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MAYOMBE: A LUTA PELO (RE) NASCIMENTO

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Academic year: 2022

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MAYOMBE: A LUTA PELO (RE) NASCIMENTO

Leandra Alves dos Santos

Passamos de um período em que nossos heróis acabam sempre mortos (...) para um outro tempo em que os heróis já nem sequer nascem. Estamos aguardando pelo renovar de um estado de paixão que já experimentamos, esperamos pelo reacender do amor entre a escrita e a nação enquanto casa feita para sonhar. O que queremos e sonhamos é uma pátria e um continente que já não precisem de heróis (MIA COUTO.

Pensatempos).

Em seu texto “Que África escreve o escritor africano?”, Mia Couto nos revela o objetivo, o olhar e o tipo de encantamento que esse escritor produz quando nos presenteia com suas obras. Para o autor, “a ficção é uma mentira que não mente” (COUTO, 2005, p. 59), uma vez que a nação é tão imaginária como a literatura, já que coube à dominação colonial inventar “grande parte do passado e da tradição africana” (Ibidem, p. 62). Para Mia Couto, é necessário que o escritor crie um espaço de reflexões e conscientização próprios de seu país, para que os africanos se reconheçam e se compreendam dentro de seus respectivos territórios como nações.

As literaturas africanas sempre se constituíram como formas de resistência encontradas pelos povos africanos contra o colonialismo.

Em Angola, a literatura de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido e consagrado como Pepetela (palavra de origem umbundo,

Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários na UNESP/Araraquara. Bolsista do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq).

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que significa Pestana, aliás, sobrenome do nosso autor), mostra o quanto é necessário que o escritor, ainda de acordo com Mia Couto, questione a ordem estabelecida para “engravidar os outros de sentimento e encantamento” (Ibidem, p. 63). Foi por meio da apropriação da língua do colonizador que os angolanos puderam escrever a sua história buscando, através da literatura, um espaço de reflexão e contestação às leis, à cultura eurocêntrica homogeneizadora e demais injustiças impostas ao povo como, por exemplo, o estímulo do colonizador às guerras tribais. De acordo com Sergio Paulo Adolfo,

“a literatura angolana a partir de 1950 torna-se iminentemente política e revolucionária, auxiliando no movimento de libertação nacional”

(1992, p.51).

Pepetela inicia sua atividade literária, associativa e política na Casa dos Estudantes do Império, em 1958. Em 1962, parte para a França e depois para a Argélia, onde se licencia em Sociologia pela Universidade de Argel. O escritor angolano foi também o co-fundador do Centro de Estudos Angolanos, além de militante por muito tempo no MPLA, tendo ocupado alguns cargos políticos depois da Libertação de Angola, em novembro de 1975. Em sua terceira obra, Mayombe, escrita em 1971, vemos uma espécie de representação antecipadora dos conflitos que geraram a guerra civil, quatro anos mais tarde. Esse romance, coerente com o momento de seu nascimento, é a expressão da maturidade do escritor Pepetela que, utilizando-se de recursos muito caros a uma tradição literária, recria formas de contestar a hegemonia da mesma e de construir uma literatura angolana, que procura levar seus leitores a refletirem sobre a importância da nacionalidade no país. Embora escrita na década de 1970, o romance só foi publicada em 1980, ou seja, cinco anos após a independência de Angola.

Mayombe é também o nome da floresta tropical localizada em Cabinda; na escrita ficcional é, portanto, a floresta-personagem. A ação, que faz alusão a guerrilha, é concentrada na floresta, distante das cidades e dos centros de poder. Nesse momento, Luanda era o foco principal tanto das lutas pela independência quanto da vida político- econômico-social da colônia. A região de Cabinda estava, assim,

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distante da capital não só geograficamente, mas em todos os aspectos sociais relevantes.

