UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ CENTRO DE TECNOLOGIA CURSO DE ENGENHARIA AMBIENTAL
THAIRIANNY DE SOUSA XAVIER FREITAS
AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DA PRODUÇÃO DE NANOCRISTAIS DE CELULOSE A PARTIR DAS FIBRAS DA PRENSAGEM DO MESOCARPO DO DENDÊ
AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DA PRODUÇÃO DE NANOCRISTAIS DE CELULOSE A PARTIR DAS FIBRAS DA PRENSAGEM DO MESOCARPO DO DENDÊ
Monografia apresentada ao Curso de Engenharia Ambiental do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Engenharia Ambiental.
Orientador: Prof. Dr. Francisco Suetônio Bastos Mota
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca de Ciências e Tecnologia
F938a Freitas, Thairianny de Sousa Xavier.
Avaliação do ciclo de vida da produção de nanocristais de celulose a partir das fibras da prensagem do mesocarpo do dendê / Thairianny de Sousa Xavier Freitas. – 2016.
71 f. : il. color.
Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Ceará, Centro de Tecnologia,
Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental, Curso de Engenharia Ambiental, Fortaleza, 2016.
Orientação: Prof. Dr. Francisco Suetônio Bastos Mota. Coorientação: Profa. Dra. Maria Cléa Brito de Figueirêdo.
1. Nanocristais - Celulose. 2. Impactos ambientais. 3. Desenvolvimento de produto. I. Título.
AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DA PRODUÇÃO DE NANOCRISTAIS DE CELULOSE A PARTIR
DAS FIBRAS DA PRENSAGEM DO MESOCARPO DO DENDÊ
Monografia apresentada ao Curso de Engenharia Ambiental do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Engenharia Ambiental.
Aprovada em: / / .
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Francisco Suetônio Bastos Mota (Orientador) Universidade Federal do Ceará (UFC)
Profª.Dr.ª Maria Cléa Brito de Figueirêdo (Co-orientadora) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA)
Primeiramente a Deus por tornar possível a realização deste trabalho.
A meus pais, por me oferecerem todas as condições que estavam ao seu alcance para que a minha educação pudesse ser concretizada. Ao meu irmão por toda a paciência, apoio e compreensão durante todo o período de graduação.
À professora Ana Bárbara pela indicação à bolsa. A Universidade Federal do Ceará pelos conhecimentos adquiridos no curso de Engenharia Ambiental e à EMBRAPA por disponibilizar toda a sua estrutura para o desenvolvimento da pesquisa.
A toda a equipe do Laboratório de Efluentes e Qualidade de Água do Instituto de Ciências do Mar (LABOMAR - UFC), pela grande ajuda e todo o tempo e trabalho dedicados às analises, sem as quais, não seria possível a realização deste trabalho.
Ao Laboratório de Tecnologia da Biomassa (LTB), por sua excelente estrutura e organização e pela incrível equipe que o compõe, em especial à Tayane de Lima, Ana Paula Sampaio, Edilene Pereira e toda a equipe ACV, pelo tempo, conhecimento e paciênciavoltados à pesquisa.
A Nágila Freitas Souza e José Aurélio Pinheiro por todos os dias de trabalho nos laboratórios, por tudo que me ensinaram, pelo incentivo e paciência nos momentos mais difíceis. Sem vocês eu não teria feito absolutamente nada!
Ao professor Francisco Suetônio pelos conhecimentos que transmitiu durante o curso, poraceitar me orientar e por toda a rapidez e ajuda que disponibilizou durante o desenvolvimento do estudo.
À pesquisadora Cléa Figueirêdo pela oportunidade, todo o tempo, conhecimento, ajuda apoio, compreensão e paciência oferecidos durante o decorrer da pesquisa, sem os quais seria impossível concluir este trabalho.
À Kílvia, Évila, Évellyn, Victória, Hediberto, Naassom e todos que pude conhecer ao longo desses cinco anos, pela amizade e pela ajuda em todos os momentos.
