Decreto distrital nº 34.210, de 13 de março de 2013. O decreto esclarece em seu art. 2º, IV, que são consideradas “cidades consolidadas oriundas de programas de assentamento promovidos pelo Distrito Federal: todas aquelas criadas e/ou adensadas durante os programas habitacionais promovidos pelo Distrito Federal”. Segundo o decreto, os ocupantes de imóveis não regularizados deveriam requerer a regularização de seus bens até o dia 31 de dezembro de 2013. Uma vez feito o requerimento, o interessado é convocado para apresentação de sua documentação. A documentação, nos termos do art. 4º, consiste na apresentação dos seguintes documentos: 1) declaração do interessado, de que a ocupação é mansa e pacífica e que não existe demanda judicial sobre a posse do imóvel, sob pena de responsabilização cível e criminal; 2) comprovante de residência no local a ser regularizado, há pelo menos cinco anos e um dia na data de publicação da Lei; 3) comprovante de residência, procurações ou cessão de direitos de seus antecessores; e 4) certidão negativa dos Cartórios de registro de imóveis do Distrito Federal. Os itens 1 e 2 tem o propósito de caracterizar a ocupação do imóvel pelo ocupante.

Mapeado o problema e suas soluções locais, resta analisar dentro de que cenário global se insere a política pública e como seus resultados, finalidades e formatação se relacionam com experiências estrangeiras.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 7, p. 48992-49029 jul. 2020. ISSN 2525-8761 3.4 O PROCESSO DE TITULAÇÃO NO CENÁRIO GLOBAL

A política pública de distribuição de lotes do Distrito Federal se insere, ainda que parcialmente, nas políticas de titulação presentes em vários países africanos, asiáticos e latino americanos.

O Banco Mundial (1989 p. 144), por exemplo, defende que garantias reais são importantes para o desenvolvimento econômico, vez que permitem o desenvolvimento do crédito e consequentemente o desenvolvimento econômico. Para que existam as garantias reais, necessário se faz a presença de titulação formal dos bens imóveis em nome de seus ocupantes. Desta forma, a titulação dos ocupantes permite que eles “liberem” o pleno potencial do capital disponível no imóvel, alavancando assim as iniciativas dos titulares.

Um dos maiores exponentes dessa teoria sobre a titulação como elemento de desenvolvimento econômico é o economista peruano Hernando de Soto. Em o Mistério do Capital, Hernando de Soto (2001) defende que a propriedade titulada tem cinco efeitos: fixa o potencial econômico do bem; integra toda a dispersão de informações em um único sistema; torna as pessoas responsáveis; torna o patrimônio fungível; conecta as pessoas; e protege as transações. A fim de se alcançar todos esses benefícios, o autor defende a titulação dos bens imóveis por meio da delimitação formal de seu direito de propriedade. Segundo ele, o direito de propriedade não é o bem em si, nem uma representação do bem em si, mas uma representação acerca do bem (DE SOTO, 2001 p. 49). Tal processo de formalização então é o que liberaria todo o potencial econômico do imóvel e deveria então ser perseguido pelos Estados nações. Essa concepção encaixa-se bem no final da política de distribuição de lotes.

Baseado nesses ideais, o Banco Mundial tem vários projetos realizados em diversos países, como: Honduras em 2011, Egito em 2010, Colombia em 2003 e 2009, El Salvador em 2005, Ucrânia em 2003, Indonesia em 2004, Laos em 1996 e 2003, Armenia em 1998, Peru em 1998, Tailandia em 1984 e 1994, e no próprio Brasil em 19856.

Assim como identificamos problemas e dificuldades no processo de titulação no Distrito Federal, as demais experiências estrangeiras não transcorreram incólumes. Fruto dos inúmeros obstáculos enfrentados nos demais países, os resultados obtidos foram de todas as formas. Dos projetos acompanhados pelo Banco Mundial7, dispersos foram os resultados obtidos, desde alguns altamente bem sucedidos, como no caso da Armênia, onde com a titulação se aqueceu o mercado imobiliário , com sucessivos aumentos nos números de transações entre os anos de 2000 a 2003 (respectivamente em 35%, 49% e 18%), até outros muito menos satisfatórios, como no caso da Ucrânia8.

