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A imunidade tributária das instituições de educação do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988 MESTRADO EM DIREITO

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David Sampaio Barretto

A imunidade tributária das instituições de educação do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988

MESTRADO EM DIREITO

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David Sampaio Barretto

A imunidade tributária das instituições de educação do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Tributário, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Lopes Becho.

MESTRADO EM DIREITO

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A imunidade tributária das instituições de educação do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 1988

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Tributário, sob a orientação do Prof. Dr. Renato Lopes Becho.

Aprovado em: _____________

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Renato Lopes Becho (orientador)

Instituição: PUC-SP Assinatura______________________

Prof. (a) Dr.(a)____________________________________________________

Instituição: ________________________Assinatura______________________

Prof. (a) Dr.(a)____________________________________________________

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À minha família, por tudo.

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Uma guru espiritual com quem às vezes converso me disse certa vez que as almas terrenas deveriam exercitar, em seu caminho, duas tarefas há muito tempo desprestigiadas: agradecer e perdoar. Como me ensinou a querida senhora, ensaio aqui as seguintes palavras.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr. Renato Lopes Becho, por ser meu guru acadêmico. Apesar de nossa recente aproximação, aprendi muito ao seu lado e, sob sua influência, busquei atingir rigor, precisão e excelência. Professor, suas lições, muitas delas silenciosas e à distância, fizeram deste texto algo muito melhor do que o projeto inicial. Obrigado!

Gostaria também de agradecer à Ana Maria Figueiredo Barbosa, competente revisora da minuta que lhe enviei. Seus apontamentos foram maciçamente incorporados ao texto. Obrigado!

Aos meus queridos amigos e sócios, Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos, João Paulo Pessoa e Matheus de Abreu Chagas, agradeço pelas discussões, livros, artigos, apoio e dicas. A ajuda dos três, cada um a seu modo, foi fundamental para que eu me inscrevesse no mestrado, passasse pelo curso e desenvolvesse minha dissertação. Obrigado!

Também devo agradecer às minhas amigas de escritório. Sem vocês, Mariana Del Santi Vespero e Bárbara Damian Antignani, a me ajudarem durante meu retiro, este trabalho não teria sido possível. Obrigado!

Agradeço, ainda, aos funcionários da Secretaria Acadêmica da Pós-Graduação em Direito, Rui de Oliveira Domingos e Rafael de Araújo Santos, pela eficiência com que sempre atenderam aos meus pedidos e pela paciência em me explicar o que fosse preciso durante o andamento do curso. Obrigado!

Por fim, gostaria de agradecer ao meu amigo Fábio Pallaretti Calcini, pelo envio

da obra Direito tributário e educação, de sua coordenação. Os artigos nele contidos

foram essenciais para meu estudo. Obrigado!

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O presente trabalho tem por intuito, em um primeiro momento, identificar quais as razões históricas e políticas que levaram as necessidades sociais do povo brasileiro a ser tão mal tuteladas pelo Poder Público, necessitando que a sociedade interviesse, ajudando ao Estado no patrocínio de atividades de relevante interesse público, dentre elas a educação.

Passada essa fase, o trabalho volta-se ao estudo das entidades do terceiro setor consignadas no ordenamento jurídico brasileiro, detectando o conjunto de normas que asseguram seu nascimento, desenvolvimento e estímulo, com especial destaque à questão tributária.

Daí, em capítulo próprio, o texto passou a mostrar a imunidade tributária, modalidade de exoneração fiscal de status constitucional que consubstancia um verdadeiro instrumento assecuratório de direitos fundamentais. O tema, apesar de clássico no direito tributário, permanece suscitando dúvidas.

Por fim, o trabalho aprofundou-se no estudo da imunidade tributária voltada especificamente às instituições de educação sem fins lucrativos, mostrando grande parte das discussões a respeito do tema.

O trabalho traz o substrato teórico das matérias que se propôs a analisar, sem, contudo, deixar à margem a visão prática e o entendimento dos tribunais sobre a imunidade tributária destinada a estas entidades educacionais.

A conclusão do trabalho é no sentido de que a Constituição de 1988 dedica prestígio à tutela de seus valores fundamentais, estimulando, mediante exoneração fiscal, o surgimento e a proliferação de instituições que ajudem o Poder Público a manter atendidas as necessidades sociais.

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This study primarily aims to identify the historical and political reasons that led the social needs of Brazilian people to be so badly assisted by the Government, requiring society to step in and support the State in sponsoring activities of significant public interest such as education, to name one.

After this stage, this paper focus on the study of third sector entities set out in the Brazilian legal system, identifying the set of standards that made it possible their beginning, development and stimulation, highlighting the tax issue.

Then, in a separate chapter, this work went on to show the tax immunity, a type of tax exemption that enjoys a constitutional status which substantiates a true assured instrument of fundamental rights. The topic, though being classic in tax law, is still subject to questioning.

Finally, this work has gone further in the examination of tax immunity specifically targeting nonprofit educational institutions, revealing much of the discussions on the subject.

This paper presents the theoretical framework of the matters which were subject to investigation, without, however, failing to leave behind both a practical overview as well as the court understanding over the tax immunity granted to those educational entities.

The conclusion was that the 1988 Constitution prioritizes the protection of its core values, encouraging, through tax exemption, the advent and proliferation of institutions that would help the Government to meet social needs.

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1.1.DO ESTADO ABSOLUTISTA AO ESTADO SUBSIDIÁRIO ... 13

1.1.1. Surgimento da concepção de Estado, origem da tributação e sociedade: Antiguidade, Idade Média e Absolutismo ... 13

1.1.2. O Estado liberal de direito ... 16

1.1.2.1. Decorrência do projeto liberal ... 17

1.1.3. O Estado social de direito ... 18

1.1.4. O Estado subsidiário ... 19

1.1.4.1. Princípio da subsidiariedade ... 21

1.2.PANORAMA BRASILEIRO ... 23

1.2.1. Chamamento da sociedade brasileira ... 24

1.3.TERCEIRO SETOR ... 26

1.3.1. Associações ... 28

1.3.2. Fundações ... 29

02. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ... 31

2.1.FUNDAMENTOS GENÉRICOS DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA... 32

2.1.1. Analiticidade constitucional ... 34

2.1.2. Rigidez constitucional e cláusula pétrea ... 35

2.1.3. Preservação de valores relevantes para a sociedade ... 38

2.1.3.1. Imunidade tributária e direitos fundamentais ... 41

2.1.3.2. Imunidade tributária e princípios constitucionais ... 45

2.1.3.2.1. Imunidade tributária e o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular ... 48

2.1.3.2.2. Imunidade tributária e o princípio da isonomia ... 49

2.1.3.2.3. Imunidade tributária e o princípio da capacidade contributiva ... 51

2.2.PODER, COMPETÊNCIA E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ... 54

2.3.IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E NORMAS DE ESTRUTURA ... 58

2.4.ACEPÇÕES DO TERMO E CONCEITOS DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA ... 59

2.4.1. Imunidade tributária como uma limitação constitucional às competências tributárias ... 64

2.4.2. Imunidade tributária como exclusão ou supressão da competência tributária66 2.4.3. Imunidade tributária como hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada... 67

2.4.4. Imunidade tributária como exoneração exclusivamente aplicável a impostos 69 2.4.5. Imunidade tributária: instituto jurídico amplo e indivisível ... 70

