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Judges in Impredictabilityland? Quality and Predictability in Brazil. Os Juízes no País da Imprevisibilidade? Qualidade e Previsibilidade no Brasil

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São Paulo Law School of Fundação Getulio Vargas – DIREITO GV Research Paper Series – Legal Studies

Paper n. 80

Judges in Impredictabilityland?

Quality and Predictability in Brazil Os Juízes no País da Imprevisibilidade?

Qualidade e Previsibilidade no Brasil

Paulo André Nassar1 Faculdade Ideal (FACI)

Rubens Glezer2

São Paulo Law School of Fundação Getulio Vargas – DIREITO GV

August 2013

This paper can be downloaded without charge from DIREITO GV Working Papers at:

http://direitogv.fgv.br/publicacoes/working-papers and at the Social Science Research Network (SSRN) electronic library at: http://www.ssrn.com/link/Direito-GV-LEG.html.

Please do not quote without author’s permission.

1 * Professor of Law at FACI. Master in Law and Development at São Paulo Law School of Fundação Getulio Vargas (DIREITO GV). Email: psnassar@gmail.com

2 ** PhD Candidate in Legal Philosophy at University of São Paulo (USP). Master in Law and Development at São Paulo Law School of Fundação Getulio Vargas (DIREITO GV). Researcher at DIREITO GV’s Justice and Constitution Center. Email: rubens.glezer@fgv.br.

Este artigo está sendo elaborado no âmbito das pesquisas do Núcleo de Justiça e Constituição da DIREITO GV, e apesar de estar sendo escrito por somente dois dos seus integrantes, é fruto das profícuas discussões travadas nas reuniões do pesquisa do NJC, em especial na discussões do projeto de pesquisa “Fundamentação e previsibilidade no Supremo Tribunal Federal: um estudo empírico de recursos extraordinários”, financiado pela FAPESP. Este trabalho não seria possível fora desse contexto. A responsabilidade pelos equívocos é exclusivamente dos autores.

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Abstract: There is a certain dimension of uncertainty that is intrinsic to the judicial activities and that cannot be avoided due to the own nature of deliberations on how to act under legal norms. Legal decisions are not, and cannot be, absolutely predictable. There is, however, a certain dimension of uncertainty that is, and should be, avoidable, since it is negative to the health of rule of law. Other researches in Brazil have worked out that idea, amongst them is well know the formulation of structural uncertainty and pathological uncertainty created by Joaquim Falcão, Luís Fernando Schuartz and Diego Arguelhes. However, we believe that the conception of pathological uncertainty requires repair, in order that such defects could be de- tected trough exam of the judicial ruling, and not by means of sociological or psychological investigations. We put forth a conception of pathological uncertainty based on the quality of the arguments of judicial decisions and concluded that a culture of precedents is necessary in order to diminish the negative effects of pathological uncertainty in Brazil.

Keywords: Legal reasoning; predictability; argumentative quality; pathological uncer- tainty; integrity; empirical research.

Resumo: Há um grau de incerteza que é próprio da atividade jurisdicional e não é pos- sível de ser mitigado em razão da própria natureza dos juízos a respeito de normas jurídicas.

Decisões judiciais não são e nem podem ser absolutamente previsíveis. Há, contudo, um grau de incerteza que é evitável e o deve ser evitado, por ser prejudicial à saúde de um sistema ju- rídico. Outros pesquisadores no Brasil trabalharam com esta noção, e foi muito bem sucedida a formulação dos conceitos de incerteza estrutural e incerteza patológica de Joaquim Falcão, Luís Fernando Schuartz e Diego Arguelhes. Contudo, acreditamos que a concepção de incerte- za patológica apresentada dos autores precisa de reformulação, especialmente para que pudesse ser verificada a partir de elementos da decisão judicial e não apenas de elementos sociológicos e psicológicos. Propomos uma concepção de incerteza patológica calcada na qualidade da fun- damentação das decisões judiciais e concluímos que o cultivo de uma cultura de precedentes é necessária no Brasil para mitigar os efeitos nocivos da incerteza patológica.

Palvras-chave: Argumentação jurídica; previsibilidade; qualidade argumentativa; in- certeza patológica; integridade; pesquisa empírica.

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Sumário

1 Introdução

2 Síntese do argumento de Jurisdição, Incerteza e Estado de Direito 3 Crítica ao argumento: a blindagem do Judiciário

4 Reformulação: qualidade argumentativa e arbítrio 4.1 Integridade e o problema da colegialidade

4.2 Operacionalização dos critérios para a pesquisa empírica

4.3 Exemplo de modelo colegiado viciado pela incerteza patológica 5 Conclusão

Referências

3 3 5 7 10 12 13 15 15

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1 Introdução

O debate a respeito da previsibilidade das decisões judiciais possui papel de destaque nas discussões sobre da performance do Poder Judiciário, especialmente para pesquisadores filiados à corrente de “análise econômica do direito”3, que enxergam nesta virtude o principal mecanismo de controle do Poder Judiciário. O equívoco desta análise foi bem explorado pelo artigo Jurisdição, Incerteza e Estado de Direito (JIED), mas seus autores não foram tão bem sucedidos em propor os critérios adequados de avaliação e controle das decisões judiciais. Este artigo faz uma reflexão e reelabora esses critérios, a partir dos próprios fundamentos teóricos estabelecidos em JIED.