Na busca por uma produçãomais sustentável e com o intuito de agregar valor à cadeia do
biocombustível, as fibras de dendê apresentam-se como uma fonte em potencial de
nanocelulose cristalina (NCC), que têm propriedades físico-química promissoras para
aplicação em novos materiais. Assim, o objetivo desse trabalho é avaliar os impactos
ambientais da obtenção de 1g de NCC, em escala laboratorial, a partir das fibras da prensagem
do mesocarpo de dendê (FPMD). O estudo foi realizado com base na Avaliação do Ciclo de
Vida, conforme as normas ISO 14041 e 14044, bem como avaliar cenários para redução desses
impactos, além de comparar seu desempenho ambiental com outras fibras e realizar análise
de erro dos resultados. O método utilizado foi o ReCiPe midpoint hierárquico para avaliar as
seguintes categorias de impacto: mudanças climáticas (MC), acidificação do solo (AS),
depleção hídrica (DH), toxicidade humana (TH), eutrofização marinha (EM) e de água doce
(EAD). A produção de NCC de dendê abrange os processos de moagem, polpação acetosolv
com ácido acético catalisado com ácido clorídrico, branqueamento com peróxido de
hidrogênio, hidrólise com ácido sulfúrico, centrifugação e diálise. Além desses processos
relacionados à extração de NCC, também integraram essa análise os seguintes processos:
produção de cachos de dendê, prensagem do mesocarpo, e produção de insumos
(agroquímicos, energia e reagentes químicos). Observou-se que os processos de
branqueamento das FPMD e centrifugação da solução com NCC são os mais impactantes,
principalmente devido à demanda energética. No mix de produção energética do Brasil, a
energia obtida a partir de carvão mineral resulta na emissão de compostos de enxofre e
nitrogênio, contribuindo para as categorias AS, TH, EM e EAD. A produção de energia
hidroelétrica é o fator que mais influencia na categoria MC devido às emissões de metano e
gás carbônico gerados pela degradação da matéria orgânica presente nas áreas inundadas.
Em busca de melhoramentosdo desempenho ambiental da produção de NCC, foram avaliados
os seguintes cenários alternativos de produção de NCC: A) redução do tempo do
branqueamento de 2,5 para 2h; B) redução da concentração do peróxido de 30 para 20%; C)
redução do tempo da polpação de 3 para 1,5h e utilização de peróxido 20%. Concluiu-se que,
todos esses cenários acarretaram redução dos impactos, com uma maior relevância para o
cenário C, que resultou em maior redução em EAD (15,5%) e TH (19,9%). Comparando os
apresentaram maior impacto ambiental principalmente devido ao maior consumo de energia
e menor rendimento, calculado como a razão entre a massa de NCC e a massa de FPMD (6%).
Os impactos analisados para os NCC de CCV foram os menores, devido ao melhor rendimento
(11%) e utilização de tratamento físico (ultrassom) ao invés de hidrólise ácida. Quanto aos NCC
de LA, os melhores resultados são devido aos processos envolvidos basicamente
resumirem-se a hidróliresumirem-se ácida, uma vez que a matéria-prima apreresumirem-senta pouco teor de lignina. Conclui-resumirem-se
que é necessária a investigação de novas alternativas de produção para tornar o processo de
produção de NCC a partir da FPMD atrativo em termos de desempenho ambiental, como a
utilização da rota mecânica, ao invés da química para hidrólise da celulose.
In the search for more sustainable production and in order to add value to biofuel chain, palm
fibers present as a potential source of crystalline nanocellulose (NCC), which have
physicochemical properties promising for application in new materials . The objective of this
study is to evaluate the environmental impacts of obtaining 1g of NCC, in laboratory scale,
palm pressed fiber (FPMD). The study was conducted based on the Life Cycle Assessment,
according to the ISO 14041 and 14044 standards, and assess scenarios for impact mitigation
and to compare their environmental performance with other fibers and perform error analysis
of the results. The method used was the ReCiPe hierarchical midpoint to assess the following
impact categories: climate change (MC), terrestrial acidification (AS), water depletion (DH),
human toxicity (TH), marine eutrophication (EM) and freshwater (EAD). The production of NCC
palm covers the processes of grinding, pulping acetosolv with acetic acid catalyzed with
hydrochloric acid, bleaching with hydrogen peroxide, sulfuric acid hydrolysis, centrifugation
and dialysis. In addition to these proceedings related to NCC extraction, also integrated this
analysis the following processes: production of palm bunches, mesocarp pressing, and
production inputs (pesticides, energy and chemicals). It was observed that the bleaching
processes of the FPMD and centrifuging the solution NCC are most impactful, mainly due to
energy demand. In the power generation mix in Brazil, the energy obtained from coal results
in the emission of sulfur and nitrogen compounds, contributing to the categories AS, TH, EM
and EAD. The production of hydroelectric power is the factor that most influences in the
category MC due to emissions of methane and carbon dioxide generated by the breakdown
of organic matter in flooded areas. In pursuit of environmental performance improvements
of NCC production, were assessed the following alternative scenarios NCC production: A)
reducing the bleaching time of 2.5 to 2 hours; B) reduction of peroxide concentration from 30
to 20%; C) reduction of the 3 pulping time for 1.5h and use of peroxide 20%. It was concluded
that all of these scenarios led to reduction of impacts, with greater relevance to the scenario
C, which resulted in greater reduction in EAD (15.5%) and TH (19.9%). Comparing the impacts
of the NCC of palm oil produced in scenario C with NCCs obtained from other sources such as
coconut husk (CCV) and cotton lint (LA), it is observed that the NCC palm showed greater
environmental impact mainly due to increased consumption and less energy yield, calculated
rather than acid hydrolysis. As for the NCC LA, the best results are mainly due to processes
involved summarizing by acid hydrolysis, since the raw material has little lignin. It follows that
the research of new production alternatives is necessary to make the NCC production process
from the FPMD attractive in terms of environmental performance, such as the use of
mechanical route, rather than chemical for cellulose hydrolysis.
