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IRPF E DESIGUALDADE EM DEBATE NO BRASIL:

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Academic year: 2019

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Agosto de 2014

TEXTO DE DISCUSSÃO Nº 42

IRPF E DESIGUALDADE EM

DEBATE NO BRASIL:

O já revelado e o por revelar

(2)

1 Introdução

O recurso às estatísticas tributárias, particularmente as declarações de imposto de renda das pessoas físicas (IRPF), para apurar a real distribuição de renda e riqueza em economias avançadas e algumas emergentes, imprimiu uma característica singular às pesquisas lideradas pelo economista francês Thomas Piketty,1 que

culminaram na publicação de seu livro e novo best-seller mundial, Capital in the Twenty-First Century2 (Vale alertar que ele não foi o pioneiro no uso de dados

tributários para estudar distribuição de renda, como, aliás, o próprio autor reconhece no livro, mas ele teve o mérito de levar essa temática da academia para um debate mais amplo na sociedade).

Em diversas entrevistas à imprensa brasileira, Thomas Piketty e seu parceiro em pesquisas, o argentino Facundo Alvaredo, observaram que sempre pretenderam incluir o Brasil na pesquisa, tanto pela importância econômica do país como pela elevada concentração de renda que o caracteriza. Entretanto, esse desejo não se concretizou até agora por não terem tido acesso aos dados fiscais necessários,3

diferentemente do que conseguiram em outros países latino-americanos, como Argentina, Uruguai e Colômbia, e em outras economias emergentes, como Índia, África do Sul, Indonésia e até China.4 A pesquisa se valeu de estatísticas fiscais

* Economista, doutor pela UNICAMP, pesquisador do FGV/IBRE.

As opiniões expressas são exclusivamente do autor. Agradeço especialmente aos comentários de João Gruginski, Isaias Coelho, Lucilene Silva Prado, bem assim ao apoio de Ricardo Figueiró da Silveira, Fernando Gaiger, Marcos Lisboa, Luiz de Mello, Luiz Villela e e Dalmiro Moran. Já Kleber Castro, Rafael Lucas, Felipe de Azevedo e Bianca Fraga deram suporte às pesquisas.Elaborado com base em informações disponíveis até 30/7/2014.

1

Piketty mantém uma página de livre acesso na internet e dedicada ao seu livro, que contém materiais como apresentações, estatísticas e notas metodológicas – ver em: http://bit.ly/1mAtfGQ

2 Dentre outras opções disponíveis na internet, vale mencionar trechos do livro no Google Livros (http://bit.ly/1mQ6E9p), uma longa palestra (em 23/4/2014) do autor no You Tube (http://bit.ly/1lnln9O ) e uma apresentação do autor de março deste ano (http://bit.ly/1lnmoPh).

3 Dentre outras, Piketty comenta o assunto nas suas entrevistas para Folha de S.Paulo (http://bit.ly/1jxfku7 ), Valor Econômico ( http://bit.ly/1oI5LAo ), Veja (http://bit.ly/1hG8CrV ), O Globo (http://glo.bo/1nx59ee) e GloboNews (http://bit.ly/1lnknm4 , entre outras), bem assim Alvaredo para a BBC ( http://bbc.in/1g5uvjc )

(3)

2 para construir séries históricas5 muito longas, de um século ou mais, para algumas

economias avançadas, e outras mais curtas e nem sempre contínuas ou iguais, para as emergentes. 6

Se para a mídia e o grande público a ausência de informações sobre o Brasil soa como algo estranho e uma novidade, ela vem sendo reclamada há muito tempo por pesquisadores brasileiros que estudam questões de desigualdade e, mais especificamente, de equidade tributária ou fiscal. Em particular, a restrição do acesso às declarações individuais do IRPF tem sido justificada, informalmente, pela possibilidade de a Receita Federal do Brasil (RFB) vir a ser acusada de quebra de sigilo fiscal, sem falar na questão do custo de processamento das declarações. Aliás, a necessidade de elaborar tabulações extras é usada como justificativa para negar pedidos de acesso à distribuição de renda por classes, requeridos com base na Lei de Acesso à Informação.

O resultado é que o Brasil está não apenas menos transparente do que outros países, inclusive vizinhos, com economias de menor porte e sobretudo com máquinas fazendárias nem tão modernizadas, como regrediu indiscutível e fortemente nessa questão.

Se até nas economias avançadas Piketty e equipe resolveram recorrer às estatísticas fiscais para corrigir e completar a lacuna de informações sobre a distribuição de renda e de riqueza, que dizer de um país emergente, com um enorme contingente de indivíduos que atuam como empresas, em uma economia igualmente avançada e de dimensões continentais?

O objetivo deste trabalho, portanto, é investigar o que pode ser revelado com base nas poucas estatísticas disponíveis e oriundas das declarações de IPRF, bem assim fomentar a divulgação de novas e mais detalhadas estatísticas que permitam

5

Piketty e equipe informam que a base de dados de suas pesquisas está disponível no portal The World Top Incomes Database: http://bit.ly/1u53DRu

No mapa mundi que aparece na primeira página, o Brasil está classificado entre os países em “work in progress”. Na página respectivae, é informadoa que Facundo Alvaredo tenta dados desde 1930 para Brasil.

6

(4)

3 ampliar o escopo dos estudos, não apenas sobre tributação, como também sobre a distribuição da renda e da riqueza no país.

Estatísticas Fiscais

Há pouco mais de duas décadas, quando não existiam microcomputadores, nem se sonhava com o que viria a ser a Internet e todas as declarações de imposto de renda eram entregues em papel e processadas quase mecanimente, a Receita Federal publicava anuários com um grande detalhamento das informações extraídas do IRPF e também do IRPJ, fora o IPI.7

As publicações da Receita permitiam realizar estudos como o de Fernando Rezende, “O imposto sobre a renda e a justiça fiscal”, publicado pelo IPEA/INPES, em 1974.8 A sua análise tomou por base as declarações de 1970 e, entre outros

aspectos, apresentou: a renda declarada segundo a natureza do rendimento; a carga tributária medida por região, e a mesma distribuída por classes de renda anual, depois por ocupação principal e por classes de rendimento, diferenciando incidência nominal de efetiva; participação dos rendimentos do trabalho assalariado no total de rendimentos por classes de renda; abatimentos da renda bruta, distribuídos por tipo e por classe de renda, e as deduções per capita.9 Chama-se a

atenção que a maior parte da análise abordava a incidência do IRPF distribuída por 15 classes de renda.

Em meados dos anos oitenta, Luiz Villela ainda chegou a utilizar os relatórios anuais com declarações consolidadas em sua dissertação de mestrado, sob título “Gastos Tributários e Justiça Fiscal: O Caso do IRPF no Brasil”, e questionava aspectos da fiscalização desse imposto. Pouco depois a Receita deixou de publicar essa série detalhada.

7

Essas publicações anuais e volumosas podem ser consultadas na biblioteca do Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro.

8

Uma imagem e extratos desse livro de 128 páginas estão disponíveis no Google Livros em: http://bit.ly/1lniPbO

9

(5)

4 Como se vê, se a RFB continuasse a publicar os dados que divulgava há quase meio século , seria possível continuar a realizar pesquisas com escopo muito próximo às de Piketty e equipe. Na linha em que eles trabalharam nos outros países, é simplesmente impossível reproduzir a apuração de indicadores para o Brasil porque aqui se publica, ainda assim com alguma dificuldade e atraso, apenas uma consolidação bem agregada das declarações. É importante atentar que, para fins de comparação internacional, o mais importante não é o número de classes de renda, mas a opção por identificar proporções entre os extratos superiores e inferiores de renda.

Embora poucos conheçam, a RFB divulga atualmente uma consolidação anual das declarações do IRPF (a mais recente para 2011) e do IRPJ (a última para 2006) em seu portal na internet, na página denominada Estudos e Estatísticas, em: http://bit.ly/1iH1HrP. Ainda assim, essa publicação agregada só foi retomada recentemente, depois que tais dados foram requeridos com base na Lei de Acesso: de uma só vez, em outubro de 2012, foram publicadas as edições anuais dos Grandes Números DIRPF desde 2006 até 2011. A análise de corte histórico é prejudicada pela mudança na forma de apresentação dos dados: no formato mais recente, houve um importante avanço em abrir os bens e as deduções por principais itens, mas, por outro lado, se deixou de desagregar os rendimentos isentos e tributados exclusivamente na fonte (como se fez na consolidação de 2003).

