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Com o auxílio da História enquanto disciplina capacidade em tornar o passado vivo no presente, a proposta hermeneuta de Palmer pressupõe a desmitologização das obras literárias

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Academic year: 2023

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A HERMENÊUTICA HUMANISTA DE PALMER:

INTERPRETAR, COMPREENDER E TRADUZIR

THE HUMANISTIC HERMENEUTICS OF PALMER:

INTERPRETATION, UNDERSTANDIG AND TRANSLATION

BERGAMO, Maurício Sérgio1

RESUMO

O presente trabalho visa mostrar os principais argumentos de Richard Palmer à interpretação, à compreensão e à tradução de textos literários, sob o caráter humanista. Abordando aspectos que tratam sobre a Hermenêutica fenomenológica, as referidas explicações serão oferecidas pela Hermenêutica, obra na qual Palmer dedica-se em mostrar que a Hermenêutica não é uma tarefa exclusiva de textos bíblicos. Todavia, Palmer também assevera que a busca pelo significado humano nas análises hermenêuticas fenomenológicas, são auxiliadas pelos conhecimentos da História enquanto disciplina. Assim, ele é levado a considerar, como elemento fundamental da prática da Hermenêutica, a interpretação, a compreensão e a tradução do elemento humano. Com o auxílio da História enquanto disciplina capacidade em tornar o passado vivo no presente, a proposta hermeneuta de Palmer pressupõe a desmitologização das obras literárias. Para isso, é preciso que o exegeta siga algumas regras importantes e, perceba as obras literárias como um elemento vivo e dinâmico eficazes em resgatar as várias e as diversas constituintes dos períodos históricos remotos. Entretanto, o exegeta, no curso que o leva à interpretação, a compreensão e a tradução do elemento humano, depara-se com alguns empecilhos que tendem a tornar obscura e ofuscada, a busca pelos valores de verdades das sentenças literárias.

Palavras-chave: Interpretar. Compreender. Traduzir.

ABSTRACT

This paper aims to show the main arguments of Richard Palmer, over the interpretation, understanding and translation of literary texts under humanist character. Addressing aspects that deal with the phenomenological hermeneutics, these explanations will be offered by Hermeneutics, work which the hermeneut is dedicated to show that the Hermeneutics is not an exclusive task to biblical texts. Nevertheless Palmer also shows that the search for the human meaning in phenomenological hermeneutic analysis is also helped by the knowledge of history as a discipline. Thus he is led to consider as a fundamental element of the practice of hermeneutics, the interpretation, the understanding and the translation of the human element. He is suported for History discipline qualified at to live for past in presente. To this, is necessary for exegete follow some important rules and understand this literary works as alive element and dinamic is an efficient at rescue the various and diverses components of the remote historical periods. However, the exegete come cross for interpretation, comprehension and translation for human element, encounter difficulties they tend obscure render and overshadow, the find for values and truths of literary works.

Keywords: Interpretation. Understanding. Translation.

1Graduado em Licenciatura em Geografia (2010) pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - Campus de Erechim. Pós Graduado (Lato Sensu) em História da Ciência (2013) pela Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Erechim. Pós Graduado (Lato Sensu) em Epistemologia e Metafísica (2014) pela Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Erechim. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1954351797130326.

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Introdução

Por ser um termo que leva a derivações que polemizam as discussões, os homens que estudaram a Hermenêutica, os hermeneutas, buscaram na raiz da língua grega e da língua latina, a fim de dar consistência às exposições, sentidos correspondentes ao termo. A Hermenêutica é considerada, por alguns, um instrumento metodológico, já por outros, uma ciência autônoma do saber humano, qualificada em auxiliar à compreensão fiel das representações literárias.

Em um primeiro momento, para evitar que o leitor fique confuso pela falta de conteúdo e clareza desses escritos, nossa intenção consiste em expor argumentos referentes à interpretação do vocábulo, as possibilidades de entendimento e as polêmicas existentes em torno do termo

“hermenêutica”.

Investigando no âmbito da linguagem as origens do termo "hermenêutica", Ferraris (1988), na obra Historia de la Hermenéutica, discorda do exame linguístico da palavra apresenta por Karoly Kerényi, na obra Os Deuses Gregos.

Kerényi (1998) afirma que a palavra grega hermenéia, a qual originou a expressão

"hermenêutica" da língua portuguesa, remete à Hermes, deus grego das comunicações, que tinha o papel de simplesmente transmitir com as mesmas palavras o conhecimento que recebia.