2.4.6. Imunidade tributária como princípio constitucional ... 71

2.4.7. Imunidade tributária como categoria referida a circunstâncias extrajurídicas 72 2.4.8. Os conceitos de imunidade tributária de Paulo de Barros Carvalho, Misabel Abreu Machado Derzi e Regina Helena Costa ... 73

2.5.CLASSIFICAÇÃO DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS... 74

2.5.1. Imunidades tributárias genéricas e específicas ... 75

2.5.2. Imunidades tributárias subjetivas, objetivas e mistas ... 76

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2.7.IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ... 86

2.8.IMUNIDADE TRIBUTÁRIA: UM FENÔMENO TIPICAMENTE BRASILEIRO ... 87

2.8.1. Imunidade tributária: histórico deste instituto ... 88

03. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO ... 91

3.1.A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DAS INSTITUIÇÕES DE EDUCAÇÃO NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS ... 91

3.2.IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E EDUCAÇÃO ... 94

3.2.1. O direito à educação nas Constituições brasileiras ... 95

3.2.2. O uso das imunidades tributárias como meio de se promover a educação . 101 3.3.INSTITUIÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS ... 104

3.4.IMUNIDADE A TRIBUTOS OU A IMPOSTOS? ... 119

3.5.ABRANGÊNCIA DOS TERMOS PATRIMÔNIO,RENDA E SERVIÇOS ... 120

3.5.1. Impostos sobre o patrimônio ... 123

3.5.2. Impostos sobre a renda ... 126

3.5.3. Impostos sobre serviços ... 129

3.5.4. Impostos incidentes na aquisição de bens ... 130

3.5.5. Impostos incidentes na venda de bens ... 135

3.6.COMO INTERPRETAR A CLÁUSULA “RELACIONADOS COM AS FINALIDADES ESSENCIAIS DAS ENTIDADES NELA MENCIONADOS” CONTIDA NO §4O DO ARTIGO 150 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL? ... 137

3.7.IMUNIDADES CONDICIONADAS : “ATENDIDOS OS REQUISITOS DA LEI” ... 143

3.7.1. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais ... 143

3.7.2. Lei complementar ou lei ordinária? ... 145

3.7.3. Limites da regulação ... 153

3.7.4. Requisitos do Código Tributário Nacional ... 154

3.7.4.1. Não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título ... 156

3.7.4.2. Aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais ... 160

3.7.4.3. Manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão ... 164

3.7.4.4. Suspenção da imunidade tributária ... 166

3.7.4.5. Serviços diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades ... 170

3.8.ALEI FEDERAL Nº 9.532/97 ... 171

CONCLUSÃO ... 179

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INTRODUÇÃO

O Brasil encontra-se organizado em torno dos desígnios trazidos pela Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 3o, prescreve que constituem

objetivos fundamentais da nossa República federativa a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o patrocínio do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos.

Efetivar tais interesses, no entanto, possui um alto custo. Disso decorre a fundamental importância da atividade tributária na atual concepção de Estado brasileiro. Nessa toada, as atribuições da Secretaria da Receita Federal do Brasil constituem um autêntico direito/dever, já que sua atuação possibilita a obtenção dos recursos necessários ao desempenho das atividades a cargo da Administração Pública.

Se a prestação de serviços públicos e a manutenção do patrimônio coletivo implicam elevados gastos, não pode o Estado prescindir de exigir de seus administrados as prestações de caráter compulsório denominadas de tributos, a não ser em casos em que outros interesses estejam em jogo.

Por outro lado, com o amadurecimento do Estado social e democrático de direito, a participação popular em atividades não exclusivas do Poder Público cresceu em importância, de modo que se mostrou necessário o uso de artifícios para atrair os particulares a prestarem serviços de interesse comum.

Como decorrência desse processo, surge a imunidade tributária destinada às instituições de educação sem fins lucrativos, objeto de nosso amplo estudo no presente trabalho.

Nossa primeira aproximação com o tema das imunidades tributárias voltada ao setor educacional decorreu de curiosidade pessoal. No entanto, com o passar dos anos, tornou-se uma preocupação acadêmica e profissional.

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A triste notícia é que, segundo nos parece, se anos atrás a situação não era favorável à educação brasileira, os números continuam alarmantes, apesar de ter mudado alguma coisa ao longo da última década.

Por que dizemos isso? Porque, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, indicador que mede a qualidade da educação brasileira, a pontuação, de 0 a 10, atribuída, no Brasil de 2011, aos primeiros anos do ensino fundamental foi de 5,0; ao anos finais do ensino fundamental, de 4,1; e ao ensino médio, de 3,7.

Paralelamente, o investimento público direto em educação básica, em termos percentuais do Produto Interno Bruto – PIB, no Brasil de 2010, foi de apenas 1,6 % aos primeiros anos do ensino fundamental; de 1,5% aos anos finais do ensino fundamental e de 0,8% ao ensino médio.

A conclusão não poderia ser mais nefasta: de um lado, as notas da educação brasileira continuam baixas e, de outro, o investimento de capital no setor continua aquém do razoável.

Ninguém ousaria discordar, entretanto, que a educação consubstancia a principal janela de oportunidade existente na sociedade moderna. Nesse sentido, quanto maior e melhor for o sistema educacional de um dado país democrático, maior será a igualdade de oportunidade de seus cidadãos e, por conseguinte, maiores as chances de desenvolvimento pleno das potencialidade de cada um.

Além disso, a educação é, em verdade, um direito coletivo essencial à promoção da cidadania, da democracia e do modelo republicano de Estado, apresentando um visível impacto positivo nas condições gerais de vida da população, o que a torna imprescindível para a inserção social plena.

O que estamos a dizer é que o Estado brasileiro só se desenvolverá de modo a atingir os desideratos estabelecidos no artigo 3o da Constituição Federal de 1988 quando, finalmente, estabelecer como principal preocupação a efetivação do sagrado direito à educação de qualidade. Essa, no entanto, não parece ser a opção política de nossos governantes.

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tributárias voltadas ao setor da educação, tais como as imunidades do artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal.

Queríamos entender como o setor privado, tradicionalmente mais apegado aos conceitos de eficiência e resultado, poderia contribuir ativamente para a solução do problema educacional, abandonando a também tradicional postura inerte diante das mazelas brasileiras.

Muito mais do que exigir atuações do poder público, cabe à sociedade participar da atividade educacional. Até porque é isso o que comanda o artigo 205 da Constituição Federal ao aduzir que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.

Este trabalho, inicialmente uma pesquisa particular, virou projeto de dissertação. E, com a ajuda de inúmeros autores, professores, colegas de sala e de trabalho, tornou-se uma dissertação de mestrado.

Queríamos que sua leitura fosse agradável e com a menor quantidade possível de interrupções; queríamos que fosse palatável e fluída. Por isso optamos por fazer as citações na modalidade autor-data, incorporando as lições dos autores ao corpo do nosso texto.

A fim de conhecermos melhor o ponto de toque que existe entre a participação popular em atividades de interesse público, a concreção de valores e a modalidade de exoneração fiscal conhecida como imunidade tributária, analisaremos, inicialmente, a evolução histórica pela qual passou o Estado ocidental, anotando a ligação entre seus modelos, o papel da tributação e a participação social em determinadas atividades.