Depois que parou de editar os anuários com o detalhamento das declarações, a RFB chegou a divulgar alguns estudos especiais com análises minuciosas do IRPF e também da taxação dos salários,10 mas isso foi uma iniciativa isolada e que não se

repetiu nos anos seguintes.

Além disso, já se completou mais de uma década desde que a RFB divulgou um estudo especial em que não apenas apresentava estatísticas, como também uma análise das principais características do imposto, inclusive com comparações internacionais, distribuição por faixas e simulações de eventuais correções da tabela – a saber: “Considerações sobre o Imposto de Renda da Pessoa Física no Brasil”, Texto para Discussão 14, publicado em setembro de 2001.11 Infelizmente, o estudo

10

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5 analisa as declarações de 1999 e não teve sequência, ou seja, ficou desatualizado e nem serve para avaliações históricas, por não se dispor de avaliação igual ou assemelhada para algum ano mais recente. Posteriormente, em seminário realizado em junho de 2005, Jefferson Rodrigues apresentou uma análise detalhada do IRPF,12 tomando por base as declarações de 2003. Ele chegou a regionalizar muitos

dos dados buscados por Piketty e equipe: detalhou entre as dez regiões fiscais da RFB a quantidade de declarações entre os 10% de menor renda e entre os 10% e o 1% de maior renda (constatou que, na região de renda mais alta, a proporção de declarantes situados nos extratos mais altos era superior à dos declarantes de renda mais baixa , tanto que 58% dos 1% mais ricos estavam na região que inclui São Paulo, contra apenas 37% dos declarantes nessa região entre os 10% de menor renda). Depois, analisou o perfil do primeiro decil do IRPF, com 490 mil declarantes, que respondiam por 4% do total da renda tributável (R$ 13 mil/ano), apuraram menos de 0,1% do imposto devido e, assim, sua alíquota efetiva era de irrisórios 0,3%. No outro extremo, foi analisado o último decil e o último centil (49 mil e 4,9 mil declarantes, respectivamente). Os 10% mais ricos geraram 24% da renda tributável (R$ 117 mil/ano), apuraram 58% do imposto devido e suportaram alíquota efetiva de 23,1%. Para o 1% mais ricos, os mesmos indicadores foram de 2% (R$ 991 mil/ano), 5,7% e 26,9%. Os dados ainda foram abertos pelas dez regiões fiscais e, como já comentado, mostravam uma concentração regional crescente com a renda.

Sem oferta de dados primários, atualizados e detalhados, os estudos sobre IRPF no Brasil escasseiam na literatura econômica nacional. Dentre os poucos, vale destacar textos do IPEA sobre redistribuição da carga e elasticidade, de Piancastelli, Perobelli e Mello (publicado em 1996),13 e sobre seu potencial distributivo, de Soares e outros

(publicado em 2009).14 Na incipiente literatura nacional sobre equidade fiscal (pois

há mais publicações no exterior sobre o caso brasileiro do que no próprio país), obviamente o imposto de renda é tratado em meio aos tributos diretos, mas sem merecer uma avaliação específica.15

12 Apresentação disponível em: http://bit.ly/1q8CJbF 13

Vide “Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) - Redistribuição da Carga Tributária e Elasticidades”, Texto para Discussão 451, de Marcelo Piancastelli, Fernando S. Perobelli e Gisela Vaz de Mello, Brasília, IPEA, dezembro de 1996, em: http://bit.ly/1nx716K

14Vide “O Potencial Distributivo do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF)”, Texto para Discussão

1433, de Sergei Soares, Fernando Gaiger Silveira, Claudio Hamilton dos Santos, Fábio Monteiro Vaz e André Luis Souza, Rio de Janeiro, IPEA, novembro de 2009, disponível em: http://bit.ly/1nx7lCK 15

(7)

6 A matéria prima de estudos sobre desigualdade são as declarações, relacionadas em ordem decrescente de renda e de bens e, a partir das quais se extrai, por cortes, as informações consolidadas sobre as rendas, as suas fontes e formas, as propriedades e as dívidas, as deduções e os demais pagamentos. Para tanto, é importante frisar que não se precisa, em hipótese alguma, identificar o contribuinte, de quem este recebeu rendimentos ou quais os bens que declarou.

Enquanto não se consegue a divulgação de uma estratificação das declarações do IRPF, é possível explorar muitos aspectos a partir da consolidação anual que foi divulgada pela RFB, sendo a última posição relativa às declarações entregues em 2011 e tendo como ano-base 2010.

Mais que isso, a proposta é investigar uma prática há muito conhecida no País entre os indivíduos de maior remuneração mas até hoje pouco estudada cientificamente: o trabalho exercido através de pessoa jurídica, que, geralmente, nem tem funcionários e se resume ao proprietário. A contratação da empresa individual no lugar do empregado, com carteira assinada, não é algo novo e nem se circunscreve ao Brasil, mas é possível que tenha assumido uma tal proporção que seja um fenômeno mais forte do que o verificado nas demais economias, avançadas ou emergentes.

Como envolve, por princípio, os trabalhadores mais qualificados e os de maior rendimento, a análise das firmas individuais se mescla com o conhecimento dos ricos e muitos ricos no Brasil e, por extensão, necessariamente deve ser considerado na distribuição individual ou familiar da renda e da riqueza. É certo que limitar essas análises ao universo de assalariados peca por deixar de fora os mais bem remunerados no setor privado. E há uma grande dúvida se pesquisas do tipo censitárias conseguem que os entrevistados informem adequada e suficientemente as rendas que recebem de outras fontes que não sejam os salários regulares.

Reforma Tributária: o caso Brasileiro”, publicado no Wilson Center, em setembro de 2013 – ver em: http://bit.ly/1pLGV3Q

Para o debate de equidade no Brasil, ver a extensa bibliografia ao final do referido trabalho.

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7 Estrutura de Incidência

Antes de analisar a consolidação das declarações, cabem algumas ponderações sobre o IRPF.

A primeira questão é sobre a proporção dos brasileiros que estão sujeitos ao imposto de renda. Impressiona como é pequena essa parcela: três quartos escapam do IRPF porque ganham abaixo do limite de isenção, com base nos rendimentos apurados pela PNAD de 2012 – segundo informado gentilmente pelo economista Fernando Gaiger. Aliás, não custa mencionar que essa baixa proporção de pessoas submetidas ao IRPF significa que os dados de sua declaração, por si só, não são suficientes para se medir a distribuição de renda e de riqueza na sociedade brasileira, mas que devem ser cotejados com outras fontes de informação, sobretudo porque tais dados daquele imposto são cruciais para melhor mapear os mais ricos, mas falham na cobertura dos pobres (isentos do imposto).

Dentre os declarantes, há uma impressionante concentração em servidores públicos, ativos e inativos, tanto é que cerca da metade de todo o IR retido na fonte sobre o rendimento do trabalho em 2013 foi oriundo das administrações públicas (federais, estaduais e municipais), tomando por base dados setoriais da RFB e balanços dos outros governos. E isto sem contar o imposto retido por bancos e empresas estatais.

Ora, segundo divulgado recentemente por pesquisa de cadastro (CEMPRE) pelo IBGE,16 as mesmas administrações respondiam, em 2011, por apenas 18,1% do

total do pessoal ocupado. Ainda que os governos pagassem um salário médio (R$ 2.478) superior em 38% à média nacional (R$ 1.792), o fato de o peso dos governos na retenção de IR ser quase o triplo de sua proporção na geração de emprego é um indicador de que uma parcela expressiva das rendas mais elevadas do trabalho no setor privado está sendo apropriada por empresas, muitas individuais, em detrimento do salário que, como tal, está sujeito à retenção do imposto na fonte.

O mesmo fenômeno deve explicar a dispersão dos contribuintes do IRPF por faixa de renda, onde se situa um contingente relativamente muito pequeno submetido à alíquota marginal superior.

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8 Não se encontrou no portal da RFB informação atualizada sobre tal distribuição e aqui se recorre ao que a própria Receita reportou ao Senado Federal, em audiência pública em 15/08/2011, com dados para 2010, conforme tabela compilada a seguir:

Assim, em 2010, apenas 2,1 milhões contribuintes ou tão somente 8,7% do total de 24 milhões declarantes estavam sujeitos à mais alta alíquota do IRPF (27,5%), ou seja, com uma base de cálculo pouco superior a R$ 47 mil. Outros 4,3 milhões de contribuintes ou 18% do total estavam sujeitos às demais alíquotas (entre 7,5% e 22,5%). Somados, apenas 27% do total que entregou declarações, estiveram submetidos ao IR, e isso sem contar que boa parte da população sequer precisou apresentar declaração.