Hermenéia, por sua vez, possui três derivações: hermenéus, hermeneutés e hermeneutiké, as quais, na língua latina, têm a mesma raiz: sermo. Sermo equivale na língua portuguesa a "relatório" e é considerada por Ferraris (1988, p. 09) sem

"ninguna relación linguistico-semántica – aparte la semejanza fonética – con Hermes".

Embora o fonema hermenéia e o de suas derivações estejam próximos do fonema Hermes, Ferraris (1988) mostra que, outra tentativa de alcançar a exatidão

do significado da palavra e a pragmática do vocábulo, apresentada por August Boeckh, em sua Encyclopädie, também não logrou êxito. Este compreendeu o termo hermenéia como "elocução" e "a ser compreendido".

Porém, o objetivo de seu esboço filológico teve pretensão de se voltar exclusivamente à investigação literária de documentos sagrados, limitando, reduzindo e restringindo, segundo Ferrariz (1988), a tarefa dos exegetas.

Na obra Hermenêutica, de Richard Palmer, percebe-se a aproximação do ponto de vista exposto por Ferraris (1988). Palmer (2006), assim como Ferraris (1988), elenca a necessidade de uma Hermenêutica fora de um contexto exclusivamente teológico e, desse modo, ambos se contrapõem à perspectiva de Kerényi (1998) e de Boeckh (1886).

Investigando a natureza do termo, Palmer (2006) revela que a palavra grega mais próxima de “Hermes” é hermeios, cujo verbo é hermeneuein e o substantivo hermenéia. Desse modo, seu ponto de vista se contrapõe à perspectiva de Kerényi (1998). Para este, é hermenéia, não hermeios que, em última instância, deu origem à expressão "hermenêutica".

Palmer (2006) justifica sua colocação afirmando que, os gregos atribuíam a Hermes a descoberta da linguagem e da escrita, as quais, além de serem ferramentas necessárias para a compreensão humana alcançar o significado das coisas e oferecer movimento ao conhecimento, são temas da investigação Hermenêutica. Assim, ele expõe que a mensagem do destino trazida por Hermes – hermeneuein – possibilitava às pessoas descobrirem as coisas e, na medida em que desvelassem o significado dos enunciados divinos, as proposições se transformavam em meios de explicação da realidade.

Assim, levada até sua raiz grega mais antiga, as origens das actuais palavras - hermenêutica - e - hermenêutico - sugere

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o processo de tornar compreensível, especialmente enquanto tal processo envolve a linguagem, visto ser a linguagem o meio por excelência neste processo (PALMER, 2006, p. 24).

Outro significado do termo

"hermenêutica" que é refutado por Palmer (2006) por se aproximar das exposições de Kerényi (1998) e de Boeckh (1886), é o que aparece, do seguinte modo, no Webster Third New International Dictionary:

"Estudo dos princípios metodológicos de interpretação e compreensão; hermenêutica especifica: o estudo dos princípios gerais de interpretação bíblica" (PALMER, 2006, p.

16).

Essa significação que está próxima do ponto de vista de Kerényi (1998) e de Boeckh (1886), por não ter caráter filosófico, se distanciando, portanto, da perspectiva de Ferraris (1988) e de Palmer (2006), também é presente no contexto apresentado por Japiassú; Marcondes (2006, p. 130) no Dicionário Básico de Filosofia com as seguintes palavras:

O termo [hermenêutica] originalmente teológico, designando a metodologia própria à interpretação da Bíblia:

interpretação ou exegese dos textos antigos, especialmente dos textos bíblicos [e], qualquer técnica de interpretação. Essa palavra é frequentemente usada para indicar a técnica de interpretação da Bíblia.

Refutando as exposições de Kerényi (1998), Boeckh (1886) e dos autores do Dicionário Básico de Filosofia, Palmer (2006) propõe uma Hermenêutica com caráter filosófico. Para isso, sua proposta tem no cerne do projeto a noção de interpretação, termo fundamental que, conforme suas amostras, será o palco da compreensão.

As objeções do projeto de Palmer (2006) se aproximam do significado de Hermenêutica – ainda que superficialmente – exibido pelo Dicionário Houaiss Conciso

que, é o seguinte: "Hermenêutica: [...]

interpretação do sentido das palavras nos textos [...] arte de interpretar [...] relativo a interpretação, próprio para fazer compreender [...]. Arte de descobrir o sentido exato de um texto"

(HOUAISS:VILLAR, 2011, p. 496).

