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Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 260/07.6TTVRL.P1.S1

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Supremo Tribunal de Justiça

Processo nº 260/07.6TTVRL.P1.S1 Relator: MELO LIMA

Sessão: 14 Maio 2014 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA

MATÉRIA DE FACTO

PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA CONTRATO DE TRABALHO

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

Sumário

1. Na questão de facto, o duplo grau de jurisdição pressupõe que o Tribunal da Relação, instruído no princípio da livre apreciação da prova, crie e faça refletir na decisão a sua própria convicção.

2. Em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto.

3. Sempre que um ponto da matéria de facto (quesito) integre uma afirmação ou uma valoração de facto que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação, comportando uma resposta ou componente de resposta àquelas questões, deve o mesmo ser eliminado.

4. Tendo-se provado que, na relação estabelecida com a R., a remuneração do A., fixada em função dos litros de combustível que este vendia, era, sem

qualquer componente fixa, apurada e paga pelo próprio A., emitindo este os recibos verdes de quitação à R.; nos casos em que precisasse de se ausentar, o A. podia fazer-se substituir por outra pessoa, sem que tivesse resultado

provada a necessidade de, previamente, obter consentimento da R.; não tendo

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resultado provado, outrossim, que a R. exercesse sobre o A. um poder de disciplina e conformação da atividade, não pode qualificar-se tal relação como um contrato de trabalho.

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal do Trabalho de Vila Real, AA intentou, em 21 de Maio de 2007, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo:

a) Seja declarado como contrato de trabalhado o contrato celebrado entre autor e ré e que vigorou desde Setembro de 2001 a Fevereiro de 2007;

b) Seja declarada a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do autor;

c) Seja a Ré condenada a pagar ao autor uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, no montante de € 7.686,00, acrescida da quantia de € 274,50 devida pelo mês de Fevereiro de 2007, nos termos do disposto na cláusula 39ª do C.C.T. aplicável ao setor,

analogicamente, ou caso assim não se entenda, seja a ré condenada a pagar ao autor, nos termos do disposto no artigo 443º do Código do Trabalho, uma

indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, fixada em 45 dias de retribuição de base e diuturnidades por cada ano de antiguidade, no montante de € 5.421,38.

d) Seja a Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 375,48, devida a título de diferenças salariais, como descrito nos artigos 42º a 45º da P.I.

e) Seja a Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 6.922,68, devida a título de subsídio de alimentação não liquidado, referente aos anos de 2002 a 2007, nos termos descritos nos artigos 65° a 69º da PI.

f) Seja a Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 5.667,66, referente às férias vencidas em 1-01-2002, em 01-01-2003, em 01- 01-2004, em 01-01-2005 e em 01-01-2006 e não gozadas e respetivos subsídios, nos termos expostos nos artigos 46° a 51° da PI.

g) Seja a ré condenada a pagar ao autor, a título de compensação prevista no artigo 222° do Código do Trabalho, pela violação do direito a férias no decurso dos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, a quantia global de € 8.501,49,

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como exposto nos artigos 56° a 59º da PI.

h) Seja a Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 1.098,00, referente às férias vencidas em 01.01.2007 e não gozadas e respetivo subsídio;

i) Seja a ré condenada a pagar ao autor a quantia global de € 2.833,83, devida a título de Subsídios de Natal não pagos nos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, como exposto nos artigos 60º a 62° da PI.

j) Seja a Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 205,89, a título de férias e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação - 2007.

k) Seja a Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 97.872,65 devida por uma hora de trabalho suplementar prestado em dias úteis e pelo trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal, complementar e em dias feriado e devidas também pelo não gozo dos dias de descanso complementar devido pelo trabalho prestado em dia de descanso e em dias feriado, nos termos devidamente expostos nos artigos 70º a 124º da P. I.

l) Seja a ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 274,50, devida pelo trabalho prestado nos primeiros 15 dias do mês de Fevereiro de 2007 e não pago.

m) Seja a Ré condenada a pagar ao autor a quantia de € 10.000,00 pelos danos patrimoniais sofridos.

2. Alegou, em síntese:

· Foi admitido ao serviço da Ré, em Setembro de 2001, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de abastecedor de combustíveis no posto de abastecimento da R. sito na Campeã;

· A R. não inscreveu o A. na Segurança Social e informou o A. que deveria inscrever-se nas Finanças como comissionista, passando a emitir recibos verdes, ao que o A. acedeu por necessitar deste emprego;

· Durante os primeiros 6 meses de execução do contrato o A. exerceu o horário, consecutivo, das 13h00 às 20h00 horas, sem dias de descanso semanal, nem feriados;

· Em Março de 2002, o A. passou, por imposição da R., a trabalhar

alternadamente de 2ª feira a domingo das 07h0 às 13h00 horas e de 2ª feira a domingo das 13h00 às 20h00/21h00 horas, sem dia de descanso ou feriado;

· O A. auferia uma retribuição mensal variável, de Esc. 1$50 por litro de combustível vendido, emitindo, a partir do início de 2002, recibos verdes das quantias auferidas mensalmente.

· Cumpria as ordens que lhe eram diretamente transmitidas pelo seu superior hierárquico direto, Sr. CC, Presidente da Direção da Ré. Pelo que

· Carateriza o seu contrato como sendo de trabalho e por tempo

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indeterminado, apesar de emitir os recibos verdes;

· Nunca gozou férias, nem nunca lhe foram pagos subsídios de férias e de Natal;

· No final de 2006, por inspeção levada a cabo pelos serviços sociais

competentes, a R. viu-se obrigada a regularizar a situação do A. e a do seu colega de trabalho, tendo decidido que lhes iria liquidar a quantia de € 403,00/

mês, equivalente ao salário mínimo nacional;

· O A. não aceitou esta proposta da R. e, em 15 de Fevereiro de 2007, remeteu comunicação à mesma fazendo cessar o seu contrato de trabalho com

invocação de justa causa;

· Tem direito ao pagamento dos montantes que peticiona a título de

indemnização, diferenças salariais, subsídio de alimentação, férias vencidas e não gozadas e respetivos subsídios, compensação por violação de direito a férias, subsídios de Natal não pagos, trabalho suplementar prestado em dia de descanso semanal complementar e obrigatório e feriados e não gozo de dias de descanso complementar, retribuição pelo trabalho prestado em fevereiro de 2007 e indemnização por danos não patrimoniais.

3. Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação foi ordenada a notificação da R. para contestar, vindo a mesma a apresentar contestação em que invocou, essencialmente:

· A R. é uma associação sem fins lucrativos e o A. passou a integrar a Mesa da Assembleia-Geral da R, como Secretário em 13 de Abril de 2002;

· Em meados de 2001, estava reformado por invalidez e pediu à R. para ir ocupar a vaga que iria ser deixada por uma das pessoas que se encontrava a prestar serviços no posto de abastecimentos de combustíveis, que a R. obteve licença para instalar em Campeã,

· O que a R. aceitou, informando o A. que receberia a quantia de 3$00 por litro de combustível vendido e que o horário seria a combinar com a outra pessoa que explorava o posto, dentro do horário de funcionamento deste;

· O A. recebia subsídio de invalidez pela Segurança Social;

· O A. aceitou e quis prestar serviço como trabalhador independente e

pretendeu inscrever-se nas Finanças como trabalhador independente, já que as contribuições aos serviços sociais como trabalhador dependente

determinariam a cessação do pagamento da sua pensão de reforma;

· O A. resolveu que passaria a receber 1$50 por cada litro vendido, recebendo o seu colega igual quantia, sendo eles que no final do mês retiravam as

quantias referentes ao combustível vendido e as faziam suas, o que a R. nunca pôs em causa;

· Eram eles quem decidia a quem vender a crédito, qual o horário em que

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prestavam serviço e os dias;

· O A. arranjava alguém da sua confiança que o substituísse quando por qualquer motivo não prestava serviço num ou vários dias, sendo ele quem dava instruções a essa pessoa e pagava a respetiva remuneração, sem prévia autorização da R.;

· A R. não controlava nem determinava o horário do A.;

· O A. e o colega alteraram o preço do gasóleo agrícola sem pedirem previamente autorização à R.

