• Nenhum resultado encontrado

Quem tem medo do menor infrator?

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "Quem tem medo do menor infrator?"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

Quem tem medo do “menor infrator”?

Artigo | Doutor em História, José dos Santos Costa Júnior argumenta que as tentativas de redução da maioridade penal compõem um populismo penal que não oferece alternativas a problemas de segurança pública

*Por: José dos Santos Costa Júnior

*Foto de capa: Flávio Dutra/Arquivo JU 22 abr. 2015

Aqui e ali reaparece nas mídias o tema da redução da maioridade penal. Recentemente o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) apresentou o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) n.º 32/2019, propondo reduzir a maioridade para 16 anos.

Retoma-se o assunto diante de crimes envolvendo jovens e ampla cobertura midiática. Foi assim em 2013, no caso de latrocínio em que Victor Deppman (19 anos) foi morto por um adolescente (17 anos). Outro caso foi o de Liana Friedenbach, morta aos 16 anos por um adolescente em 2003. No primeiro caso, a mãe (a advogada Marisa Deppman) lutou pela redução da maioridade. No outro, o pai (o advogado Ari Friedenbach) se tornou vereador em São Paulo pelo Partido Popular Socialista (PPS) em 2012, quando propôs a ampliação do tempo de internação do adolescente infrator de 3 para 8 anos.

O tema está na Constituição Federal de 1988 (art. 228), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – sobre as medidas socioeducativas (artigos 112 a 121) – e no Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), que estabelecem os parâmetros pedagógicos, arquitetônicos e técnicos para as unidades de execução das medidas de liberdade assistida, semiliberdade e internação. Desde 1993 surgiram no Congresso Nacional as PECs que pretendem reduzir a maioridade penal para 16, 15 e até 13 anos, conforme a PEC 20/2003, do senador Magno

(2)

Malta (sem partido). Já a PEC 33/2012, do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), opera a penalidade de um modo sutil: propõe uma mudança no artigo 228 da Constituição ao “desconsiderar” a inimputabilidade penal de menores de 18 e maiores de 16 em casos de reincidência, lesão corporal grave e roubo qualificado.

Qual o perigo? Ainda é forte a lógica “menorista” que reconhece o adolescente não como sujeito de direitos e pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, mas como um sujeito em “situação irregular”, como previsto no extinto Código de Menores de 1979. As PECs se ancoram em dois “argumentos”: “se o adolescente já vota, pode ser punido”; e que, na “sociedade da informação”, o adolescente tem mais “discernimento”.

Porém, se a Constituição garante o voto facultativo ao adolescente de 16 anos (art. 14, § 1.º, alínea “b”), tal direito não poderia ser usado para negar outros. Há uma falsa ideia de “maturação” biológica e psicológica que justificaria o “discernimento”, sem considerar as situações de exclusão em que os jovens estão inseridos, obscurecendo o debate.

A socióloga Bruna Almeida (do Núcleo de Estudos da Violência – USP) diz que “a privação de liberdade permanece uma alternativa frequentemente adotada pelo Estado para o controle da criminalidade juvenil”. O número de adolescentes internados continua crescendo: “de 4.245 adolescentes internados em 1996 para 17.703 em 2010”. Vê-se, portanto, um aumento de 417%, com base no ‘Levantamento nacional do atendimento socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei’, do ano de 2010, da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança.

O projeto de Decreto Legislativo n.º 539/2012 propôs um plebiscito sobre o tema da redução da maioridade penal em 2014. Flávio Bolsonaro menciona pesquisa do Datafolha em que 87% dos entrevistados são a favor da redução. Isso evidencia o apelo midiático e um “populismo penal” que não oferecem

(3)

alternativas aos problemas de segurança pública, mas fazem do jovem pobre um “bode expiatório”. Acusa-se que os militantes, especialistas e o próprio ECA relativizam o sofrimento das vítimas para defender “bandido”, além de as medidas socioeducativas serem “ineficientes”. Mas isso contribui para uma avaliação superficial, reduzindo o tema à “opção”, à

“vontade” e ao “discernimento” do indivíduo.