Em sua imensa maioria, 73% dos declarantes apresentaram base de cálculo inferior a R$ 18,8 mil e, como tal, se enquadraram na alíquota 0%. Logo, apenas 6,4 milhões pagaram imposto de renda em 2010. Por si só, um contingente muito pequeno. E a proporção ainda menor de pessoas sujeitas à alíquota mais alta do IRPFindica, de novo, que boa parte dos trabalhadores do setor privado com renda alta, e até mesmo média, acabam sendo contratados e pagos como pessoas jurídicas, e como tal não são submetidos à tabela progressiva do imposto de renda. Este e outros impostos e contribuições são cobrados apenas na pessoa jurídica e os rendimentos pagos por esta são isentos na declaração da pessoa física.

Alíquota

Nº de Declarantes

0%

17.640.785

7,50%

2.280.439

15,00%

1.176.011

22,50%

877.178

27,50%

2.083.076

24.057.489

Fonte: DW-IRPF - 2010: (Número de declarantes).

Base de Cálculo

Total

Acima de 46.939,6026

Até 18799,341

De 18.799,341 a 28.174,245

De 28.174,245 a 37.566,078

(10)

9 Por outro lado, a tributação de outros ganhos que não sejam os de trabalho, como os ganhos com juros sobre capital próprio e no mercado acionário, estão sujeitos em geral a alíquotas fixas ou mais reduzidas (de 15% no primeiro caso e de 15% a 22,5% no segundo).

A questão do renda dos ricos e muitos ricos, que tanto atraiu a atenção sobre as pesquisas de Piketty e equipe mundo afora, precisa ser bem discutida no Brasil. É fundamental que essa discussão não se limite às estatísticas do IRPF, mas que vá além, a começar pela verificação doque é ganho por outras formas que não os salários tradicionais e pela identificaçãodo que é movimentado como empresas e, como tal, sujeito ao IRPJ. Voltaremos a essa discussão após examinar outros dados da consolidação do IRPF que, mais uma vez, reforçam a suspeita de que a transformação do trabalho em capital é um fenômeno muito extenso no Brasil.

Composição Recente dos Declarantes

(11)

10 Do total de 24,3 milhões de declarações entregues, 44% recorreram ao formulário completo (em geral, os de maior renda e que podem fazer mais deduções), 59% são homens e 83% com idade entre 20 e 60 anos.

Interessam mais os dados relativos ao imposto apurado, conforme a próxima figura, e aí começam a surgir os traços mais marcantes do IRPF – para não dizer desconhecidos até de analistas.

Grandes Números DIRPF 2011 - Ano Base 2010

Quantidade de Declarantes por Tipo de Formulário Nº de Declarantes... 24,31 100,0%

Formulário Completo... 10,77 44,3% Formulário Simplificado... 13,54 55,7%

Quantidade de Declarantes por Sexo

Total: 24,31 100,0%

Masculino... 14,38 59,2% Feminino... 9,92 40,8% Não Informado/Inválido... 0,01 0,0%

Quantidade de Declarantes por Faixa de Idade (mil)

Total: 24.306 100,0%

(12)

11 Apenas 10,8 milhões ou menos de 45% do total de declarantes apuraram imposto devido. Do total de R$ 1,4 trilhão de rendimentos informados, apenas R$ 861 bilhões, ou 62,4%, foram tributáveis e como tal levados à tabela progressiva. Dessa parcela da renda, um quarto ou R$ 211 bilhões foi objeto de deduções, das quais perto de 30% corresponderam ao desconto-padrão (caso dos que usam formulário simplificado), 21% a despesas médicas e igual proporção a contribuições previdenciárias (oficiais mais complementares), 12% a dependentes e apenas 7% a instrução (estas duas últimas sujeitas a teto).

Grandes Números DIRPF 2011 - Ano Base 2010

Quantidade de Declarantes por Situação Fiscal

Nº de Declarantes... 24,31 100,0%

Com IR Devido... 10,85 44,6% Sem IR Devido... 13,46 55,4%

Rendimentos R$ bilhões

Tributáveis... 860,89 62,4% Isentos e não-Tributáveis... 404,60 29,3% Sujeitos à Trib. Exclusiva/Definitiva... 113,44 8,2%

Totais... 1.378,92 100,0%

Cálculo do Imposto R$ bilhões

Rendimentos Tributáveis... 860,89 100,0% Deduções... -211,79 -24,6% Base de Cáculo... 661,70 76,9% IR Devido... 71,60 8,3% IR Pago... 97,32 11,3% IR a Pagar... 10,92 1,3% IR a Restituir... -37,74 -4,4%

Deduções R$ bilhões

(13)

12 A apuração do IRPF é o mais emblemático. Efetuadas as deduções dos rendimentos tributáveis, a base de cálculo ficou reduzida a cerca de R$ 662 bilhões e dela resultou um imposto devido de apenas R$ 72 bilhões, ou seja, a alíquota efetiva média foi de 10,8% da base de cálculo e 8,3% dos rendimentos tributáveis. Por si só, as proporções já indicam uma baixa incidência do imposto de renda. Mas isso fica realçado pelo fato de que se retém na fonte e se recolhe via carnê leão muito mais do que se precisaria e/ou se deduz uma proporção demasiadamente elevada, de modo que o imposto pago em 2010 foi pouco superior a R$ 97,3 bilhões, ou seja, no agregado, recolheu-se ao longo do ano R$ 25 bilhões a mais do que seria devido. Esta conta, porém, precisa ser feita uma por uma das declarações. Naqueles casos em que foi apurado imposto a pagar, a sua soma resulta em R$ 11 bilhões ou irrisórios 1,3% do total de rendimentos tributáveis. Já no caso dos contribuintes com imposto a restituir, sua soma chegou a R$ 38 bilhões ou 4,4% dos mesmos rendimentos.

Por último, chama-se a atenção para um aspecto conceitual da alíquota efetiva, como bem alertado pelo tributarista Isaias Coelho: “o Brasil tem sistema de tributação dual, em que taxas flat são aplicadas sobre rendimentos e ganhos de capital. Dados das DIRPF permitem identificar o rendimento total (inclusive isentos e tributados exclusivamente na fonte) bem como o imposto total pago (no caso dos flat, por estimativa utilizando o valor informado de rendimentos e a alíquota correspondente) mas não é possível determinar a alíquota efetiva--a menos que apliquemos extração do componente monetário dos rendimentos financeiros para obter o rendimento real.”

Resta verificar se esse quadro geral e mais atualizado do IRPF, traçado com base nas declarações entregues em 2011, foi uma novidade ou se reproduziu o padrão histórico, ainda que recente, do imposto.

Evolução das Rendas e dos Impostos

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13 no anexo estatístico. Já para fins de análise, esses números foram expressos em proporção do PIB e transformados em indicadores, como se verifica no quadro a seguir.

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14 CONSOLIDAÇÃO DO IRPF 1999 A 2011 - GRANDES CONTAS: EM % DO PIB E INDICADORES

Declaração 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 Média Diferença

Ano Base 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1998/2010 2010-98 Declarantes (milhões) 23,96 24,31 25,77 25,23 24,04 22,77 19,56 18,34 15,96 15,23 13,91 12,53 11,60 19,48 12,36 PIB Ano-base (R$ bi) 3.770 3.239 3.032 2.661 2.369 2.147 1.941 1.700 1.478 1.302 1.179 1.065 979 - -EM % do PIB

Rendas

Tributáveis 25,10% 26,58% 26,04% 26,20% 27,01% 26,65% 25,86% 23,66% 21,91% 23,09% 23,41% 22,14% 22,00% 24,59% 3,10%

Isento 12,63% 12,49% 12,92% 12,41% 10,81% 10,97% 9,25% 9,10% 9,55% 7,72% 8,01% 7,48% 7,05% 10,03% 5,58%

Trib.Exclusiva 3,84% 3,50% 4,02% 6,86% 6,45% 3,58% 2,84% 3,69% 2,47% 2,60% 2,79% 3,34% 2,84% 3,76% 0,99%

Total 41,57% 42,57% 42,99% 45,47% 44,27% 41,20% 37,95% 36,45% 33,93% 33,42% 34,21% 32,67% 31,89% 38,35% 9,68%