Acatamos a divisão feita em JIED segundo a qual há um grau de incerteza inerente à ati- vidade judicial e decorrente da natureza do fenômeno jurídico e, portanto, estrutural ao Poder Judiciário, de modo que não se pode realmente esperar estabilidade no conteúdo das decisões, pois a incerteza, neste âmbito, é inevitável (e saudável). Todavia, se há uma incerteza saudável, há também um grau de incerteza indesejável, capaz de limitar o controle sobre as decisões ju- diciais por lhes envolver em um manto de arbitrariedade, uma incerteza patológica.

O presente artigo tenta reformular a concepção de incerteza patológica apresen- tada em JIED para adequá-lo a instrumentos de controle efetivamente jurídicos, para erodir a

“blindagem” acidental que o argumento original criou em torno das decisões judiciais, prati- camente imunizando-as contra críticas. Apresentaremos o quanto a incerteza patológica está relacionada, nas decisões colegiadas, com a qualidade da deliberação e das razões de decidir do respectivo órgão colegiado, para, ao final, tentar operacionalizar tais noções, de modo a balizar possíveis pesquisas empíricas neste campo.

2 Síntese do argumento de Jurisdição, Incerteza e Estado de Direito

O artigo Jurisdição, Incerteza e Estado de Direito, de Joaquim Falcão, Luís Fernando Schuartz e Diego Arguelhes (FSA) deu grandes contribuições ao debate acadêmico a respeito das análises voltadas à função do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito e sua

3 [Coletar artigos desta temática: Pérsio Arida, Armando Castela Pinheiro, etc.

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relação com o desenvolvimento econômico. Para ampliar os benefícios das ideias promovidas no artigo, todavia, é preciso complementá-lo, e em certos pontos, repará-lo.

O texto produzido por Falcão, Schuartz e Arguelhes (FSA) é uma resposta à corrente da análise econômica do direito que critica a atuação do Poder Judiciário, por ser um fator de promoção de incerteza alegadamente prejudicial ao desenvolvimento de um mercado de finan- ciamento de longo prazo no país. Os autores indicam, por meio de alguns insights poderosos, porque essa crítica é simplista, senão equivocada. Enquanto a corrente da análise econômica do direito realiza suas críticas em razão do viés “anti-credor” tomadas pelas autoridades judiciais brasileiras, FSA argumentam que qualquer crítica válida a respeito da incerteza que o Poder Judiciário produz, não pode se pautar exclusivamente pelo resultado da decisão.

O argumento de JIED pode ser grosseiramente resumido no seguinte: na atividade ju- risdicional há um certo tipo de incerteza que é inerente à argumentação jurídica e saudável ao Estado Democrático de Direito; e ainda um outro tipo de incerteza que é prejudicial e deve ser combatida. Os autores realizam sua distinção entre os diferentes tipos de incerteza presentes na atividade jurisdicional, pela utilização das nomenclaturas incerteza estrutural (referente à imprevisibilidade natural e saudável) e incerteza patológica (que deve ser combatida).

FSA apontam, em primeiro lugar, que um eventual viés “anti-credor”, caso existente, não pode ser completamente imputado ao comportamento dos juízes. Indicam que há um papel central desenvolvido pelo ordenamento jurídico posto e pela atuação dos agentes privados que elaboram contratos e acessam o Poder Judiciário. Apontam, portanto, para uma distribuição da responsabilidade sobre o conteúdo das decisões judiciais:

Esse dado é importante, especialmente quando pretendemos nos aproximar, analiti- camente, de uma caracterização da responsabilidade do Poder Judiciário enquanto fonte primária de incerteza jurisdicional entendida em uma acepção crítica. De fato, a exclusão do que não é público da extensão do conceito de incerteza jurisdicional pressupõe, nos casos de decisão judicial contrária ao interesse do credor, que tal de- cisão confronta um negócio jurídico cuja licitude está acima de toda suspeita. É só quando pressupomos que o contrato é perfeito – no sentido da ausência de dúvidas juridicamente razoáveis quanto ao conteúdo semântico dos seus termos e à sua lega- lidade –, que nos tornamos realmente autorizados a isentar as partes contratantes de toda e qualquer responsabilidade pelos riscos de interpretações ou decisões judiciais contrárias aos interesses de uma delas. Se a premissa da perfeição do contrato não se verifica, são as partes do contrato elas mesmas a responder primária, ou no míni- mo concorrentemente, pelos mencionados riscos. Nessa hipótese, aparentemente não haveria mais que se falar em presença de incerteza jurisdicional (ao menos, não da incerteza do tipo judicial).4

4 JIED, p. 7

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Além disso, FSA assumem uma premissa teórica pela qual a função do direito não é moldar-se às expectativas normativas dos indivíduos, mas sim, de certa forma, generalizar e estabilizar expectativas5. Com isso, a qualidade do sistema jurídico não está em uma pretensa certeza quanto ao resultado atingido, mas à legitimidade com a qual se atinge o resultado.