Esse espaço da floresta revela o desejo de Angola de isolar-se de Portugal, e também aponta as falhas do movimento político: o isolamento de Mayombe/Cabinda em relação a Luanda e o isolamento dos camaradas, os guerrilheiros, em relação ao seu partido e ao povo colonizado. Ao mesmo tempo é este o espaço da singularidade angolana, o útero de um povo que busca renascer depois da colonização, um espaço desconhecido pelo colonizador. De acordo com Carmen Lúcia Tindó Secco, “Mayombe, floresta úmida, cheia de lama fecunda, é metáfora do útero de Angola parindo a Revolução”

(SECCO, 2003, p.38). E tal proposta parece ser realmente a aposta do autor:

Voltaram a retirar a arma a Ingratidão do Tuga. Não fizeram guarda. À noite, na mata, o melhor guarda era a impenetrabilidade do Mayombe. (...) Os morteiros, aliás, não eram utilizados como arma ofensiva, mas apenas para levantarem o moral dos soldados tugas, cercados numa mata desconhecida e temível, que escondia monstros aterrorizadores. O barulho acalmava-os. Dava- lhes consciência do seu poderio, protegia-os do seu próprio medo (PEPETELA, 1982, p. 55-6).

O Comissário apertou-lhe mais a mão, querendo transmitir-lhe o sopro de vida.

Mas a vida de Sem Medo esvaía-se para o solo do Mayombe, misturando-se às folhas em decomposição (PEPETELA, 1982, p. 266).

Esta obra de Pepetela é um dos primeiros sinais de crítica interna no MPLA (Movimento pela Libertação de Angola), ao racismo, à corrupção e ao tribalismo:

Mas a indisciplina que reina lá fora leva à indisciplina aqui. Os exemplos de fora, do exterior, dos refugiados fardados de militantes, vêm influenciar os combatentes, enfraquecer-lhes o moral. Isto não sucederia se a Região funcionasse bem. Vê o Ingratidão! Combatente no Norte de 61 até 65.

Combatente em Cabinda desde essa data. Há dez anos que combate o inimigo.

Tem pouca formação política? Certamente. Mas a culpa não é dele. Quem a tem? Ele vê os exemplos que vêm de cima. A culpa também não é tua. Tu tomas este fato como uma ofensa pessoal, porque és o Comissário, o

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responsável pela formação política. Não podes fazer mais do que fazes para convencer o Ingratidão que o povo de Cabinda é como o resto de Angola.

Ingratidão também não pode ser convencido só por palavras. Só a prática o levará a essa constatação. Não é justo fuzilar um combatente com dez anos de luta, quando outros criminosos ficam indenes, embora o seu crime teoricamente mereça esse castigo (PEPETELA, 1982, p. 65).

O livro inicia-se com uma dedicatória: “Aos guerrilheiros do Mayombe, que ousaram desafiar os deuses abrindo um caminho na floresta obscura. Vou contar a história de Ogum, o Prometeu africano.” Prometeu, aquele que criou o homem de argila e roubou a chama sagrada de Hélio (Deus do sol) para dar-lhe o sopro divino com o intuito de criar um ser que o ajudaria a cuidar da mãe Gáia, a Terra.

Diante de tal feito foi castigado por Zeus, de quem roubou o fogo para dar a esse novo ser. Zeus o acorrentou a uma rocha no Cáucaso. Lá, todos os dias, uma águia ia roer-lhe o fígado. Durante a noite o fígado se reconstituía para nova tortura no dia seguinte. Ogum, o deus orixá africano, é o dono do ferro e de todos os seus derivados, como as armas e ferramentas. Também é considerado o senhor da guerra.

Possível referência a Angola, terra rica em minerais, especialmente diamantes, petróleo e minério de ferro.

Nessa dedicatória, portanto, vemos a alusão, já de início, à luta pelos direitos que cabem a qualquer cidadão em seu país. Utilizando-se da intertextualidade das lendas gregas misturadas à cultura africana, o autor mostra por meio da construção de seu texto uma Angola criada por diversas culturas e em luta para não assistir a morte de sua tradição:

E os guerrilheiros perceberam então que o deus Mayombe lhes indicava, assim, que ali estava o seu tributo à coragem dos que o desafiam: Zeus vergado a Prometeu, Zeus preocupado com a salvaguarda de Prometeu, arrependido de o ter agrilhoado, enviando agora a águia, não para lhe furar o fígado, mas para o socorrer. (Terá sido Zeus que agrilhoou Prometeu, ou o contrário?) (...) Zeus ajoelhado diante de Prometeu. E Prometeu dava impunemente o fogo aos homens, e a inteligência. E os homens compreendiam que Zeus, afinal, não era invencível, que Zeus se vergava à coragem, graças a Prometeu que lhes dá a inteligência e a força de se afirmarem homens em oposição aos deuses. Tal é o atributo do herói, o de levar os homens a desafiarem os deuses.