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A doutrina ao analisar projeto de vários países também constatou essa enorme divergência da eficiência prometida pelos processos de titulação. Rosalie Kingwill (2017), por exemplo, defende que o processo de titulação, apesar de intuitivamente parecer o devido, no caso Sul Africano, foi extremamente falho, em razão de óbices locais presentes, de forma que, para suas superações, é essencial a observância pela política de processos familiares locais e costumeiros em relação à apreensão, uso e transmissão de imóveis urbanos e rurais. Melhor resultado foi o constatado por Sebastian Galiani e Ernesto Schargrodsky (2010) em relação a titulação de uma favela nos arredores de Buenos Aires, onde, em razão da atribuição de propriedade, foi verificado o aumento nos investimentos realizados em relação à habitação, diminuição do número de membros na família e melhoras na educação das crianças, contudo, sem a verificação de qualquer melhora em relação ao acesso à crédito ou linhas de financiamento.

Em outros casos, o resultado obtido da análise foi pela ausência de impacto ou onde os impactos positivos e negativos praticamente se compensavam. Como exemplo de situação neutra, tem-se o relato de Thomas Pinckney e Peter Kimuyu (1994) onde em estudo comparando duas comunidades, uma em Tanzania e outra no Kenia, ou seja, sob dois ordenamento jurídicos distintos, se verificou a ausência de aumento da desigualdade em razão da titulação (potencial elemento negativo) bem como a ausência de aumento do acesso ao crédito (potencial elemento positivo), concluindo que apenas em casos excepcionais, a titulação é irrelevante para o desenvolvimento. Já exemplo de situação onde se identificaram tanto efeitos positivos como efeitos negativos, tem se o estudo sobre caso tailandês realizado por Xavier Giné (2005).

Há grande variação em relação ao sucesso, falhas bem como dos motivos para ambos. As causas para a existência de resultados diversos são inúmeras e boa parte das vezes locais. A formatação institucional dos órgãos envolvidos, o arcabouço jurídico incidente ou até mesmo práticas locais influem nos resultados obtidos. Farran (2002 p. 223) ilustra, por exemplo, em relação a política de titulação em Vanuatu, a necessidade de elementos diversos para o sucesso de uma política de titulação fundiária, como: o fortalecimento institucional tanto do implementador da política fundiária como do Poder Judiciário; a coordenação e interação entre os vários órgãos envolvidos; e a consideração de questões envolvendo crescimento populacional, provisão de serviços, proteção ao meio ambiente e a direitos sociais e culturais. No mesmo sentido, Timothy Besley (1995), ao analisar duas comunidades em Gana sob o prisma de três postulados – a segurança da ocupação, o uso do bem em garantia e a obtenção de ganhos em trocas –, conclui pela necessidade

6http://projects.worldbank.org/P006346/land-tenure-improvement-project?lang=en 7http://documents.worldbank.org/curated/en/565241468740423844/pdf/28931.pdf

8ttp://documents.worldbank.org/curated/en/236291467986261763/pdf/ICRR14640-P035777-Box393183B-PUBLIC.pdf

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de se analisar cautelosa e empiricamente a atribuição de titulação e investimentos em comunidades carentes, julgamento prematura qualquer conclusão sobre a inoperabilidade de titulações, mas por outro lado advertindo que ela não é qualquer panaceia aos problemas de baixo crescimento e investimento, antes que seja devidamente entendido o processo de evolução dos direitos.

Das experiências internacionais narradas, talvez a melhor aplicável ao caso concreto em analise seja a conclusão contatada por Thomas Pinckney e Peter Kimuyu (1994 p. 4), na qual, ao apreciar a questão da segurança da ocupação, os autores identificam a percepção pela população da baixa necessidade de aquisição da propriedade quando outras formas de titulação sejam conferidas e tenham elas tutela jurídica satisfatória. Como visto, a política de doação de lotes do Distrito Federal é composta ao menos de duas etapas relacionadas à titulação: a de atribuição de concessão e a de atribuição da propriedade. Identificamos que entre ambas etapas de titulação há enorme lapso temporal, em razão, na maior parte, da desídia ou imperícia do ente público. Contudo, a narrativa de Thomas Pinckney e Peter Kimuyu, ao ilustrarem que a titulação esperada não necessariamente precisa ser a de propriedade, traz à análise também a responsabilidade dos ocupantes em relação a baixa taxa de aquisição de propriedade dos lotes concedidos.