· Foi só quando a R. pretendeu fazer cessar o contrato de prestação de serviços que se encontrava em vigor com o A. e celebrar um contrato de trabalho, com horário determinado, retribuição e categoria, que este se recusou a tal e fez cessar o seu contrato com a R.;

· A haver contrato de trabalho, o A. o resolveu em momento em que já havia caducado o seu direito de resolver o contrato com justa causa.

· Conclui defendendo a improcedência da acção, por não provada, condenando-se o A. por litigância de má-fé.

4. O A. respondeu à contestação, alegando, em síntese, não corresponder à verdade a factualidade alegada pela R. Que a reforma por invalidez não o impedia de exercer uma atividade profissional remunerada. Que não se

verifica a caducidade do direito do A. e que quem litigava de má fé era a R. e não o A.

Reiterou os pedidos formulados no petitório.

5. Foi proferido despacho saneador e fixada a matéria de facto assente, bem como organizada a base instrutória (fls. 185 e ss.), tendo sido estas peças objecto de reclamação por parte do A. (fls. 204 e ss.), a qual foi parcialmente atendida (fls. 212-213).

6. Após a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, todavia anulada na 1.ª instância por despacho proferido a fls. 330 que, sob requerimento da R., afirmou o vício decorrente da deficiente gravação dos depoimentos prestados na audiência e declarou a nulidade dos atos ali praticados no que respeita à inquirição de testemunhas, bem como dos atos processuais posteriores dependentes do julgamento de facto, determinando a repetição da audiência de julgamento.

7. Realizada nova audiência, foi proferido despacho a decidir a matéria de facto em litígio, que não foi objeto de reclamação (fls. 358 e ss.).

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8. A Exma. Juíza proferiu, em 18 de outubro de 2012, sentença que terminou com o seguinte dispositivo:

“Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e em consequência declara-se que o “contrato de prestação de serviços” celebrado entre as partes se traduziu num verdadeiro contrato de trabalho por tempo indeterminado; que este contrato de trabalho cessou por iniciativa do A. com justa causa e por esta via, condena-se a R. no pagamento ao A. da quantia de € 68.113,18 (sessenta e oito mil cento e treze euros e dezoito cêntimos), a título de indemnização e de créditos laborais vencidos e não liquidados, acrescida do montante relativos às remunerações que o mesmo deixou de auferir, desde a indicada data, até ao trânsito em julgado da presente decisão.»

9. Inconformada com esta decisão, dela a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto.

Aqui, por Acórdão de 9 de setembro de 2013, foi deliberado:

«…. julgar procedente a apelação interposta pela R. e revogar a

sentença recorrida, absolvendo a R. de todos os pedidos formulados na ação. E não se conhece, por prejudicada, da apelação interposta pelo A.»

10. Irresignado, o A. recorre de Revista para este Supremo Tribunal de Justiça, na pretensão de ver substituída aquela decisão por outra que declare que o contrato que ligava recorrente e recorrida era um contrato de trabalho, rematou a respetiva motivação recursiva com as seguintes conclusões:

1- A livre apreciação da prova é imparcial e de impossível sindicância.

2- "O recurso sobre a matéria de facto não significa um novo julgamento, mas antes um remédio para os vícios de julgamento em 1ª instância”.

3- De facto, vem sendo entendimento dos Tribunais Superiores,

nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça (AC. de 04-01-2007, processo 4093/06) e do Tribunal Constitucional (Ac. N° 59/06 de 18-01-2006), ambos in www.dgsi.tribunaisnet.pt, que o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2a instância aprecia, em toda a sua extensão, a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento aí realizado não existisse, mas antes sim um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento.

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4- A constatação de erro de julgamento tem de resultar de uma clara

desconformidade entre a realidade de um facto relevante e a própria natureza das coisas.

5- Assim a Relação não irá procurar encontrar uma nova convicção, mas apenas verificar se a convicção expressa pelo tribunal “a quo" tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do Tribunal de recurso.

6- De facto assim tem que ser pois que o Tribunal de recurso não detém a perceção dada pela oralidade e pela imediação do julgamento. A atividade do julgador na valoração dos depoimentos tem de atender a vários fatores, como a imparcialidade, a espontaneidade, a seriedade, as hesitações, a postura, a atitude, as razões de ciência, a linguagem, o à-vontade, o comportamento, as coincidências, as contradições, a linguagem gestual dos depoentes (Ac. STJ de 14-03-2007, processo n.º 21/07, 3a Secção, Relator: Conselheiro Santos

Cabral)

7- E decorre do artigo 640°, nº 1, al. b) do NCPC (como já o anterior 685-B), que as provas a que se faz referência são provas que impõem e não que permitem uma solução diversa, pois casos há (como acontece nos presentes autos) em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.

8- A apreciação da prova pelo Tribunal da Relação está, sem prejuízo de melhor opinião, condicionada pelo princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador de 1ª instância.

9- "A garantia de duplo grau em sede de matéria de facto nunca poderá

envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência.", ou seja, o legislador garante o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, mas apenas sobre

pontos concretos e determinados e com base em concretos meios probatórios, que não todos, a especificar na motivação de recurso.

10- Sendo "de rejeitar o recurso sobre a matéria de facto quando o recorrente pretende a alteração de toda a matéria de facto alegada ou de todas as

respostas aos quesitos da base instrutória, quando elaborada, mesmo que impugnados um a um, mas que somados seja a totalidade da matéria de facto (Supremo Tribunal de Justiça, Colóquio sobre o Direito do Trabalho).

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11- Assim e porque a agora recorrida pretendeu com o recurso interposto para o Tribunal de Relação do Porto a reapreciação de toda a prova produzida em audiência, deveria o referido Tribunal ter rejeitado o recurso interposto, não o fazendo e, satisfazendo a pretensão da Ré, ali recorrente, reapreciando toda a prova produzida em audiência, assim funcionando como um verdadeiro

tribunal de instância, o Tribunal da Relação do Porto infringiu as normas de natureza processual dos artigos 685-B e 712°, nº 1 al. a) segunda parte do CPC, bem como a norma de direito substantivo constante do artigo 396º do Código Civil, devendo ser revogada a decisão do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto, mantendo-se a decisão proferida pela lª instância quanto à mesma,

12- Porque a Relação conheceu de questões que não podia tomar

conhecimento ao invés de ter rejeitado o recurso, é nesta parte nulo o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação nos termos do disposto no artigo 668°, nº 1 al. d) do CPC (artigo 615, n'' 1 al. d) parte final do NCPC)

13- Fundamento do recurso de revista é a violação da lei substantiva que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação como no erro de

determinação da norma aplicável - artigo 721°, n" 2 do CPC – podendo, no entanto, a revista, como fundamento acessório, basear-se nas nulidades do acórdão e na violação da lei do processo (artigo. 721° nº 2 parte final e artigo 722°, nº 1 do CPC)

14- Inquestionavelmente, a qualificação jurídica dos factos e as consequências jurídicas dela resultantes estão sujeitas ao controlo do STJ.