Em outro momento, após ampla investigação sobre as normas gerais destinadas às imunidades tributárias, discorrendo sobre os pontos que achamos essenciais à sua compreensão, faremos uma completa análise sobre a imunidade referente às instituições de educação, oportunidade em que serão apontados inúmeros julgados a respeito do tema.

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01. ESTADO, TRIBUTAÇÃO E PARTICIPAÇÃO POPULAR

No decorrer da história das sociedades, a estrutura e os papéis do Estado mudaram significativamente. Norberto Bobbio (1999, p. 178), ao abordar as funções mínimas do Estado, enumerou três delas como indispensáveis à sua existência: (i) a função de resolver conflitos; (ii) a de valer-se da força para resolvê-los; e (iii) a de impor tributos, sem os quais o Estado não pode desenvolver nenhuma das funções anteriores.

Nesse sentido, todas as demais funções que o Estado moderno se tem atribuído, como proporcionar ensino e assistência social aos cidadãos, caracterizam-se, em verdade, como funções públicas epidérmicas e, portanto, não essenciais ao conceito de Estado enquanto tal.

Essa passagem de Bobbio (1999, p. 178) é ilustrativa por diversos fatores, dentre os quais, porque indica a importância da tributação para a existência do Estado e, também, por demonstrar de maneira explícita que a educação é atividade prestada apenas por certos modelos de Estados, que a promove das mais variadas formas.

Como primeiro passo, no intuito de analisarmos as diversas mudanças pelas quais passou o Estado moderno ocidental, bem como para entender o porquê de certas transformações, traçaremos uma linha do tempo demonstrando a evolução histórica da ligação existente entre Estado, tributação e participação popular em atividades de interesse público.

1.1. Do Estado absolutista ao Estado subsidiário

1.1.1. Surgimento da concepção de Estado, origem da tributação e sociedade: Antiguidade, Idade Média e Absolutismo

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grandes impérios e hegemonias. Foi assim, por exemplo, na Babilônia, em Atenas e em Roma.

Numa perspectiva tributária, pode-se verificar a existência de contribuições desde tempos remotos. As mais primitivas formas de organização social já contavam com alguma espécie de cobrança para fazer frente aos gastos coletivos. Segundo aponta Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 15), os dízimos cobrados no século XIII a.C. sobre frutos, carnes e mel são bons exemplos disso.

Na Antiguidade, os tributos não eram destinados aos homens livres. O cidadão, porque livre e participativo na coletividade, não se sujeitava às imposições fiscais, cumprindo sua quota de serviço social ao exercer suas atividades corriqueiras. Trabalhar em prol da comunidade, longe de ser uma restrição à sua liberdade era a própria exteriorização desta.

Daqueles que tivessem a liberdade ceifada, ao contrário, exigia-se tributos (SCHOUERI, 2011, p. 17). Na Grécia, sobretudo em Atenas, contribuições eram exigidas dos povos escravizados e dos estrangeiros, na forma de um imposto de capitação.

Na Roma republicana, do mesmo jeito, aos povos vencidos eram infligidos o direito de pilhagem e o de tomada de terras. Apenas em casos emergenciais, como em guerras, exigia-se do cidadão romano um empréstimo a ser devolvido com o valor dos espólios.

Após o colapso do Império Romano, a Idade Média cristã viu florescer, ainda que palidamente, a concepção atual de Estado, no sentido de entidade coercitiva apta a padronizar o sistema normativo e dar-lhe eficácia.

Dizemos palidamente, pois, como nos lembra Paulo Bonavides (2012, p. 34-35), a concentração de poder mantinha-se fragmentada pela autoridade temporal dos imperadores franco-germânicos, de um lado, e da autoridade espiritual dos papas, do outro.

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Na base social, verificamos a predominância da relação servil, marcada pela miséria. Nesse sentido, os camponeses permaneciam presos ao serviço nas glebas a eles conferidas e, em troca, garantiam o mínimo necessário à subsistência de suas famílias.

Com o declínio do período feudal, os laços de suserania e vassalagem começam a minguar. A vida eminentemente campestre cede espaço às pequenas fortificações dos senhorios. Nesse modelo de sociedade, o senhor, proprietário de terras e provedor da segurança pública, cobra pelo uso destas, assim como pelos serviços que oferece.

O incipiente Estado absolutista, já com traços de soberania, a fim de fazer frente às suas despesas, principalmente aquelas decorrentes de guerras, principia a cobrar certas “taxas” da população. Ajudado pelo clero e pela nobreza na fiscalização das novas exigências, o soberano começa a traçar o que viria a ser a principal fonte de renda estatal.

Sobre a época, Ricardo Lobo Torres (1991, p. 14) explica que o tributo ainda não pode ser considerado um instituto propriamente público, eis que nessa modelagem de Estado o público e o privado misturam-se indiscriminadamente, sendo o cofre público indissociável do cofre real1.

Socialmente falando, justifica-se toda e qualquer atuação do monarca. Com efeito, o contrato existente entre o povo e o Estado, tal qual preconizado por Thomas Hobbes (1588-1679) em seu clássico o Leviatã, confere ao rei o uso de poderes ilimitados em troca da conservação da vida social.

Segundo essa lógica, o homem, em seu estado natural, desfruta de liberdade absoluta, no entanto esta não lhe é favorável. Do aguçado instinto de sobrevivência humano, decorreria guerra, violência e terror, não sendo possível ao homem, nesse estado de coisas, enxergar sua natureza agregativa e as boas consequências da vida em conjunto. Daí abrir-se mão da liberdade em troca da conservação.

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Tal realidade, entretanto, mudou substancialmente com o fortalecimento da burguesia, a queda do Absolutismo e o surgimento do Estado liberal de direito.

1.1.2. O Estado liberal de direito

A ideia de limitação do poder afirma-se com o advento do Estado liberal e sua evolução, que se desenvolveu na Inglaterra a partir do século XVII, consolidando-se progressivamente na Europa depois da Revolução Francesa de 1789 e, nos Estados Unidos, a partir de sua Guerra de Independência, começada em 1776.

A intenção central que dominava o período era circunscrever o poder absoluto desenvolvido nos séculos anteriores, limitando, de todas as formas e por todos os meios, os poderes do soberano. Erigia-se, pois, um sistema de garantias que pudesse confrontar o poder político até então dominante.

Difundiu-se, a partir desse período, por todo mundo ocidental, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, estimulando a divisão de poder, o protecionismo aos direitos individuais e o império da lei.

Segundo John Locke (1632-1704), o homem só aceitou associar-se para garantir o direito permanente de propriedade, sem o qual não se sentia livre. Nessa medida, cabia ao governo, precipuamente, tutelar e garantir o direito de propriedade. Nada mais.

Para José Joaquim Gomes Canotilho (1998, p. 93), o Estado de direito é um Estado essencialmente liberal, em que as ordens econômica e social são relegadas aos indivíduos, cabendo ao Poder Público apenas garantir a ordem e a segurança pública2.

Nesse solo fértil nasce, assim como concebemos hoje, o direito tributário, pois, como sabiamente aponta José Souto Maior Borges (2007, p. 25), “No Estado

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constitucional moderno, o poder tributário deixa de ser um poder de fato, mera relação tributária de força para converter-se num poder jurídico que se exerce através de normas”.