Com essa pretensa legitimidade, que substituiria o anseio pela certeza, FSA se sentem dispostos a afirmar que “tal incerteza [estrutural] seja algo a ser valorado positivamente, por estar institucionalmente ligada, enquanto condição ou consequência, a elementos constitutivos de um Estado Democrático de Direito.”6

Contudo, se o mérito de JIED é indicar que a contribuição do Poder Judiciário ao desen- volvimento econômico não deve ser avaliada em razão do mérito/conteúdo das decisões profe- ridas, FSA pecam ao não fornecer critérios internos de crítica às decisões judiciais (avaliação de sua “legitimidade”), mas apenas critérios externos, o que acaba, ao final, blindando as decisões judiciais de qualquer tipo de crítica.

3 Crítica ao argumento: a blindagem do Judiciário

Os critérios que FSA apresentam para diferenciar o que é aceitável e o que deve ser combatido na pratica judicial podem ser encontrados na classificação de incerteza estrutural e incerteza patológica, apresentada da seguinte maneira:

Para dar conta dessa independência entre os conceitos de incerteza quanto ao con- teúdo, a distinção entre dois subtipos de incerteza, a saber, a incerteza normal ou estrutural, e a incerteza patológica. As decisões judiciais que não correspondem a expectativas subjetivas (sejam essas normativas ou cognitivas) juridicamente pro- tegidas são objeto de incerteza patológica, a decisão judicial parcial sendo um tipo particular de decisão patologicamente incerta. Havendo dúvida razoável em rela- ção à correção jurídica da expectativa subjetiva do agente desconfirmada pela decisão judicial, estar-se-á, ao contrário, diante de incerteza normal. Essa distinção tem de- clarado caráter valorativo: as decisões judiciais cujo conteúdo é imprevisível por fatores juridicamente patológicos (e.g., corrupção, proximidade pessoal ou moti- vações “ideológicas”) são obviamente indesejáveis e devem ser tentativamente

5 Cf. JIED, p. 16: “Uma função central do sistema jurídico é generalizar e estabilizar expectativas normativas. [...]

O – inatingível – futuro real (vale dizer, o presente, tal como será no futuro) pode ser provisoriamente ignorado, e as incertezas quanto à realização das expectativas dos indivíduos podem ser substituídas por uma relativa certeza quanto à legitimidade jurídica dessas expectativas.”

6 JIED, p. 14

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reduzidas. Já as decisões judiciais cujo conteúdo é incerto por características estru- turais do processo de interpretação e aplicação do direito não são criticáveis como fa- tores de insegurança jurídica – ainda que possam ser motivo de frustração de expecta- tivas subjetivas7. É apenas a insegurança jurídica gerada por incerteza patológica, não por incerteza normal, que pode e deve ser combatida por meio de políticas judiciais específicas.8 (negrito nosso e itálico no original)

Tal como caracterizada por FSA, a incerteza patológica, ou seja, o que há para ser cri- ticado no Judiciário em termos de segurança jurídica é apenas o ilegal e o absurdo. Levado ao extremo, o argumento obriga a sociedade a aceitar toda decisão judicial e seu eventual capricho, desde que não perambule pelos campos da ilicitude e nem da ruptura com os padrões conven- cionais de comunicação.

Nesse sentido é irônico notar que com tal modo de caracterização da incerteza pato- lógica o propósito de reintroduzir a racionalidade jurídica (e sua inerente complexidade) nos debate sobre o desenvolvimento brasileiro se revelou frustrado. Isso porque o que FSA chamam de fatores juridicamente patológicos são, na verdade, fatores de ordem sociológica, no sentido de que não são identificáveis a partir de métodos estritamente jurídicos. Se um juiz qualquer alcança uma determinada resposta jurídica porque foi corrompido, não faz sentido analisar sua decisão. Não será estudando a decisão que se evidenciará a corrupção, porque o juiz corrupto jamais dirá o real motivo do seu convencimento.

Em tal caso a racionalidade jurídica volta em cena apenas no que diz respeito à investiga- ção policial e aos processos administrativo e criminal que deverão ser instalados. Se um juiz arbi- tra uma causa em favor de seu amigo – ou seja, se deveria ter se declarado suspeito ou impedido de julgar a causa – também é algo que não pode ser examinado no âmbito das decisões judiciais.