No caso dos setores analisados, parte do lapso temporal entre a concessão e a transferência da propriedade pode ser atribuída à falta de urgência dos ocupantes. Fato este que se apresenta nos números, vez que apenas um baixíssimo percentual das unidades aptas à aquisição da propriedade foi registrado em nome dos ocupantes. Ou seja, ainda que disponível o acesso à aquisição imobiliária, parcela expressiva dos ocupantes não tomam a iniciativa de adquirirem a propriedade, vez que se consideram seguros com o título de concessão recebido e, a depender do caso, de sua cadeia de procurações que o legitima.

Feitas as ressalvas acima, no ordenamento jurídico brasileiro, há frequentes produções legislativas no sentido de estimular a atribuição de propriedade por meio da regularização fundiária, a exemplo dos seguintes diplomas: Medida Provisória 459 de 2009, convertida na Lei nº 11.977 do mesmo ano; e a Medida Provisória nº 759 de 2016, convertida na Lei nº 13.465 de 2017. Diplomas normativos estes que demostram a intenção do legislador brasileiro na busca da titulação dos ocupantes. Considerada então essa intencionalidade do ordenamento jurídico pátrio, passa-se à análise da procuração pública frente a política habitacional no Distrito Federal como instrumento relevante aos ocupantes, em especial, para a escrituração de seus imóveis.

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4 A FORMATAÇÃO JURÍDICA PARA A LAVRATURA DE PROCURAÇÕES PÚBLICAS NO DISTRITO FEDERAL AGREGA ELEMENTOS IMPORTANTES À POLÍTICA PÚBLICA

A formatação da política pública fundiária de distribuição de lotes no Distrito Federal, onde se autoriza a ocupação de lote com a outorga de termo de concessão de uso, mas somente em momento futuro se transfere a propriedade do mesmo, gerou enorme mercado imobiliário informal. Os contemplados com os lotes alienavam e alienam os lotes por meio de instrumentos particulares, comumente chamados “cessões de direito”, que são normalmente elaborados por rábulas ou corretores imobiliários e, ato contínuo, outorgam procuração pública para o adquirente. A procuração pública entra então neste mercado informal como um mecanismo mínimo de segurança jurídica.

A procuração pública é instrumento de representação, moldado principalmente para a prática de atos civis, motivo pelo qual está disposto no Código Civil. Contudo, sua utilidade transborda seu intuito original, afetando também a relação cidadão x Administração Pública. A evolução do instituto e sua regulamentação no nível administrativo do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Território deram-lhe roupagem singular em relação a atividade notarial em outros entes federativos. Características adquiridas como cadeia de remissões, confirmações, flexibilidade na qualificação do objeto, modicidade dos emolumentos... facilitam sua utilização pela população em relação aos lotes distribuídos.

Reconhecida a utilidade da procuração, resta-se analisar quais elementos presentes nas procurações públicas acabaram por permitir sua ampla utilização. Algumas das características abaixo são comuns a procurações públicas lavradas em outros entes federativos ( principalmente os itens 3.1, 3.2, 3.4 e 3.5), todavia, algumas são peculiares dos atos realizados no Distrito Federal em relação á outros Estados (itens 3.3, 3.6 e 3.7).

As características propícias ao estímulo tanto do desenvolvimento de mercado paralelo dos lotes distribuídos como à consolidação da propriedade dos lotes distribuídos são:

3.1. Autonomização da procuração pública;

3.2. Cadeia de legitimação por meio das procurações e substabelecimentos; 3.3. Atribuição de efetividade pelo Judiciário local;

3.4. Inexigibilidade de comprovação do direito; 3.5. Ausência de qualificação registral;

3.6. Baixo custo dos emolumentos notariais; 3.7. Vantagem tributária.

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 7, p. 48992-49029 jul. 2020. ISSN 2525-8761 3.1 AUTONOMIZAÇÃO DA PROCURAÇÃO PÚBLICA

Segundo o Código Civil brasileiro, a procuração pública nada mais é do que o instrumento do mandato, segundo art. 653. E o mandato é o contrato no qual “alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses” ainda segundo o mesmo dispositivo. Contudo, como leciona Orlando Gomes, esta definição legal é equivocada:

“O mandato é a relação contratual pela qual uma das partes se obriga a praticar, por conta da outra, um ou mais atos jurídicos. O contrato tem a finalidade de criar essa obrigação e regular os interesses dos contratantes formando a relação interna, mas, para que o mandatário possa cumpri-la, é preciso que o mandante lhe outorgue o poder de representação, se tem, ademais, interesse em que aja em seu nome. O poder de representação tem projeção exterior, dando ao agente, nas suas relações com terceiras pessoas, legitimidade para contratar em nome do interessado, com o inerente desvio dos efeitos jurídicos para o patrimônio deste último. A atribuição desse poder é feita por ato jurídico unilateral, que não se vincula necessariamente ao mandato e, mais do que isso, tem existência independente da relação jurídica estabelecida entre quem o atribui e que o recebe. Esse ato unilateral carece, em nossa terminologia jurídica, de expressão que o designe inconfundivelmente. O termo procuração, que o definiria melhor, é empregado comumente para designar o instrumento do ato concessivo de poderes, mas tecnicamente é o vocábulo próprio. Até os que conceituam a procuração erroneamente como instrumento do mandato admitem que possa ser verbal, embora confundindo-a com o mandato, isto é, sem que tenha a forma instrumental. Justamente porque se faz essa confusão e não há vocábulo próprio para qualificar o negócio jurídico unilateral de atribuição de poderes de representação, este é denominado também mandato, como se não fosse coisa diferente do contrato que tem esse nome. O resultado dessa sinonímia absurda é a confusão entre mandato e representação, que leva à falsa idéia de que toda representação voluntária é mandato. Á que distinguir, pois, o contrato do ato jurídico unilateral, o mandato da procuração em sentido técnico. (GOMES, 2007, p. 425)

Tal característica de acessoriedade da procuração em relação ao contrato reflete visão tradicional já abandonada por outros ordenamentos jurídicos. O Direito português por exemplo regulamenta a procuração na parte referente à “representação voluntária”, art. 262 e ss., de seu Código Civil. Segundo o direito português, representação e mandato são duas coisas bem distintas. Como no direito brasileiro, pode haver representação sem mandato, a diferença se encontraria na via inversa. Para os portugueses também é possível a existência de mandato sem representação. Desta forma, a procuração, como instrumento da representação, pode ou não estar relacionada a um contrato de mandato. Esse entendimento, aliás é reiteradamente afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, a exemplo do recente precedente:

I - Mandato e representação voluntária mediante procuração são realidades jurídicas diferentes (embora andem frequentemente juntas). No primeiro caso, estamos perante um contrato, tendo o mandatário o dever de exercer o mandato, enquanto na procuração (negócio unilateral não recipiendo) o procurador não tem esse dever, mas sim a possibilidade de agir nos termos visados.

II - A procuração não representa a aquisição ou constituição de um direito subjetivo a favor do procurador, mas apenas a sua investidura em podres-funcionais. Nesta medida, não pode deixar-se que o procurador agiu com abuso do direito inerente à procuração.

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III - A procuração dá poderes representativos, mas não obriga a pessoa a usá-los. Assim, a não realização dos poderes inerentes nâo constitui o procurador em responsabilidade indemnizatória perante o representado.

IV - O exercício de um direito só poderá ser havido como ilegítimo por abusivo quando o abuso seja manifesto, isto é, quando o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça, traduzindo uma grosseira ofensa ao sentimento jurídico socialmente dominante. (12-09-2017, Revista nº 42/10.2TBALQ.L1.S1 - 6º Secção. Relator José Raínho, Supremo Tribunal de Justiça, Portugal)

A autonomização da procuração em relação ao contrato de mandato traz profundos reflexos práticos acerca da tutela de interesses envolvidos. No contrato de mandato, o mandatário se obriga contratualmente a zelar pelos interesses do mandante, constituindo seu dever assim proceder. Se a procuração for considerada mero instrumento do mandato, toda a tutela jurídica permanecerá focada no polo do mandante. Todavia, ao se emancipar a procuração do mandato, abre-se amplo campo para a tutela de interesses diversos. A procuração passa a poder ser outorgada no interesse somente do outorgante, somente do outorgado ou em ambos os interesses.

A existência de múltiplos pólos de interesse na representação pode ser vista, por exemplo, no ordenamento jurídico pátrio em seus arts. 683, 684, 685 e 686, parágrafo único do Código Civil. O primeiro dispositivo dispõe que se o mandato (procuração) for outorgado com cláusula de irretratabilidade, poderá o outorgante ainda assim revoga-lo, contudo deverá pagar perdas e danos ao representante.