Figura 1 - Dendê e seus componentes ... 20
Figura 2 - Resultados de análise de erro ... 39
Figura 3 - Esquema do estudo ACV ... 47
Figura 4 - Sistema de produto ... 54
Figura 5 - Impactos ambientais da produção de NCC de FPMD ... 59
Figura 6 - Impactos ambientais do branqueamento ... 60
Figura 7 - Impactos ambientais por cenário ... 61
Figura 8 - Comparação entre as diferentes fibras ... 62
Figura 9 - Análise de erro entre a produção tradicional de NCC de dendê e o cenário C ... 63
Figura 10 - Análise de erro: cenário C e nano-algodão ... 63
Figura 11 - Análise de erro entre o cenário C e Coco IV ... 64
Figura 12 - Análise de incerteza entre dendê cenário C e nano- coco 1 ... 65
Tabela 1 - Componentes lignocelulósicos das FPMD ... 18
Tabela 2- NFC e NCC: sinônimos e médias de tamanhos ... 19
Tabela 3 - Composição percentual para 1 kg de cachos de dendê ... 20
Tabela 4 - Maiores produtores de óleo de palma no mundo ... 21
Tabela 5 - Cotação dos componentes de fibras lignocelulósicas ... 21
Tabela 6 -Emissões de CO2 por habitante em um ano para diferentes países. ... 27
Tabela 7 - Depleção de recursos naturais ... 29
Tabela 8 - Mudanças climáticas ... 31
Tabela 9 - Depleção da camada de ozônio ... 32
Tabela 10 - Substâncias relacionadas à eutrofização ... 33
Tabela 11- Acidificação do solo ... 34
Tabela 12 - Oxidantes fotoquímicos... 35
Tabela 13 - Modelos de caracterização recomendados pelo ILCD para cada categoria de impacto ambiental ... 36
Tabela 14 - Estudos de ACV analisados de produção de nanomateriais ... 41
Tabela 15 - Fontes secundárias dos dados ... 48
Tabela 16 - Métodos empregados para determinação de parâmetros químicos de qualidade de água ... 50
Tabela 17 - Produção de FPMD e respectivas alocações. ... 51
Tabela 18 - Inventário do processo de obtenção de NCC – Dados primários ... 56
Tabela 19 - Parâmetros resultantes da análise dos efluentes ... 58
ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas
ABRAPALMA – Assossiação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma
ACV – Avaliação do Ciclo de Vida
AE – Acumulação em Excesso
CCl4– Tetracloreto de carbono
CFC – Clorofluorcarbonos
CF4 – Tetrafluoreto de carbono
CH3Br – Bromometano
CH3Cl – Clorometano
CH4– Metano
Ce – Consumo Energético
CETESB – Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental CMF – Nanocelulose Nanofibrilada
CO2 – Dióxido de Carbono
CO2-eq – Dióxido de Carbono equivalente
Cpu – Capacidade Utilizada
Cpmáx – Capacidade Máxima
CTU – Unidades de Tóxicos Comparativas
DBO – Demanda Bioquímica de Oxigênio
DQO – Demanda Química de Oxigênio
FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
HCFC – Hidroclorofluorcarbonos
HCl – Ácido Clorídrico
HF – Ácido Fluorídrico
HNO3– Ácido Nítrico
H3PO4– Ácido
ILCD – Sistema Internacional de Dados do Ciclo de Vida
IPCC – Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas
ISO – Organização Internacional para Padronização
MFC – Celulose Nanofibrilada
MIRO – Máximo Incremento da Reatividade do Ozônio
MOS – Matéria Orgânica do Solo
N – Nitrogênio
NA – Nitrogênio Amoniacal
NBR – Norma Brasileira
NCC – Nanocristais de Celulose
NFC – Celulose Nafibrilada
NH3– Amônia
NH4 +– Amônio
NO – Monóxido de Nitrogênio
N2O – Óxido de dinitrogênio
NO2– Dióxido de Nitrogênio
NTK – Nitrogênio Kjehdal
Óleoeqv– Óleo equivalente
OMM – Organização Meeteorológica Mundial
P – Fósforo
PA – Potencial de Acidificação
PAG – Potencila de Aquecimento Global
PDO – Potencial de Depleção do Ozônio
PFOF – Potencial de Formação de Oxidantes Fotoquímicos
pH – Potencial Hidrogeniônico
𝑃𝑂4 3−– Íon fosfato
Pot – Potência
PRCO – Potencial de Redução da Camada de Ozônio
SETAC – Sociedade de Toxicologia Ambiental e Química
SF6– Hexafluoreto de enxofre
SO2– Dióxido de enxofre
SO2 eqv– Dióxido de enxofre equivalente
Tu – Tempo Utilizado
UNEP – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
USDA – Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
UTC – Unidade Tóxica Comparativa
UTCe – Unidade Tóxica Comparativa para ecossistemas
