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África Ocidental: Histórico de Golpes de Estado, Instabilidade Política e Paz Precária

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África Ocidental:

Histórico de Golpes de Estado, Instabilidade Política e

Paz Precária

Autor: Emílio J. Zeca Pesquisador de Paz, Conflito e Segurança Mestre em Resolução de Conflitos e Mediação Doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais

“El fracaso político, de un lado, y la imposibilidad de recambio, por otro, depararon a los militares una buena justificación para saltar a la arena política”

José Luis Cortés López – In Historia Contemporânea de África (De Nkrumah a Mandela, 2001, p.186)

Introdução

A

s primeiras independências na África Negra ocorreram na África Ocidental: Gana, em 1957, e Guiné Conacri, em 1958. Contu-do, volvidos vários anos de independência, o Ocidente africano é uma região marca-da por situações de conflito e instabilimarca-dade permanente. Constata-se que, na África Ocidental, imediatamente ao fim de uma guerra intra ou interestatal ou uma crise deflagrou outra situação conflitual. Nesta região, quando um Estado alcança ligeira estabilidade, outros Estados são assoladas por tensões, crises ou conflitos. Vários exemplos podem ser dados para elucidar a dificuldade que Estados da África Oci-dental vem enfrentando para alcançar uma estabilidade política, social e econó-mica prolongada neste ponto de África. Por exemplo, depois do fim da guerra na Libéria (1996), houve um levantamento armado na Guiné-Bissau.

A seguir ao fim da guerra na Serra Leoa (2002), iniciou uma outra na Costa do

Marfim. Superada a crise pós eleitoral na Costa do Marfim – disputa entre Lourent Gbagbo e Alassan Ouatara, em 2011 – ini-ciou uma outra crise eleitoral no Senegal, em 2012. Inesperadamente, depois do pre-sidente senegalês, Abdoulaye Wade, reco-nhecer a derrota nas eleições senegalesas de 2012, houve um golpe no Mali e uma intentona de golpe na Guiné-Bissau no mesmo ano. Portanto, a África Ocidental vive constantemente em situação de insta-bilidade e “violência política1 endémica”.

Golpes de Estado e Instabilidade

Polí-tica na África Ocidental

Antes de falar dos golpes de Estados ocorridos na região Ocidental de África, é importante definir, caracterizar e apresen-tar as causas e consequências deste fenó-meno.

Bobbio (1983, p.555) refere que o signi-ficado da expressão Golpe de Estado mudou com o tempo e que o fenômeno, nos nossos dias, manifesta notáveis diferen-ças em relação ao que, com a mesma

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palavra, se fazia referência três séculos atrás. As diferenças vão, desde a mudan-ça substancial dos actores, quem o faz, até a própria forma do acto, como se faz. Contudo, apenas um elemento se mante-ve invariámante-vel, apresentando-se como o tra-ço de união (trait d'union) entre estas diversas configurações: o Golpe de Estado é um acto realizado por órgãos do próprio Estado.

O golpe de Estado é uma queda repentina e ilegal, com a apreensão do aparelho governativo de um Estado atra-vés do uso da violência ou ameaça real do seu uso, por parte de elementos de soberania de um mesmo governo. Muitas vezes, esse processo é liderado por militar, político, governantes ou figuras bem-sucedida no Estado num curto espaço de tempo. O organismo que controla o apare-lho do Estado depois do golpe é tipica-mente guiado diretatipica-mente ou indireta-mente por membros das forças armadas (King, 2005, p.11).

O golpe de Estado, de forma simples, pode ser definido como sendo uma tenta-tiva ou tomada ilegal de poder político com derrube do líder ou governo de maneira inconstitucional e com recurso a força de forma repentina e inesperada (Encarta, 2002). Os golpes de Estado cons-tituem uma das formas de manifestação da violência política. Em África, os golpes de Estado foram uma das primeiras mani-festações de conflitualidade. Esta manifes-tação de violência política foi acompa-nhada de conflitos internos que devido a sua dimensão e intervenientes, provoca-ram desequilíbrio na relação entre os Esta-dos e consequente instabilidade. Das cau-sas mais frequentes dos golpes de Estado que a literatura dispõe, destaca-se o atra-so económico, erosão da legitimidade das lideranças civis, conflito entre militares e governo, contexto internacional favorável, entre outros.

Na África Ocidental podem-se se encontrar estas causas associadas a ape-tência pelo poder, característica peculiar

de muitos líderes africanos. Na zona oci-dental do continente africano, todos os membros da CEDAO – Comunidade Eco-nómica Para o Desenvolvimento da África Ocidental, expecto Senegal e Cabo Ver-de, sofreram uma tentativa de golpe ou um golpe de Estado consumado e passa-ram por essa experiência de violência polí-tica.