Além da interpretação, a compreensão será considerada por Palmer (2006) componente indispensável para fundamentar uma Hermenêutica filosófica, voltada a considerar as obras literárias, a intenção dos autores em escrevê-las e a percepção que cada pessoa tem das representações literárias, como elementos indissociáveis de um conjunto. Sua proposta recebe méritos filosóficos com orientação e abordagem fenomenológica que, acabam por submeter à noção de interpretação e compreensão de uma concepção realista, à crítica radical.

A concepção realista de Hermenêutica considera as representações literárias separadas, tanto das intenções dos autores como das percepções do conteúdo por parte dos leitores. Ou seja, o propósito do autor e a captação do assunto dos leitores estão distantes, para a concepção de Hermenêutica realista, da obra literária.

Palmer (2006) afirma que a tarefa de um interprete realista consiste em penetrar, por meio da leitura, nos escritos vistos como um ser autônomo, acabado e impotente em carregar vestígios históricos e elementos da racionalidade humana. Isso ocasiona a separação entre sujeito e objeto e ao mesmo tempo, propicia, fundamento filosófico à interpretação literária.

O ponto de partida da perspectiva de Palmer (2006) tem por referência os projetos hermenêuticos de Heidegger e de Gadamer que foram influenciados pelo humanismo e pelo Romantismo e, que conectaram a tarefa hermenêutica ao universo da linguagem e do lógos.

Sob esse panorama, a Hermenêutica assume caráter filosófico/fenomenológico, pois, ao se deter nas análises das prestações linguísticas das pessoas que falam e

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escrevem, ou a mesma língua ou língua distinta, deve "interpretar [também] una sonata al violín (en la medida en que la música se entiende como un lenguaje), interpretar un libro [e] interpretar un sueño"2, devido ao fato, de tais atividades estarem ligadas ao elemento humano, à racionalidade e à linguagem.

Externamente à concepção de Hermenêutica realista, a fenomenologia disponibiliza o ímpeto de um avanço teórico na prática da interpretação literária.

Na crítica ao realismo, a interpretação literária fenomenológica realça a relação dos elementos, pressupostos e ideias com a perspectiva científica e, revela que a interpretação literária desabou em um modo científico de pensar a Hermenêutica, pelo qual fica ausente a objetividade operatória, a conceitualização estética e a ausência do sentido histórico. Ou seja:

O texto é analisado numa total separação relativamente a qualquer sujeito percepcionante, e a análise é considerada como sentido virtualmente sinônimo de interpretação. [...] [Essa situação]

promove realmente a própria irrelevância [da interpretação literária] (PALMER, 2006, p. 18).

A interpretação literária não pode, para Palmer (2006), ser avaliada pelos parâmetros científicos, pois, as variáveis científicas excluem a possibilidade das representações literárias serem consideradas como um universo aberto ao diálogo. As obras vistas através dos parâmetros científicos se igualam a objetos de análise, comparadas com dados científicos manipuláveis que disfarçam a natureza do mundo vivido. "Contudo, as obras literárias serão consideradas mais perfeitamente não enquanto objetos de análise, mas como textos que falam criados por seres humanos" (PALMER, 2006, p. 19).

Todas as obras literárias devem

2 Cf. FERRARIS, Historia de la Hermenéutica, trad.

Jorge Pérez de Tudela. Madrid: Akal , p. 09.

decifrar traços humanos, alcançados por meio da interpretação e da compreensão. A Hermenêutica fenomenológica, portanto, utiliza métodos aplicados às obras literárias para descrever modos de compreensão históricos e humanistas.

Sendo a interpretação elemento primordial e o caminho da compreensão do projeto fenomenológico hermenêutico, o qual se desvia de uma perspectiva científica, pois, enquanto saber autônomo não trabalha com objetos redutíveis à análises generalizadas de dados, vejamos o que Palmer (2006, p. 20) entende por essa noção:

Desde que acordamos de manhã, até que adormecemos, estamos a interpretar. Ao acordar, olhamos para o despertador e interpretamos o seu significado:

lembramos em que dia estamos e ao compreender o significado desse dia estamo-nos já a lembrar do como nos situamos no mundo e dos planos de futuro que temos, levantamo-nos e temos que interpretar as palavras e os gestos das pessoas que contactamos na nossa vida diária. A interpretação é, portanto, talvez o acto essencial do pensamento humano;

na verdade, o próprio facto de existir pode ser considerado como um processo constante de interpretação.

Consoante à exposição realizada até o momento, a interpretação não é restrita ao mundo da linguagem. Porém, é a linguagem inserida no tecido social em meio às mais variadas expressões simbólicas que possibilitam o homem, através da comunicação, moldar seu pensamento e a sua própria visão de homem, interpretando e compreendendo as várias facetas de vida.