Assim é Ogum, o Prometeu africano (PEPETELA, 1982, p. 70-1).

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A narrativa de Mayombe é comandada por um narrador em terceira pessoa, senhor das ações e que, por vezes, cede a voz aos demais personagens do romance. Embora essa pluralidade de vozes expresse a tensão interna do romance, ao dar primazia ao narrador, Pepetela aponta para a importância da oralidade, comum às demais sociedades africanas e imprescindível na construção da nacionalidade,.

A floresta-personagem é o espaço de nascimento da nação independente, que já nasce fragmentada pelas questões tribais, o que encontramos desde a epígrafe: um narrador em primeira pessoa que se descentraliza para a terceira pessoa. Esses múltiplos narradores expõem, cada um, o seu ponto de vista em relação à guerra e a luta pela independência. E essa polifonia, além de representar a fragmentação tribal, direciona as várias etnias que escrevem a história de Angola.

O livro é dividido em seis capítulos: A missão; A base; Ondina; A surucucu; a amoreira e o Epílogo. Os personagens são batizados na Base por nomes de guerra que servem de alegoria para a crítica feita em relação aos objetivos do MPLA:

Três dias depois da missão, chegou à Base um grupo de oito guerrilheiros.

Todos jovens, as idades variavam entre os dezessete e os vinte anos. Tinham atravessado há pouco clandestinamente o rio congo, de Kinshasa para Brazzaville, e recebido um treino militar de um mês.

– É pouco - disse Sem Medo. - E este aqui é novo demais, devia ficar a estudar ainda. É mesmo um miúdo! Precisamos de guerrilheiros, mandam-nos miúdos sem treino. Só servem para fazer guarda.

– Formam-se aqui – disse o Comissário.

– E entretanto? Vão causar-nos problemas. Quer-se engrossar o efetivo à toa, não se olha a qualidade. Há outros no exterior, com suficiente experiência, mas como são primos de tal ou tal responsável, não podem vir para a guerrilha. Os que não têm primos é que agüentam... (PEPETELA, 1982, p. 71).

Sem Medo, o comandante, é o Prometeu africano, o guerrilheiro de Henda (herói nacionalista, membro do MPLA, morto em 1968) e faz parte da tribo Kikongo. É ele quem procura ouvir os guerrilheiros e lhes incentivar a reflexão sobre seus medos, ideais e buscas, dando- lhes uma espécie de sopro divino. No fragmento abaixo, Sem Medo

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discute com o Comissário as dicotomias indivíduo (homens)/ coletivo (ideais), a separação entre o particular e o universal (as aldeias), o antigo versus o moderno, o colonialismo versus a liberdade.

– Tens de te habituar aos homens e não aos ideais. O cargo de Comissário é espinhoso, por isso mesmo. O curioso é que vocês, na vossa tribo, até esquecem que são da mesma tribo, quando há luta pelo posto.

– O que não quer dizer que não há tribalismo, infelizmente. Aliás, não me venhas dizer que com os kikongos não se passa o mesmo.

– Eu sou kikongo? Tu és kimbundo? Achas que sim?

– Nós, não. Nós pertencemos à minoria que já se esqueceu de que lado nasce o Sol na sua aldeia. Ou que a confunde com outras aldeias que conheceu. Mas a maioria, Comandante, a maioria?

– É o teu trabalho: mostrar tantas aldeias aos camaradas que eles se perderão se, um dia, voltarem à sua. A essa arte de desorientação se chama formação política! (PEPETELA, 1982, p. 16).

Milagre e Pangu-Akitina, o enfermeiro, também são kikongos.

Teoria, o professor é o mestiço rácico, o assimilado de Gabela.

“Criança ainda queria ser branco, para que os brancos me não chamassem negro. Homem, queria ser negro, para que os negros me não odiassem. Onde estou eu, então? (...) a minha vida é o esforço de mostrar a uns e a outros que há sempre lugar para o talvez”

(PEPETELA, 1982, p. 12). Muatiânvua, o marinheiro desenraizado é o mestiço étnico.

Querem hoje que eu seja tribalista!

De que tribo?, pergunto eu. De que tribo, se eu, sou de todas as tribos, não só de Angola, como de África? Não falo eu o swahili, não aprendi eu o haussa com um nigeriano? Qual é minha língua, eu, que não dizia uma frase sem empregar palavras de línguas diferentes? E agora, que utilizo para falar com os camaradas, para deles ser compreendido? O português. A que tribo angolana pertence o português? (PEPETELA, 1982, p. 133).