1 INTRODUÇÃO ... 15
1.1 Objetivos ... 15
1.1.1 Objetivo Geral ... 15
1.1.2 Objetivos Específicos ... 15
2 REVISÃO DA LITERATURA ... 17
2.1 Celulose ... 17
2.2 Hemicelulose ... 17
2.3 Lignina ... 17
2.4 Nanocristais de celulose e nanocelulose microfibrilada ... 18
2.4.1 Obtenção de nanocristais de celulose (NCC) ... 18
2.4.2 Hidrólise ácida ... 19
2.5 Dendê ... 20
2.6 AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DE UM PRODUTO (ACV) ... 21
2.6.1 Definição do objetivo e escopo ... 22
2.6.2 Inventário ... 24
2.6.3 Alocação: o que é, quando utilizar e quais critérios podem ser utilizados? ... 25
2.6.4 Avaliação de impactos: como a avaliação de impactos é feita na ACV e quais categorias de impacto são usualmente avaliadas? ... 26
2.6.5 Modelos de caracterização ... 27
2.6.6 Interpretação dos resultados: como avaliar a incerteza dos dados... 37
2.6.7 Análise de incerteza - Monte Carlo ... 38
2.6.8 ACV e nanotecnologia ... 39
3 Materiais e métodos ... 46
3.1 Objetivos, função, unidade funcional e escopo do estudo ... 46
3.2 Inventário ... 48
3.2.1 Coleta de dados primários ... 49
3.2.2 Procedimento para adaptação do inventário agrícola do dendê e de extração das FPMD (dados secundários) ... 50
3.2.3 Descrição do processo de obtenção dos NCC (dados primários) ... 51
3.2.4 Alocação dos dados ... 53
3.3 Avaliação de impactos ... 53
3.4 Análise de cenários... 53
4 Resultados e discussão ... 55
4.1 Análise de inventário ... 55
4.2.2 Comparação entre os NCC obtidos a partir de diferentes fibras ... 61
4.3 Análise de erro ... 62
5 CONCLUSÃO e recomendações ... 66
1 INTRODUÇÃO
A crescente preocupação com a questão ambiental exige que o atual modelo de produção industrial sofra modificações, a fim de que se torne mais sustentável. Uma das formas de alcançar tal meta é adotar uma produção baseada em materiais de origem biológica, como a celulose e a lignina, que possuem diversas origens, dentre elas estão os resíduos fibrosos da agroindústria.
A utilização de tais fibras no desenvolvimento de novos produtos pode resultar em uma menor utilização de recursos não renováveis, uma maior biodegradabilidade dos produtos após sua disposição final, além de um aumento de valor agregado tanto para produtos provenientes de resíduos fibrosos da agroindústria, quanto para fibras vegetais. Essas fibras, após o processamento, vêm sendo majoritariamente utilizadas para produção de energia na forma de calor, como as fibras resultantes do processo de produção do óleo de palma. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), foram produzidas cerca de 143,78 milhões de toneladas de fibras da prensagem do mesocarpo do dendê (FPMD), que resultam daprodução de óleo de palma. Entretanto, outros usos de maior valor agregado são possíveis para as fibras lignocelulósicas.
Uma possível forma de desenvolvimento de produtos está na nanotecnologia, através da produção de nanocristais de celulose (NCC) ou nanocelulose. Esses materiais possuem diversas aplicações, por exemplo, na indústria alimentar com o desenvolvimento de filmes para embalagem de alimentos. Também se podem citar aplicações desses materiais na indústria farmacêutica, na área médica e na produção de biocompósitos, que por conta de características como resistência e biodegradabilidade, revelam-se bastante interessantes para uma produção sustentável (BECK et al., 2010; BRINCHI et al., 2013; GIRI e ADHIKARI, 2013;
PENG et al. 2011).
1.1 Objetivos
1.1.1 Objetivo Geral
Avaliar os impactos ambientais resultantes da produção de nanocristais de celulose a partir das fibras da prensagem do mesocarpo do dendê (FPMD).
1.1.2 Objetivos Específicos
- Inventariar os consumos e emissões da produção de NCC a partir das FPMD;
- Identificar os pontos críticos da produção;
2 REVISÃO DA LITERATURA
Os materiais provenientes das fibras lignocelulósicas, como celulose, lignina e hemicelulose, possuem aplicações interessantes, que podem vir a gerar valor agregado a esses materiais, sendo assim, tais estruturas são descritas a seguir.