Diante desse quadro, em que o tesouro do príncipe não existia mais, coube à sociedade, financiar os gastos públicos, de modo que o aparelho de arrecadação estatal ganhou prestígio, ainda que as demandas públicas, pelo menos em tese, não fossem requerer tanto capital3.

A tributação do período, claramente influenciada pelo liberalismo, possuía um caráter minimalista: ao Estado não incumbia intervir na economia, nem diretamente, nem por meio de tributos.

No entanto, como aponta Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 24-25), se o Estado de direito passa à iniciativa privada os fatores de produção, garantidas as liberdades de propriedade e de exercício de profissão, renuncia, pois, sua atuação empresarial. Precisa financiar-se de outra maneira e a receita tributária passa, então, a ser o mecanismo de financiamento estatal por excelência.

1.1.2.1. Decorrência do projeto liberal

O novo Estado surge sob a égide de doutrina altamente individualista, segundo a qual cumpria à Administração Pública manter a ordem, a paz e a segurança pública, interferindo o mínimo possível na vida dos cidadãos e na economia.

Com o passar do tempo, no entanto, a sociedade, antes embebida em uma consciência anticoletivista, antiestado, viu-se carente de certos serviços. A Igreja, com a perda de benefícios fiscais, já não prestava mais assistência social, tampouco o Estado. Os indivíduos passaram a necessitar, entre tantos outros benefícios, de educação, saúde e trabalho.

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Após o final da Primeira Grande Guerra, acelera-se o processo de desmoronamento do liberalismo. O laissez faire4 já não se sustentava mais diante das crescentes necessidades do povo. A miséria, a fome e a desigualdade social chegaram a níveis alarmantes.

Em face dessa nova realidade, não se aceitava mais um Estado inerte frente às crises sociais. De acordo Marcelo Figueiredo (2003, p. 11), o Estado liberal, caracterizado pelo individualismo, deveria ser repensado a fim de conter as enormes desigualdades sociais. Nesse contexto, a atuação estatal se mostrava indispensável, garantindo aos cidadãos não apenas as liberdades conquistadas, mas ampliando-as de poucos para muitos.

O absenteísmo do Estado, tão pregado pelo modelo liberal, entrou em franco declínio, sendo prontamente substituído pelo intervencionismo.

1.1.3. O Estado social de direito

A fim de responder às necessidades sociais provocadas pelo fracasso do liberalismo econômico, o Estado social nasceu intervindo na economia e na sociedade com o intuito de promover o bem-estar do povo.

Como aponta Luís Eduardo Schoueri (2011, p. 25), a liberdade ganha nova feição, passando a ser coletiva. Já não mais se pode considerar o cidadão livre, se ao seu redor, há desigualdade por todo lado. O conceito de liberdade corrente se considera atingido, realizado, quando toda sociedade tem acesso a ela. E, para tanto, a atuação da Administração Pública é fundamental.

Carlos Ari Sunfeld (2000, p. 55) explica-nos que, em um primeiro plano, aparecem os chamados direitos sociais, sendo franqueada ao indivíduo a possibilidade de exigir certas prestações positivas do Estado.

Por outro lado, o Poder Público passa a atuar como agente econômico, substituindo os particulares e tomando para si a tarefa de desenvolver atividades reputadas importantes ao crescimento da nação.

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Suas atribuições, nesse diapasão, aumentam sobremaneira, sendo ele, agora, responsável por participar ativamente na economia do país, principalmente em setores estratégicos, tais como telecomunicações, transporte e infraestrutura.

Ocorre que, com o incremento populacional ocorrido no século XX, o Estado social não mais consegue cumprir suas obrigações de maneira satisfatória.

Os gastos públicos crescem exponencialmente, tornando-se altos demais. A arrecadação fiscal, principal fonte de custeio do governo, por sua vez, não acompanha o mesmo ritmo, de modo que os recursos necessários ao desempenho das atividades estatais se mostram insuficientes.

Tal modelo de Estado produtor, prestador de serviços, interventor e burocrático tornou-se, assim, ineficiente.

1.1.4. O Estado subsidiário

A figura do Estado que concentrava em si mesmo as funções de intervir, fomentar e participar ativamente na economia mostrou-se insustentável.

No Estado do século XXI, apesar de a sociedade continuar identificando a inclusão social como uma prerrogativa de liberdade, desaparece a crença de que cabe unicamente ao Estado resgatar as camadas menos favorecidas.

Nem individualista, como na sociedade burguesa do século XIX, nem anestesiada pelo manto paternalista do Estado do século XX, a sociedade agora toma para si a responsabilidade de participar de atividades em que reconhece seus interesses, reivindicando o espaço antes ocupado pela Administração Pública.

Com a bancarrota da onipresença estatal, a questão tributária entra em cheque. Afinal, contribui-se para que o Estado mantenha os interesses públicos tutelados. Com a retomada da participação popular em atividades de fins sociais, parte desse pagamento perde a razão de ser.

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27), “revelando-se o Estado incapaz de suprir certas demandas sociais, não se legitima o aumento desmedido de tributos, em ciclo crescente e interminável”.

Diante dessa lógica, as chamadas “limitações constitucionais ao poder de tributar” revestem-se de especial importância, conferindo à sociedade zonas de intributabilidade, desde que esta atue em favor do bem comum. São exemplos desses limites, a não tributação do mínimo vital, o princípio da capacidade contributiva e as imunidades tributárias.

Especial atenção merecem as imunidades concedidas às instituições de educação sem fins lucrativos já que indicam, de modo expresso, a intenção de o constituinte em não desviar, por meio de tributos, os recursos necessários para que a sociedade civil atue em setores prioritários.

Na redefinição do Estado contemporâneo, o papel do Poder Público passa a ser, então, o de promover e regular o desenvolvimento econômico e social do país, fomentando e direcionando a atuação da iniciativa privada.

Segundo Fernando Borges Mânica (2008, p. 39), as atividades econômicas, antes desenvolvidas pelo Estado, passaram a sofrer maior regulação. Legislações específicas tornaram-se a regra, especialmente com o escopo de garantir, em cada setor, a concretização dos princípios que regem a ordem econômica.

Nessa vereda, criam-se as agências reguladoras setoriais, que nada mais são do que autarquias, de certo modo independentes, incumbidas de fiscalizar o cumprimento das normas que definem a disciplina jurídica própria de cada área da economia. Tudo isso com vistas à defesa do interesse público.

Assim, como o Estado deixou de exercer atividades econômicas e sociais por meio de seus próprios mecanismos, necessário se fez provocar a prestação dessas atividades por particulares.

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1.1.4.1. Princípio da subsidiariedade

O Estado social e democrático de direito impõe a participação dos cidadãos tanto no processo político, quanto nas atividades de relevante interesse social. Seu intuito é o de proteger e, sobretudo, efetivar o interesse dos cidadãos.

As atividade estatais passam a ser empreendidas de maneira subsidiária. Silvio Luiz Ferreira da Rocha (2006, p. 16-17), ao tratar do assunto, fala que o princípio da subsidiariedade foi idealizado para proteger a autonomia dos indivíduos e da coletividade contra toda atuação pública injustificada.

Do cotejo entre o absenteísmo e o intervencionismo estatal, nasceu o princípio da subsidiariedade, valor em perfeita consonância com o modelo de Estado contemporâneo.