Cálculo

Deduções 6,17% 6,54% 6,41% 6,52% 6,89% 6,85% 6,20% 6,11% 5,75% 5,99% 6,00% 5,66% 5,47% 6,20% 0,69%

Base 19,38% 20,43% 19,82% 19,76% 20,34% 20,11% 19,66% 17,55% 16,16% 17,10% 17,41% 16,48% 16,40% 18,51% 2,98%

IR Devido 2,15% 2,21% 2,24% 2,13% 2,17% 2,20% 1,92% 1,86% 1,55% 1,86% 1,83% 1,68% 1,69% 1,96% 0,46%

IR Pago 5,38% 3,00% 2,39% 3,29% 3,39% 2,20% 2,13% 2,11% 1,78% 2,14% 2,11% 1,90% 1,88% 2,59% 3,50%

A Pagar 0,29% 0,34% 0,27% 0,25% 0,31% 0,39% 0,20% 0,18% 0,15% 0,16% 0,18% 0,16% 0,18% 0,24% 0,10%

A Restituir 3,54% 1,17% 0,46% 1,44% 2,22% 0,39% 0,42% 0,43% 0,38% 0,44% 0,45% 0,38% 0,35% 0,93% 3,19%

PROPORÇÕES

Base/RendaTotal 47% 48% 46% 43% 46% 49% 52% 48% 48% 51% 51% 50% 51% 48% 31%

Tribut/Renda Total 60% 62% 61% 58% 61% 65% 68% 65% 65% 69% 68% 68% 69% 64% 32%

Alíquota Média Efetiva

Devido/Base 11,1% 10,8% 11,3% 10,8% 10,7% 11,0% 9,8% 10,6% 9,6% 10,9% 10,5% 10,2% 10,3% 10,6% 0,8%

Devido/Tribut. 8,6% 8,3% 8,6% 8,1% 8,0% 8,3% 7,4% 7,8% 7,1% 8,0% 7,8% 7,6% 7,7% 8,0% 0,9%

Devido/Total 5,2% 5,2% 5,2% 4,7% 4,9% 5,3% 5,1% 5,1% 4,6% 5,6% 5,4% 5,1% 5,3% 5,1% -0,1%

Imposto

Pago/Devido 250% 136% 107% 155% 156% 100% 111% 113% 114% 115% 115% 113% 111% 132% 139%

A Restituir/Pago 66% 39% 19% 44% 66% 18% 20% 21% 21% 21% 22% 20% 18% 36% 47%

(16)

15 No âmbito da formação das rendas, surge uma evidência que pode ser a mais forte

para corroborar a hipótese de que foi crescente a transformação de trabalho em capital. O rendimento tributável cresceu num ritmo inferior aos outros dois grupos de rendimentos (isentos e exclusivamente na fonte), de modo que a parcela que mais cresceu na renda total foi aquela não submetida à tabela progressiva do imposto. O rendimento total saltou da casa de 32% para 42% do PIB entre os anos base de 1998 e 2010, por si só, um acréscimo de 10 pontos do produto pode ser considerado muito expressivo. Porém, menos de um terço desse incremento decorreu dos rendimentos tributáveis.

Os rendimentos isentos e não tributáveis tiveram um incremento de 5,6 pontos do produto ao longo dos treze anos analisados, tendo saltado de 7% para 12,6% do PIB – isto é, a proporção recebida por este grupo de renda em 2010 foi 80% superior à obtida em 1998 (contra apenas 14% no caso dos rendimentos tributáveis). Do crescimento da renda total declarada pelos indivíduos ao fisco nesse período, 60% decorreu desses ganhos isentos. Para conhecer o que compõe tais rendimentos, importa comentar que, na última vez que a RFB detalhou a consolidação dos formulários completos (em 2003), foram os seguintes os maiores itens: 29% de lucros e dividendos; 14% de transferências patrimoniais; 12% de parcelas isentas de aposentadoria e pensões; 6% de aviso prévio indenizado; apenas 4% de rendimentos da caderneta de poupança. Os maiores itens são claramente identificados com ganhos de capital. Por serem isentos, escaparam da tabela progressiva do IRPF, mas não significa que não pagaram outros impostos na sua origem – é o caso dos lucros retirados das empresas, que devem ter pago IRPJ e CSLL, além de outros impostos, antes de serem distribuídos aos acionistas, ou mesmo das doações que, em tese, deveriam pagar um imposto estadual sobre tais transações.

(17)

16 48% de aplicações financeiras, 35% do décimo-terceiro salário e 6% de ganhos de

capital na alienação de bens.

Um retrato final foi o decréscimo dos rendimentos tributáveis em relação ao total declarado no IPRF. Essa proporção foi de 70% entre 1998 e 2001, depois caiu para casa de 65% entre 2002 e 2005, até baixar para casa de 60% nos anos seguintes. Em2007, os rendimentos tributáveis alcançaram sua menor expressão:58% do total dos ganhos.

Não custa recordar que os rendimentos que escapam à tabela progressiva não são os auferidos pelos brasileiros mais pobres e que não precisam ou não entregam declaração de IRPF, seja porque estão na informalidade, seja porque percebem rendimentos tão baixos que estão desobrigados de entregar declarações. Na verdade, esses rendimentos, em princípio, são próprios de quem recebe renda por outras fontes que não os salários tradicionais, como trabalhadores com participação nos lucros das empresas, a retirada de lucros e dividendos das empresas dos declarantes e até as diferentes formas de ganhos financeiros, inclusive de cadernetas de poupança, fundos de investimentos ou mesmo com operações diretas com ações, ouro e moedas estrangeiras.

Na declaração de 2003, último ano em que a RFB discriminou os rendimentos isentos, 300,4 mil contribuintes declararam receber lucros e dividendos.17 Foi

possível inferir que, na média, tal rendimento superou em larga escala o declarado a título de salários, como seria esperado.18 A brutal concentração de tais rendimentos

foi demonstrada por Aloisio Almeida e Luis Wasilewski em apresentação sobre o IRPJ, realizada em seminário da RFB, quando apresentaram quadro decompondo em quatro faixas de renda os dividendos recebidos na declaração daquele mesmo ano: 2.159 contribuintes, ou 0,72% do total, receberam mais de R$ 1 milhão, tendo

17

Ver relatório da RFB, pags. 5 e 6, em: http://bit.ly/1q8vy3e

Infelizmente nos anos seguintes, tal detalhamento deixou de ser publicado.

(18)

17 informado um montante de R$ 7,8 bilhões, respondendo por 35,7% do total

declarado, e resultando em uma impressionante média de R$ 3,6 milhões por contribuinte.19 Na faixa de lucros recebidos de R$ 100 mil ou mais, foram

identificados 38,3 mil contribuintes, com renda de R$ 17 bilhões ou 76,8% do total, e média de R$ 442 mil por contribuinte. A título de comparação, no mesmo ano de 2003 foi declarado de décimo-terceiro salário um valor médio de R$ 2,2 mil e o total dos rendimentos tributáveis (antes das deduções) eram de R$ 34,2 mil. Como era de se esperar, verificou-se uma forte concentração dos lucros e dividendos e uma enorme distância dessa renda per capita em relação aos salários, com o agravante de que só foram considerados os salários sujeitos ao IRPF, os maiores pagos na economia, portanto.

Na média geral dos declarantes, os rendimentos tributáveis responderam por somente 47% do rendimento total declarado em 2010. Mas se fosse possível acesso às declarações individuais e elas fossem ordenadas de forma crescente pelo tamanho do rendimento total, seria de se esperar que quanto maior fosse essa renda global, menor seria o peso do rendimento tributável. Se essa hipótese fosse confirmada, a progressividade do IRPF no Brasil seria questionável ou mesmo ficaria comprometida.

Retomando a análise da evolução do IRPF, menciona-se que, entre 1998 e 2010, o volume de deduções aumentou apenas 0,7 ponto do PIB, tendo passado de 5,5% para 6,2% entre os dois anos citados, depois de ter chegado a 6,9% em 2006. Isto significa que os abatimentos cresceram em ritmo inferior ao da renda e seria interessante examinar posteriormente as razões. Com isso, a base de cálculo do IRPF subiu de 16,4% do PIB em 1998 para 19,4% em 2010, depois de chegar a 20,3% em 2006. De qualquer forma, é relevante comentar que, entre os treze anos citados, a base do imposto cresceu em apenas três pontos do produto, contra um incremento de 9,7 pontos da renda total – reforçando o traço já comentado de que parcela crescente de renda escapa ao IRPF (mas isso decorre muito pouco do aumento das deduções).