2.1 Celulose
Componente da parede celular dos vegetais, a celulose é um polímero de cadeia linear de moléculas de glucose, cuja unidade de repetição é composta por dois anéis de anidroglucose ((C6H10O5)n); n=10000-15000, em que o valor de n depende do recurso do qual a celulose é proveniente. Os anéis são ligados entre si por intermédio de um oxigênio covalentemente ligado ao carbono 1 (C1) de um anel e carbono 4 (C4) da glucose do anel adjacente. Essa ligação é chamada de β-1,4-glicosídica (KLOCKet al.,2005; MOON et al. 2011).
A celulose é o recurso mais abundante na Terra, podendo ser encontrada em árvores, plantas, criaturas marinhas (tunicados), algas, fungos, invertebrados e bactérias.Algumas bactérias excretam a celulose formando uma rede estrutural externa chamada de celulose bacteriana (LAVOINE et al. 2012; MOON et al. 2011).
O empilhamento paralelo de múltiplas cadeias de celulose forma as fibrilas elementares, que se agregam e formam as microfibrilas. Dentro dessas fibrilas de celulose existem regiões nas quais as cadeias de celulose estão arranjadas em estruturas altamente organizadas (cristalinas) e regiões que são desorganizadas (regiões amorfas).
2.2 Hemicelulose
A hemicelulose corresponde a uma associação de cadeias poliméricas de polissacarídeos de baixa massa molecular, caracterizando tal estrutura como uma variedade de componentes poliméricos, podendo haver em sua composição açúcares diversos, como xilose, manose e galactose, por exemplo ( KLOCK et al., 2005; NASCIMENTO, 2014; SOUZA, 2014).
2.3 Lignina
A lignina é o segundo polímero mais abundante na natureza, entre os vegetais,estando associada com a celulose e a hemicelulose, variando de acordo com as fibras consideradas, além de fatores como idade da palnta e estação do ano, por exemplo. Seu percentual na massa seca das plantas varia na faixa de 15 a 40% (GHAFFAR, 2013).
componentes das fibras vegetais, a lignina oferece grande resistência para sua remoção, demandando a realização de pré-tratamentos.
Para as FPMD foram obtidas os percentuais de componentes lignocelulósicos listados na Tabela 1.
Tabela 1 - Componentes lignocelulósicos das FPMD
Componentes Percentual nas fibras naturais (%)
Lignina 30,5
Hemicelulose 4,6
Celulose 37,5
Outros 27,4
Fonte: adaptado de Souza, 2014.
2.4 Nanocristais de celulose e nanocelulose microfibrilada
Nanocristais de celulose são materiais em que pelo menos uma de suas dimensões possui valores menores que 100nm, sendo extraídos dos domínios cristalinos (SILVA et al., 2009;
MOON et al., 2011) presentes na celulose. São obtidos de diferentes fontes, como tunicados,
sisal (REBBOILAT, 2013), palha de trigo (DUFRESNE, 2012), fibras da prensagem do mesocarpo do dendê(SOUZA et al. 2015), casca de coco verde (ROSA et al., 2010; NASCIMENTOet al., 2014) e algodão (MORAIS et al., 2013). Para produzir a nanocelulose microfibrilada (MFC),
podem ser utilizadas fontes como madeira, lufa cilíndrica, sisal, celulose microfibrilada (LAVOINE et al., 2012), palha de trigo, casca de soja (ALEMDAR, 2008) e também as fibras de dendê (SOUZA et al., 2015).
2.4.1 Obtenção de nanocristais de celulose (NCC)
O isolamento de nanocristais de celulose (NCC) a partir de materiais de base celulósica ocorre em duas fases: i) pré-tratamento e ii) tratamento químico. No pré-tratamento do material de origem (ex: madeira e fibras vegetais), há a remoção completa ou parcial de materiais da matriz, como hemicelulose e lignina, e o isolamento das fibras celulósicas. No tratamento químico controlado, geralmente a hidrólise ácida, as regiões amorfas do polímero de celulose são removidas (BRINCH et al. 2013). Os ácidos comumente utilizados nesse processo são o
sulfúrico e o clorídrico (SILVA et al., 2009). Além disso, a hidrólise é muitas vezes seguida por tratamento ultrassônico (KLEMM et al., 2011), tratamento mecânico que proporciona a
dispersão dos NCC formando uma suspensão estável uniforme (BRINCH et al., 2013).
Tabela 2- NFC e NCC: sinônimos e médias de tamanhos
Tipo de nanocelulose Sinônimos Tamanhos em média
NFC (Celulose Nanofibrilada)
Celulose Microfibrilada; Nanofibrilas ou
microfibrilas.
Comprimento de 5-60 nm ou vários micrômetros
NCC (Nanocristais de Celulose)
Nanocristais de celulose; Cristalitos;
Whiskers;
Microcristais de celulose de forma cilíndrica alongada.
Diâmetro de 5-70 nm, comprimento: 100-250 nm (a partir de celuloses de plantas); 100 nm a vários micrômetros (a partir de celuloses de tunicados, algas, bactérias). Fonte: KLEMM et al., (2011).
