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Para entender sonhos, 4 A contribuição da psicologia analítica

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Academic year: 2022

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Para entender sonhos, 4

A contribuição da psicologia analítica

Este texto é uma síntese pessoal de leituras sobre a psicologia de Jung, que pode auxiliar o entendimento dos processos psicológicos do sonho. Contém noções teóricas, que auxiliam na leitura analítica dos sonhos, e diretrizes técnicas para trabalhar com eles.

Uma visão geral do desenvolvimento do psiquismo profundo (Figura 1)

Pensemos o momento — ou nível — coletivo (I) e o singular (II).

I. O nível do coletivo, no seu início, é o desenvolvimento decorrente da imersão do indivíduo na cultura e, por extensão, no inconsciente coletivo.

A ideia junguiana de arquétipo se situa aí, porque arquétipo é uma disposição funcional para o estabelecimento de um tipo especial de envolvimento — não é uma “figura” nem uma imagem; e.g., o arquétipo mãe envolve uma disposição funcional para um apego específico a um ser humano, e para, com o tempo, condensar significados em torno desse ser humano, que se tornará o “depositário concreto” do arquétipo.

O nível do coletivo envolve também um nível mais “externo” à pessoa, de esforço de sobrevivência no mundo, e de adaptação básica às normas coletivas.

O desenvolvimento da pessoa-sujeito no nível coletivo, como um todo, torna-a uma herdeira e um partícipe da cultura humana — um ser humano destinado a se relacionar com outros seres humanos.

II. O nível do singular refere-se à constituição da pessoa-sujeito como ela mesma, pessoa centrada em si, em contato com suas necessidades mais profundas, além de ser capaz de conviver com o mundo exterior e com os outros.

O primeiro processo do nível do singular é a pessoa-sujeito ter seu ego (funções de relação consigo e com os outros) fortalecido, para não sucumbir ao segundo processo, de volta ao inconsciente.

A volta ao inconsciente pode se dar como uma regressão. A regressão, para a psicologia analítica, não é somente uma adoção de condutas próprias de uma idade anterior. Representa um retorno, sem controle pessoal, aos arquétipos. Se há uma regressão à persona, a pessoa- sujeito se torna um conjunto raso de papéis sociais desempenhados. Se há uma regressão a outros arquétipos, a pessoa também se torna escrava de “algo” que a toma, ficando unilateral.

E.g., um radical, tomado pelo arquétipo do “Guerreiro”, ou um guru, vivendo o “Mago”; ou uma

“altruísta universal”, tomada pela “Grande Mãe”.

I. Nível do coletivo

1.Nascimento (Arquétipos, Inconsciente coletivo)

2.Sobrevivência

3.Adaptação ao mínimo das normas coletivas

II. Nível do singular 1.Fortalecimento egoico 2.Volta ao inconsciente:

Como regressão à persona ou a outros arquétipos Como retrogressão: para se relacionar com sua

psicologia profunda, sem se perder nela.

3. Individuação: estabelecimento de uma relação, intermitente, entre o consciente e o inconsciente, centrada em si, com consciência de si e da realidade

(2)

Quando a força do ego está em ação na volta ao inconsciente, denomina-se retrogressão.

A retrogressão é um movimento na direção dos conteúdos inconscientes, mas sem se perder neles, e fica a serviço da individuação. A individuação é o processo através do qual a pessoa- sujeito passará a ter a possibilidade de relação com o inconsciente, aproveitando dos conteúdos do imaginário, mas mantendo a noção e contato com a realidade. A relação consciente- inconsciente passa a lhe dar base mais firme para as próprias ações e noção mais ampla dos acontecimentos.

Visão geral do desenvolvimento da relação consciente— inconsciente

Jung foi um estudioso dos símbolos que fazem parte do inconsciente coletivo da humanidade. Não é de surpreender, portanto, que os mitos tenham um papel preponderante em sua forma de pensar o desenvolvimento.