O imposto devido sempre foi relativamente baixo e embora tenha crescido marginalmente em quase todos os anos do período aqui analisado, o patamar subiu

19

(19)

18 de 1.69% do PIB no ano-base de 1998 para apenas 2,15% em 2010, sendo que o

mais alto foi de 2,24%, em 2008. Ao longo do período, o incremento do IR devido foi tão somente de 0,5 ponto do PIB, ou seja, menos de 5% do aumento na renda global declarada ao fisco foram convertidos em maior imposto devido – ou seja, quase todo aumento de rendimentos que os contribuintes contaram ao fisco não foram levadas à tabela progressiva do IRPF, ou porque eram rendimentos isentos ou tributados só na fonte, ou porque, tributáveis, o incremento foi descontado por maiores deduções.

Essa evolução tão diferenciada implica em baixa alíquota efetiva do IRPF: na média do período 1998 a 2010, o imposto devido foi 10,6% da base de cálculo, 8% dos rendimentos tributáveis e apenas 5,1% do rendimento total. Nos dois primeiros conceitos, foi crescente a tendência histórica – em relação à base de cálculo, ficou abaixo de 8% até 2004, saltou no ano seguinte e fechou com o recorde de 11,1% em 2010. Como os rendimentos totais foram crescentes, porém, puxados por aqueles não submetidos ao imposto, resulta que foi outra a trajetória da alíquota efetiva média geral: estável entre as pontas (de 5,3% em 1998 para 5,2% em 2010) mas com oscilações durante o período analisado (curiosamente, as proporções extremas foram no biênio 2001/2002, com 5,6% e 4,6%, respectivamente).

A conta final envolve a diferença entre imposto devido, pago e restituído. É curioso que, mesmo com base pouca dinâmica, reteve-se na fonte muito mais do que foi efetivamente devido. Em todos os anos, o volume pago superou o devido, salvo em 2005, quando houve uma curiosíssima e ímpar coincidência; mas, nos anos seguintes, abriu cada vez mais o diferencial até o recorde em 2010, quando disparou o declarado como pago (5,38% do PIB) e foi 2,5 vezes superior ao devido (2,15% do produto). Importa qualificar que este último resultado foi completamente descolado da série histórica, porque cresceu em demasia o volume pago (contra apenas 3% do PIB no ano anterior), sem que tenha sido observada evolução semelhante com o IR retido na fonte sobre o trabalho.

(20)

19 entre 1999 e 2005, o que se apurou como a restituir sempre se situou abaixo de

0,5% do PIB; saltou para 2,2% e 1,4% do PIB no biênio 2007/08, recuou para antigo patamar em 2009, mas disparou para 1,2% e 3,5% no biênio 2010/11. Nas declarações de 2011 e de 2007 se atingiu a maior marca, com a necessidade de restituir dois terços do que teria sido pago, contra pouco mais que um terço na média do período.

Por fim, o imposto a pagar (a ser recolhido em cotas únicas ou parcelado depois de entregue a declaração) foi de tão somente 0,24% do PIB na média de 1999 a 2011, repetindo-se a distinção em duas fases – até 0,2% do produto até 2005, e oscilando disso até 0,4% do produto nos anos seguintes.

Estrutura Recente da Renda Declarada

Os raros dados publicados pela Receita Federal (RFB) a partir das declarações anuais de IRPF dão boas pistas de mudanças em curso. Os últimos dados publicados, como já dito, referem-se ao declarado em 2011 e têm como ano-base 2010. A figura a seguir reproduz, nas suas primeiras colunas, exatamente as mesmas do documento da RFB, e os nossos cálculos a seguir informam, para o conjunto de ocupações ou grupo delas, o rendimento tributável médio, as alíquotas efetivas (apuradas pelas relações entre o imposto de devido e o mesmo rendimento tributável e, depois, pela base de cálculo) e, ainda, o peso relativo das deduções (em relação à renda citada).

(21)

20 No quadro de ocupações, a RFB consolidou 24,3 milhões de declarações de 2011 e

chegou a cerca de: R$ 861 bilhões em rendimentos tributáveis; R$ 211 bilhões em deduções; R$ 662 bilhões de base de cálculo; e R$ 72 bilhões de imposto devido. Daí resultam indicadores médios muito interessantes: o rendimento tributável foi de apenas R$ 35,4 mil por declaração e deste foram abatidas deduções em parcela exata de um quarto; logo, a alíquota efetiva média do IRPF foi de apenas 10,8% em relação à base de cálculo e de 8,3% em relação ao total de renda submetida à tabela progressiva. Na média geral, como se vê, a alíquota efetiva ficou pouco acima da alíquota nominal (7,5%) mais baixa aplicada no país.

A mesma leitura desdobrada por ocupação ou por grupos delas revelam peculiaridades do imposto de renda, que provavelmente diferem em muito da situação no passado mais distante da mesma tributação.

Consolidação DIRPF 2011 - Ano Base 2010 Apuração do Imposto por Natureza de Ocupação

Natureza da ocupação principal do declarante Declarantes Qtde. Decl Rend./Decl. (mil) Rend.Trib. Deduções

Base de Cálculo

Imposto

Devido R$/média Dev/Trib Ded/Trib Dev/Base Global 24.310 860,89 211,79 661,70 71,60 35,413 8,3% 25% 10,8% Empregado de empresa setor privado, exceto instit. financ... 5.721 229,02 55,43 176,04 18,53 40,031 8,1% 24% 10,5% Empregado de instituições financeiras públicas e privadas... 665 40,63 8,97 31,71 4,59 61,098 11,3% 22% 14,5% Empregado ou contratado de organismo internac. ou de ONG... 40 1,39 0,31 1,09 0,11 34,750 7,9% 22% 10,1% = TRABALHADORES DO SETOR PRIVADO 6.426 271,04 64,71 208,84 23,23 42,179 8,6% 24% 11,1% Profissional liberal ou autônomo sem vínculo de emprego... 3.015 87,62 21,45 66,34 6,24 29,061 7,1% 24% 9,4% Proprietário de empr. ou firma indiv. ou empregador-titular... 5.299 95,26 19,52 76,19 5,16 17,977 5,4% 20% 6,8% Capitalista que auferiu rendim. de capital, inclus. aluguéis... 132 6,19 0,99 5,23 0,78 46,894 12,6% 16% 14,9% = CAPITALISTAS 8.446 189,07 41,96 147,76 12,18 22,386 6,4% 22% 8,2% Membro ou servidor público da administração direta federal... 378 38,57 8,14 30,51 5,75 102,037 14,9% 21% 18,8% Servidor público de autarquia ou fundação federal... 403 26,30 6,53 19,86 2,82 65,261 10,7% 25% 14,2% Empregado empr. púb. ou econ. mista fed., exc. inst. financ... 275 21,00 4,90 16,14 2,67 76,364 12,7% 23% 16,5% Membro ou servidor público da admin. direta estadual e do DF... 1.108 57,82 17,16 43,14 5,30 52,184 9,2% 30% 12,3% Servidor público de autarquia ou fundação estadual e do DF... 572 26,23 7,80 19,31 1,97 45,857 7,5% 30% 10,2% Empregado empr. púb. ou ec. mista est. e DF, exc. inst. fin... 162 9,65 2,66 7,00 0,89 59,568 9,2% 28% 12,7% Membro ou servidor público da administração direta municipal... 926 35,24 9,00 26,42 2,18 38,056 6,2% 26% 8,3% Servidor público de autarquia ou fundação municipal... 340 12,56 3,23 9,38 0,73 36,941 5,8% 26% 7,8% Empregado de empr. púb. ou soc. de economia mista municipal... 98 4,36 1,12 3,25 0,33 44,490 7,6% 26% 10,2% Militar... 580 23,84 8,21 15,76 1,13 41,103 4,7% 34% 7,2% = TRABALHADORES DO SETOR PUBLICO ATIVO 4.842 255,57 68,75 190,77 23,77 52,782 9,3% 27% 12,5% = SERVIDORES DE GOVERNOS 4.307 220,56 60,07 164,38 19,88 51,210 9,0% 27% 12,1% = FUNCIONÁRIOS DE EMPRESAS ESTATAIS 535 35,01 8,68 26,39 3,89 65,439 11,1% 25% 14,7% Aposentado, militar res. ou refor., pens. prev., exc. cd. 62... 3.132 113,07 24,28 89,43 10,22 36,102 9,0% 21% 11,4% Aposentado, militar refor. ou pens. prev. com moléstia grave... 301 6,36 2,12 4,86 0,41 21,130 6,4% 33% 8,4% Beneficiário de pensão alimentícia... 108 2,82 0,57 2,26 0,14 26,111

5,0% 20% 6,2% = INATIVOS EM GERAL 3.541 122,25 26,97 96,55 10,77 34,524 8,8% 22% 11,2%

Bolsista... 25 0,32 0,06 0,26 0,01 12,800 3,1% 19% 3,8% Espólio... 137 1,47 0,25 1,23 0,17 10,730 11,6% 17% 13,8% Natureza da ocupação não especificada anteriormente... 874 20,91 9,02 16,12 1,46 23,924 7,0% 43% 9,1% Inválido... 20 0,24 0,05 0,18 0,01 12,000 4,2% 21% 5,6% Fonte primária: RFB. Calculos próprios para: grupamentos; renda tributável média; alíquotas efetivas (imposto devido em relação ao rendimentos tributáveis ou à base).