2.4.2 Hidrólise ácida
A hidrólise é o principal processo utilizado para a obtenção dos NCC. Nesse processo, as regiões amorfas de celulose são preferencialmente hidrolisadas, devido à desorganização de sua microestrutura, sendo mais facilmente decompostas na presença de catalisador ácido (HABIBI et al., 2010; LU et al. 2013). No entanto, a região cristalina possui uma maior resistência ao ataque ácido (HABIBI et al., 2010). Para que se possa obter uma maior
cristalinidade, é necessário ter controle sob as condições da hidrólise, como tempo de reação, temperatura, agitação e concentração do ácido.
Na hidrólise realizada com ácido sulfúrico, obtém-se uma dispersão de NCC mais estável na água. Isso resulta na melhora do caráter hidrofílico dos NCC, devido aos grupamentos sulfato introduzidos durante a hidrólise e aos grupos hidroxila presentes na celulose (KLEMM et al.
2011).
Segundo Brinch et al. (2013), os passos seguidos para a obtenção dos NCC são os seguintes:
(1) Hidrólise ácida forte de material celulósico puro sob condições estritamente controladas de temperatura, tempo, agitação, e com controle de outras condições, tais como a natureza e concentração do ácido a e proporção da celulose;
(2) A adição de água ao sistema para diluição do ácido e, consequentemente, parar a e lavagem repetida com centrifugação sucessiva;
(3) Diálise extensiva contra água destilada para remover completamente as moléculas livres de ácido;
(4) Tratamento mecânico, normalmente ultrassons;
2.5 Dendê
Originária da região de floresta tropical da África Ocidental, o dendê (figura 1), conhecido cientificamente por Elaesis guineensis, é o fruto do dendezeiro (ABRAPALMA, 2014; POKU, 2002).
Figura 1 - Dendê e seus componentes
Fonte: https://www.agencia.cnptia.embrapa.br(2015); AGROPALMA (2007).
A composição percentual para 1 kg de cachos de dendê está explicitada na Tabela 3, na qual são definidas as massas dos componentes dos frutos de dendê, juntamente com o engaço, que é a região da planta que oferece a sustentação para os frutos.
Tabela 3 - Composição percentual para 1 kg de cachos de dendê
Fonte: POKU, 2002
As fibras da prensagem do mesocarpo do dendê são provenientes do processo de produção de óleo de palma, para o qual é prensada a região do mesocarpo. Baseado na tabela anterior e de acordo com POKU (2002), pode-se afirmar que as porcentagens de FPMD e óleo de palma resultantes desse processo são, respectivamente, 70 e 30% da massa do mesocarpo.
Indonésia e Malásia são os dois maiores produtores de dendê no mundo, sendo responsáveis por mais de 80% de toda a produção global, como exposto na Tabela 4:
Produtos Massa produzida (g)
Engaço 250
Mesocarpo 494
Amêndoas 143
Cascas 71,5
Tabela 4 - Maiores produtores de óleo de palma no mundo
País Toneladas %
1º Indonésia 25.400.000 48,90
2º Malásia 18.480.000 35,60
3º Tailândia 1.510.000 2,90
4º Colômbia 930.000 1,75
5º Nigéria 910.000 1,75
6º Papua Nova Guiné 510.000 0,98
7º Equador 500.000 0,96
8º Costa do Marfim 315.000 0,61
9º Brasil 300.000 0,57
10º Honduras 290.000 0,56
Outros 2.718.000 5,24
Total 51.863.000 100
Fonte: ABRAPALMA, 2011.
Tais fibras, por se tratarem de materiais lignocelulósicos, possuem componentes como celulose e lignina, que têm potenciais de aproveitamento que podem gerar valor agregado para este material, que é majoritariamente utilizado para queima dentro das próprias indústrias, com o intuito de produção de energia. Na Tabela 5 estão as cotações para a lignina e para a nanocelulose, que é obtida a partir da celulose presente nas fibras.
Tabela 5 - Cotação dos componentes de fibras lignocelulósicas
Produtos de origem lignocelulósica Cotação no mercado/ kg
Nanocelulose * R$ 29,98
Lignina ** R$ 1,25
Fonte: * COWIE et al, 2014
** http://purelignin.com/opportunities
Por conta desses fatores, para que seus componentes possam ser aproveitados de acordo com todo seu potencial de lucratividade, vale a investigação da viabilidade ambiental da obtenção de NCC a partir das FPMD. Tal investigação refere-se à análise dos impactos ambientais resultantes de tal produção, o que pode ser realizado a partir do emprego da Avaliação do Ciclo de Vida a todas as etapas referentes à obtenção da nanocelulose.