O art. 684, por sua vez, mitiga o dispositivo anterior, pois dispõe que se a cláusula de irretratabilidade fora estipulada como condição a negócio jurídico bilateral ou no exclusivo interesse do representante, qualquer revogação será ineficaz. Ambos dispositivos sinalizam a tutela pelo ordenamento jurídico dos interesses do procurador no sentido da manutenção da representação.

Mas sem sombra de dúvidas, a maior inovação pelo Código Civil de 2002 em relação ao código anterior, foi a inclusão do art. 685, que prevê a procuração “em causa própria”. Apesar de ser uma inovação do atual código em relação ao anterior, ela já encontrava presente na prática jurídica e em precedentes judiciais, sendo inclusive admissível de ingresso no registro imobiliário em vários estados (BUSSADA, 1984, pp. 315-339). Na procuração “em causa própria”, quase todo o foco da tutela jurídica se encontra no interesse do procurador em relação à representação do outorgante. Várias são as consequências da mudança de foco: ela não está sujeita às causas extintivas do mandato, art. 682, como a revogação ou até mesmo a morte do outorgante; dispensa-se o procurador de prestar contas ao outorgante; se preencher todos os requisitos legais serve de instrumento a ingresso no registro imobiliário; dentre outras.

Essa autonomização da procuração pública em relação ao mandato permite sua aproximação ao contrato de compra e venda, estreitando assim seu vínculo com os instrumentos de “cessão de

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direitos” utilizados na política pública fundiária do Distrito Federal. No caso da distribuição de lotes no Distrito Federal, a procuração tem principalmente função perante a Administração Pública, pois permite ao ocupante não originário o cumprimento da legislação regente da política pública em nome do ocupante originário, afastando assim eventuais restrições inerentes à política, como a impossibilidade de aquisição por já proprietários ou a aquisição de apenas um imóvel relacionado às políticas habitacionais no Distrito Federal. Mas, em relação à escrituração das unidades, talvez a principal função assumida pela procuração seja a de dispensar nova análise do ocupante pelo ente público. Por meio da representação, o atual ocupante dispensa a análise do adquirente pelo órgão responsável, vez que a escritura pública de doação estará em sintonia com os dados cadastrais dos atos de concessões.

Assim, a autonomização da procuração com seu gradual reconhecimento pela legislação e jurisprudência, apresenta dupla vantagem: na defesa do ocupante e na instrumentalização para a escrituração do imóvel. O reconhecimento da procuração não só como um instrumento do mandato, como visto alhures, mas atrelado a uma relação de alienação permite ao ocupante-adquirente a defesa de seu bem frente a múltiplos sujeitos: ocupantes anteriores, ente público e terceiro. Tal defesa é efetuada por meio da tutela do Poder Judiciário, como se verá mais especificamente no item 3.3.

A força atribuída à procuração também reflete na efetividade da política pública ao conceder maior proteção à cadeia de representação e assim assegurar sua utilização para fins de aquisição da propriedade imobiliária. Como visto na pesquisa realizada, cerca de 54% das escrituras públicas de doação em assentamentos públicos se dá por meio da utilização de procurações. As procurações e seus substabelecimentos servem como uma salvaguarda aos ocupantes sobre a possibilidade de aquisição da propriedade imobiliária quando acharem oportuno, vez que.

O fortalecimento das cadeias de representação se dá sob dois pilares: evolução legislativa e tutela jurisdicional. Tradicionalmente, como visto, a procuração assumiu papel acessória ao contrato de mandato. O contrato de mandato, por sua natureza, todavia, está muito mais atrelado a tutela dos interesses do mandante do que do mandatário. As procurações relacionadas ao mercado informal imobiliário, por sua vez, são outorgadas tendo em vista mais o interesse do procurador do que do outorgante. A tutela jurídica a esta situação será tratada no item 3.3.

A tutela legislativa definitiva à tal migração do polo de interesse só se deu em 2003, quando passou a viger o Código Civil de 2002. O novo Código Civil, apesar de formalmente atrelar a procuração ao mandato, art. 653, estabeleceu três normas protetivas ao procurador: 1) a possibilidade de celebração consigo mesmo; 2) a irrevogabilidade de procurações vinculadas a

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