Tal retórica faz parte da história da justiça juvenil no país. Como diz o sociólogo Marcos César Alvarez (NEV/USP):

“adolescentes pobres têm sido objetivados como potencialmente perigosos e predispostos à delinquência”. No noticiário dá para perceber a diferença de tom quando se trata de um adolescente das elites brancas e quando é um pobre e negro.

Desde 1998, o Mapa da Violência tem se debruçado sobre o fenômeno do extermínio de jovens negros. Como indicam Fernanda de Barros Neta et al., na Revista Brasileira Adolescência e Conflitualidade, “a tendência geral desde 2002 é a queda do número absoluto de homicídios na população branca e de aumento nos números da população negra”. Em abril de 2019, a Carta Capital informou que o homicídio de jovens negros aumentou 429% em 20 anos, sendo que, de cada 5 casos de homicídios ocorridos em 2017, 4 envolviam jovens negros. Em junho de 2019, o Estadão trazia dados do Atlas da Violência: 75% das vítimas de homicídio eram negras.

Em 2020, o samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira no carnaval carioca denunciou esse genocídio em curso. Com o tema

“A verdade vos fará livres”, carnavalescos e foliões mobilizaram a imagem de um “Jesus da gente”, defendendo a ideia de que hoje Jesus Cristo não seria bem visto, pois seria pobre, preto e marginalizado.

No livro Encarceramento em massa (Pólen, 2019), Juliana Borges problematiza a Lei n.º 11.343/2006 (Lei de Drogas), que aumentou o aprisionamento: “Em 1990, a população prisional no

(4)

Brasil tinha pouco mais de 90 mil pessoas. Na análise histórica, chegando aos mais de 726 mil hoje, temos um aumento de 707% de pessoas encarceradas. O crescimento abrupto acontece exatamente após 2006 e a aprovação da Lei de Drogas.

De 1990 a 2005 (em 15 anos), o crescimento da população prisional era de cerca de 270 mil. De 2006 até 2016 […], o aumento foi de 300 mil pessoas”.

Já o Relatório de Progresso dos Direitos da Criança no Brasil, da Child Rights Now, em 2020, diz que cerca de 30 mil jovens são mortos por ano: 71% são negros. Assim, o passado escravista incide na atualidade e faz ecoar a pergunta de Sandra Corazza em Infância & Educação (Vozes, 2002): “O que faremos com o que fizemos da infância?” – ou o que faremos com o que deixamos de fazer com as infâncias e juventudes violentadas ontem e hoje?

Acima, cartaz nas dependências da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul (FASE), em Porto Alegre.

Na imagem de capa, interno no Centro de Convivência e Profissionalização (CECONP), na zona sul de Porto Alegre,

(5)

mostra desenho no qual representa o espaço em que cumpria pena socioeducativa (Foto: Flávio Dutra/Arquivo JU 22 abr. 2015)

José dos Santos Costa Júnior é doutor em História pela UFRGS com a tese “Mal-estar na história da infância: a invenção do menor infrator no Brasil Contemporâneo”, escrita sob a orientação do professor Benito Bisso Schmidt. É pesquisador do Núcleo de História e Linguagens Contemporâneas da Universidade Estadual da Paraíba (NUHL-UEPB/CNPq).

Referências

Documentos relacionados

Concluímos, desta forma, que é necessário ampliar a discussão sobre a formação docente na área da Saúde, considerando a relevância da prática pedagógica estar alicerçada

A execução das medidas socioeducativas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e sistematizadas pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

A pesquisa contribuiu para o entendimento do fenômeno da terceirização e ao processo de alinhamento estratégico entre TI e negócio ao identificar que: O modelo de

Este é um trabalho de conclusão de curso realizado como requisito básico para a obtenção do diploma em Teatro Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Para

Portanto, embora consideremos que a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Civil contemplem a assistência moral,

Halliburton CO Employee Benefit Master Trust; Harbor Capital Group Trust for Defined Benefit Plans; Harbor International Fund; IBM Savings Plan; Illinois State Board of

(2000) dizem que " parece que se comega a tomar consciencia, que deve haver uma mudanga de mentalidade acerca das florestas, tanto do ponto de vista ecologico, quanto

A partir deste tópico, ocupar-nos-emos, de modo breve, com a recepção imagética de certo sujeito olhante, um grupo de estudantes de Ensino Médio, para saber com