2.6 AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA DE UM PRODUTO (ACV)
Avaliar o ciclo de vida de um determinado produto consiste em considerar todas as suas fases de produção, uso e descarte final. Em outras palavras, avalia-se um produto acompanhando-o desde a extraçãacompanhando-o da matéria-prima (berçacompanhando-o) até a sua dispacompanhando-osiçãacompanhando-o final (túmulacompanhando-o).
quantificadas e analisadas as suas emissões de poluentes e a utilização dos recursos naturais. Essa quantificação dos consumos e emissões permite avaliar os potenciais impactos associados a um sistema de produto (CHEHEBE, 1997; BAUMANN e TILLMAN, 2004).
Por intermédio da avaliação dos resultados, consegue-se determinar as categorias de impactos mais relevantes. Pode-se então buscar o desenvolvimento de técnicas que sejam vantajosas tanto no enfoque ambiental quanto no empresarial (CHEHEBE, 1997).
Na era da sustentabilidade, dispor de uma produção mais amigável para o meio ambiente é fundamental. Produtos com certificação ambiental têm, em geral, uma maior aceitação do público alvo. Desta forma, estudos de ACV que levam a certificação ambiental de produtos também podem ser utilizados como estratégia de marketing.
A ACV divide-se nas seguintes etapas, de acordo com as normas NBR ISO 14040 e 14044 (ABNT, 2009a e b):
- Definição do objetivo e do escopo;
- Análise do Inventário;
- Avaliação de impacto;
- Interpretação dos resultados.
A seguir, detalha-se cada uma dessas etapas.
2.6.1 Definição do objetivo e escopo
Nessa etapa, a finalidade do estudo é estabelecida. O objetivo deve transmitir claramente a aplicação do estudo, a razão e o que se pretende atingir com sua realização. Também se deve definir quem são os responsáveis pelo estudo e os interessados nas informações obtidas, tudo com atenção nos recursos e no tempo, que são usualmente limitados (CHEHEBE, 1997).
Na definição do escopo de um estudo, são considerados os seguintes aspectos: i) a fronteira do sistema de produto; ii) a/as função/funções desse sistema e unidade funcional, e iii) a qualidade necessária dos dados coletados e as categorias de impacto que serão avaliadas. Em um estudo ACV é necessário definir quais processos unitários estão relacionados a um produto, devendo ser elaborado um fluxograma que apresenta as conexões entre os processos. O conjunto de processos unitários foco de uma avaliação constitui a fronteira de um sistema de produto. A determinação dessa fronteira considera os seguintes aspectos:
- Fronteira dos sistemas naturais: os sistemas naturais fornecem os recursos ao sistema de produto e recebem os impactos gerados pela produção. É importante entender a resposta do meio natural às intervenções realizadas para que ocorra a produção, tal análise pode ser bastante complicada (BAUMANN E TILLMAN, 2004), um exemplo pode ser a análise dos impactos do uso da terra, pois ainda faltam informações sobre os processos que ocorrem no solo devido às modificações ocorridas durante a produção e também há a dificuldade em comparar se um solo perdeu qualidade após determinado uso;
- Fronteiras Geográficas: é comum que o ciclo de vida de um produto abranja processos que estão localizados em diferentes regiões, podendo haver problemas na coleta de informações. Por exemplo, determinado produto industrializado tem diferentes etapas de produção, pois a matéria-prima é geralmente extraída de um local diferente do processo de beneficiamento, fazendo com que as informações estejam em locais distintos (BAUMANN E TILLMAN, 2004). Tais informações podem ser obtidas através de bancos de dados, que podem já estar disponíveis em programas de processamentos de dados de inventários de ACV;
- Fronteira tecnológica: para obter o produto desejado devem-se avaliar quais tecnologias serão empregadas na sua produção. Determina-se então a viabilidade das tecnologias disponíveis, suas limitações, se e como tais tecnologias afetam o estudo e o possível desenvolvimento de melhorias no processo. Por exemplo, na obtenção de nanocristais de celulose pode-se optar por tecnologias mais ambientalmente amigáveis, como a polpação acetosolv, que culmina na não produção de compostos organoclorados, tóxicos para o meio ambiente, e sua eliminação como efluentes.
Um sistema de produto possui uma função ou funções determinadas. Essa função pode ser relacionada à finalidade do produto ao ser utilizado ou consumido ou se referir a sua produção. Tal função precisa ser quantificada, para isso é determinada a sua unidade funcional. Se a função em estudo é de produção, a unidade funcional usualmente se refere à massa de produto fabricado (CHEHEBE, 1997). Por exemplo, no sistema de produção de nanocristais de celulose de FPMD, a função é produzir os nanocristais e a unidade funcional é a obtenção de um grama de nanocristais. Todos os insumos utilizados para que seja produzida esta quantidade especificada de nanocristais, como água, energia e produtos químicos, são relativosà unidade funcional. Assim, calcula-se a quantidade de energia consumida em um determinado processo unitário integrante desse sistema, referente à produção de um grama de nanocristais.