Uma interpretação e uma compreensão de cunho fenomenológico acerca das obras literárias escapam dos parâmetros do conhecimento científico, foge da existência de um mundo de conceitos fixados, para encontrar-se com o mundo histórico e com a experiência pessoal de quem está no mundo, nosso

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próprio ser-no-mundo.

Isso indica a necessidade de uma investigação dos princípios que oferecem à Hermenêutica, considerada originalmente em sua natureza por "Hermeios", caráter filosófico e, portanto, fenomenológico.

Diante disso, vejamos, na próxima etapa deste artigo quais são as principais orientações que, enquanto campo de saber autônomo, a Hermenêutica deve seguir para se fundamentar histórica e humanisticamente.

Orientações para uma hermenêutica humanista: interpretar, compreender e traduzir

Palmer (2006) afirma que,

"hermeneuein" e "hermenéia" possuem três orientações para fins explicativos, os quais, estão ligados diretamente ao elemento humano: 1) exprimir em voz alta, ou seja, dizer; 2) explicar, como quando se explica uma situação e 3) traduzir, como na tradução de uma língua estrangeira.

Cada uma dessas orientações que, apontam respectivamente a uma recitação oral, a uma explicação racional e a tradução de uma língua para outra, sugere, para que a Hermenêutica se aposse dos traços humanos em seu escopo de investigação, o tornar interpretado e compreensível o elemento humano. Assim, "[...] A tarefa da interpretação deverá ser, tornar algo que é pouco familiar, distante e obscuro em algo real, próximo e inteligível" (PALMER, 2006, p. 25).

Os três diferentes aspectos para fins explicativos da forma verbal

"hermeneuein", dizer, explicar e traduzir, merecem explicações minuciosas para que o processo interpretativo acople em conjunto, a compatibilidade das representações literárias e as manifestações vitais.

"A primeira orientação fundamental do sentido de hermeneuein é exprimir, afirmar ou dizer" (PALMER, 2006, p. 25).

"Hermeneuein" como “dizer” pressupõe

que, o ato de falar, - o dizer, tal qual fazia Hermes proclamando mensagem das divindades aos humanos, como fazem os poetas recitando narrativas e os artistas cantando ao público canções - forneça indícios para a Hermenêutica fenomenológica investigar a interpretação e a compreensão da representação humana.

Seja a comunicação entre deuses e pessoas ou entre pessoas e pessoas, na forma lírica de proclamar poesias ou na melodia das canções, as palavras ditas, expressam, segundo Palmer (2006), por um lado o poder da linguagem falada e por outro a fraqueza da linguagem escrita.

Na leitura das obras literárias a dificuldade do leitor alcançar o sentido das representações, acontece, por ficar ausente a ênfase do discurso, que é potencializada pelos aspectos fisionômicos do autor e pelas indicações da tonalidade de voz, consistindo nisso, o que torna o processo interpretativo da escrita mais obscuro e menos poderoso do que o da fala.

São as expressões corporais que manifestam os pensamentos e os sentimentos, revelados exteriormente pela fisionomia dos gestos e pela tonalidade da palavra falada que, atribuem à arte da oratória, o fato de ser mais poderosa do que a linguagem escrita. Ou seja, é a conjuntura da performance de quem recita uma narrativa ou apresenta uma peça musical que possibilita o público alcançar o sentido das frases.

A problemática existente em torno da compreensão da linguagem escrita emerge anteriormente a interpretação. Para não arruinar totalmente a função interpretativa das obras literárias, Palmer (2006) defende que toda a leitura silenciosa de um texto deve ser interpretada silenciosamente e considerada pelo exegeta como uma forma disfarçada de quem ouve a leitura em voz alta, se aplicando, assim, os princípios da compreensão oral à compreensão escrita.

Para isso, o interprete literário deve, primeiramente, através da leitura silenciosa, perceber o texto como um ser que possui

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um conjunto de arranjos e intenções. Na medida em que o interprete avalia o conteúdo textual e os elementos conceituais das obras, que são essencialmente suas ferramentas, ele possibilita um contexto significativo, o qual, posteriormente à leitura, resulta em uma performance oral referenciada ao que leu, permitindo, assim, através do dizer, a interpretação e a compreensão de quem ouve.