(22)

21 Na lista de declarantes por natureza de ocupação, chama a atenção que 5,3 milhões

se identificaram como proprietários de empresas ou firmas individuais – por si só, o número já impressiona, e realça ainda mais quando se verifica equivale a 83% dos 6,7 milhões que se declararam empregados de empresas privadas e também de instituições financeiras.

Aliás, supera, e com larga folga, o número de pessoas jurídicas que declaram IRPJ no país. Segundo informado pela RFB ao Senado, em audiência já citada, era o seguinte o quantitativo de empresas em 2009 e a proporção do que arrecadaram no ano seguinte.

Há ainda um contingente de pouco mais de 3 milhões que se declararam profissionais liberais ou autônomos sem vínculo empregatício e outros 132 mil ditos capitalistas que auferiram rendimento do capital. Somados, o contingente de empresários e autônomos supera a casa de 8,4 milhões de declarantes do IRPF, 31% a mais do que os 6,4 milhões de empregados do setor privado (contadas empresas, instituições financeiras e ONGs). Em que pese o fato de que os empregados de baixa renda não precisam declarar IR e também de que é computado apenas o setor privado e não o público, é emblemático que, no corte de renda sujeito ao imposto, os empresários superem os trabalhadores. É mais um indício a acrescentar para o fenômeno do trabalho que virou capital no Brasil.

R$ mil %

LUCRO REAL 144.986 3,63 410.357.691 86,41

LUCRO PRESUMIDO 914.442 22,87 54.770.558 11,53

SIMPLES (**) 2.938.695 73,50 9.768.402 2,06

TOTAL 3.998.123 100,00 474.896.651 100,00

(*) Exclui a receita previdenciária.

(**) Exclui a receita previdenciária e IRRF. Fonte: Lucro Real e Lucro Presumido: DW; Simples: Apuração especial.

DISCRIMINAÇÃO

QTE. DE EMPR. DECLARANTES -

2009

(23)

22 Embora o contingente empresarial supere o de empregados privados, em número de

declarantes, quando a renda tributária é computada a situação se inverte e aqueles receberam apenas 70% do ganho dos trabalhadores. A mesma diferença aparece em valores per capita: R$ 22,4 mil contra R$ 42,1 mil, média da renda tributável por declarante.

Por que seriam os empresários e capitalistas tão menos remunerados que os trabalhadores? É preciso atentar que em tais rendas, submetidas à tabela progressiva, só contam os salários, além de pró-labore, serviços de autonomia e aluguéis, mas não entram os lucros e dividendos (enquadrados como rendimentos isentos). No caso de um proprietário de firma individual, ele só declara como renda tributável as suas retiradas a título de pró-labore, ou mesmo o que eventualmente receba como assalariado, no caso de empresas com outros sócios. Assim, pagará tanto menos imposto quanto menos sacar a título de pró-labore e salário e quanto mais receber como retiradas de lucros. O que é retirado a título de lucro, que pode constituir a maior parte de seus ganhos, não é contado como rendimento tributável – e não se consegue identificá-lo na consolidação divulgada pela RFB (que não discrimina por ocupação os rendimentos isentos e aqueles tributados exclusivamente na fonte).

Portanto, não deve causar estranheza, mas reforça o fenômeno aqui destacado, o fato de que o rendimento tributável por declarante proprietário individual (apenas R$ 18 mil) é inferior ao dos autônomos (R$ 29 mil) e, ambos, bem abaixo dos empregados de empresas privadas (R$ 40 mil) e de bancos (R$ 61 mil). Essa escala de renda também explica a relação invertida quando consideradas as alíquotas efetivas –o contingente empresarial paga proporcionalmente bem menos IRPF que os trabalhadores privados.

(24)

23 privado, o imposto devido representa 11,1% da base de cálculo e 8,6% da renda

tributável; as mesmas alíquotas são ainda maiores no caso dos empregados de bancos, 14,5% e 11,3%. Não deixa de ser curioso que os proprietários de firmas individuais suportem uma alíquota efetiva média que é apenas dois terços daquela aplicada aos empregados de empresas privadas. Mais grave que isso, se fossem computados também os outros rendimentos (isentos e tributados só na fonte), o mais provável é que caísse ainda mais a taxa dos empregadores vis-à-vis a dos empregados. Essa leitura fere o senso comum, mas é o que se evidencia pelas estatísticas.

Os números da consolidação do IRPF do ano-base 2010 reforçam a tese anterior de que esse imposto deve alcançar proporcionalmente mais os servidores públicos e funcionários de empresas estatais. A renda tributável média por declarante foi de R$ 65,4 mil e R$ 51,1 mil, respectivamente, bem acima dos R$ 42 mil recebidos pelos empregados privados. Por conseguinte, as alíquotas efetivas também ficaram bem acima no setor público: a média dos servidores foi 12,1% da base e 9% da renda tributável e, ainda, no caso dos funcionários das estatais, saltou para 14,7% e 11,1%, respectivamente, equiparando-se à carga dos empregados de bancos.

Sem tanta diferença, outro contingente grande que ficou acima da média foi o dos aposentados e pensionistas -11,2% da base e 8,8% da renda.

Relacionadas todas ocupações, poucas foram as que conseguiram ficar abaixo da alíquota efetiva média geral (8,3%), caso de: militares (4,7%), pensionistas (5,0%), proprietários de firmas individuais (5,4%), servidores municipais (5,2%) profissionais liberais e autônomos (7,1%) e empregados do terceiro setor (7,9%), entre os mais relevantes.

(25)

24 contribuintes e pagantes em diferentes cortes, ainda se verifica uma razoável

dispersão de alíquotas e, ao que parece, levando o segmento de empresários a pagar menos imposto que o de trabalhadores.

Evolução dos Bens Declarados

Na divulgação dos grandes números da DIRPF, uma das raras novidades recentes é que, a partir das declarações entregues em 2006, a RFB passou a publicar a consolidação dos valores declarados de bens, por tipo, bem assim dívidas. Os valores correntes são apresentados em anexo. A figura a seguir mostra a evolução em proporção do PIB dos bens, aqui agrupados em propriedades imobiliárias (agrupados imóveis urbanos, além de terra nua e veículos), em aplicações financeiras (ações e participações, cadernetas e investimentos), em disponibilidades (dinheiro em espécie e depósitos bancários) e demais bens. Como os valores estão expressos a preços de 31 de dezembro, foi considerado o valor do produto do ano-base anterior àquele ano em que foi entregue a declaração.

Chama-se a atenção que, na maior parte dos casos, os bens são declarados em valores históricos de aquisição, em especial no caso dos imóveis e dos veículos automotores, o que significa que seria natural não acompanharem a evolução do PIB. Já investimentos e disponibilidades financeiras acabam tendo valores corrigidos. Não custa lembrar também que nem sempre os contribuintes são obrigados a declarar todos os bens que possuem e a verificação disso e dos valores certamente é mais frágil que no caso da renda e dos impostos. Estas são limitações importantes para análise.

(26)

25 Os itens divulgados pela RFB foram agrupados, por conta própria, e expressos na

figura a seguir.