Três caminhos para a relação saudável consciente-inconsciente (Figura 2)

Em palavras quase simplistas, as manifestações da aquisição estabilizadora e profunda no íntimo da pessoa-sujeito são:

(1) A união do ego com sua sombra remete a lidar bem com seu lado aceito (ego) e seu lado rejeitado ou oculto (sombra), que faz surgir o homem completo, bom e mau, e que, ao ter consciência de seus dois lados, se torna tridimensional.

(2) A boda de animus e anima remete a ser capaz de viver seu lado criativo-assertivo (animus) e seu lado receptivo-amoroso (anima), o que faz surgir o hermafrodita psíquico.

(3) A volta à mãe significa ultrapassar a indiferenciação por meio da retrogressão, metaforizada pela imago mãe1, imago por excelência da fusão do Eu com o outro; isso torna possível o aparecimento do herói sagrado e maldito (abençoado, mas livre).

Processos psíquicos envolvidos

Individuada, a pessoa-sujeito é ela mesma e lida, intermitentemente bem, com aquilo que é maior do que ela mesma, e não controla sempre, a saber: a moral própria e a coletiva; o exercício do poder e a abertura receptiva ao outro; e ela como pessoa-sujeito e o Outro (outros, grupos, ideias coletivas), que lhe são por essência desconhecidos.

Isso significa a manutenção da singularidade e do relacionamento com o outro, versus a atração íntima de se dissolver no coletivo ou se entregar acriticamente a ele.

1 A imago não tem a ver com a mãe concreta da pessoa-sujeito, é uma metáfora carnal da imersão inconsciente e fusão primordial em um “útero”, seja este uma pessoa, seja um “útero social” (E.g., família, instituição ou grupo), ou, finalmente, seja uma identificação subjetiva com um arquétipo de doação total que plenifica.

União do ego com a sombra (Homem tridimensional)

Bodas de animus e anima (Hermafrodita psíquico)

Volta à mãe (Herói sagrado e maldito)

PROCESSO PSÍQUICO ENVOLVIDO: RISCO — SACRIFÍCIO — RESSURREIÇÃO (nos mitos e no desenvolvimento psicológico)

Símbolos míticos

(3)

Após o trabalho de individuação, a pessoa-sujeito vive a partir de Si-Mesmo, do Self.

Você leu acima que o processo envolve, como os mitos narram, um risco, um sacrifício e uma ressurreição. (Analisar a figura 3 a seguir)

Figura 3. Processos envolvidos nestas principais expressões

Veja que o processo, nas três dimensões, parte do inconsciente como indiferenciado.

Nos opostos do ego e da sombra, pela minha releitura dos textos, o indiferenciado seria um inconsciente moral, ou seja, uma espécie de anomia primitiva. A cisão, na medida em que se assimila a cultura, acarreta na pessoa-sujeito um ego, que fica na luz, e uma sombra, que guarda o oculto e o mal.

O sacrifício supõe a perda da inocência infantil e da ilusão do homem ideal.

O primeiro risco é o de sucumbir à indiferenciação, navegando sem bússola; o segundo, o de permanecer simplesmente como uma marionete de valores externos a si.

Ao fim do processo, ressurge a pessoa-sujeito tridimensional, a qual sabe de si, de suas falhas, e sabe que se cria pelas suas escolhas, que levam em conta contenções sociais (não há autonomia total).

Nos opostos do animus e da anima, pela minha releitura dos textos, o indiferenciado seria o inconsciente psicossexual, uma espécie de indiferenciação primitiva, em que não existe reconhecimento das diferenças dadas por nascer homem ou nascer mulher.

A cisão, na medida em que se assimila a cultura, acarreta a presença de um animus e uma anima [O animus seria a parte predominante no masculino, enquanto permaneceria uma anima oculta e indiferenciada. A anima seria a parte predominante no feminino, enquanto permaneceria um animus oculto e indiferenciado]. Animus e anima são símbolos de uma visão rígida bipartida do comportamento dos gêneros, em que uma parte é a aceita, e a outra parte fica oculta e é vista como amedrontadora.