Em termos etimológicos, subsidiariedade vem do latim subsidium afferre, que significa prestar ajuda, oferecer proteção. Como reza Thais Novaes Cavalcanti (2009, p. 258), sua origem filosófica remonta à questão aristotélica de como governar homens livres. Já sua concepção moderna, advém da doutrina social da Igreja Católica Apostólica Romana, que a definiu como princípio de filosofia social frente ao autoritarismo italiano5.

Em apertada síntese, pode-se afirmar que o princípio da subsidiariedade obriga que o Estado atue de maneira equilibrada na sociedade e as suas multifaces – pessoa, família, associações – de modo a não arrogar para si todas as funções, sejam elas políticas, econômicas ou sociais, nem as deixe unicamente sob os cuidados dos cidadãos e de suas formas de agrupamento.

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Segundo a autora (CAVALCANTI, 2009, p. 258), diferentemente de intervenções estatais totalitárias e centralizadoras, a subsidiariedade abre espaço para as políticas públicas abertas a pessoa, assegurando a tomada de decisão mais próxima ao cidadão e ao caso concreto. Não como retórica ou ideologia para manutenção do poder, mas como princípio de eficiência e valorização dessas pessoas, protagonistas do desenvolvimento.

Podemos visualizar a manifestação do princípio da subsidiariedade sob dois prismas: o vertical e o horizontal.

A subsidiariedade vertical vincula-se às relações entre os Municípios, organismos menores, com os Estados-membros e a União Federal, organismos maiores, reivindicando maior liberdade de atuação aos entes municipais em homenagem à gestão dos interesses locais.

Já a subsidiariedade horizontal liga-se à relação entre o Estado e a iniciativa privada, favorecendo a atuação de pessoas, entidades e empresas em serviços socialmente relevantes, de modo a superar o dualismo público-privado, tornando mais eficaz o papel do Estado.

O modelo federativo e a organização político-administrativa da União, Estados, Municípios e Distrito Federal trazido pela Constituição Federal de 19886

são, segundo cremos, manifestações claras do princípio da subsidiariedade em seu prisma vertical.

Por outro lado, ao enunciar que A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa[...]”, o artigo 205 do Texto Magno não deixa dúvidas ao impor a observância do princípio da subsidiariedade em sua vertente horizontal.

O autor português Fausto de Quadros (1995, p. 18), em importante obra sobre o princípio da subsidiariedade, afirma que este é um conceito de destacada importância na concepção do Estado social de direito, na medida em que permite a participação dos indivíduos e dos corpos sociais na realização do interesse coletivo. Nesse sentido, ao mesmo tempo em que este princípio impõe a participação popular

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na busca desses interesses, recusa o monopólio do Poder Público quanto à matéria7.

Considerando a inegável presença do princípio da subsidiariedade no ordenamento constitucional brasileiro, seja através das normas estruturais do federalismo, seja através da valorização da participação popular em serviços de interesse público, a influência desse princípio explica, pelo menos em parte, quais foram os motivos e os anseios que levaram o constituinte originário a escrever o artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal de 19888.

1.2. Panorama brasileiro

O Estado brasileiro, apesar de influenciado pelos Estados Unidos, não adotou propriamente, em sua primeira República, o modelo liberalista então difundido no mundo. O que se observa, por aqui, no início do século XX, são períodos realmente liberais entremeados em profundas crises econômico-sociais.

Conforme Regina Andrea Accorsi Lunardelli (2006, p. 34), a introdução de um pensamento direcionado ao social fez-se, no Brasil, sob a égide de um período autoritário. Assim, muito embora pairasse em solo pátrio crises e golpes de Estado, com o advento da Constituição de 1934, inaugurou-se uma fase constitucional que priorizava os direitos dos cidadãos.

7 Em suas palavras, o autor (QUADROS, 1995, p. 18) aduz que o princípio da subsidiariedade: “[...] é um princípio fundamental na ordem jurídica do moderno Estado Social de Direito, na medida em que conduz à aceitação da persecução do interesse público pelo indivíduo e por corpos sociais intermédios, situados entre ele e o Estado: família, as autarquias locais, as comunidades religiosas, os sindicatos e as associações empresariais, os partidos políticos, as Universidades etc. A subsidiariedade recusa, portanto, o monopólio da Administração na persecução do interesse público e leva à concretização do princípio da participação, que consiste numa manifestação da idéia de Democracia.”

8 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

VI - instituir impostos sobre: [...]

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

[...]

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Segundo Paulo Bonavides (2013, p. 381), o Estado que surge, fortemente influenciado pelo constitucionalismo de Weimar, inova ao subordinar o direito de propriedade ao interesse social, ao instituir a justiça do trabalho e ao regulamentar o salário mínimo e as férias anuais do trabalhador; inova, ademais, ao amparar a maternidade e a infância, ao instituir o socorro às famílias de prole numerosa e ao colocar a família, a educação e a cultura debaixo de proteção especial do Estado.

De 1934 em diante, as Cartas Políticas, umas mais outras menos, tutelaram os interesses sociais, sobretudo no período entre 1946 e 1964 e após a ditadura militar brasileira.

Eis que surge, então, a Magna Carta de 1988. Tal norma, como aponta o autor (BONAVIDES, 2013, p. 386), estabelece como objetivos primeiros da República o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais. De mais a mais, enuncia, em capítulo próprio, os direitos sociais, abrangendo a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desempregados.

Vê-se, assim, que o Estado social e democrático de direito adotado pela Constituição de 1988, além de representar a positivação dos direitos conquistados na época liberal, prescreve cuidado aos diversos direitos sociais, exigindo que as políticas socioeconômicas do Estado visem sempre ao ideal maior da justiça social. Tudo isso, sob o manto de mecanismos aptos a garantir a democracia participativa e, consequentemente, a atuação da sociedade.

1.2.1. Chamamento da sociedade brasileira

As consequências negativas produzidas pelo inchado Estado social exigiram que o novo modelo de Estado seguisse linha diversa. Criou-se, nesse tempo, o consenso sobre a necessidade de redução das atribuições estatais, transferindo-as para a iniciativa privada.

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procedeu, o Estado social e democrático de direito brasileiro estabeleceu que a sociedade deveria participar não só do processo político e das decisões de governo, mas também das atividades de relevante interesse público.

Quanto ao interesse público, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p. 25) afirma que este passa a revestir-se de um aspecto ideológico, sendo agora confundido com a ideia de bem comum. Segundo a autora (DI PIETRO, 2002, p. 25), a Constituição de 1988 procurou substituir a ideia de Estado legal, puramente formalista, por um Estado de direito, vinculado aos ideais de justiça; procurou, ainda mais, submeter o Estado ao direito e não apenas à lei em sentido formal. Daí falar-se em Estado democrático de direito.

A partir de então desenvolve-se, no Brasil, a ideia de partilhar, entre o Poder Público e a iniciativa privada, a proteção ao interesse comum, posto que essa proteção não constitui mais uma prerrogativa somente do Estado.

Diante do acelerado crescimento populacional e do aumento das demandas sociais, multiplicam-se os interesses a serem tutelados. O Estado já não tem condições de assumir sozinho as novas atividades de interesse geral. Dentro desse contexto, as entidades que desenvolvem serviços não exclusivos do Estado e de reconhecido interesse social, tais como a educação, a saúde e o assistencialismo social, destacam-se.