Na verdade, a incerteza patológica tal como caracterizada por JIED faz exigências ape- nas daquilo que é o mínimo esperado por um sistema jurídico moderno bem organizado, ou seja, que ele exclua como ilegais um conjunto de alternativas decisórias que estejam além de qualquer justificação na esfera das razões públicas.

Há, contudo, uma faceta absolutamente relevante e distinta das demais naquilo que foi classificado como incerteza patológica por FSA, qual seja, a “motivação ‘ideológica’”. Certamente não se ignora em JIED que todo juiz parte de pressupostos e orientações políticas que estão na

7 Cf. JIED: “Não se afirma que a incerteza normal nunca é capaz de gerar insegurança jurídica, mas sim que a insegurança por ela produzida é trivial e não-criticável por tratar-se de aspecto inerente ao funcionamento do sistema judicial de qualquer Estado de Direito.” (p. 15)

8 JIED, pp. 13-14.

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base de seu processo decisório. Acreditamos que há algo distintivo a respeito desta faceta da in- certeza patológica e que pode ser desenvolvida para fundamentar uma teoria da crítica às decisões judiciais tomadas em um padrão de normalidade, por meio da racionalidade jurídica.

4 Reformulação: qualidade argumentativa e arbítrio

A esta altura do artigo, é possível que se deseje opor uma objeção preliminar que, se cor- reta, mostraria a inutilidade de nossa tentativa de estabelecer critérios de avaliação racional das decisões judiciais. Trata-se do desafio cético, segundo o qual – seja conforme as formulações do realismo jurídico ou de critical legal studies ou de outra vertente – presumir a racionalidade dos atores judiciais e de seus atos é na melhor das hipóteses cair na armadilha do “formalismo jurídico” e, na pior, incidir em uma ingenuidade insuperável pela qual não se aceita que juízes, como qualquer outro ser humano, são movidos por paixões, ideologias e, em última instância, pelo inconsciente, ou seja, equivocadamente ignorar que o combustível da tomada de decisão, inclusive judicial, é o campo do irracional.9

A objeção é relevante, mas para refutá-la é preciso somente tomar posição em um debate firmemente estabelecido (ao invés de re-inventar a roda). Decisões judiciais podem sempre estar sujeitas a avaliações racionais, por motivos de ordem política e epistemológica. 10 Em primeiro lugar, Rawls consagrou a noção de que o interlocutor de razões públicas (motivações expostas na seara pública) sofre um constrangimento natural para que defenda suas ideias de maneira justifi- cada, ou seja, apoiada em razões, as quais sempre estarão sujeitas a apreciação analítica.11 Em se- gundo lugar, é necessário pontuar que o exercício de dizer qual é a norma aplicável a determinado

9 Noção posta de maneira fundamental na modernidade por Hume. Cf. Tratado da Natureza Humana.

10 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica.

11 Em “The Idea of Public Reason Revisited”, Rawls indica de maneira clara o cabimento da noção de razões públicas para a deliberação judicial: “It is imperative to realize that the idea of public reason does not apply to all political discussions of fundamental questions, but only to discussions of those questions in what I refer to as the public political forum. This forum may be divided into three parts: the discourse of judges in their decisions, and especially of the judges of a supreme court; the discourse of government offi-cials, especially chief executives and legislators; and finally, the discourse of candidates for public office and their campaign managers, especially in their public oratory, party platforms, and political statements.”, p. 767.

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caso (objeto central do próprio direito12) não se concretiza pela mera aglomeração de opiniões.

Afinal, não se trata de técnica, mas de um saber13, mais especificamente de um saber prático e normativo, ou seja “cujo conhecimento só se demonstra ao agir”.14 Por ser um saber, é possível criticá-lo por meio de critérios internos à própria prática e, nesse sentido, a crítica correta consiste naquela que denuncia a compreensão indevida das regras de ação.15

Ainda que se constate que a maior parte dos juízes não compreende as regras de ação da prática do Direito, não há sentido algum em abdicar de criticá-los, mas ao contrário, deve-se denunciar o estado de equívoco no qual se encontram, tal como fez Sundfeld ao tratar do tema:

O profissional do Direito, ao construir soluções para os casos tem um dever analítico.