15- Pelo que no âmbito laboral é de considerar como questão de direito a aplicação ou não, a determinada relação (laboral), um determinado

instrumento de regulamentação coletiva.

16- Da especificação ficou a constar como provado que "Ao setor de atividade da ré era aplicado o CCT que nos autos é identificado" - AI. B)

17- Acontece que tal facto, provado desde o Saneador, foi ignorado pelas várias instâncias, tendo gerado a interposição de recurso pelo ora recorrente, o qual a Relação não conheceu, por entender o mesmo prejudicado pela

decisão proferida, o que constitui, como adiante veremos, nulidade nos termos do disposto no artigo 668°, nº1 al. d) do CPC (615° nº 1 al. d) do NCPC)

18- O Tribunal da Relação ao interpretar o disposto nos artigos 516° do CPC e 342°, nº 1 e 346° do Código Civil, como aplicável apenas em desfavor do autor,

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viola a lei substantiva por errada interpretação e aplicação dos artigos

referidos (artigo 722°, nº 1 do CPC) pelo que também por esta forma deverá a alteração da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação ser alvo de censura pelo Supremo Tribunal de Justiça.

19- O Tribunal da Relação do Porto deu por não escrita a matéria de facto constante do ponto 2, onde constava que o A. havia sido contratado "para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização dos legais representantes da Ré", por ser conclusiva.

20- O art. 646°, nº4, do CPC estabelece os limites de validade e atendibilidade das respostas à base instrutória e postula a polémica distinção entre "questão de facto" e "questão de direito".

21- A expressão trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização de alguém é usada na linguagem comum para traduzir urna realidade fáctica, devendo ser considerada matéria de facto, sendo que das peças processuais e do

comportamento da aqui recorrida resulta evidente que a mesma entendeu a expressão do quesito T nessa perspetiva, pelo que não corresponde a um quesito conclusivo.

22- Para que o recorrente logre provar que a atividade prestada à recorrida o era de modo juridicamente subordinado, terá, como é por demais evidente, que provar que trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da ré.

23- E, quando o mesmo termo é usado na linguagem jurídica e na linguagem comum, constando da base instrutória, sem que dela tivesse havido

reclamação, deve entender-‑se que foi empregue no sentido comum (cf., por ex., Ac dos STJ de 18/12/2002 e de 22/4/2004, disponíveis em www dgsi.pt), não devendo aplicar-se extensiva ou analogicamente o art. 646°, nº4, do CPC quando as respostas evidenciam a compreensão da realidade de facto

questionada, no contexto de facto alegado (Ac STJ de 3/11/2009, em www dgsi.pt).

24- De resto e mesmo que estivéssemos perante um quesito conclusivo, no que não se concede, sempre teríamos de concluir, na esteira do que vem sendo defendido pela jurisprudência e doutrina, que "apesar da sua natureza conclusiva, não perdem a natureza fáctica, sendo reconhecidos por si próprios, encerrando em si uma determinada ocorrência ou constatação histórica ... "

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25- Afastando o acórdão em crise dos factos provados que o trabalhador exerce a sua atividade sob as ordens direção e fiscalização de um terceiro, impede-o de fazer a prova da existência de um contrato de trabalho, violando a lei substantiva por deficiente interpretação da mesma.

26- Igual raciocínio se deverá fazer quanto às expressões omitidas dos pontos 3 e 14 dos factos provados e mais importante no que diz respeito à eliminação da expressão dependência económica constante do quesito 35° que deu lugar à primeira parte do ponto 23 dos factos provados.

27- Desta forma e em última análise, entendendo a Relação que as referidas expressões eram conclusivas, deveria no limite ter, como o fez o Ilustre Procurador Geral Adjunto, declarar a anulação da Sentença da lª instância, baixando aí os autos para reformulação da matéria constante do referido quesito!!

28- Comparando a noção de contrato de prestação de serviços com a de

contrato de trabalho verificamos que a principal diferença reside no facto de o contrato de trabalho ter como objeto uma atividade e o contrato de prestação de serviços ter como objeto o resultado do trabalho intelectual ou manual.

29- Acontece que é, no entanto, muitas vezes difícil descortinar se estamos perante um contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços.

30- Ora e por forma a obviar a esta dificuldade o Código do Trabalho (Lei 99/2003, na redação que lhe foi dada pela Lei 9/2006 aplicável nos presentes autos) estabeleceu uma presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho, assente no preenchimento de determinados requisitos, não cumulativos, (contrariamente ao entendimento constante do Acórdão em crise), os quais verificados (todos ou alguns) fazem presumir a existência de um contrato de trabalho.

31- O Recorrente no início do contrato exerceu as suas funções

consecutivamente de segunda a domingo das 13h às 20h00 e, posteriormente, de segunda a domingo das 7h00 às 13h00 e de segunda a domingo das 13h ás 20h ou às 21h em horário de verão, de modo a assegurar o posto de

estabelecimento no horário compreendido entre as 7h e as 20h (ou 21h no verão) (ponto 4 dos factos que a Relação considerou provados)

A Ré estipulava o horário de funcionamento do posto de abastecimento em que o A. exercia a sua atividade (ponto 25 parte final dos factos que a Relação considerou provados)

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A Ré não determinava nem controlava o horário em que o A. exercia as suas funções (ponto 21-A dos factos que a Relação considerou provados)

32- O Acórdão em crise entendeu que porque a recorrida apenas determinava o horário de abertura e de encerramento do posto de combustíveis, não estava o recorrente sujeito ao cumprimento de um horário de trabalho, no entanto é certo que a recorrida mesmo que pudesse não controlar o horário em que o recorrente exercia as suas funções, certo é que controlava (como decorre dos factos provados) se o posto de abastecimento estava aberto de segunda a domingo, consecutivamente, e se lá se encontrava a trabalhar ou o recorrente ou a testemunha DD que também trabalhava para a Recorrida nas mesmas condições do recorrente (ponto 19-A dos factos que a Relação considerou provados).

33- Assim (era) a recorrida que fixava (pelo menos em termos globais e

indiretamente) o horário de trabalho do recorrente, estando este vinculado ao horário de abertura e de encerramento do posto de combustíveis.

34- O Recorrente desempenhava as suas funções no posto de abastecimento propriedade da recorrida (ponto 24 dos factos que a Relação considerou provados).

35- Os instrumentos de trabalho eram da propriedade e fornecidos pela recorrida (pontos 3 e 25 dos factos que a Relação considerou provados).

36- O Recorrente trabalhava em exclusividade para a Recorrida (ponto 3 dos factos que a Relação considerou provados).

37- O Recorrente exercia as funções descritas no ponto 3 dos factos que a Relação considerou provados, as quais correspondem à categoria profissional de operador de posto de abastecimento, descritas no Contrato Colectivo de Trabalho para o Sector das Garagens, Estações de Serviço, Postos de

Abastecimento, Postos de Assistência a Pneus e Revenda e Distribuição de Gás.

38- O Recorrente trabalhava em exclusividade e estava, de facto, na dependência económica da recorrida.

39- O recorrente auferia uma retribuição variável correspondente a 1$50 por litro de combustível vendido (ponto 19-A dos factos que a Relação considerou provados), sempre liquidada no final do mês (ponto 20 dos factos que a

Relação considerou provados), ou seja com uma periodicidade certa.