Anteriormente ao discurso explicativo do sujeito falante, que deve ser construído pela racionalidade interina e em concordância com as regras gramaticais que se manifestam no mundo exterior através do efeito sonoro da fala, pressupõe-se que ele, através da interpretação oriunda da leitura da obra, compreenda o conteúdo. A interpretação pertence tanto a este por via visual – leitura das representações literárias – como àqueles que ouvem sua explicação.

Assim é também com a compreensão, dada diretamente da obra ao leitor e da explicação do leitor-discursivo aos ouvintes. Esse panorama fundamenta o círculo hermenêutico e nos leva a considerar em acordo com Palmer (2006, p.

29) o seguinte:

A interpretação oral ajuda a crítica literária a lembra-se da sua intenção secreta, quando considera (de um modo mais consciente) a definição da - existência - de uma obra, não como uma coisa estática e conceitual, não como uma - essência - atemporal que se coisificou enquanto conceito expresso por palavras, mas antes como uma existência que realiza o seu poder de existir enquanto acontecimento oral no tempo. A palavra tem que deixar de ser palavra (i.e. visual e conceptual) e tornar-se - evento -; a existência de uma obra literária é uma - palavra evento - que acontece enquanto - performance - oral. (PALMER, 2006, 29).

Essa situação nos conduz a "[...]

segunda orientação significativa de hermeneuein como é explicar. A

interpretação como explicação dá ênfase ao aspecto discursivo da compreensão, mais do que para sua dimensão expressiva"

(PALMER, 2006, p. 30).

As palavras utilizadas racionalizadas responsáveis por clarificar as sentenças do mundo, portanto, estão vinculadas a

"Hermeneuein" como explicar e, repousa na presunção de ser uma tarefa posterior à função de dizer, a qual, é a primeira orientação à Hermenêutica fenomenológica.

A segunda orientação – como explicar – por ser uma etapa posterior ao dizer, exige mais complexidade nas operações mentais quando comparadas ao dizer, tanto de quem elabora as sentenças, como daqueles que ouvem. Com efeito, para o enunciado ser significativo, ele depende, antes de tudo, de seu valor de verdade.

Assim como as mensagens trazidas por Hermes levavam enunciados que precisavam ser explicados para justificar situações da realidade, as proposições explicativas declaradas pelo sujeito falante que, podem ter referência tanto a um escrito literário como a um objeto de investigação, para serem significativas, dependem do valor de juízo. É a valoração de juízo que atribui a "Hermeneuein" como explicar o fato dela ser mais complexa do que o dizer.

Aqueles enunciados que buscam exprimir a verdade através de juízos proposicionais requerem mais complexidade nas operações mentais do que aqueles que se aproximam da falsidade.

Isso porque, para alcançar o valor de verdade no discurso explicativo, é necessário que o falante justifique diccionalmente o conteúdo conceitual interpretado e compreendido nos escritos, através de gesticulações explicativas que induzam o público ouvinte à compreensão.

No entanto, o valor de juízo está mais próximo da compreensão do que a interpretação. Porém, não há como emitir valor de juízo sem passar pela interpretação. Ou seja: para a enunciação do juízo poder ser considerada verdadeira

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pelos ouvintes, o sujeito operante do discurso deve, por suas operações mentais, justificar sua afirmação explicando diccionalmente às proposições de sua oratória. O esquema é o seguinte:

Figura 1 - Valoração do juízo Fonte: Os autores.

A direção indicada pelas setas mostra o caminho que a explicação deve seguir.

Ligada aos processos mentais, desde seu ponto de origem – interpretação – até sua finalidade – tornar significativos os juízos pelo valor de verdade – a explicação, para ser significativa, tem que necessariamente ser interpretada e compreendida como verdadeira, tanto a quem lê a obra e se põe a explicar como àqueles que ouvem as justificações diccionais do conteúdo conceitual.

Consoante à exposição de Palmer (2006) que, considera o telos do discurso o valor de verdade da compreensão, Castro (2008) exibe que, a linguagem é impregnada por vícios comuns devido ao fato de existirem mais coisas do que palavras. Essa situação oferece equivocidades que podem tornar o discurso insignificante, portanto falso.

Aplicando a exposição de Castro (2008) que mostra a existência de palavras idêntica que se referem a coisas distintas, ao panorama de Palmer (2006) que defende o valor de verdade das proposições ditas através da explicação racional-verbal, concorda-se em considerar a existência de algumas regras de discurso que auxiliam a interpretação e a compreensão em busca do valor de verdade.