Não bastam boas intenções, não basta intuição, não basta invocar e elogiar princípios [...]. Do contrário, viveremos no mundo da arbitrariedade, não do Direito. [...] Um sistema jurídico não é mau nem bom pelo fato de, em seus processos, princípios se- rem usados com muita frequência. O problema não está neles, mas na comodidade que podem oferecer aos espertos e para os preguiçosos. O oportunista, cujo interesse é adiar eternamente o pagamento de suas dívidas, invoca em juízo apenas o princípio do ‘acesso à jurisdição’ e pede para não pagar: ‘negar a liminar’, diz ele, ‘é cassar meu direito à Justiça’. É um esperto, com argumento cômodo, ocultando a fragilidade de sua pretensão de mérito. O juiz que não queira o trabalho de analisar a plausibilidade do direito de fundo pode simplesmente aceitar o tal princípio e conceder a liminar, ou invocar o ‘princípio da obrigatoriedade dos contratos’ e negá-la. É um preguiçoso, usando fundamentos fáceis para esconder a superficialidade de sua decisão.”16

O conveniente exemplo utilizado por Sundfeld, que nos mantém no debate a respeito do suposto viés anti-credor do Poder Judiciário, expõe que a exigência passível de ser feita ao Judiciário é a de incremento do seu ônus argumentativo. Não há nada mais a ser exigido, pois dada a natureza do fenômeno jurídico, não é lógico esperar que a argumentação judicial seja demonstrativa, mas apenas persuasiva17; sem que haja nisso prejuízo à objetividade (pois se trata de um conceito interpretativo)18.

12 Cf. FERRAZ Jr., Tércio Sampaio. A Ciência do Direito.

13 ARISTÓTELES. Metaphysics, Book IV. In: Great Books, pp. 522-532.

14 LOPES, José Reinaldo de Lima. As palavras e a Lei. p. 39.

15 Cf. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas, especialmente §§225 a 235.

16 A despeito de não concordamos com o aspecto propositivo do autor, é digna de reconhecimento sua capacidade de postulação do problema. Cf. SUNDFELD, Carlos Ari Vieira. “Princípio é Preguiça?”. In: MACEDO Jr., Ronaldo Porto; BARBIERI, Catarina Helena Cortada (Orgs.) Direito e Interpretação: racionalidade e instituições.

São Paulo: Saraiva, 2011, p.287 e 295..

17 MACCORMICK, Neil. Retórica e o Estado de Direito. p. 361.

18 Cf. DWORKIN, Ronald. Law’s Empire.

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Na resolução de todo e qualquer caso concreto o juiz precisa realizar diversos níveis de interpretação. Em um nível mais básico, há relativo consenso teórico de que o juiz irá necessa- riamente avaliar os fatos concretos da demanda para aferir quais são os conjuntos de normas aplicáveis para decidir. Em um nível mais complexo, o consenso se restringe na afirmação de que em certos casos o juiz precisa realizar interpretações valorativas para conseguir decidir qual é a norma que rege o caso. Grosseiramente, há consenso teórico de que a simples leitura das regras conjugada com a simples leitura de precedentes, não dá ao juiz o ferramental sufi- ciente para decidir, em alguns casos.19

Mas qual é a avaliação racional que deve incidir sobre as decisões que geram incerteza patológica no sistema jurídico? No caso, não se trata de engajar-se em um exercício de razão prática a respeito de qual é a norma que governa determinado caso (ex: viés pró-credor ou anti-credor das decisões judiciais sobre taxas de juros, etc.). Sem dúvida o exercício de dizer o direito é um mecanismo essencial de controle que a comunidade interpretativa pode e deve exercer sobre o Poder Judiciário, mas tais críticas e debates ocorrem dentro dos limites da incer- teza estrutural (fugindo, portanto, ao escopo deste artigo). O controle da incerteza patológica, por sua vez, incide sobre como ou o modo pelo qual se diz o direito.

A incerteza patológica é gerada por decisões nas quais não subsistem as condições mínimas de accountability. Isso ocorre porque tais decisões são fundamentadas de tal maneira que não é possível constranger o voluntarismo decisório. Esta circunstância ocorre nas decisões ad hoc, na qual há um casuísmo tamanho que não é possível lhe impor regras gerais a partir de semelhanças ou dessemelhanças com outros casos. Neste tipo de estrutura argumentativa cada decisão é tratada como se fosse única e, portanto, absolutamente imprevisível, ou “como se, a cada caso novo, houvesse uma amnésia institucional e um retorno ao ponto zero da história constitucional.”20

Para garantir que a incerteza da decisão judicial saia do campo patológico e entre no estrutural, é preciso que suas razões de decidir (ratio decidendi) possibilitem que a decisão seja inserida em uma cultura de precedentes.

19 A divergência teórica remanescente pode ser descrita como aquela entre aqueles que defendem que este esforço valorativo ocorre apenas em casos difíceis (hard cases) e aqueles para quem este esforço valorativo está presente em todas as decisões judiciais, em maior ou menor grau. São defensores da primeira corrente ______, _____, ______. São defensores da segunda corrente _____, _____, ______.