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40- Que o recorrente estava sujeito à disciplina da recorrida e obedecia às ordens que lhe foram transmitidas por esta, resulta claro das próprias funções que exercia, correspondentes àquelas descritas no CCT, cabendo à recorrida determinar o "objecto" do contrato, o "quando" e o "como" era prestada a atividade, além de fornecer ao recorrente todos os meios competentes à concretização da mesma.

41- A todo o já exposto cumpre acrescentar que está provado que "O A. foi admitido ao serviço da Ré em setembro de 2001, através de contrato verbal ...

", "Sempre foi ... enquanto ao serviço da Ré um trabalhador zeloso e

dedicado", após e por causa da visita inspectiva da IGT no final de 2006, a recorrida passou os seus trabalhadores a contrato de trabalho (pontos 1, l0, 16 dos factos que a Relação considerou provados).

42- A não inscrição do recorrente na segurança social e o facto de aquele se ter inscrito como trabalhador independente e emitir recibos "verdes", em nada contribui para a qualificação do contrato celebrado entre recorrente e

recorrida pois que por um lado foram exatamente tais factos que levaram a que o recorrente rescindisse com invocação de justa causa o contrato de trabalho e por outro lado é prática comum as entidades patronais recorrerem à emissão de recibos verdes por forma a impedirem (ou tentarem fazê-lo) a qualificação como trabalhador do prestador de actividade em beneficio da empregadora, com as consequências que daí advêm.

43- Encontrando-se devidamente indiciada a existência de um contrato de trabalho, incumbia à Recorrida provar a existência de um contrato de prestação de serviços, o que a mesma não logrou fazer.

44- Provado que entre recorrente e recorrido foi celebrado um verdadeiro contrato de trabalho, necessário se torna conhecer do recurso interposto da sentença de 1ª instância e que o Tribunal da Relação não conheceu por considerar prejudicado o seu conhecimento, devendo os presentes autos baixarem ao referido Tribunal da Relação do Porto para conhecimento do Recurso da decisão de l.ª instância interposto pelo agora recorrente.

11. Contra-alegou a R., pugnando no sentido da improcedência da Revista.

12. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, onde concluiu:

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A) O Acórdão não padece de qualquer nulidade.

B) Da apreciação global feita in casu, aos indícios que se manifestam na relação contratual existente entre as partes, cremos dever concluir-se não terem sido apurados factos bastantes para caraterizar tal relação como contrato de trabalho, sendo que nos termos do artigo 342º nº1 do Código Civil, impendia sobre o recorrente o ónus de provar factos que permitissem concluir pela existência daquele contrato.

C) O recurso deverá improceder.

13. Notificado este Parecer às partes, nenhuma delas se pronunciou sobre o mesmo.

14. Distribuído o projeto pelos Exmos. Adjuntos, é altura de decidir.

*

* II

Na instância recorrida, foram considerados provados os seguintes factos:

1. O A. foi admitido ao serviço das R. em setembro de 2001 através de contrato verbal, não o tendo [a R.] inscrito na Segurança Social.

2. [……..] ([1])

3. O A. procedia ao abastecimento dos veículos que se dirigiam ao posto de abastecimento da R. para esse efeito e à entrega de combustível de

aquecimento nas residências dos clientes que o solicitavam, recebia os

pagamentos, emitia recibos e faturas, procedia à leitura dos totais registados nos contadores das bombas, fazia o fecho do “caixa” ao fim do dia, procedia à encomenda de combustíveis à BP consoante as litragens que havia nos

depósitos, providenciava pela reparação dos equipamentos das bombas através de contacto com as empresas responsáveis, quando necessário,

contabilizava os litros de combustível vendido, retirando o valor equivalente a 3$00 por litro de combustível vendido (valor que apurava e dividia com a testemunha DD), procedia aos depósitos bancários do produto destas operações e entregava periodicamente os documentos comprovativos das

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mesmas e “as contas” ao contabilista que efetuava a contabilidade da R., o que fazia em exclusividade para a R. e utilizando instrumentos propriedade desta.

([2])

4. No início do contrato, e por tempo não apurado, o autor exerceu as suas funções consecutivamente de segunda-feira a domingo das 13h às 20h,

passando depois a exercer tais funções de segunda-feira a domingo das 07h às 13h e de segunda-feira a domingo das 13h às 20h ou às 21h em horário de verão, de modo a assegurar o funcionamento do posto de abastecimento no horário compreendido entre as 07 e as 20 horas (ou 21 horas no horário de Verão), com exceção dos dias 25 de dezembro, dos dias em que se

comemoravam as festas de Sta. Ana e dos dias, em número não apurado, em que se fez substituir por outra pessoa.([3])

5. [….] ([4])

6. Como contrapartida da sua actividade, o A. auferia o valor mensal equivalente a Esc. 1$50 por cada litro de combustível vendido no posto de abastecimento de combustíveis da R. ([5])

7. O A. coletou-se como trabalhador independente. ([6])

8. E passava recibos “verdes” pela remuneração auferida ([7]) 9. […..] ([8])

10. Após visita inspetiva da IGT no final de 2006, a R. passou a pagar ao A. o vencimento mensal de € 403,00.

11. Quantia inferior à auferida pelo A. – cfr. documentos de fls. 34 a 58, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.

12. Do que este discordou perante a R.

13. O A. remeteu à R. e esta recebeu a carta documentada a fls. 30-31 dos autos, datada de 15 de fevereiro de 2007 e por si subscrita, da qual fez constar o seguinte:

“ASSUNTO: Resolução de contrato de trabalho Ex. mos Senhores.

Venho pelo presente meio comunicar a V. Exas. que, nos termos do disposto no artigo 441º e 442º do Código do Trabalho, rescindo com justa causa o contrato de trabalho convosco celebrado em setembro de 2001, pelos seguintes factos e fundamentos:

(15)

Por contrato celebrado em setembro de 2001, fui contratado para, sob as ordens, direção e fiscalização de V. Exas. exercer as funções de gasolineiro, no Posto de Combustível de V/propriedade.

Durante os primeiros seis meses de execução do contrato pratiquei o seguinte horário de trabalho:

- De segunda-feira a domingo das 13h00 às 20h00

Posteriormente passei, em regime de turno, a praticar o seguinte horário de trabalho, alternadamente dia à dia:

- De segunda-feira a domingo das 7h00 às 13h00

- De segunda-feira a domingo das 13h00 às 20h00 ou às 21 h00 em horário de verão.

Desta forma trabalhei desde setembro de 2001 sete dias por semana, sem qualquer dia de descanso semanal, apesar de diversas vezes solicitado.

Também não me foi permitido gozar qualquer dia de férias, desde o início da execução do contrato celebrado com V. Exas., numa clara violação dos meus mais precários direitos.

Por outro lado, logo após o início do contrato fui informado por V. Exas. que seria obrigado a coletar-me como comissionista e a emitir recibos verdes sobre as quantias que V. Exas me liquidavam mensalmente, situação que acabei por aceitar em virtude da necessidade que tinha de trabalhar.

No entanto, nunca fui um trabalhador independente, pois que sempre fui obrigado por V. Exas a praticar um horário de trabalho que me foi imposto, a cumprir todas as ordens que me eram diretamente transmitidas por V. Exas, não podendo faltar ao serviço em qualquer situação, caso em que corria o sério risco de ser despedido.