Ekuikui, Verdade e Lutamos também são os destribalizados. O Comissário Político e Ingratidão do Tuga são kimbundos. Mundo Novo “era de Luanda, de origem kimbundo, mas os estudos ou talvez a permanência na Europa tinham-no libertado do tribalismo”

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(PEPETELA, 1982, p. 35). Este pode ser encarado, inclusive, como representante da elite africana que vai estudar fora de seu país; é ele quem ocupa o cargo de André. Mundo Novo pode também ser lido como uma aposta na representação de um mundo onde não há diferenças entre povos, raças e cor.

O desejo de liberdade, de renascer para uma nova vida, com um povo renovado, aparece em todo o texto. Na polifonia utilizada pelo autor, há a liberdade de expressão, ainda que as vozes apontem as contradições do país, convergências que levam ao amadurecimento, ou ainda a um crescimento, fazendo alusão à floresta. De acordo com Carmen Tindó Secco,

(...) cada narrador apresenta um olhar diferente, focalizando a História angolana por ângulos diversos. (...) Seus depoimentos expressam o choque das ideologias existentes no seio da Revolução angolana, embora o discurso do MPLA camuflasse as contradições, ocultando-as sob a utopia da “união nacional em prol da libertação” (2003, p. 39).

Neste sentido, há a tentativa de liberdade entre os gêneros no capítulo denominado Ondina, a representante do gênero feminino, que não vê a traição que comete contra o Comissário como pecado, mas, de acordo com Sérgio Paulo Adolfo, “como signo de seu livre arbítrio enquanto mulher” (ADOLFO, 1992, p. 68). Ondina é a mulher que instaura as mudanças em alguns guerrilheiros do Mayombe. O Comissário Político, seu noivo, é obrigado a amadurecer diante da traição e do rompimento da relação com Ondina. Sem Medo é obrigado a repensar o amor e a sacrificar seu desejo por essa mulher que provoca seus sentimentos, desequilibrando-o. André é afastado de seu cargo e punido por ter se relacionado com a mulher de outro guerrilheiro, de outra tribo.

É importante ressaltar que a mulher angolana, aqui representada pela personagem Ondina, também procura um espaço para a nova mulher: aquela que nasceu do embate entre as culturas européias e africana. Ainda de acordo com Sergio Adolfo,

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O romance Mayombe é um fórum de debates (...) através da dramatização, da fala de seus personagens são purgados os conflitos internos de uma sociedade: o tribalismo, o colonialismo, a tradição africana, o poder do dinheiro (...) e é claro que não poderia passar a questão da mulher, que nessa nova sociedade, que procura libertar-se dos dissabores e enganos do colonialismo, procura-se onde homens e mulheres tenham um único papel determinado, o de cidadãos do estado angolano (1992, p. 72-3).

Contudo, Ondina é a personagem que não tem voz na narrativa de Pepetela, o que nos faz pensar que essa nova Angola, que busca um novo espaço de reflexão e preparação para o seu renascimento, parece-nos, ainda não tem espaço para uma igualdade entre os gêneros, o que de certa forma fica evidente na maneira como André enxerga Ondina: uma mulher que gosta de sexo, comparada em sua fala, muitas vezes, a animais. Por este viés, Pepetela parece construir seu texto sublinhando a temática da liberdade, incluindo nesta a representação feminina angolana em sua personagem Ondina, nítida instauradora de uma concepção libertária na contra-corrente dos lugares-comuns, ainda que “conduzida no fio da narrativa por um homem: o narrador” (ADOLFO, 1992, p. 86). De acordo com Sérgio Adolfo, o autor de Mayombe “constrói a sua Ondina cheia de atitudes de tomada de ação, cheia de iniciativa e por isso tão desconcertante na literatura quanto na vida. Sua visão do amor é completamente diferente da visão que os homens dão as mulheres” (Ibidem, p. 82-83).

Pela senda da temática da liberdade, há-de se destacar o respeito pelo entendimento da palavra proferida. Sem Medo, o Prometeu africano que dá ao homem o fogo sagrado, símbolo da liberdade de pensamento, tem consciência da relativização da palavra, o que lhe confere a sabedoria de que não há verdades absolutas.