O maior grupo de bens é formado pelos imóveis e veículos que, apesar de reportados a valores correntes da data da aquisição, acabaram evoluindo de 53,6%

CONSOLIDAÇÃO DO IRPF 2006 A 2011 - BENS DECLARADOS

- EM % DO PIB

Ano da Declaração 2011 2010 2009 2008 2007 2006 Média 2011-06 Total 118,4% 115,3% 108,0% 106,0% 108,1% 110,4% 111,0% 8,0%

Apartamento 14,1% 13,9% 13,2% 13,2% 13,2% 13,0% 13,5% 1,1%

Casa 13,1% 13,9% 13,4% 13,7% 16,1% 14,8% 14,2% -1,7%

Terreno 5,9% 7,9% 5,2% 5,0% 5,0% 4,9% 5,7% 0,9%

Prédio residencial 3,1% 1,2% 1,2% 1,3% 1,3% 1,5% 1,6% 1,6%

Galpão 1,7%

Construção 1,2% 1,2% 1,2% 1,2% 1,2% 1,2% 1,2% 0,0%

Prédio comercial 1,0% 1,0% 0,9% 1,1% 0,9% 0,9% 1,0% 0,1%

Sala ou conjunto 0,9% 1,0% 1,0% 1,1% 1,1% 1,2% 1,0% -0,3%

Outros bens imóveis 0,7% 0,8% 0,8% 1,2% 0,9% 1,6% 1,0% -0,9%

Benfeitorias 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,5% 0,0%

= Imóveis Urbanos 42,1% 41,5% 37,4% 38,4% 40,2% 39,6% 39,9% 2,5%

Veículos automotores 9,0% 9,4% 9,1% 9,9% 10,0% 8,3% 9,3% 0,7%

Terra Nua 4,3% 4,6% 4,6% 4,9% 5,0% 5,8% 4,9% -1,5%

= Bens Fixos 55,4% 55,5% 51,1% 53,2% 55,2% 53,6% 54,0% 1,7%

Quotas de capital 10,0% 12,2% 10,8% 11,1% 10,8% 13,0% 11,3% -3,0%

Ações 7,9% 6,4% 6,3% 6,0% 5,7% 4,8% 6,2% 3,1%

Outras partic.societárias 0,8% 0,8% 0,8% 0,8% 0,6% 0,6% 0,8% 0,2%

Fundos de ações 1,2% 1,0% 0,8% 0,8% 0,5% 0,4% 0,8% 0,7%

= Particip.Acionárias 20,0% 20,4% 18,8% 18,7% 17,7% 18,9% 19,1% 1,0% Caderneta de Poupança 4,8% 4,7% 4,0% 3,9% 4,4% 8,2% 5,0% -3,4%

Aplicação de renda fixa 7,9% 7,5% 7,4% 5,6% 5,1% 4,4% 6,3% 3,5%

Outras aplicações e inv. 4,0% 1,7% 1,5% 1,5% 3,5% 1,1% 2,2% 2,8%

Outros créditos vinculados 2,8% 3,3% 3,5% 0,9% 1,7% 0,3% 2,1% 2,5%

Crédito ref.empréstimo 2,4% 2,4% 2,2% 1,9% 1,8% 1,6% 2,1% 0,8%

VGBL 1,4% 1,0% 0,5% 0,0% 0,0% 0,0% 0,5% 1,4%

Outros fundos 0,8% 0,7% 0,5% 0,5% 0,4% 0,3% 0,5% 0,4%

Ouro, ativo financeiro 0,6% 0,3% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 0,2% 0,6%

Crédito ref.alienação 0,4% 0,4% 0,4% 0,5% 0,5% 0,3% 0,4% 0,1%

Fundo Inv.Financeiro 2,3% 2,8% 3,1% 3,7% 3,4% 3,2% 3,1% -0,8%

Fundo quotas FIF 4,2% 4,0% 3,5% 4,4% 3,9% 3,3% 3,9% 0,9%

= Aplicações Financeiras 26,8% 24,0% 22,6% 19,3% 20,4% 14,6% 21,3% 12,2% Investimentos Financ. 51,5% 49,1% 45,4% 41,9% 42,4% 41,7% 45,3% 9,8%

Dinheiro em espécie - Nacl. 3,4% 3,5% 3,5% 3,5% 3,3% 3,2% 3,4% 0,2%

Depósito bancário em País 3,3% 1,3% 1,2% 1,4% 1,4% 6,8% 2,5% -3,5%

Din.em espécie - Estrangeiro 0,3% 0,6% 0,3% 0,3% 0,8% 0,0% 0,4% 0,3%

= Disponibilidades 7,0% 5,4% 5,0% 5,3% 5,5% 9,9% 6,3% -2,9% = Demais (por resíduo) 4,5% 5,4% 6,6% 5,7% 4,9% 5,1% 5,4% -0,6%

(27)

26 para 55,4% do PIB entre 2006 e 2011 – e explicam apenas um quinto do aumento

total dos bens declarados. É curioso observar que os maiores acréscimos foram observados nos bens constituídos por prédios residenciais, galpões, apartamentos e veículos, e decréscimos na proporção do produto foram registrados no caso da terra nua, casas e outros imóveis, que tendem a ter menor comercialização que os primeiros bens.

A expansão do total de bens declarados foi liderada pelo que se propõe aqui chamar de investimentos financeiros em geral, que saltaram de 41,7% para 51,5% do PIB, entre o declarado em 2006 e em 2011. Esse expressivo incremento de 9,8 pontos levou, inclusive, tal categoria a se aproximar do estoque de bens fixos. Era esperada essa melhor elevação dos ativos financeiros porque a maior parte deles é declarada com valor atualizado, e não a preços históricos, como no caso dos imóveis.

Vale decompor os investimentos em três grandes blocos. Um primeiro grupo se sugere compor as participações acionárias, tendo um crescimento mais lento de 18,9% para 20% do PIB no período analisado. Isso ocorre porque no item mais representativo de valor - as quotas de capital -, o montante declarado decresceu de 13% para 10% do PIB, o que não é de estranhar porque nesse caso são declaradas pelo valor de aquisição. Ainda que tais quotas não tenham crescido, é importante destacar a enorme dimensão que já assumem: o valor desses ativos só perde para o de apartamentos e casas, em ranking dos itens declarados em 2011. Em princípio, aí deve estar sendo declarada, dentre outros, a propriedade das empresas individuais ou a participação em pequenas empresas que são utilizadas para prestação de serviços, embora o mais comum é que tais empresas tenham um pequeno capital. Outro foi o desempenho do item ações (que deve compreender participações em empresas cotadas em bolsa) pois subiram de 4,9% para 7,9% do PIB entre 2006 e 2011.

(28)

27 outras formas de investimentos financeiros – o que faz sentido sendo a maioria dos

declarantes de média a alta renda.

O agrupamento que se propõe chamar de aplicações financeiras é o que teve crescimento mais espetacular nos seis anos analisados: salta de 14,6% para 26,8% do PIB, ou seja, um incremento de 12,2 pontos do produto. Os que mais contribuíram para tanto foram as aplicações de renda fixa, outros investimentos, créditos vinculados e VGBL, sendo que os clássicos fundos de investimentos foram os únicos a cair ao longo desse período. Marcados a valor de mercado, ao contrário da maioria dos outros bens, ainda assim cresceram mais que a inflação e o produto real da economia, beneficiados, de um lado, pelos juros reais elevados, mas, de outro, provavelmente refletindo novas e crescentes captações. É mais uma evidência em termos fiscais que conta a favor de uma expansão acentuada nos rendimentos de capital no País, ao menos daqueles auferidos entre as camadas de maior renda de sua população – e que contraria tendências observadas nas contas nacionais e nas pesquisas censitárias (como será discutido mais à frente).

As disponibilidades financeiras constituem outro grupo bastante volumoso de bens declarados em 2011: 7% do PIB. Curiosamente, aí foi declarado haver um volume de dinheiro em espécie um pouco maior do que todos os depósitos em bancos– aliás, este segmento experimentou uma queda forte ao longo do período analisado, porque foi declarado um volume elevado, de 6,8% do PIB em 2006, que caiu drasticamente nos anos seguintes e pode indicar algum problema de informação ou consolidação naquele ano.

Os outros bens, não classificados entre os grupos anteriores, não deixaram de ser importantes, mas recuaram um pouco ao longo do período: de 5,1% para 4,5% do PIB entre os seis anos analisados.

(29)

28 de bens, inclusive depois de abatidas as dívidas, e proporcionalmente maiores

investimentos financeiros do que imobiliários (embora não se possa descartar a hipótese de que os muito ricos preferem colocar seus imóveis em nome de suas empresas, inclusive para atenuar o imposto sobre alugueis e também para se proteger de eventuais penhoras pela justiça do trabalho). Alerta-se, porém, que são mais hipóteses do que evidências, ao contrário do que se viu na análise anterior sobre bens.