Assim a minha relação com V. Exas sempre configurou um verdadeiro contrato de trabalho, apesar de V. Exas nunca terem cumprido a obrigação legal de me inscreverem na Segurança Social, realizarem os descontos que a Lei impõe ao empregador e conceder-me os direitos que por Lei me estavam garantidos.

Porque sempre me impus contra a conduta de V. Exas em clara violação dos meus mais elementares Direitos e porque exigi sempre de V. Exas a

regularização da minha situação, fui agora confrontado com a indicação que a minha retribuição mensal iria ser diminuída, situação com a qual não posso de forma nenhuma aceitar.

A conduta assumida por V. Exas ao longo dos seis anos de duração do meu contrato de trabalho, claramente violadora dos meus Direitos, nomeadamente do disposto no artigo 441º, nºs 1 e 2. als. b), e) e f) do Código do Trabalho, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral e fundamenta a rescisão com justa causa do contrato de trabalho que me liga a V. Exas.

(16)

Com base nos factos e fundamentos supra descritos, de forma direta ou indireta, declaro e comunico que faço cessar com justa causa e com efeitos imediatos o meu contrato de trabalho.

Como consequência reclamo de V. Exas. o pagamento de todos os créditos salariais que me são devidos, incluindo a indemnização prevista no artigo 443º do Código do Trabalho.» ([9])

14. [……] ([10])

15. Durante o tempo em que exerceu as suas funções em benefício da R. nos termos relatados na resposta ao quesito 4.º, viu-se o A. impedido de conviver com a família e os amigos. ([11])

16. Sempre foi o A. enquanto ao serviço da R. um trabalhador zeloso e diligente.

17. O A. pelo menos em meados de 2001 estava reformado por invalidez.

18. Passando a receber da Segurança Social a respetiva pensão.

19. E quando o A. foi admitido pela R. o que sucedeu, atendendo à situação pessoal deste e a seu pedido, ficou acordado que o mesmo iria ser remunerado com a contrapartida de Esc. 3$00/litro de combustível que a R. vendesse.

19-A. O A. veio a receber 1$50 por cada litro de combustível vendido porque assim o concertou com a testemunha DD, que no referido posto de

abastecimento exercia atividade idêntica ao A.([12])

20. Pagando-se o A. no final do mês pela quantidade de combustível vendido.

20-A. Nunca o A. pôs em causa as quantias que, assim, fazia suas, perante a R.

([13])

21. Chegando o A. quando necessitava a chamar outras pessoas para o substituir.

21-A. A R. não controlava nem determinava o horário em que o A. exercia as suas funções. ([14])

22. […….] ([15])

23. A R. liquidava mensalmente ao A. uma determinada quantia, nos termos referidos nos pontos 6. e 19-A. ([16])

(17)

24. E sempre prestou a sua colaboração no posto de abastecimento propriedade da demandada.

25. Sendo todos os instrumentos de trabalho fornecidos pela R., que

estipulava o horário de funcionamento do posto de abastecimento em que o A.

exercia a sua atividade. ([17]) 26. [….] ([18])

27. [….] ([19])

III

Fundamentação de direito.

1. Enquadramento normativo: adjetivo e substantivo.

Atendendo que os presentes autos tiveram início em 21 de maio de 2007 e o acórdão recorrido foi proferido em 09 de Setembro de 2013, à revista é

aplicável o regime processual que no CPC decorrente do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, foi introduzido pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, com

exceção do regime da dupla conforme, atento o disposto no art. 7.º, n.º 1, deste diploma.

Na delimitação dos poderes do Tribunal da Relação relativamente à

reapreciação da matéria de facto, é aplicável o regime jurídico decorrente do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto.

Em termos substantivos, estando em causa a qualificação da relação jurídica estabelecida entre A. e R. desde Setembro de 2001 até Fevereiro de 2007 e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos essenciais dessa relação, é aplicável o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao DL n.º 49.408 de 24 de Novembro (LCT), não sendo, por isso, de atender à presunção estabelecida no art. 12.º do Código do Trabalho de 2003.

2. Delimitação objetiva do recurso

Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto dos recursos é delimitado pelas respetivas conclusões (art. 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), cumpre apreciar e decidir:

1. - se o Tribunal da Relação excedeu os poderes que legalmente lhe são

(18)

conferidos na reapreciação da matéria de facto (conclusões da alegação da revista n.ºs 1 a 12 e 18);

2. - se o acórdão recorrido deveria ter conhecido da aplicabilidade do CCT referido pelo A. (conclusões da alegação da revista n.ºs 13 a 17);

3. - se a matéria constante do facto provado sob o n.º 2 e as expressões dos factos 3, 14 e 35 que o acórdão recorrido decidiu eliminar do elenco dos factos provados é «conclusiva ou de direito» (conclusões da alegação da revista n.ºs 19 a 27);

4. - se o vínculo que existiu entre A. e R. deve ser qualificado como contrato de trabalho (conclusões da alegação da revista n.ºs 28 a 44).

3. Conhecendo

Em nota prévia, importará salientar que o recorrente, relativamente à

reapreciação da matéria de facto que foi levada a cabo pelo acórdão recorrido, ao considerar prejudicada a apreciação da aplicabilidade do CCT referido nos autos, acabou por concluir que o mesmo, nesses segmentos decisórios, padece de nulidade.

Verdade, todavia, que não arguiu a nulidade nos termos legalmente exigidos.

Efetivamente, conforme determina o art. 77.º, n.º 1 do CPT, «a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso», sendo tal exigência formal ditada por razões de celeridade e economia processuais, visando permitir que o Tribunal recorrido detete, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento.

Um regime que, como é jurisprudência sedimentada deste Supremo Tribunal de Justiça, se aplica, também, nos casos de arguição de nulidades de acórdão da Relação.

Ora, vendo o requerimento de interposição do recurso de Revista (fls. 616), verifica-se que a questão da nulidade do acórdão do Tribunal da Relação não foi aí sequer suscitada, pelo que, defeso se torna a este Supremo Tribunal conhecer da invocada nulidade.

Atento, porém, o teor concreto das conclusões formuladas nas alegações da revista, resulta que o recorrente, em bom rigor, pretende imputar ao acórdão recorrido «erro de julgamento» quando reapreciou a matéria de facto nos termos concretamente arguidos pela R. na sua apelação e quando não

conheceu, em concreto, da aplicabilidade do aludido CCT, por, no seu

entender, essas decisões não terem sido alcançadas de acordo com a correta aplicação das normas e fundamentos jurídicos que seriam, no seu modo de ver,

(19)

de aplicar.

Trata-se, desta arte, da impugnação do sentido decisório alcançado no acórdão recorrido, pelo que tais questões serão apreciadas nesse específico âmbito.

3.1. Da reapreciação da prova produzida e fixação da matéria de facto levada a cabo no acórdão recorrido.

Nas conclusões 1.ª a 12.ª da Revista, defende o recorrente que o Tribunal da Relação, na reapreciação da matéria de facto, não pode «procurar encontrar uma nova convicção, mas apenas verificar se a convicção expressa pelo tribunal “a quo” tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do Tribunal de recurso», estando, por isso «

condicionado pelo princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador de 1.ª instância».

No desenvolvimento do assim afirmado, que tem por axiomático, sustenta que a Relação não pode proceder à «reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», pelo que, «reapreciando toda a prova

produzida em audiência, assim funcionando como um verdadeiro tribunal de instância, o Tribunal da Relação do Porto infringiu as normas de natureza processual dos artigos 685-B e 712°, nº 1 al. a) segunda parte do CPC, bem como a norma de direito substantivo constante do artigo 396º do Código Civil

», sendo, por isso, de manter a decisão sobre a matéria de facto nos termos consignados na 1.ª instância.