– Tu, Lutamos, és um burro! – disse Sem Medo. – Quem não quer estudar é um burro e, por isso, o Comissário tem razão. Queres continuar a ser um tapado, enganado por todos... As pessoas devem estudar, pois é a única maneira de poderem pensar sobre tudo com a sua cabeça e não com a cabeça do outros.

O homem tem de saber muito, sempre mais e mais, para poder conquistar a sua liberdade, para saber julgar. Se não percebes as palavras que eu pronuncio, como podes saber se estou a falar bem ou não? Terás de perguntar a outro.

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objetivo principal duma verdadeira Revolução é fazer toda a gente estudar. Mas aqui o camarada Mundo Novo é um ingênuo, pois acredita que há quem estuda só para o bem do povo. É essa cegueira, esse idealismo, que faz cometer os maiores erros. Nada é desinteressado (PEPETELA, 1982, p. 79).

Por fim, a floresta-personagem gesta um novo homem para um novo momento histórico em Angola. Há, portanto, conforme bem sublinhou Sérgio Adolfo, a “desorganização do espaço restrito (tribal, político, lingüístico, cultural) para a reorganização do espaço nacional onde as diferenças individuais não podem servir de obstáculo a indicação do projeto nacional” (ADOLFO, 1992, p. 14). Pepetela, por meio da apropriação do espaço do Mayombe procura, simbolicamente, percorrer a história angolana por meio do território invadido e ocupado pelos colonos, seja no que diz respeito à terra ou à identidade do povo de Angola.

Literatura e história têm, assim, o mesmo objetivo: a preocupação com as ações humanas. Contudo, é com a Literatura que o homem consegue entender a relação entre si e o mundo, as contradições vivenciadas na busca pela harmonia com um tempo e espaço que não são naturais, mas construídos pelo sistema, conforme o que convém à classe dominante. A literatura tem a capacidade de fazer o leitor reviver a história, os acontecimentos, as sensações, medos e angústias por um outro prisma. Os personagens fictícios são, agora, os responsáveis por (re)escrever a história de Angola. Deste modo,

“História e romance oferecem, cada um a seu modo, versões da realidade. Mas o romance (...) sempre contrapõe um mundo próprio

‘ao mundo’” (LAMMËRT, 1995, p. 304), o que justifica o fato de “a Literatura falar também da literatura”, conforme explica Compagnon (COMPAGNON, 2001, p.98), mesmo se utilizando de eventos históricos.

No romance Mayombe, o externo, o social, enfim, a história importam “não como causa, nem como significado, mas como elemento(s) que desempenha(m) um certo papel na constituição da estrutura, tornando-se, portanto, interno” (CANDIDO, 1985, p. 4).

À medida que os personagens vivenciam as experiências históricas, parece que eles vão se conhecendo e alcançando a dimensão do

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significado que tem a vida em sociedade, o que dá ao leitor a noção de possibilidades do real.

Da luta, portanto, pode aparecer a expectativa de um (re)nascimento.

Referências

ADOLFO, Sérgio Paulo. A ficção de Pepetela e a formação da angolanidade.

Faculdade de Ciências e Letras, UNESP/Assis, São Paulo, 1992. (Tese de doutorado em Literaturas de Língua Portuguesa),

CÂNDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 7. Ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1985.

COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria. Literatura e senso comum. Trad.:

Cleonice Paes Barreto Brandão. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

COUTO, Mia. “Que África escreve o escritor africano?”. In: _____. Pensatempos:

textos de opinião. Lisboa: Caminho, 2005, p. 59-63.

FREITAS, Maria Teresa de. “Romance e História”. In: UNILETRAS. Ponta Grossa, n. 11, dez. 1989. p. 109-118.

LAMMËRT, Eberhard. “História é um esboço: a nova autenticidade narrativa na historiografia e no romance”. Trad.: Marcus Vinícius Mazzari. In: Revista Estudos Avançados. São Paulo, v. 9, n. 23, 1995. p. 289-308.

SECCO, Carmen Lúcia Tindó Ribeiro. A magia das letras africanas. Rio de Janeiro:

ABE Graph Editora/Barroso Produções Editoriais, 2003.

CHAVES, Rita; MACEDO, Tânia. (Org.). Portanto... Pepetela. Luanda: Edições Chá de Caxinde, 2002.

PEPETELA. Mayombe. São Paulo: Ática, 1982.

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