A sintaxe, elemento que organiza a frase e que possibilita o discurso proposicional explicativo alcançar o valor de verdade através da compreensão, é considerada por Marcondes (2005) como o princípio que examina a relação entre os signos. No entanto, a sintaxe é pressuposta pela semântica.

“A semântica estuda o significado dos signos linguísticos, ou seja, seu modo de relação com os objetos que designam"

(MARCONDES, 2005, p. 09). Portanto, para que possa haver a interpretação do dizer é preciso que o falante obedeça à sintaxe e a semântica de suas proposições, permitindo, assim, que o ouvinte possa julgá-las como verdadeiras ou falsas. Se a justificação dos conteúdos conceituais pertencentes ao discurso for considerada verdadeira, o discurso é significativo. Ao contrário, se a justificação dos mesmos for avaliada como falsa, o discurso se torna insignificante.

Qualificando as exposições de Palmer (2006), Castro (2008) continua expondo que a fala dos discursos significativos orientam-se pela episteme, ao passo que as falas falsas referem-se à doxa. Para estabelecer distinções entre as duas operações linguísticas, a que se refere à episteme sendo, portanto, verdadeira, e a que se refere à doxa, portanto, falsa, a autora apresenta alguns critérios para nortear a busca pela verdade em um discurso proclamado.

Os critérios apresentados por Castro (2008) partem do ponto de vista de Aristóteles. Segundo a autora, Aristóteles assume no Órganon a tese convencionalista da linguagem, ao dizer que as palavras são símbolos do estado da alma ou das próprias coisas. Nessa perspectiva, o espírito humano diante de um objeto, ao reconhecê- lo, impõe um sentido, o qual, mediante palavras passa a ser simbolizado. Pelo fato de as palavras serem símbolos e não expressarem diretamente uma realidade a preocupação fundamental do orador é com o ouvinte debatedor que o interpreta e busca compreender a explicação.

"Nesse campo a referência a um objeto externo é absolutamente secundária.

Uma vez que se tenha imposto um sentido comum sobre o qual se quer discutir, não há necessidade de se comprovar sua existência no mundo" (CASTRO, 2008, p. 170).

Isso se dá pelo fato de o juízo de

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valor que, pode ser julgado como verdadeiro ou falso, ser derivado diretamente das palavras do discurso, e não do objeto designado na realidade. O que está em jogo é o valor de verdade ou falsidade do discurso, não do estatuto ontológico dos objetos. Assim, "O que importa no diálogo não são as coisas, mas a concordância do ouvinte debatedor com o que está sendo dito" (CASTRO, 2008, p.

172).

Nesse ponto, percebe-se que para o sujeito explicar a compreensão de uma obra literária, após interpretá-la conforme a apresentação de Palmer (2006), o conteúdo conceitual das representações literárias no âmbito da linguagem discursiva, enquanto objetos de uma realidade objetiva, não precisam estar enquanto seres que afeccionam empiricamente quem ouve, interpreta e busca compreender o discurso.

Outro critério apresentado por Castro (2008) na busca da verdade no discurso, também é de Aristóteles - Analíticos Posteriores - e, consiste, na fala discursiva não ser apenas a fala de algo mas a fala sobre algo. Contrariamente à exposição anterior, segundo a qual o valor de julgamento se refere ao proferimento, nessa perspectiva o valor do juízo refere-se ao que está fora da linguagem, i.e, ao objeto.

Aristóteles (1995) considera como pressuposto da demonstração do objeto a seguinte situação:

O ponto de partida [nesse caso] consiste em exigir que o adversário [quem explica] diga que algo é ou que não é (ele, de fato, poderia logo objetar que isso já é admitir o que se quer provar), mas que diga algo e que tenha um significado para ele e para os outros; e isso é necessário se ele pretende dizer algo. Se não fizesse isso, ele não poderia de algum modo discordar, nem consigo mesmo nem com os outros; mas se [ele]

concede isso, então será possível uma

demonstração [empírica].

(ARISTÓTELES, 1995, p. 147)3

Percebe-se que os dois critérios na busca pela verdade no discurso – que se refere à verdade da proposição e à verdade do objeto – possuem em sua pauta de julgamento o conceito "significado".

Palmer (2006) salienta a importância do contexto no processo explicativo à compreensão. Para ele, é o contexto adequado que torna significativo o acontecer da compreensão explicativa.

Assim, para a explicação se tornar significativamente compreendida é preciso que ela esteja em relação com o objeto de investigação ou com a obra literária e que o discurso seja proferido em contexto adequado, de modo a atender as intenções dos ouvintes. Ou seja, Palmer (2006) atribui ao contexto da oratória o fato de ela ser significativa ou não.