Vejamos.

É entendimento reiterado e unânime, quer da doutrina, quer da

jurisprudência, que o Tribunal da Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique

qualquer uma das situações previstas no n.º 1 do art. 712.º do CPC, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (n.º 4 do mesmo preceito legal) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que entenda não estar devidamente fundamentado (n.º 5 do mesmo preceito legal).

Tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte

impugnada da decisão, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer

(20)

outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (n.º 2 do art. 712.º CPC).

Por outro lado, a determinação dos factos pela Relação, após a reapreciação da prova, decorre da análise crítica dos elementos probatórios para o efeito apreciados, de acordo com a própria convicção que a Relação sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de

direito probatório material. Ou seja, o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no n.º 1 do art. 655.º do CPC, com as limitações decorrentes do n.º 2 do mesmo preceito legal, vigora para a 1.ª instância e, de igual modo, para a Relação quando é chamada a reapreciar a matéria de facto.

Como se consignou no acórdão da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal, de 14.02.2012, proferido no Proc. 6823/09.3TBBRG.S1, «[n]o uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo art. 712º do CPC, a Relação deverá formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com a convicção que serviu de base à decisão

impugnada, em função do princípio da imediação da prova».

Aí se explicitou, ainda: que «…é fácil verificar que foi intenção do legislador, aliás expressamente confessada no relatório do DL. 39/95 e reafirmada no preâmbulo do DL 329-A/95, criar um verdadeiro duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto … desiderato (que) só pode ser completamente conseguido se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas

produzidas a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção (coincidente ou não com a formada pelo julgador da 1ª instância), no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar, de modo algum, limitada pela convicção que serviu de base à decisão

recorrida. (…) O que a Relação não deve é limitar-se a procurar determinar se a convicção (alheia) formada pelo julgador da 1ª instância tem suporte na gravação, ou limitar-se a apreciar, genericamente, a fundamentação da

decisão de facto, para concluir, sem base suficiente, não existir erro grosseiro ou evidente, na apreciação da prova, tudo em homenagem ao princípio da imediação das provas, erigido em princípio absoluto (…). Uma tal prática impede o real controlo da prova pela 2ª instância, transformando a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto numa garantia puramente virtual, praticamente inútil».

De igual modo, como recentemente se reafirmou no sumário do aresto desta Secção, de 29.10.2013, proferido no âmbito da Revista n.º 298/07, disponível

(21)

in www.dgsi.pt, «no uso dos poderes relativos à alteração da matéria de facto, conferidos pelo art. 712.º do Código de Processo Civil, a Relação deverá

formar e fazer refletir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1.ª instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova».

Ao Tribunal da Relação compete, assim, reapreciar todos os elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos e, de acordo com a convicção própria que com base neles forme, consignar os factos materiais que julga provados, coincidam, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância pois só assim atuando está, efetivamente, a exercer os poderes/

deveres que, nesse âmbito, lhe são legalmente conferidos. E, nos termos do disposto no art. 712.º do CPC, pode, e deve, fazê-lo não só em relação aos factos que concretamente sejam impugnados pelo recorrente como, ainda, ex officio, a outros que, após a sua reapreciação, conclua não estarem em

conformidade com os elementos probatórios produzidos e, ainda, em relação àqueles que precisem de ser reponderados em função das alterações que tenham sido introduzidas nos factos concretamente impugnados pelas partes de modo a que não se verifiquem contradições entre eles.

Estes amplos poderes de reapreciação da matéria de facto conferidos à Relação não são extensíveis ao Supremo Tribunal de Justiça.

Efectivamente, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, estabelecidas nos conjugados art.s 722.º, n.º 3, e 729.º, n.º 2 do CPC, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 deste último preceito legal.

Dispõe o n.º 3 do referido art. 722.º que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Por seu lado, dispõe o n.º 2 do citado art. 729.º que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 722.º».

Desta forma, no tocante à modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão com o

(22)

direito probatório material, nos estritos termos dos normativos citados.

Dizer, ao nível da decisão da matéria de facto, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça é limitada à apreciação da (in)observância das regras de direito probatório material (à denominada prova vinculada), ficando fora do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art. 712.º do CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise pelo recorrente apenas no âmbito da perceção e formulação do respetivo juízo de facto.

Ora, no caso em apreço, o recorrente não invoca que o acórdão recorrido, na reapreciação da matéria de facto, tenha afrontado as regras de direito

probatório, nomeadamente a ofensa de uma disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova.

Sustenta, antes, que o acórdão recorrido reapreciou a totalidade dos factos, e que tal não lhe era permitido.

O acórdão recorrido, neste particular, exarou a seguinte fundamentação:

«A recorrente dedica grande parte das suas alegações à impugnação da decisão de facto fixada na 1.ª instância, expressando a sua discordância no que diz respeito a um grande número de factos submetidos à instrução.

Sustenta a recorrente que a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento - concretamente, o teor dos depoimentos prestados pelas

testemunhas EE, FF, GG, DD e HH - impunha que houvesse sido dada uma resposta negativa aos factos questionados sob 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 9.º, 10.º, 14.º, 15.º, 17.º, 18.º, 19.º, 26.º, 34.º, 35.º, 37.º, 38.º e 39.º da douta base instrutória. E, paralelamente, resposta positiva às questões enunciadas nos pontos 11.º, 12.º, 13.º, 23.º, 24.º, 25.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º e 33.º da base instrutória.

Na reapreciação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, o que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na primeira instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados –, mas que, no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigue – examinando a decisão da primeira instância e respetivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.

(23)

Deve dizer-se que a jurisprudência mais recente, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer das Relações, tem vindo a acentuar que a reapreciação deve ultrapassar o mero controlo formal da motivação da decisão da 1.ª instância em matéria de facto e não se contenta com o objetivo de apenas debelar erros grosseiros na valoração da prova, assente numa hipervalorização do princípio da livre apreciação (artigo 655.º do CPC) e da imediação por parte do juiz a quo. Pelo contrário, tem-se entendido que o pleno exercício dos poderes de reapreciação da matéria de facto da Relação, exige a formação de uma convicção própria, obtida ativa e criticamente em face dos elementos probatórios indicados pelas partes ou mesmo adquiridos oficiosamente.

Assim, tendo em consideração que constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os referidos pontos da matéria de facto, por terem sido gravados os meios de prova oralmente produzidos

perante o tribunal a quo [cfr. o artigo 712.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil], conhecer-se-á do recurso interposto apreciando-se a

argumentação da recorrente no sentido de ser alterada a decisão que ficou a constar dos assinalados pontos da matéria de facto.

Para o que procedemos à audição integral dos depoimentos das testemunhas indicadas (todas as que prestaram depoimento em audiência de julgamento), bem como à análise de todos os documentos constantes dos autos.

Não perdendo de vista que, em caso de dúvida quanto à verificação dos factos que são susceptíveis de consubstanciar os elementos constitutivos de contrato de trabalho, deve a mesma ser resolvida em desfavor daquele que o invoca – o autor – e sobre quem impende o ónus da prova dos elementos caraterizadores da existência da relação laboral (cfr. os artigos 342.º, n.º 1 e 346.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil)».

De seguida, reaprecia a matéria constante do elenco dos factos provados, concretizando os respetivos números.