Como consequência, cresce a técnica do fomento, caracterizada pelo incentivo do Estado aos particulares por meio dos mais diversos mecanismos, sejam eles jurídicos ou econômicos, como a outorga de exonerações fiscais, auxílios, subvenções ou financiamentos.

Como afirma Luiz Carlos Bresser Pereira (1996, p. 17), a atividade de organizações não estatais, tais como escolas, museus e hospitais, abre espaço para a atuação de um Estado social-liberal que garante a tutela do interesse público mediante o uso de técnicas de financiamento desses organismos, como as imunidades tributárias9.

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Em razão da impossibilidade fática de o Estado atender aos novos anseios do povo, o chamamento da sociedade a participar de atividades relacionadas à tutela do bem comum mostrou-se imperiosa. Em contrapartida, os particulares que assim agirem, ganham, mediante o atendimento de certos pressupostos, incentivos do Poder Público, entre eles a imunidade das instituições de educação sem fins lucrativos, foco do presente trabalho.

1.3. Terceiro setor

Como falamos, importantes transformações sociopolíticas ocorreram a partir das últimas décadas do século XX. À antiga ordem, antes dividida em dois setores, o público e o privado10, agregou-se um novo: o terceiro setor.

Tal termo passou, então, a designar, genericamente, o grupo formado por organizações da sociedade civil que, unidas pelo direito de livre associação, e não possuindo finalidade lucrativa, tem como escopo tutelar o bem comum11.

A despeito da importância do conceito, a legislação pátria não trata especificamente sobre a matéria, sendo a regulação de cada integrante desse setor realizada de maneira própria, como é o caso das instituições de educação sem fins lucrativos.

Ademais, como aponta Luis Eduardo Patrone Regules (2006, p. 46), além da ausência de definição legal quanto ao tema, os estudiosos12 apontam uma certa

fluidez, ou mesmo, provisoriedade da significação de terceiro setor.

Sem adentrarmos a fundo no assunto, para o presente trabalho, cabe apenas demonstrarmos, em linhas gerais, quem são as instituições do terceiro setor que nos interessam, como elas colaboram com o Estado e através de que meio a Administração Pública pode estimulá-las de maneira eficiente.

sociais, um Estado social-liberal – que por sua vez proteja os direitos sociais ao financiar as organizações públicas não-estatais – que defendem direito ou prestam serviços de educação, saúde, cultura, assistência social – e seja mais eficiente ao introduzir a competição e a flexibilização na provisão desses serviços.”

10 O primeiro setor é o público e o segundo, o privado.

11 Segundo Tarso Cabral Violin (2010, p. 138-140), o IV Encontro Ibero-Americano do terceiro setor definiu como organizações pertencentes a esta nomenclatura aquelas que são privadas, não governamentais, sem fins lucrativos, autogovernadas, de associação voluntária.

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Nesse caminho, indicadas são as palavras de José Eduardo Sabo Paes (2001, p. 68), que vê o terceiro setor como o conjunto de entidades que, possuindo organização própria, apresentam como objetivo principal atuar junto à sociedade civil visando ao seu aprimoramento13.

Mas, especificamente, quem são esses organismos? Sob que forma do direito privado eles se constituem? A resposta a essa questão encontra-se na leitura conjunta de preceitos constitucionais e civis.

Sobre o tema, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5o, XVII a XX, aponta que:

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

De outra parte, o Código Civil afirma que:

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I - as associações;

II - as sociedades; III - as fundações;

IV - as organizações religiosas; V - os partidos políticos.

Neste estudo, não nos importam as sociedades, que, por natureza, possuem fins lucrativos, nem as organizações religiosas e partidos políticos, posto que estão fora do nosso objeto.

Traçados esses contornos, analisaremos a seguir os conceitos de associações e fundações.

13 Segundo o autor (PAES, 2001, p. 68): “O conjunto de organismos, organizações ou instituições de autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto a sociedade civil visando seu aperfeiçoamento [...].

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1.3.1. Associações

De acordo com o artigo 53 da Lei Civil:

Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.

Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.

As associações, trazidas no Código Civil entre os artigos 53 e 61, são pessoas jurídicas de direito privado constituídas pelo agrupamento de indivíduos que reúnem seus esforços para a realização de fins não econômicos (universitas personarum).

Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocas, nem a intenção de dividir resultados, sendo seus objetivos, como afirma Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 234), “[...] altruísticos, científicos, artísticos, beneficentes, religiosos, educativos, culturais, políticos, esportivos ou recreativos”.

A circunstância de uma associação realizar negócios para manter ou aumentar o seu patrimônio, não a desnatura. É comum, por exemplo, a existência de entidades educacionais que cobram pelos serviços que prestam ou de sociedades esportivas que vendem aos torcedores seus uniformes.

É facultada às associações a finalidade econômica, mas não a lucrativa. Com isso, estamos a dizer que a redação do retrotranscrito artigo 53 do Código Civil, ao referir-se a “fins não econômicos”, é infeliz. A observância de superávits em suas contas é juridicamente aceita; diríamos até que é juridicamente desejável. O que lhe é defeso é distribuição de lucro aos seus membros. Apenas isso.

Dissolvida, a associação, os bens remanescentes serão destinados à entidade similar designada em seu estatuto ou, na omissão deste, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes, como prescreve o artigo 61 do Código Civil14.

14 Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.

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Podem os associados, todavia, antes dessa distribuição de bens remanescentes, por força do § 1º, do artigo 61 da Lei Civil15, receber em restituição

as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação, desde que haja cláusula no estatuto para tanto ou que assim tenha sido previamente deliberado.

1.3.2. Fundações

Quanto às fundações, pode-se dizer que estas constituem um acervo de bens, disposto por uma pessoa física ou jurídica, que recebe personalidade própria para a realização de determinados fins, lícitos e de interesse público, em caráter perene (universitatis bonorum).

De acordo com o artigo 62 do Código Civil:

Art. 62. Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la.

Parágrafo único. A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.

As fundações decorrem da vontade do instituidor e podem ter, como objetivos institucionais imutáveis, atividades de natureza religiosa, moral, cultural ou assistencial.

Podem ser privadas ou públicas. Estas instituídas pelo Estado, pertencendo seus bens ao patrimônio público e regidas segundo os especiais ditames do direito administrativo. Aquelas, as particulares, são regradas pelos preceitos do Código Civil, que, dos artigos 62 ao 69, dispõe sobre o assunto.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 240), a fundação compõe-se de dois elementos: (i) o patrimônio e (ii) o fim. Este é escolhido pelo instituidor, não podendo ter caráter lucrativo, mas social.

A numeração aparentemente restritiva dos fins que podem carregar a fundação é, por certo, exemplificativa, admitindo-se que possa ela prestar outras § 2o Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

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finalidades, como a educacional e a científica, desde que ausente o escopo lucrativo. Exatamente nesse sentido são os Enunciados nº 8 e 9, aprovados na I Jornada de Direito Civil, realizado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho de Justiça Federal16, in verbis:

8 – Art. 62, parágrafo único: a constituição de fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no CC, art. 62, parágrafo único.

9 – Art. 62, parágrafo único: o art. 62, parágrafo único, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações com fins lucrativos.