20 HÜBNER MENDES, Conrado. “Desempenho deliberativo de cortes constitucionais e o STF”. p.349

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4.1 Integridade e o problema da colegialidade

A justiça é a virtude da vida comum e, em grande parte, sua concretização decorre cor- reta aplicação da igualdade na vida pública.21 A correta aplicação da igualdade, por sua vez, não decorre da realização de trocas, distribuições ou reconhecimentos em si – pois podem ocorrer por acaso – mas da adequada aferição das semelhanças e distinções pertinentes à concretização de uma prática. 22

No Direito, o ideal da igualdade se concretiza pela aplicação das mesmas normas aos casos semelhantes. Para que a decisão judicial não produza incerteza patológica ela precisa, ao mesmo tempo, ser elaborada (i) em diálogo com as decisões judiciais anteriores pertinentes e (ii) de modo que futuras decisões judiciais possam dialogar com ela. Em suma, a incerteza pa- tológica se instala quando as decisões judiciais não se inserem em uma cultura de precedentes.23

[A] marca de uma cultura jurídica de precedentes não está tanto na relação hierárquica entre tribunais ou na obediência às decisões anteriores, mas antes, na valorização do tratamento idêntico entre casos semelhantes. Os fatos e as considerações jurídicas em torno dos fatos – essenciais para identificar a semelhança entre casos - ganham centralidade na fundamentação judicial. Isso porque a racionalidade de precedentes tem muito menos a ver com a identidade entre o conteúdo das decisões do que entre as razões para decidir de cada julgado, a chamada ratio decidendi24.

Se não há clareza na identificação da ratio decidendi não é possível constranger a auto- ridade judicante a tomar decisões semelhantes em outros casos pois não é possível depreender

21 Cf. ARISTOTELES, Política.

22 Como já mencionado acima, o saber não é caracterizado pelo resultado da ação, mas pela demonstração de que as regras de ação daquela prática social foram apreendidas.

23 No mesmo sentido, VOJVODIC, Adriana de Moraes; MACHADO, Ana Mara França; e CARDOSO, Evorah Lusci Costa. Escrevendo um romance, primeiro capítulo: precedentes e processo decisório no STF. Rev. direito GV [online]. 2009, vol.5, n.1, p. 39: “A própria participação reiterada nesse processo de disputa entre interpretações possíveis pode acarretar uma cultura de respeito aos precedentes. À medida que diferentes atores enxergarem o STF como um fórum de disputa de interpretações, em que direitos são potencialmente criados ou reconhecidos, e utilizarem as decisões obtidas em outros fóruns, pode-se criar uma cultura de precedentes no sistema jurídico brasileiro. Quando esses outros atores identificarem um ponto positivo na ratio decidendi formada, poderão cons- tituir um elemento de controle social sobre a interpretação e aplicação desta ratio em casos futuros. Identificamos, portanto, um potencial democrático, que é o controle social sobre o processo de interpretação e aplicação do STF, na medida em que haja uma cultura de respeito aos precedentes”.

24 GLEZER, Rubens Eduardo. Súmula Vinculante e Ratio Decidendi: uma abordagem empírica a respeito de redesenho institucional e cultura jurídica. Dissertação de Mestrado defendida pelo programa de Mestrado em Direito e Desenvolvimento da DIREITO GV, 2011, p. 18

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dos fundamentos da decisão quais foram os elementos centrais para traçar semelhanças e dis- tinções com outros casos. Em outras palavras, a arbitrariedade reside na impossibilidade de identificar “[...] fatos que o juiz tenha considerado enquanto fatos da demanda, juntamente com a sua decisão baseada em tais fatos”2526.

É neste âmbito, contudo, que a análise de decisões colegiadas requer um instrumental analítico diferenciado. Para que a decisão monocrática (de apenas um juiz) se insira em uma cultura de precedentes, a noção de integridade construída por Ronald Dworkin dá as diretrizes suficientes para tanto: “Juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem casos difíceis por meio da tentativa de encontrar, em um conjunto de princípios coerentes a respeito dos direitos e deveres das pessoas, a melhor construção interpretativa da estrutura política e cultura jurídica de sua comunidade”.27 Para sair da zona de incerteza patológica basta ao juiz singular considerar que a fundamentação de sua decisão realiza uma “prestação de contas” à cultura política e jurídica como um todo.

Na decisão realizada por órgãos colegiados, contudo, o modelo acima não pode ser replicado. Ainda que todos os magistrados envolvidos em um processo deliberativo decidam individualmente guiados pelo valor da integridade, ainda assim não se obtém uma decisão judi- cial capaz de se inserir em uma cultura de precedentes, mas apenas um punhado de votos, feitos para serem lidos separadamente. Quando isso ocorre, a instituição não dá condições mínimas de accountability sobre sua decisão, pois não é possível identificar qual é a ratio decidendi daquela decisão do órgão colegiado (seja nas turmas dos Tribunais de Justiça ou no Plenário do Supremo Tribunal Federal). Concordamos integralmente com a crítica de Hübner Mendes:

No tribunal, o maior desafio é encontrar uma linha comum de argumentação, identificar e reduzir desacordos, esforçar-se pela convergência sem suprimir a divergência ou o direito do voto vencido (direito que carrega a responsabilidade de demonstrar por que discorda, pois não se vota vencido gratuitamente). Numa boa deliberação interna os juízes prestam atenção a todos os participantes, incorporam os argumentos dos outros

25 GOODHART apud DUXBURY, Neil. The Nature and Authority of Precedent. Cambridge University Press, 2008, p. 83. Tradução livre: “[…] whatever the facts the judge has determined to be the material facts of case, plus the judge’s decision as based on those facts” .