Vale dizer: como bem resulta da fundamentação do acórdão sob recurso, procedeu-se nele à reapreciação dos concretos pontos da matéria de facto impugnados pela R., identificando-os (pontos 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 13, 15, 16, 22, 23, 25, 26 e 27, referidos na Conclusão 4.ª da alegação do recurso de

apelação); apreciando a contradição entre os pontos 6 e 19 e 21, 26 e 27 e reformulando outros pontos da matéria de facto de forma a evitar

contradições entre eles, tendo alcançado a decisão, quanto a todos esses concretos pontos da matéria de facto, após reapreciação dos elementos probatórios indicados pela R., bem como dos documentos juntos aos autos, tudo dentro do âmbito dos poderes conferidos pelo art. 712.º do CPC, nos

(24)

termos supra explanados.

No caso, estava a Relação na posse dos mesmos elementos probatórios de que dispunha a 1ª Instância para se poder substituir a esta e proceder à

reapreciação da decisão da matéria de facto nos termos em que

concretamente foi impugnada, sem quaisquer limitações, a não ser as

impostas pelas regras de direito probatório material, como permitido pelo art.

712.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CPC.

Assim, dentro do já referido alargado âmbito de atuação, no que à

reapreciação da matéria de facto lhe é legalmente concedido, colocada na mesma posição do julgador da 1.ª Instância, nada impedia a Relação, também como tribunal de instância, de proceder às modificações que levou a efeito ou mesmo extrair ilações a partir dos factos provados, quer essas ilações

assentassem em factos já anteriormente provados, quer viessem a encontrar apoio em factos entretanto resultantes da modificação de respostas na

sequência de uma diferente valoração das provas documental e/ou testemunhal.

Aliás, a transcrita decisão da Relação reportou-se à apreciação de elementos probatórios – depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento que foram gravados, bem como nos documentos juntos aos autos pelas partes – submetidos ao princípio da livre apreciação da prova e,

portanto, à livre convicção do julgador (art. 376.º, n.º 1 e 396.º do Código Civil e art. 655.º, n.º 1 do CPC) e de acordo com os critérios legalmente

estabelecidos para o efeito nos citados art.s 342.º, n.º 1 e 346.º do Código Civil e 516.º do CPC.

Deste modo, não tendo sido alegado que, naquela reapreciação, a Relação haja ofendido qualquer disposição expressa de lei impositiva de certa espécie de prova para a existência do facto ou fixadora da força de determinado meio de prova, torna-se imperioso concluir que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre o invocado erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (artigos 712.º, n.º 6, 722.º, n.º 3, e 729.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), subsistindo, por isso,

intocável a matéria de facto fixada pela Relação.

Não se vislumbra, outrossim, que na reapreciação da matéria de facto que levou a cabo o acórdão recorrido tenha extravasado o legalmente permitido, ou que o tenha feito em desconformidade com os parâmetros legalmente fixados, não se mostrando, por isso, violado o disposto nos invocados art.s 516.º; 685.º-B e 712.º, n.º 2, al. a) do CPC e art.s 342.º, n.º 1; 346.º e 396.º do

(25)

Código Civil.

Improcedem, assim as Conclusões 1.ª a 12.ª e 18.º da alegação da Revista.

3.2. Da não pronúncia, pelo acórdão recorrido, sobre a aplicabilidade do CCT referido pelo A.

Nas conclusões 13.ª a 17.ª da Revista, sustenta o recorrente que estando provado que «ao setor de atividade da ré era aplicado o CCT que nos autos é identificado», deveria o Tribunal ter-se pronunciado sobre a aplicação do mesmo ao contrato que manteve com a R., tendo, ao invés, tal facto sido

«ignorado pelas várias instâncias, tendo gerado a interposição de recurso pelo ora recorrente, o qual a Relação não conheceu por entender o mesmo

prejudicado pela decisão proferida, o que constitui, nulidade nos termos do disposto no art. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC».

Como se deixou já referido, atenta a forma como o recorrente impugna, nesta parte, o acórdão recorrido, contrariamente ao que sustenta, não se trata de uma questão que seja reconduzível à existência de nulidade (sendo certo que, como se afirmou também, a sê-lo, a mesma não poderia ser conhecida por este Supremo Tribunal), mas de erro de julgamento pois, no ver do recorrente, o acórdão recorrido errou ao ter decidido não conhecer dessa questão,

afirmando estar esse conhecimento prejudicado em função do juízo decisório que alcançou relativamente à qualificação do vínculo jurídico que uniu A. e R..

Efetivamente, tal como o próprio recorrente acaba por admitir, o Tribunal da Relação não omitiu pronúncia, tendo, antes, referido que a apreciação da questão que lhe foi colocada para apreciação no âmbito do recurso de apelação, reportada à aplicabilidade do CCT referido nos autos, ficou prejudicada em função da decisão que alcançou no sentido da não demonstração da existência de um contrato de trabalho.

Neste âmbito, o acórdão recorrido, exarou o seguinte:

«6.6. Por força desta decisão fica prejudicada a apreciação da questão da aplicabilidade do Contrato Coletivo de Trabalho publicado no BTE n.º 37 de 08 de Outubro de 1978, colocada no recurso interposto pelo A. e que a este

Tribunal da Relação caberia agora conhecer, caso considerasse que as partes estiveram vinculadas através de um contrato individual de trabalho durante o período que decorreu entre setembro de 2001 e fevereiro de 2007, o que não sucedeu.».

(26)

Na delimitação das questões a resolver, dispõe o art. 608.º, n.º 2 do CPC (na versão atual aplicável à revista e correspondente ao art. 660.º, n.º 2 do CPC anterior): «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Como resulta, claramente, da primeira parte desta disposição legal, o juiz, tendo o dever de conhecer de todas as questões que sejam colocadas à sua apreciação, não o deve fazer quanto àquelas (“excetuadas”) cujo

conhecimento, por causa da solução já alcançada quanto a outra questão que, lógica e juridicamente a preceda, torne desnecessário o seu conhecimento (prejudique a sua decisão).

Foi exactamente isso que aconteceu no caso em apreço.

O acórdão recorrido apreciou a questão relativa à qualificação do vínculo que uniu A. e R. e decidiu que o mesmo não assumiu natureza laboral, não se tratando, por isso, de um contrato de trabalho. Não estando perante um contrato de trabalho, necessariamente, ficava prejudicada a apreciação da aplicabilidade, ou não, do aludido CCT, porquanto este Instrumento de Regulamentação Coletiva tem o seu âmbito de aplicação delimitado às relações laborais. Que o mesmo é dizer, a partir do momento em que se decidiu que não ficou demonstrada a existência de um contrato de trabalho que vinculasse, nesses termos, A. e R., deixou de ser relevante apreciar se seria aplicável um CCT que só poderia vir a sê-lo desde que tivesse ficado afirmada a natureza laboral do vínculo que os uniu.

Deste modo, nada há, neste âmbito, a censurar ao acórdão recorrido, improcedendo as Conclusões 13.ª a 17.ª da alegação da Revista.

3.3. Da matéria de facto com natureza conclusiva.

Prossegue o recorrente, nas Conclusões 19.ª a 27.ª, afirmando que o acórdão recorrido ao eliminar a matéria constante do ponto 2 e as expressões dos pontos 3, 14 e 35, por as considerar conclusivas ou de direito, «impede-o de fazer a prova da existência de um contrato de trabalho, violando a lei

substantiva por deficiente interpretação da mesma», sendo certo, de todo o modo, que assim o tendo entendido, deveria ter declarado «a anulação da sentença da 1ª instância, baixando aí os autos para reformulação da matéria constante do referido quesito».