O sacrifício supõe a perda da ingenuidade infantil e da ilusão das categorias rígidas para as identificações psicossexuais.

O risco é o de sucumbir à indiferenciação, não sabendo quem é e onde se situa, ou de ficar vivendo a cisão, sem aceitação das diferenças.

Ao fim do processo, ressurge a pessoa-sujeito como “hermafrodita psíquico”, que sabe de si, de seus desejos e limites, sabe exercer papéis variados e se cria historicamente, no seu viver e escolher.

Cisão indivíduo

coletivo

Filho/a-Indivíduo Mãe-Coletivo

Homem tridimensional Hermafrodita Psíquico Sujeito único em contato com inconsciente INCONSCIENTE COMO

INDIFERENCIADO PSICOSSEXUAL

Animus Cisão erótica Anima INCONSCIENTE COMO

INDIFERENCIADO MORAL

Ego Cisão moral Sombra

O PRIMEIRO SACRIFÍCIO É O SACRIFÍCIO DA VIVÊNCIA INFANTIL

DESDOBRAMENTO: O SEGUNDO SACRIFÍCIO SUPÕE O SACRIFÍCIO DA AUTONOMIA EXCLUSIVA DO SUJEITO A RESSURREIÇÃO FALA DO HOMEM QUE EMERGE DEPOIS DOS SACRIFÍCIOS.

INCONSCIENTE COMO INDIFERENCIADO PESSOAL

(4)

Nos opostos do filho/indivíduo — mãe/coletivo, pela minha releitura dos textos, o indiferenciado seria o inconsciente como indiferenciação pessoal, como se a pessoa fosse uma espécie de caldeirão onde tudo se cozinha, sem seleção.

A cisão, na medida em que o indivíduo assimila a cultura, leva a uma noção sentida de que se é um indivíduo. Entretanto, permanece grande sofrimento por não ter um apoio ou continente incondicional.

O sacrifício supõe a perda da dependência infantil, da ilusão de ser compreendido, aceito (ou seja, “não sou com”, sou singular).

O primeiro risco é o de sucumbir à indiferenciação, se relacionando com fantasias, buscando, por exemplo, o par ideal, a mãe ideal, o pai ideal, o guia ideal, sem ver pessoas reais.

O segundo risco é o de levar ao extremo a cisão, permanecendo isolado, autorreferenciado, sem contato com outros seres humanos.

Ao fim do processo, ressurge a pessoa-sujeito singular, que sabe de si, de seus anseios irrealizáveis, de sua solidão, e que permanece em contato com as fontes humanas externas e em contato consigo e com os arquétipos que se insinuam dentro de seu ser. Entretanto, sabe que é um ser social e que é singular. Finalmente, sabe que seu inconsciente é “autônomo” (pode estar a seu serviço, ou lhe pregar peças). Esse herói maldito é abençoado e livre.

Linhas gerais da análise de sonhos

Ampliar, não reduzir. Para a análise dos sonhos, Jung aproveitou de Freud o trabalho com imagens mentais mas recusou "reduzir [o que foi “distorcido”] à figura original” [i.e, a motivação ou o fato infantil, ambos supostamente ocultos pela censura]. Você verá, adiante, que ele tenta não reduzir, mas, ao contrário, amplificar a compreensão de um sonho.

Inferir dos sonhos a direção do trabalho do inconsciente. Isso, porque pensava que a continuidade é inerente aos processos da natureza. Ao longo do tempo, os sonhos irrompem, como imagens de relance, e pode-se ver a direção do trabalho do inconsciente.

Por isso, em minha opinião, uma abordagem analítica de sonhos supõe que o terapeuta esteja minimamente familiarizado com a concepção analítica do desenvolvimento, sob o risco de ficar somente olhando significados míticos de símbolos. O essencial é, a meu ver, inferir dos sonhos a direção do trabalho do inconsciente, por baixo dos símbolos. E, dada a continuidade do processo inconsciente, analisam-se séries não lineares de sonhos.