Com a extinção da fundação, nos termos do artigo 69 do Código Civil17, seu patrimônio será transferido, salvo disposição em contrário no seu ato constitutivo ou estatuto, a outra fundação designada pelo Poder Judiciário que se proponha a fim igual ou semelhante. Na falta desta, afirma Carlos Roberto Gonçalves (2013, p. 247) que os bens serão declarados vagos e passarão ao município de sua circunscrição ou ao Distrito Federal.

De todo o visto, temos que, como requisitos essenciais, as entidades do terceiro setor que nos interessa devem: (i) ser constituídas sob a forma de associação ou fundação; (ii) não distribuir rendas e patrimônio aos seus fundadores ou associados, é dizer, não possuir finalidade lucrativa; e, (iii) ter como objeto institucional a satisfação de interesses sociais.

Podemos dizer, então, com tranquilidade, que fazem parte do terceiro setor as associações e fundações que têm como fim prestar serviços educacionais, posto seu relevante interesse público.

Como o Estado, mediante fomento de cunho constitucional, incentiva a vida dessas entidades, será o ponto abordado no capítulo que se segue.

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02. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

Ultrapassada a etapa em que delineamos a evolução histórica da sociedade ocidental que nos conduziu ao Estado subsidiário, adentrado em uma de suas características fundamentais, qual seja, a participação popular, através de entidades do terceiro setor, em atividades não exclusivas do Estado, passaremos à análise de temas relacionados à imunidade tributária.

A fim de antever qual é a ideia básica que gira em torno desse instituto jurídico, fundamental passarmos os olhos na lição de Ives Gandra da Silva Martins (1998, p. 32-35), que nos serviu de inspiração para o início dos estudos. Segundo o autor (MARTINS, 1998, p. 32-35):

Na imunidade, portanto, há um interesse nacional superior a retirar, do campo da tributação, pessoas, situações, fatos considerados de relevo, enquanto nas demais formas desonerativas há apenas a veiculação de uma política transitória, de índole tributária definida pelo próprio Poder Público, em sua esfera de atuação.

E por que, na imunidade, há esta vedação absoluta ao poder de tributar? Por que o constituinte coloca um muro à imposição de forma insuperável, a não ser por emenda constitucional?

É que a imunidade, nas hipóteses constitucionais, constitui o instrumento que o constituinte considerou fundamental para, de um lado, manter a democracia, a liberdade de expressão e a ação dos cidadãos e, por outro lado, atrair cidadãos a colaborarem com o Estado, nas suas atividades essenciais, em que, muitas vezes, o próprio Estado atua mal ou insuficientemente, como na educação, na assistência social etc.

[...] Por outro lado, as imunidades relativas as entidades de educação e assistência social objetivam atrair cidadãos a suprir as ineficiências do Poder Público, decorrentes, na maior parte das vezes, da incompetência administrativa, dos desperdícios, da corrupção e da luta sem ética pelo poder. No Brasil, mais do que nunca, a triste constatação de Lord Acton é presente, pois o Poder corrompe, e o Poder Absoluto corrompe absolutamente. Por esta razão, sabiamente, o constituinte, conhecendo a natureza humana dos detentores do poder, na história brasileira, estimula o cidadão, através das imunidades tributárias, a que faça o que o Estado deveria fazer e não faz, como ocorre nas áreas da Educação e da Saúde, em que o sistema privado é incomensuravelmente superior ao público, principalmente no ensino de primeiro e segundo grau ou nos hospitais particulares.

As imunidades tributárias, neste caso, ao contrário do que apregoam os detentores do poder, não são uma renúncia fiscal, um “favor” que o Poder Público presta à sociedade, mas, ao contrário, um “favor” que a sociedade presta ao Estado em aceitá-las, pois, ao deixarem apenas de pagar impostos, tais entidades, que gastam muito mais do que recebem em desonerações fiscais, fazem pelo Poder Público e para o povo o que é obrigação do Estado fazer e que não faz.

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em áreas lucrativas e onde poderiam legitimamente ganhar e se enriquecer. Aqueles que se dedicam a cuidar da saúde da população e prestar assistência social, a ensinar etc., pensam no país mais do que os detentores do poder e fazem pela educação, pela saúde e pela assistência social, tranquilamente, muito mais do que os políticos que entram pobres na política e dela saem sempre com polpudo patrimônio, nos dias atuais. É fundamental para que se apreenda o fenômeno das imunidades tributárias que tais elementos pré-jurídicos, em uma visão tridimensional do Direito, exteriorizando fatos relevantes, mereçam a devida valoração, para que se entenda a densidade da norma desonerativa de força constitucional, pois à luz de sua importância é que se poderá interpretar as diversas questões formuladas.

De fato, os mais diversos escopos estão entremeados na exoneração fiscal conhecida como imunidade tributária. Para o nosso estudo, entretanto, importa salientar os mais genéricos e essenciais deles: a concretização de direitos fundamentais e a efetividade na realização do interesse público.

À análise do instituto.

2.1. Fundamentos genéricos da imunidade tributária

Não podemos olvidar que o sistema tributário nacional, apesar de sua importância na configuração do Estado social e democrático de direito, é apenas um dos sistemas que integram a complexa rede de interações que caracterizam a sociedade.

É por isso que Paulo de Barros Carvalho (2007, p. 13), ao falar da pretensa separação entre o direito tributário e os demais ramos do direito, propugna pela inadmissibilidade da autonomia da matéria, arrebatando que “mesmo em obséquio a

finalidades didáticas, não deixaria a cisão de ser a cisão do incindível, a seção do inseccionável.”

Da mesma opinião é Sacha Calmon Navarro Coêlho (2012, p. 30), para quem o direito é uno e interligado. Nesse sentido, autonomias científicas são tolices apenas toleráveis pela funcionalidade e didática que promovem, nada mais.

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Diante da necessidade precípua de observação constitucional para a construção dos diversos institutos presentes no sistema jurídico, a denominada “interpretação conforme”, tão prestigiada por nossa Corte Constitucional, pode ser entendida como um instrumento de concretização dos valores consagrados no Texto Constitucional.

Segundo Felipe Faria de Oliveira (2010, p. 51), essa construção de significado com olhos na nossa Constituição é um importante instrumento não apenas de democracia, mas também de atualização de textos legislativos elaborados em períodos históricos distantes do atual, como, por exemplo, o Código Tributário Nacional, que foi editado em 1966.

E, como sabemos, a Constituição Federal de 1988 é a norma capital do ordenamento jurídico brasileiro. Como decorrência lógica, também nela se apoia o sistema tributário nacional, ramo do direito com alto grau de constitucionalização.

A imunidade tributária, como o próprio nome sugere, é, portanto, um daqueles tópicos que deve ser analisado segundo os preceitos tributários. Logo, e como não poderia deixar de ser, imunidade tributária também é tema eminentemente constitucional.

Não é outro o entendimento de Roque Antonio Carrazza (2013, p. 814-815), para quem as normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam das imunidades tributárias, fixam a incompetência dos entes tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações18.

Sendo assim, algumas características da Constituição de 1988 são de relevante importância no estudo da imunidade tributária, notadamente no que tange aos fundamentos elementares desse instituto.

Nesse diapasão, analisaremos, a seguir, três características da nossa Constituição: (i) sua analiticidade; (ii) sua rigidez; e (iii) a preservação de valores que encerra.