As mudanças funcionais

É interessante comentar com mais detalhes esse fenômeno da transfiguração de trabalho em capital. Em uma analogia com o livro de Piketty, aqui se opta por tal qualificação para o processo que, originalmente, em teorias e análises da administração de empresas, foi identificado como terceirização ou outsourcing. No mundo dos negócios e até na economia do trabalho, não faltam estudos sobre esse processo, mas a literatura pela ótica das finanças públicas é algo escassa.

No que tange à tributação, à parte outros fatores, o processo tem por origem a busca de contratação de trabalho com menor encargo ou de sua prestação igualmente menos taxada. Essas duas situações, em palavras bem simples, podem levar a rumos diferentes na expansão desse fenômeno. Um caso é o do empregado que tenta atenuar ou fugir de alíquotas marginais muito altas do IRPF sobre seus rendimentos e, em tal situação, ele se torna o principal interessado em prestar serviço como firma individual. Outro caso é o do empregador que tenta escapar dos seus encargos como contratante, em especial de contribuir para a seguridade social e, neste caso, ele é que prefere contratar quem lhe preste serviço como uma empresa em lugar do mesmo profissional com carteira assinada.

(30)

29 lado das contribuições previdenciárias, estas sim oneradas com taxas mais elevadas

que as praticadas em outros países.

Isto significa que, possivelmente no Brasil, mais do que no resto do mundo, o processo interessa mais ao empregador do que ao empregado, já que, para este existe um teto de contribuição previdenciária (R$ 4.390 a partir de 2014), enquanto que esse limite não se aplica à contribuição patronal, que alcança a folha como um todo e com alíquotas altas e superiores à de outros países.

É possível que, inicialmente, o processo se aproximasse ao da terceirização clássica, como no resto do mundo, ou seja, as corporações passam a contratar como empresas (as vezes até cooperativas), ao invés de trabalhadores assalariados, os serviços de segurança e limpeza. Essas modalidades e expandiu posteriormente aos serviços de contabilidade, advocacia, construção e decoração. Porém, o processo avançou para trabalhos individuais, profissões que não necessariamente exigem maiores habilidades técnicas e, o principal, sem que fossem as mais bem remuneradas. Tal prática pode ter começado com os executivos, mas chegou a jogadores de futebol, artistas, jornalistas, e também à contratação de profissionais aposentados e, no outro extremo, até para aqueles em início de carreira.

Portanto, a discussão sobre o tema deve passar tanto pela questão da contribuição previdenciária como do imposto de renda, e não apenas sobre a pessoa física, quanto também da jurídica.

(31)

30 A alíquota agregada de 37,65% sobre a folha salarial no Brasil fica em segundo

(32)

31 diferencial brasileiro está nas alíquotas pagas pelos empregadores: a alíquota de

20% para aposentadoria ou a agregada em 30%, se incluídos outros programas, coloca o Brasil muito à frente das dezenas de outros países americanos.

A enorme distância entre o Brasil e o resto do mundo em torno das alíquotas não se repetiu quando considerada a arrecadação efetiva da contribuição em proporção do PIB. Isto é explicado pelo fato de que o peso dos salários é relativamente mais baixo na geração da renda brasileira do que em outras economias, sobretudo as avançadas.20 Assim, a produtividade das contribuições depende da aplicação de

alíquotas muito elevadas sobre uma base de cálculo reduzida, deprimida tanto pelas perdas salariais reais, quanto pelo fato de que cada vez é menor a proporção dos empregados de maior salário entre os que contribuem para o regime geral da previdência21 o que remete à discussão da principal hipótese levantada neste

trabalho.

A opção tributária pelo trabalho prestado por empresa ao realizado por profissional com carteira assinada não implica isenção. Sobre as vendas da empresa incidem vários tributos federais, como o imposto de renda (IRPJ) e as contribuições sociais - a COFINS, PIS e CSLL. Como prestador de serviço, o profissional ainda está sujeito ao imposto municipal – o ISS. O mais comum é que tais negócios sejam enquadrados em regimes especiais, basicamente no do lucro presumido e, em alguns casos, até no simplificado para microempresas (o SIMPLES), ou seja, a incidência tributária conjunta se torna uma proporção do faturamento bruto. É possível dizer que tal prática até foi estimulada, indiretamente, quando foi aumentado o limite de enquadramento no regime do lucro presumido (de R$ 48 para 78 milhões) e ainda quando se admitiu que os serviços pudessem optar pelo

20 Segundo divulgado pelo IPEA para 2006, os salários e encargos sociais respondiam por 36,1% do PIB nacional, quando a mesma proporção era de 64,4% na Zona do Euro (variando de 60,4% em Portugal até 74,8% na Suécia).

21

(33)

32 Simples. De qualquer forma, importa atentar que duas das contribuições, COFINS e

CSLL, são vinculadas à seguridade social e, como tal, sua receita pode custear a previdência social, mas nem de longe as proporções se aproximam.

No caso específico dos maiores executivos é importante qualificar que se existem outras modalidades além da abertura de empresas para a percepção de seus rendimentos, sem submetê-los à tabela progressiva do IRPF. Como alertado por um tributarista: “Há um fenômeno muito relevante nas grandes empresas, especialmente aquelas que abriram capital nos últimos 10 anos: os programas de Stock Option que transferiram muita riqueza aos seus gestores (gerentes, diretores e vice-presidentes). Essa riqueza não foi tributada pelo IRRF de 27,5% e muito menos pela previdência social porque a lei assim não a tributa. O imposto pago foi o IR de ganho de capital de 15% quando esses executivos exerceram suas opções e venderam as ações no mercado com ganho.” Na mesma direção, ainda que em dimensão menor, é sabido o caso de “... empresas iniciantes que dão ações restritas aos executivos - para que se sintam como donos e performem a empresa - que poderão vender lá na frente se metas forem atingidas. É um modelo muito comum usado pelos investidores, especialmente os fundos de private equity nas empresas investidas. É um modelo muito comum em operações de M&A. Mais um fenômeno que transforma salário em capital”.

Enfim, da terceirização de serviços para a transformação generalizada de trabalho em capital, esse é um fenômeno da economia e da sociedade moderna. Mas, é preciso verificar a hipótese desse fenômeno ter avançado mais no Brasil, o que demanda acesso a mais estatísticas oficiais, em especial as tributárias e não apenas da DIRPF, como também as da DIRPJ – a missão quase impossível seria reclassificar dentre as PJ aquelas que, na prática, constituem PF.

(34)

33 pela clássica terceirização22 e nem apenas por tentar driblar a alíquota marginal do

IRPF. Outro aspecto tem a ver com a lógica geral do imposto de renda brasileiro, que difere do aplicado em outros países, como alertado por Isaias Coelho: “nos Estados Unidos, IRPJ é corporate income tax: só alcança as corporations, sobretudo as grandes empresas. Todas as sociedades são transparentes, isto é, os lucros apurados são tributados apenas nas DIRPF dos sócios. Igualmente as firmas individuais são tributadas pelo IRPF. É algo histórico deles (Theodore Roosevelt queria apanhar apenas os robber barons, antes de existir o IRPF). O mesmo sistema foi adotado na maioria dos países da OCDE. O sistema que trata a PJ não corporation como contribuinte, como temos no Brasil, existe também em alguns países da América Latina. Por isso é complicado comparar a arrecadação de IRPF no Brasil com outros países.”

Cada vez mais trabalhadores de maior renda no setor privado são contratados como empresas, geralmente individuais, e não como assalariados, com carteira assinada. Nem se trata de opção, em geral é imposição: empregadores preferem contratar serviços de uma empresa a um assalariado para reduzir de imediato os encargos, fora os eventuais riscos de natureza trabalhista. O maior diferencial envolve a previdência, porque o empregador deixa de contribuir (20%) sobre o valor integral da folha quando contrata com carteira de trabalho ou autônomo (ao contrário do empregado, que paga só até um teto, hoje em R$ 4,4 mil).

Do Debate Fiscal ao Social

O fenômeno da transformação de trabalho em capital no Brasil parece ser minimizado, ou até mesmo ignorado, nos debates sobre as relações trabalhistas e, mais ainda, sobre a distribuição da renda e da riqueza.

Referências

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