Essência da decifração junguiana. Usa-se o método filológico2. Logo, fazem-se comparações com outros materiais que possam elucidar o texto (ou seja, trabalha-se amplificando o significado).

Atitudes necessárias. Aceitar o processo natural pelo que ele é (evitar teorias prévias), com empatia psicológica, capacidade de combinação, intuição, conhecimento dos homens e do mundo, técnica e sabedoria. Você pode observar que existe uma intenção explícita de “evitar teorias prévias”, mas na medida em que se tornam pressupostos (e.g., qual desejo está sendo satisfeito por este sonho?).

2 Filologia refere-se ao estudo rigoroso dos documentos escritos antigos e de sua transmissão, para estabelecer, interpretar e editar esses textos. (Houaiss)

(5)

Direções técnicas. (

Perguntas a serem feitas a si mesmo, ou à pessoa-sujeito).

1. Qual o sonho? — Relato do sonho, na sua sequência de narrativa.

Esclarecer conteúdo específico e atentar ao tema central.

2. Qual a situação retratada no sonho? — Entender a situação interpessoal e a interna.

3. Qual o contexto subjetivo? — Identificar acontecimentos precedentes, incentivar conteúdo associativo e analisar a rede de relações no sonho, e a rede de relações do sonhador (vida de vigília) com o sonho.

4. Quais os motivos arcaicos e seus paralelos mitológicos? Quais arquétipos?

Procure amplificar as possibilidades de sentido, por imagens análogas ou paralelas.

Simplesmente, você pode se perguntar: — Com que essa situação se parece?

— Conheço algum conto de fadas, ou história, que se pareça com essa situação?

E você poderá, de uma forma bem ao seu ritmo, começar a ler mitologia...

5. Como compreender o sentido clarificador do sonho?

Aspecto regressivo. Verificar se ele aponta à pessoa-sujeito, lhe sugere ou elabora uma situação passada ou limitante.

Aspecto de autorregulação atual. Verificar se o sonho aponta à pessoa-sujeito, lhe sugere ou elabora um aspecto funcional do presente (e.g., compensar, equilibrar opostos, explicitar cisões, totalizar).

Aspecto progressivo. Finalmente, verificar se o sonho aponta à pessoa-sujeito, lhe sugere ou elabora uma perspectiva sobre seu futuro.

6. Como este sonho se relaciona, de modo radial3, com os sonhos anteriormente relatados?

As leituras que recomendo são as seguintes (de preferência, na ordem abaixo):

JACOBI, J. (1963). La psicología de C. G. Jung. Madrid, Espasa-Calpe. (Síntese teórica muito bem feita) JUNG, C. G. (1972). Fundamentos da Psicologia Analítica: as conferências de Tavistock. Petrópolis, Vozes.

(Transcrição de conferências que ele deu, apresentando princípios de sua teoria)

JUNG, C. G. (1977). O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. (Apresenta muitas imagens) JUNG, C. G. (1978). O eu e o inconsciente. Petrópolis, Vozes (Considero a melhor síntese do desenvolvimento) JUNG, C. G. (1978). Psicologia do Inconsciente. Petrópolis, Editora Vozes.

JUNG, C. G. (1956). I Ching - O Livro das Mutações. São Paulo, Editora Pensamento. (Prefácio) (Você lê como aplicar em outros contextos as ideias dele.)

JUNG, C. G. e R. Wilhelm (1971). O Segredo da Flor de Ouro. Um Livro de Vida Chinês. Petrópolis, Vozes. (Você lê como aplicar na sua própria individuação as ideias dele.)

Recomendo também leituras de bons livros de leitura e consulta sobre Mitologia, ter um bom Dicionário de Símbolos, ler a Bíblia Sagrada e outros livros de desenvolvimento espiritual, ler livros de contos de fadas, de fábulas, as outras obras de Jung — e tudo o mais que você for compreendendo que se aplica a esse tipo de trabalho!

3 Radial, adj, “que se estende ou se move de um ponto central para fora; que é disposto em raios” (Houaiss 1.0).

Referências

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