O Benim sofreu cinco golpes de Esta-do: 1963, 1965, 1967 e 1972. No Burkina Faso, também, ocorreram cinco golpes: 1980, 1982, 1983 e 1987. Na Costa do Mar-fim, dois casos de golpes tiveram lugar, um em 1999 e ou em 2011. Na Gâmbia, somente houve uma situação deste tipo de violência política, em 1994. Na Guiné Conacri, segundo Estado a tornar-se inde-pendente na África Negra, houve dois casos de golpe em 1984 e 2008. A Guiné Bissau viveu quatro situações de golpe de Estado, com a primeira a ocorrer em 1980, seguido de 1999, 2003 e 2012. Na Libéria, golpes de Estados ocorreram por duas vezes: um em 1980 e outro 10 anos depois, em 1990. O Mali viveu três casos de golpes: 1968, 1991 e 2012. Já no Níger, os golpes de Estado ocorreram em 1974, 1996, 1999, 2010. A Nigéria e a Serra Leoa são os Esta-dos da região com mais golpes de Estado registados; na Nigéria: 1966, 1966, 1975, 1983, 1985 e 1993 e na Serra Leoa: 1967, 1968, 1992, 1996, 1997 e1998. Por último, no Togo há registo de dois golpes de Estado, um em 1963 e outro quatro anos depois, em 1967 (Lopéz, 2001, p.186-191.

Todo esse histórico de intentonas e gol-pes de Estados consumados demostra uma região marcada por violência e insta-bilidade. Os sucessivos golpes de Estado têm influenciado negativamente a estabili-dade política dos Estado daquela região do continente africano e, consequente-mente, o funcionamento da CEDEAO2. Fer-rão (2004:229) refere que devido ao eleva-do nível de conflitualidade permanente na região, os chefes de Estado da CEDEAO decidiram criar uma estrutura militar que se encarregasse como uma força de

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sição da paz – ECOMOG, onde o papel fundamental resume-se na intervenção armada, peaceenforcement3 e a

manu-tenção da paz, peacekeeping4.

Em muitos dos casos de conflitos ocorri-dos na CEDEAO, os mesmos são resolviocorri-dos por via da violência. O fenómeno ocorre, muitas vezes, porque, de modo geral, não se verifica o equilíbrio de poder político entre os vários actores políticos; a legitimi-dade dos decision-makers é muito baixa ou erode com facilidade; o reconhecimen-to e valorização da interdependência entre os vários seguimentos é pouco notá-vel e este aspecto é acompanhado pala existência de instituições pouco credíveis e pouco fiáveis, onde e compreensão mútua quase que não existe.

Não obstante do ECOMOG ser a estru-tura militar mais interventiva no continente africano, com sucessos na intervenção na Libéria, Serra Leo, em 1990, e o patrocínio dos acordos de Lomé e Yamossoukro, em 1991 na perspectiva de Khobe (2000:11), citando Malan (2000, p. 103-121), citado por Ferrão (2004), as rivalidades e profun-das suspeições entre a classe dirigente dos Estados daquela região complicam o ambiente político nos Estados, isoladamen-te, e na região, como um todo. Estados-membro opõem-se ou dificultam as opera-ções do ECOMOG, devido a rivalidade, proeminência ou crédito que se dá a um Estado ou grupo de Estados para lidar com situações de violência política ou instabili-dade. Há receios e algum susto dos pequenos Estados da região do poderio dominante e hegemónico da Nigéria.

A instabilidade política que se vive nos Estados da zona Ocidental de África influencia sobre maneira a coexistência pacífica efectiva na região. King (2007, p. 29-30) diz que a paz é uma condição políti-ca que assegura a justiça e estabilidade social através de instituições formais e infor-mais, práticas e normas. Nesta perspectiva, pode-se notar que, na região, existem insti-tuições para garantir a paz, segurança e estabilidade – ECOMOG, mas existem

difi-culdades para assegurar a estabilidade desejada.

Paz na África Ocidental

A paz na África Ocidental pode ser classificada como sendo instável, condi-cional e precária, porque a insegurança é um fenómeno dominante em quase todos os Estados. A paz precária é um estado de conflito caracterizado por um pouco mais do que uma ausência temporária de con-flito armado ou de hostilidade militares. A Paz precária pode degenerar em conflito se a sua gestão não for correcta e ade-quadamente controlada.

A paz condicional é um estado de relacionamento entre as partes em que a dissuasão joga um papel crucial na preser-vação da paz. Todavia, prevalecem fortes ameaças ou mesmo propensão para ocor-rência de violência. Esta é um quadro real e a paz é mantida através de situações de crise. Em situação de paz instável, governo do dia se mantém no poder através de meios coercivos e da repressão aberta; há discursos inflamatórios (violência cultural5, estrutural6); a sociedade está polarizada através de principais partidos e processos políticos.