Qualificando as exposições de Palmer (2006) sobre o significado, Aristóteles (1995) não salienta a importância do contexto de um discurso, mas, a relevância dos significados dos termos conceituais utilizados na exposição.

Ao fato do sujeito falante explicar de modo significativo as terminologias fundamentais de seu discurso, Palmer (2006) sugere que, o sujeito discursivo ofereça aos ouvintes elementos para uma pré-compreensão da oratória, explicando qual horizonte pode ser atingindo com sua fala e como as intenções de suas vidas se relacionam com as representações literárias.

A pré-compreensão dos ouvintes, por sua vez, parte da fala não tão óbvia do sujeito operante. Na medida em que o discurso decorre as explicações

3 Sabidamente, nessa passagem, Aristóteles inicia a refutação de quem, porventura, negue o princípio de não contradição. Não obstante, é digno de nota, que esse princípio só é princípio da razão porque é princípio da coisa. Dito de outra maneira, por ser um dos elementos estruturais fundamentais da realidade extramental, o princípio de não contradição é, também, princípio do intelecto. Nesse sentido, a demonstração desse princípio é, igualmente, demonstração dos objetos.

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potencializam os elementos conceituais e oferecem aos ouvintes a possibilidade da compreensão clara e objetiva.

Entretanto, “Hermeneuein” como traduzir – terceira orientação para uma Hermenêutica de caráter humanista – "É uma forma especial do processo básico interpretativo [para] tornar compreensível"

(PALMER, 2006, p. 37).

Assim como nas outras orientações, nesse panorama, Palmer (2006) expõe problemáticas. Para ele o processo interpretativo na tradução deve alcançar a compreensão do elemento humano. E, por tal motivo, a tradução de uma língua para outra ou de línguas vernáculas idênticas, não pode recair em simples exercícios amparados por ferramentas tecnológicas que buscam sinônimos.

Para alcançar o elemento humano na compreensão a tradução deve considerar que a língua utilizada pelos autores contenha em si pressupostos culturais.

Além de influenciar a visão de mundo, a realidade e as percepções, Palmer (2006) afirma que a língua escrita seja percebida pelo exegeta como olhos capacitados em enxergar os conteúdos históricos e os padrões culturais do período passado em que a obra foi escrita, no tempo presente.

Diante disso, todas as obras que foram elaboradas no passado e que chegaram até o presente vieram, segundo Palmer (2006), carregadas de aspectos do tempo, do espaço e da língua cultural daquele período histórico. Assim, o tradutor deve, para oferecer caráter humanista à tradução, procurar compreender o elemento humano, "enxergar" através da leitura e da tradução os elementos culturais que constituíam aquele tempo e aquele espaço e, que moldavam a língua e conformavam a visão de uma realidade distante da atual.

A tradução humanista que atribui caráter fenomenológico à Hermenêutica deve encontrar-se e fundir-se com o horizonte da obra do passado que chegou ao presente. Porém, para que haja essa fusão, temos que buscar, na tarefa de traduzir,

compreender o elemento humano, o qual, em momentos remotos, estava inserido em um contexto, no qual objetos, utensílios e aparatos eram diferentes dos existentes nos dias atuais.

A problemática exibida por Palmer (2006) que se refere a “Hermeneuien”

como traduzir, dá-se pelo fato do processo tecnológico, que desenvolve, artificializa e urbaniza, modificar as relações atuais, quando comparadas às que existiam no tempo histórico passado. Isso, segundo o autor, torna obscura a compreensão do elemento humano, visto que gerações futuras correm o risco de não conhecer objetos como carroças, charruas, chicotes ou odres de vinho que poderiam fazer parte do contexto histórico em que determinados autores escreveram suas obras e que, pelo fruto do desenvolvimento tecnológico, poderão deixar de existir.

Embora essas dificuldades façam parte da tradução humanista, Palmer (2006) defende que para tais empecilhos serem retirados pela busca literária da compreensão humana na tradução, é preciso que o tradutor desmitologize as obras passadas.

A desmitologização consiste na tarefa do tradutor mostrar que as mensagens trazidas nas obras literárias escritas no passado não dependem do contexto histórico em que ela foi escrita. Palmer (2006) salienta que esse exercício deve ser guiado pelas seguintes perguntas: Como devemos compreender a obra passada? O que é que estamos a tentar compreender?

Até onde temos que penetrar no mundo histórico do pensamento e da experiência para poder interpretar, compreender humanisticamente e traduzir o texto? Será de algum modo possível encontrar equivalentes atuais para compreender a obra escrita no passado?