26 A opção pela adoção da virtude de “integridade” exposta por Ronald Dworkin, em detrimento de outras construções, como as noções de “consistência” e “coerência” de Neil MacCormick, em razão da maior originalidade e solidez teórica da primeira em relação à segunda. Ainda que MacCormick tenha se notabilizado em seu trabalho seminal Legal Reasoning and Legal Theory (1978) com marcas fortes do positivismo hartiano, o desenvolvimento posterior de sua obra, especialmente em Retórica e Estado de Direito (2003), o autor se apresenta de maneira muito mais próxima aos postulados de Ronald Dworkin, mas não os assumindo completamente. Vide Retórica e Estado de Direito.

27 Law’s Empire. Tradução Livre: “Judges who accept […] . p 255.

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em seus posicionamentos, seja para aderir seja para dissentir. Sua posição final não é formada em casa ou na paz do seu gabinete, mas no fórum público (ainda que o

‘público limite-se ao colegiado). Não estão obrigados a esconder o desacordo, mas comprometem-se a participar de uma autêntica deliberação, e não de mera agregação de posições individuais. A instituição de um tribunal [...] intenta criar um fórum deliberativo, não meramente agregativo.28

É precisamente o insuficiente diálogo entre as razões de decidir dos votos que gera incerteza patológica no caso de decisões judiciais tomadas por órgãos colegiados. Se não é possível rastrear a ratio decidendi do tribunal, mas apenas as razões de um ou outro magistrado, não será possível constranger o órgão nesta e nem em decisões futuras, pois não será possível identificar a comunicações entre dois casos concretos distintos (ainda que possuam a mesma causa de pedir). Em suma, a incerteza patológica decorre, nas decisões colegiadas, na fragili- dade de algo que pode ser chamado de “razões institucionais de decidir”.

Mesmo que a decisão concreta trate de uma questão predominante “de direito” - nas quais após a categorização de fato social como um fato jurídico há um alto grau de consenso a respeito de qual deve ser a decisão – ela estará sempre aberta a possibilidade para o surgimento de casos difíceis (hard cases), nos quais podem surgir inovações, exceções ou desenvolvimen- tos jurisprudenciais. Com a fragilidade das razões institucionais de decidir, diminuirá sensivel- mente a possibilidade de controle sobre a nova decisão do tribunal.

Para que tais critérios possam efetivamente constranger juízes e tribunais é necessário que a comunidade interpretativa, especialmente a jurídica, realize demandas de atenção às exi- gências de qualidades deliberativas mínimas. Referida demanda, contudo, só pode ser realizada com propriedade se embasada em dados empíricos a respeito de como os órgãos jurisdicionais tem atuado neste âmbito: uma tarefa, por excelência, de incumbência da academia jurídica.

4.2 Operacionalização dos critérios para a pesquisa empírica

Para operacionalizar a avaliação de razões institucionais de decidir sugerimos que investigadores envolvidos com pesquisas empíricas sobre decisões judiciais de órgãos cole- giados – incluindo, mas não se limitando ao Supremo Tribunal Federal - levantem dados a

28 Hubner Mendes. pp. 352-353.

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respeito do seguinte grau de comunicação nas decisões, em dois níveis: comunicação interna e comunicação externa.

Em um primeiro nível é necessário que se avalie a comunicação interna entre a ratio decidendi de cada um dos magistrados: (i) se eles concordam sobre o mérito (procedência ou improcedência), (i.a) eles partilham os mesmos fundamentos ou (i.b) explicitam as razões pelas quais não partilham do fundamento alheio (refutam tais razões)? (ii) se há divergência sobre o mérito da decisão, (ii.a) os votos majoritários realizam considerações a respeitos das razões divergentes, incorporando, ponderando ou refutando-as, considerando-os razoáveis (ao invés de absurdos ou inexistentes)? (ii.b) os votos minoritários realizam considerações a respeitos das razões da maioria, incorporando, ponderando ou refutando-as, considerando-os razoáveis (ao invés de absurdos ou inexistentes)?

No segundo nível, de comunicação externa, se deve avaliar o quanto os fundamentos a presente decisão dialogam com precedentes (i) do próprio tribunal ou de outras instâncias (su- periores ou inferiores), (ii) explicando as relações de semelhança que permitem traçar uma re- lação com o caso em apreço ou (iii) reconhecendo a existência de julgados contrários às razões institucionais de decidir, (iii.a) indicando as distinções que autorizam não aplicar tais decisões ou (iii.b) as razões e condições que permitem sua superação.