Sustenta, assim, que a matéria e expressões consignadas nos factos provados

(27)

sob os n.ºs 2, 3, 14 e 23, eliminada/suprimidas pelo acórdão recorrido, por terem natureza conclusiva, não o poderiam ter sido porquanto não assumem essa natureza.

O acórdão recorrido, por entender tratar-se de matéria manifestamente conclusiva:

- eliminou a matéria constante do n.º 2, com o seguinte teor: “Para trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização, dos legais representantes da R.”;

- eliminou as expressões da matéria constante do n.º 3, com o seguinte teor: “ exercendo funções inerentes à categoria de abastecedor de combustíveis”;

- eliminou a matéria constante do n.º 14, com o seguinte teor: “o A. exercia funções inerentes à categoria de operador de posto de abastecimento, fazendo ainda a caixa do dia, e tarefas similares melhor descritas no art. 37.º da p.i., cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido”; e

- eliminou a expressão do n.º 23.º, com o seguinte teor: “O A. estava na dependência económica da R.”.

- em relação à matéria dos factos n.ºs 3 e 14, após reapreciar os elementos probatórios produzidos nos autos, consignou as tarefas que, em concreto, o A.

desempenhou enquanto se manteve vinculado à R., ou seja, concretizou os factos que poderiam preencher as aludidas expressões jurídico/valorativas.

Procedeu a esta alteração, exarando a seguinte fundamentação:

«…verificamos que a matéria enunciada no quesito 2.º tem um caráter manifestamente conclusivo, na medida em que na ação está justamente em causa saber se a atividade que o A. se obrigou a prestar no posto de

combustível da R. era prestada de modo juridicamente subordinado ou com autonomia, para integrar as relações contratuais estabelecidas no modelo do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviço previstos,

respectivamente, nos artigos 1152.º e 1154.º do Código Civil.

Com efeito, a tradicional definição do contrato de trabalho reporta-se à prestação de trabalho sob as ordens, direção e fiscalização do empregador, mediante o pagamento de uma retribuição. A enunciação das hipóteses legais, que evoluiu ao longo do tempo – cfr. o artigo 1.º da LCT, aprovada pelo

Decreto-Lei n.° 49.408, de 24 de novembro de 1969, e os artigos 10.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, e 11.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro –,

conteve sucessivamente a referência à prestação da atividade “sob a

autoridade e direção”, ou “no âmbito da organização e sob a autoridade do empregador”, pelo que o poder de o credor da prestação conformar e dirigir, através de ordens e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou,

(28)

bem como de fiscalizar a atividade deste, se compreende no exercício da

autoridade e na correspondente subordinação jurídica, ou seja, toca no núcleo irredutível do contrato de trabalho.

Assim, embora a expressão “trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização”

de alguém, seja utilizada na linguagem comum para traduzir uma realidade fáctica e, nessa medida, possa, em certas circunstâncias, ser considerada como matéria de facto, isso não sucede quando numa ação o thema

decidendum consiste justamente em saber se determinado contrato reveste, ou não, natureza laboral. Sendo tal juízo o ponto essencial da discussão entre as partes, a questão da subordinação jurídica situa-se no domínio das

realidades cujo conhecimento só pode ser adquirido através da interpretação e aplicação da lei, apresentando-se, pois, como questão de direito, que não pode ser resolvida no âmbito da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Nesta hipótese, se as referidas expressões valessem como verdadeira e

própria matéria de facto, já encerrariam ou poderiam encerrar a resolução da concreta questão de direito que é objeto da ação, o que implica que tenham de se considerar não escritas as respetivas respostas, nessa parte, nos termos do n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil.

Impõe-se, pois, expurgar da matéria de facto o conteúdo da resposta ao quesito 2.º (correspondente ao ponto 2. da matéria de facto), uma vez que o mesmo encerra exclusivamente as assinaladas expressões de natureza conclusiva (cfr. o artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil), considerando-o não escrito.»

(….)

Em suma, perante o teor conclusivo da resposta ao quesito 2.º e perante a insuficiência da prova para que se considerem provados, quer factos materiais suscetíveis de concretizar aquelas conclusões, quer os factos quesitados no ponto 34.º da base instrutória, deve considerar-se não escrita a referida

matéria conclusiva e não provada a demais, eliminando-se da matéria de facto elencada na sentença os seus números 2. e 22.

Cabe notar que a supressão das expressões de cariz jurídico-conclusivo, não tem a virtualidade de afastar a valoração dos concretos factos que constem da matéria de facto provada susceptíveis de infirmar a existência de

subordinação jurídica ou de a indiciar, dado que é, precisamente, com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo relativo à existência, ou não, da subordinação, e não a partir de expressões conclusivas que representam

conceitos que não podem ser objecto de prova, como a autonomia da

prestação ou a existência, ou não, de fiscalização das tarefas desenvolvidas.

(….)

«Constitui função do Tribunal da Relação, no que diz respeito ao facto de

(29)

natureza conclusiva, cuidar, oficiosamente, da observância do estipulado no n.º 4 do artigo 646.º citado, tendo tal matéria por não escrita [artigo 712.º, n.º 1, alínea b) do CPC] e cabe-lhe reapreciar a prova produzida a este propósito.»

(….)

Os quesitos 3.º e 16.º tinham a seguinte redação:

«3.º - E exercendo funções inerentes à categoria de abastecedor de combustíveis em exclusividade para a R. e utilizando instrumentos propriedade desta? (….)

16.º - O A. exercia as funções inerentes à categoria de operador de posto de abastecimento, fazendo ainda a caixa do dia e tarefas similares melhor descritas no art. 37º da p.i., cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido?»

Estes quesitos receberam a resposta de “provado”, e “provado apenas que o A.

também desempenhava as funções aqui descritas”, passando a figurar no elenco fáctico alinhado na sentença sob os pontos 3. e 14., que ficaram com o seguinte teor:

3. E exercendo funções inerentes à categoria de abastecedor de combustíveis em exclusividade para a R. e utilizando instrumentos propriedade desta.

14. O A. exercia as funções inerentes à categoria de operador de posto de abastecimento, fazendo ainda a caixa do dia e tarefas similares melhor descritas no art. 37º da p.i., cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido.»

(…)

No que diz respeito às funções de que o A. foi incumbido, alega a R.

recorrente que a execução do contrato firmado, em Setembro de 2001, com a ré compreendia toda a actividade de gestão e logística inerentes ao

funcionamento do posto de abastecimento e não apenas as funções inerentes à categoria de abastecedor de combustíveis, pelo que, de acordo com a prova produzida em audiência, a resposta ao quesito 3.º da douta base instrutória deveria ter sido ou «não provado», ou «provado que o autor exerceu as funções de gestão e logística inerentes ao funcionamento do posto de

abastecimento», devendo ser revogada a sentença proferida relativamente aos pontos 3. e 14. da matéria de facto.

(….)

Em conformidade, elimina-se o ponto 14. da matéria de facto e o ponto 3. da mesma matéria passará a ter o seguinte teor:

3. O A. procedia ao abastecimento dos veículos que se dirigiam ao posto de abastecimento da R. para esse efeito e à entrega de combustível de

aquecimento nas residências dos clientes que o solicitavam, recebia os

pagamentos, emitia recibos e faturas, procedia à leitura dos totais registados

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