Essas perguntas que orientam a Hermenêutica fenomenológica na busca do elemento humano, aliadas aos conhecimentos oferecidos pela História enquanto disciplina, na perspectiva de

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Palmer (2006) traz à tona o perene significado humano.

Assim, “O significado humano - tem que ser interpretado em termos de auditores modernos (a fase explicativa da interpretação), e para proceder deste modo temos que ser mais preciosos na determinação de como é que uma coisa é significativa" (PALMER, 2006, p. 38).

Consoante ao exposto, a significação do humano não é alcançada com abordagem quantitativa, concentrada em análises de números, gráficos e imagens.

Essa situação afasta, segundo Palmer (2006), o conteúdo das obras e os sujeitos percepcionantes e, torna as obras literárias escritas nos momentos históricos passados, sem vida no presente. Ao contrário, é a relação próxima entre a obra e os leitores que torna, na tradução, significativamente humana a compreensão. Para manter próxima a obra e os leitores, faz-se necessário que o tradutor "[...] transforme o que é estranho, incomum e obscuro, em algo que tenha significado, que fale a mesma língua." (PALMER, 2006, p. 39). O tradutor, em tempo presente, ao traduzir as sentenças literárias deve compreender o elemento humano, alcançando o sentido da realidade e o modo de estar no mundo do autor que escreveu a obra no passado.

Considerações Finais

O processo que empreendemos até aqui, objetivava, em um primeiro instante, destacar alguns aspectos referentes ao termo “hermenêutica”, a saber: as origens históricas, as polêmicas, os desacordos e as várias tentativas dos autores em referenciar ao termo um exercício tanto filosófico como pragmático.

Analisando esses aspectos, conseguimos ter as ferramentas básicas para avançarmos e entendermos algumas orientações para cunhar uma Hermenêutica Humanista. Tivemos a oportunidade de acompanhar o modo pelo qual a Hermenêutica, enquanto disciplina, atribuiu

a seu escopo investigativo a busca pela interpretação e pela compreensão do elemento humano, relevando, ainda que muito superficialmente, os três diferentes modos operantes da forma verbal hermeneuein: dizer, explicar e traduzir, os quais, fornecem indícios para fundamentar uma Hermenêutica de caráter fenomenológico.

Mesmo sabedores das limitações de nosso empenho, temos que considerar que nossa intenção foi aproximar os escritos de Aristóteles (1995) e Castro (2008) às predições proporcionadas por Palmer (2006). Assim, a postura adotada por nós, no desempenho dessa tarefa, resulta, em última instância em hipóteses qualitativas pois, Aristóteles (384 a.C - 322 a.C) não conhecera a vertente da Hermenêutica- Filosófica proposta por Richard Palmer, hermeneuta ainda vivo nos dias atuais. Com efeito, foi a partir dos séculos XIX e XX que a Hermenêutica desenvolveu-se paulatinamente com as contribuições de Schleiermacher, Dilthey, Heidegger e Gadamer, deixando de ser uma metodologia sem caráter filosófico, voltada tanto ao acesso, como ao modo adequado de interpretação literária.

A partir do que foi desenvolvido é possível entender melhor quais as ferramentas metodológicas a serem usadas em práticas hermenêuticas futuras, para promover a significação do elemento humano, nos exercícios de interpretação, compreensão e tradução de textos literários escritos em épocas passadas, fazendo assim, com que os constituintes da circunstancialidade extramental possam se tornar nítidos na medida em que o exegeta contemporâneo desmitologize a obra, utilizando-se dos conhecimentos filosóficos e históricos.

Referências

ARISTÓTELES. Metafísica. Ensaio introdutório, texto grego com tradução e

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comentário de Giovanni Reale, Tradução de Marcelo Perine São Paulo: Loyola, 1995.

CASTRO, S. Três formulações do objeto da Metafísica de Aristóteles. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008

HOUAISS & VILLAR. Dicionário Houaiss Conciso. Instituto Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar. Rio de Janeiro: Moderna, 2011.

FERRARIS, M. Historia de la

Hermenéutica. Madrid/Espanha: Akal- S.A, 1988.

JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D.

Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

KERÉNYI, K. Os Deuses Gregos. São Paulo: Cultrix, 1998.

MARCONDES, D. A Pragmática na Filosofia Contemporânea. Rio de Janeiro:

Zahar, 2005.

PALMER, R. Hermenêutica.

Lisboa/Portugal: Edições 70, 2006.

Referências

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