A avaliação da concretização dos diferentes âmbitos de comunicação interna e externa das razões institucionais de decidir permite aferir o quanto a decisão do tribunal está inserida em uma cultura de precedentes e, portanto, sujeita a padrões mínimos de controle pela comuni- dade interpretativa, se afastando da incerteza patológica.29

4.3 Exemplo de modelo colegiado viciado pela incerteza patológica

Visando testar o argumento desenvolvido acima, passamos a um exemplo da incerteza patológica, que mina a previsibilidade além do que é estrutural em um ordenamento jurídico,

29 Poder-se-ia objetar que esta análise deixa de lado uma análise de “comunicação doutrinária” a ser observada pelo modo segundo o qual a decisão faz uso (ou não utiliza) das proposições correntes/usuais no discurso doutrinário sobre determinada matéria. Contudo, este critério de coerência é um mecanismo de controle próprio do âmbito da incerteza estrutural e foge à proposta deste artigo. Agradecemos a Rafael Maffei (Professor da DIREITO GV) por este apontamento.

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em razão de falhas no sistema decisão colegiado.

Um exemplo desse tipo de incerteza pode ser encontrado na ementa do acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.510, do Supremo Tribunal Federal. A despeito de constar na ementa que não cabe ao STF avaliar qual o método de pesquisa científica mais eficiente na cria- ção de células-tronco, essa não foi uma questão decidida pelo Tribunal. Trata-se de obter dictum do ministro relator, inserido na ementa da ADI. Tal inclusão confere ao assunto uma potencial autoridade, da qual referido ponto não merece usufruir, pois não decidido pelo plenário do STF.

A fundamentação da decisão colegiada ensejará incerteza patológica também quando, num outro exemplo, não houver uma coesão mínima entre as razões de decidir de cada um dos membros da colegialidade, de tal modo que seja impossível identificar o posicionamento do órgão judicial.

Vamos supor que a cada votação hipotética em uma dada matéria, um certo órgão co- legiado chegue a um resultado de mérito por votação unânime. Suponhamos, ainda, que cada um dos membros dessa colegialidade apresentou razões para decidir absolutamente distintas.30

Visando concretizar o exemplo, digamos que o Supremo Tribunal Federal julgou o aborto do feto anencéfalo como plenamente constitucional. Porém, alguns ministros teriam fundamenta- do seu voto na livre disposição do corpo, outros na fixação de certos critérios biológicos a respeito do início da vida, enquanto outros decidiram com base no princípio da felicidade. Digamos, ainda, que nenhum posicionamento logrou atingir uma maioria numérica perante os demais.

Imaginemos agora o seguinte, um juiz de primeira instância é provocado a decidir uma ação que requer, como questão prejudicial, uma decisão a respeito da (in)constitucionalidade da criminalização do aborto (em geral). Durante o transcurso da ação, as partes alegam por vezes que a recente decisão hipotética do STF ora legitima a inconstitucionalidade (com base nos ministros X e Y), enquanto a outra alega a legitimidade da proibição (com base nos ministros C e D).

Considerando-se que o juiz tenha o interesse de respeitar a decisão do Supremo Tribunal Federal, ele enfrentará uma dúvida legítima a respeito de como prestar deferência à decisão do Tribunal.

É nesse sentido que o aspecto eventualmente patológico da incerteza das decisões ju- diciais decorre da qualidade da fundamentação dos votos proferidos, bem como da relação de tais votos entre si.

30 Ao tempo de redação deste artigo, ainda não havia sido realizado o julgamento da ADPF 54. Mantivemos o exemplo para ser debatido no Workshop da Direito GV, mas será reformulado para que se paute em um caso concreto.

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5 Conclusão

Ao longo deste artigo, reformulamos o argumento de JIED para postular que o único tipo de imprevisibilidade criada pelas decisões judiciais, a chamada incerteza patológica, é aquela decorrente de fundamentações que libertam o juiz ou o órgão colegiado de qualquer prestação de contas perante decisões judiciais tomadas no passado e a serem tomadas no futuro, naquela ou em outra instância. Em síntese, a incerteza patológica é gerada pelas decisões que são incapazes de serem interpretadas como parte de uma cultura de precedentes.

Apontamos para as diferentes condições que as decisões singulares e colegiadas preci- sam cumprir para que não gerem incerteza patológica, explicitando que a qualidade individual dos votos em um órgão colegiado não é suficiente para tanto. No âmbito colegiado é preciso que exista uma qualidade deliberativa que permita a identificação de razões institucionais de decidir. Propusemos, ao final, algumas perguntas destinadas a apurar em pesquisa empírica o grau de comunicação interna e de comunicação externa da decisão colegiada.

Mas ao final, vivemos em um contexto no qual o Poder Judiciário é infestado por uma incerteza patológica? Antes que se produzam sólidas pesquisas empíricas a este respeito, resta apenas a especulação.

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