Em situação de paz instável, na socie-dade a comunicação é reduzida entre os governantes e governados; na sociedade domina um clima polarizado caracterizado por um nível crescente de suspensão e ten-sões sociais; a violência pode resultar de acusações mútuas frequentes e protagoni-zada por principais partidos, onde as frau-des eleitorais e corrupção ocorrem; as manifestações de rua são frequentes e podem degenerar em violência; as acusa-ções, tortura e morte incidem sobre as for-ças de defesa e segurança; os assassinatos políticos, intimidações e actos de terroris-mo político são frequentemente usados como meios de revindicação e afirmação política e social; o Estado de direito não existe e no seu lugar impera o realpolitik – lei da selva ou lei do mais forte. Portanto, é

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fácil notar que os Estados da CEDEAO são marcados pelas características da paz instável, condicional e precária. Essas características são mais salientes nos Estados, contudo tem um efeito a nível regional.

Considerações Finais

A CEDEAO e a União Africana jogam um papel fundamental nos processos de pacificação e estabilização da região ocidental de África. A prevenção, ges-tão e resolução de conflitos internos e inter-Estados deve ser um mecanismo funcional com vista a criar uma situação de paz estável e durável alicerçada na Estabilidade política dos Estados e regio-nal.

As rivalidades e desconfiança entre os membros da CEDEAO deve ser resolvi-dos a nível da organização regional e o ECOMOG deve ser dotado de mais poder e capacidade operativa para lidar com situações de mudanças consti-tucionais inconsticonsti-tucionais, tomada de poder ilegal, com recurso a força e con-flitos intra e inter-estatais na região Oci-dental de África.

As organizações internacionais a que os Estados do Ocidente africano fazem parte, com destaque para a CEDEAO, União Africa, Nações unidades, entre outras, devem tomar posições fortes para com os líderes golpistas, agravando as sanções e embargos aos seus governos. Para além de sansões e embargos, há necessidade de responsabilizar criminal-mente os líderes golpistas, como forma de desencorajar esses actos.

Para a criação de um ambiente de estabilidade política e paz estável e durável, as relações civis-militares dever ser alteradas, seguindo padrões demo-cráticos. No Estados da África Ocidental, as relações civis-militares devem ser demarcadas claramente por uma divi-são de papéis e responsabilidades dos poderes. O poder dos civis e dos militares deve obedecer à Constituição da

Repú-blica. Desta feita, os militares devem obe-diência aos civis, por via da lei – mãe e actuam de acordo com as regras da ins-tituição militar e fora da vida política. Por-tanto, os militares devem ser excluídos da vida política.

Notas e Referências Bibliográficas

1 Violência Política: ameaça ou uso da força

para prossecução de fins políticos – acesso, controlo e manutenção do poder. Manifesta-se através da revolução, golpe de Estado, terroris-mo, irredentisterroris-mo, separatismo.

2 CEDEAO – Comunidade Econômica dos

Esta-dos da África Ocidental (ou em Inglês: Econo-mic Community of West African States (ECOWAS) foi fundada em 1975, com o objecti-vo de fomentar o desenobjecti-volvimento económico, social e cultural na África Ocidental. Os seus membros são: Benin, Burkina Fasso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa, Togo.

3 Peaceenforcement – Imposição da Paz:

respal-dadas pelo Capítulo VII da Carta da ONU, essas operações incluem o uso de força armada na manutenção ou restauração da paz e seguran-ça internacionais; são estabelecidas quando o Conselho de Segurança julga haver ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão. Podem abranger intervenções de caráter humanitário.

4 Peacekeeping – Manutenção da Paz – ações

empreendidas por militares, polícias e civis no terreno do conflito, com o consentimento das partes, objetivando a implementação ou o monitoramento do controle de conflitos (cessar-fogos, separação de forças, etc.) e também a sua solução, acordos de paz) (Bigatão, 2009, citado por Nacif e Casas, 2010, p.2).

5 Violência Cultural: tem a ver com a imposição

de valores, crenças e símbolos externos a outrem, exemplo: bandeira, hino, mitos, religião.

6 Violência Estrutural: envolve sistema de

organi-zação da sociedade (ricos e pobre); é uma lência invisível e indirec-ta, em oposição a vio-lência física que é directa e visível. A viovio-lência estrutural resulta da desigualdade e exclusão social; marginalização deliberada; distribuição desigual de recursos e oportunidades.

Bobbio, Norberto (1983), Dicionário de Política, Editora Universidade Brasileira, 11ª Edição Edi-ção, Brasília.

Encilopédia Encarta (2002), Microsoft Corpora-tion, CD-ROM;

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King, Mary (2005), Glossary of Terms, University of Peace, ONU;

Khobe, Mitikishe Maxwell (2000), The Evolution

and Conduct of ECOMOG Operation in West Africa, In Mark Malan, ed. Boundaries of Peace

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Internos Africanos, Dezembro, Maputo.

Lópes, José Luis Cortés (2001), Historia

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Nacif, Fernanda e Pedro Casas (2010),

Opera-ções de paz das NaOpera-ções Unidas no Oriente Médio: Um Panorama, Texto Informativo,

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Referências

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