18 Nas palavras do autor (CARRAZZA, 2013, p. 815): “Ora justamente por ter assento constitucional, o tema reclama análise sob a exclusiva óptica da Carta Magna. Deveras, o alcance das imunidades tributárias não deve ser construído com base na normatividade infraconstitucional (v.g., no Código Tributário Nacional), mas apenas com apoio na própria Constituição Federal, que há de ser entendida e aplicada de acordo com os princípios e valores que consagra.”

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Vejamos cada uma delas.

2.1.1. Analiticidade constitucional

O primeiro fundamento genérico da imunidade tributária que poderíamos apontar é a hipertrofia constitucional brasileira. Mas o que vem a ser tal característica?

Segundo a conceituação clássica, Constituições analíticas, também denominadas prolixas, extensas ou regulamentares, são aquelas que trazem em seu bojo assuntos de natureza não constitucional; são aquelas que disciplinam matérias que, a rigor, não seriam abordadas no Texto Constitucional, mas em veículo legislativo diferente.

De acordo com Regina Helena Costa (2006, p. 65), o aumento do tamanho das Constituições se dá, ordinariamente, pelo descontentamento e a insegurança do povo, tanto em relação àqueles que costumeiramente elaboram as leis, quanto àqueles que as aplicam.

Entendemos a preocupação do constituinte originário. Realmente, diante dos históricos abusos de poder que o Estado brasileiro infligiu à sociedade, com mandos e desmandos de toda sorte, é medida preventiva razoável aquela tendente a engessar a atuação dos Três Poderes, elencando uma série de princípios de observância obrigatória.

Como já apontamos, essa é, por sinal, a intenção predominante do Texto de 1998: romper com antigo Estado autoritário, instituindo um novo, amordaçado pelo direito e atento aos modernos anseios populares. Um Estado, enfim, que fosse de fato democrático e social de direito, digno do nome e não apenas retórico19.

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Eis que, o redator primeiro, reflexo do povo brasileiro20, optou pela

prolixidade, disciplinando, amiúde, matérias de natureza não constitucional, principalmente aquelas que prescrevem as garantias do cidadão pelo Estado.

E tem sido tal prolixidade a característica das Constituições brasileiras. Se observarmos, em todas elas, da de 1824 até a atual, de 198821, verifica-se a extensa preocupação do legislador constituinte originário em tratar, o máximo possível, dos mais variados assuntos.

Em matéria tributária, por exemplo, podemos identificar, na Constituição de 1988, quatro principais temas: (i) a classificação dos tributos; (ii) a previsão de suas regras-matrizes de incidência tributária; (iii) a rígida discriminação de competências legislativas tributárias; e (iv) as limitações ao exercício dessas competências.

Essa Constituição Federal, ao tratar acerca da competência legislativa tributária das pessoas políticas, de como se daria seu exercício e quais seriam seus freios, trouxe as imunidades tributárias como uma das formas de exoneração fiscal. E mais: não só as trouxe, como também as colocou em local de destaque, como veremos a seguir.

2.1.2. Rigidez constitucional e cláusula pétrea

Outro fundamento genérico das imunidades tributárias reside no fato delas terem por alicerce uma Constituição rígida, ou seja, de difícil ou nenhuma modificação a depender do grau de importância da matéria trazida em cada preceito.

Segundo José Afonso da Silva (2007, p. 45), a rigidez constitucional deriva da maior dificuldade para sua modificação do que para a alteração das demais normas do ordenamento jurídico. Dessa rigidez emana o princípio da supremacia constitucional. Daí dizer-se que a Constituição brasileira está disposta no vértice do

20 Falando sobre a origem do poder estatal, Geraldo Ataliba (2011, p. 15) afirma: “Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. Como o povo não pode apresentar-se na função de governo, os seus escolhidos o representam. Governam em seu nome, no seu lugar, expressando sua vontade. No intenso e vivo diálogo político que precedeu à reunião da convenção constituinte, o povo fixou os grandes rumos, as diretrizes de governo que quis ver concretizadas. Estabeleceu o conteúdo substancial do mandato que conferiu aos constituintes.”

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sistema jurídico do país, conferindo validade às demais normas e cobrando delas fiel respeito e observância22.

Nossa Constituição é rígida. E por ser a norma soberana do Estado, deve todos os entes políticos, bem como suas leis, a ela se amoldarem. Qualquer norma só será válida perante a ordenação jurídica nacional se conformada à Lei das Leis. Esta é a regra de ouro.

Temos assim que, diante da rigidez constitucional brasileira, qualquer preceito nela contido está mais protegido do que estaria se trazido por legislação infraconstitucional.

Como ensina Regina Helena Costa (2006, p. 67), se uma Constituição for flexível, irrelevante se diretrizes fundamentais são trazidas no plano constitucional ou abaixo dele, posto ser essa Constituição modificável mediante o mesmo processo pelo qual se altera as leis infraconstitucionais.

Se, por exemplo, a Constituição brasileira fosse flexível seria inútil diferenciarmos as imunidades das isenções, pois não se poderia afirmar que as imunidades tributárias, já que prestigiadas pelo Texto Constitucional, guardariam, com perenidade, valores socialmente relevantes. Ou seja, tanto as imunidades, dispostas na Constituição Federal, quanto as isenções, fruto de normas infraconstitucionais, poderiam ser erradicadas do sistema jurídico sem maiores dificuldades.

Despiciendo seria, pois, o uso da imunidade tributária, bastando que toda e qualquer exoneração fiscal se desse mediante isenção. Caso necessário extirpá-la do ordenamento jurídico, desde que atendidas as garantias mínimas dos contribuintes, revogar-se-ia a norma que a instituiu e o benefício seria extinto.

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O que se está a dizer é: quando, escrevendo a Constituição de 1988, de modo analítico e rígido, o constituinte primeiro decidiu criar o instituto jurídico da imunidade tributária, assim o fez para que ele fosse respeitado e durasse no tempo.

Quanto tempo? Segundo pensamos, até a confecção de outra Constituição. Isso porque, no que tange às imunidades tributárias, a rigidez constitucional brasileira atinge seu clímax, tornando-as cláusulas pétreas, autênticas garantias de eternidade.

Conforme o § 4o, IV do artigo 60 do Texto Constitucional, “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias individuais.”

E o que é a imunidade tributária, senão garantia do cidadão em não ser alcançado pelo Fisco em determinadas circunstâncias, em razão de determinados fatos?

Não pode, desse modo, o poder constituinte derivado, posto que poder constituído e, portanto, limitado, diminuir ou invalidar o âmbito de eficácia das imunidades tributárias, verdadeiras garantias individuais. Como afirma Regina Helena Costa (2006, p. 68), “A imunidade fiscal é, assim, direito não suprimível por emenda constitucional.”

Clélio Chiesa (2013, p. 79) parece não pensar exatamente dessa maneira. Por quê? Porque segundo seu entendimento as imunidades tributárias poderão ser tocadas ou alteradas mediante emendas constitucionais naquilo que a Constituição Federal permitir. Significa dizer que algumas imunidades poderão ser tolhidas e outras não.

Esse modo de enxergar as imunidades tributárias, contudo, não nos parece correto. Ora, de uma forma ou de outra o instituto, em qualquer de suas modalidades, protege direitos e garantias individuais, de modo que a aplicação do acima exposto artigo 60, VI, § 4º mostra-se cogente.

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