No estabelecimento do escopo de um estudo, também é determinada a qualidade requerida dos dados e a profundidade do estudo. Dados podem ser coletados em campo ou em bases de dados e publicações. É preciso definir quais processos requerem a coleta de dados primários e quais processos já foram inventariados e podem ser aproveitados no estudo.
dados coletados estão completos e compará-los com dados já existentes, caso estejam disponíveis (BAUMANN E TILLMAN, 2004).
Nesta fase da ACV também são definidas as categorias de impacto a serem consideradas na análise das fases de produção. A escolha das categorias depende do objetivo e do escopo do estudo. Por exemplo, na produção de nanocristais, há a geração de efluentes contendo matéria orgânica, sendo importante avaliar a carga ambiental desses efluentes e sua biodegradabilidade quando dispostos no meio ambiente. Desta forma uma categoria de impacto que se enquadraria nessa análise seria a eutrofização, que se subdivide em eutrofização marinha e de água doce.
2.6.2 Inventário
A construção do inventário considera cada processo unitário do sistema de produto, identificando-se e quantificando-se as entradas e saídas de cada processo unitário.
Inicialmente, a decisão sobre a inclusão de determinados dados no inventário considera a sua relevância em termos de balanços de massa e energia, sua relação com a unidade funcional definida e sua importância para o meio ambiente. Pode-se estabelecer que os materiais não tóxicos que contribuem com menos de 1% do total de materiais utilizados em processo serão desconsiderados.
Diferentes tipos de dados necessitam ser coletados. Dados de natureza numérica e de natureza qualitativa têm diferentes funções na análise do inventário. Dados de natureza numérica estão relacionados às quantificações de entradas e saídas do sistema. Por exemplo, a quantidade de matéria-prima utilizada, de reagentes químicos e energia consumida. Com relação às saídas, podem-se coletar dados sobre as cargas ambientais em emissões atmosféricas, geração de poeira e ruídos e efluentes produzidos. Dados de caráter qualitativo são referentes a equipamentos utilizados, isto é, qual tecnologia está sendo adotada no processo de produção, a localização geográfica e a descrição do processo e das formas de mensuração das emissões, por exemplo.
2.6.3 Alocação: o que é, quando utilizar e quais critérios podem ser utilizados?
As cargas ambientais de determinado sistema devem ser expressas em referência a uma unidade funcional, que está relacionada a um produto de interesse e que foi estabelecida na fase de definição do objetivo e escopo. A alocação torna-se necessária por conta da presença de coprodutos provenientes dos mesmos processos em um sistema de produção. Nessa situação, o consumo de recursos naturais e as cargas ambientais devem ser divididos adequadamente entre produtos e coprodutos.
Sempre que possível, é recomendado que a alocação seja evitada, pois ocasiona um aumento do nível de incerteza e detalhamento do sistema, uma vez que se torna necessário compreender a relação entre produto e coproduto com as cargas ambientais. Entretanto, a não alocação causa a expansão do sistema, o que pode vir a adicionar novas linhas de fluxo, pois a fronteira do estudo é expandida para que subprocessos relacionados aos coprodutos sejam incluídos a fim de elucidar sua modelagem no sistema (CHEHEBE, 1997;BAUMANN e TILLMAN, 2004).
Caso a alocação seja realmente necessária, o primeiro passo é buscar relações físicas entre os diferentes produtos e seus processos. Deve-se avaliar se são quantificadas alterações significativas entre os produtos quando variadas algumas propriedades físicas como massa, energia, volume e frações molares (CHEHEBE, 1997; BAUMANN e TILLMAN, 2004).
A alocação física, no entanto, apresenta alguns problemas. Os sistemas podem apresentar um comportamento não linear, o que impossibilita a análise dos efeitos ambientais dos produtos por meio das variações de proporções que eles venham a apresentar quando variadas as suas propriedades físicas.
Outro problema está associado à alocação baseada nas diferenças de massas de produtos e coprodutos. Exemplificando, a massa de determinado produto pode ser bem maior que a massa de um coproduto, mas isso não necessariamente indica uma menor responsabilidade desse coproduto nas cargas ambientais resultantes do sistema em estudo.
O critério seguinte para a alocação é baseado no valor econômico que produtos e coprodutos possuem. A alocação econômica pode ser utilizada quando as relações físicas não justificarem a divisão das cargas entre os produtos, ou quando tais relações não puderem ser utilizadas. O aspecto positivo desse tipo de alocação é sua aplicação universal, o que torna mais fácil a compreensão dos impactos da produção de determinado produto de interesse em termos financeiros. Em empresas, os resultados de um estudo ACV não são direcionados a experts no assunto, mas aos diretores, que, naturalmente, precisam ter lucros. O que pode tornar este critério de alocação complicado é a grande variação de preço que um produto pode apresentar, dificultando a definição da participação de cada produto nos lucros de uma empresa (CHEHEBE, 1997; BAUMANN e TILLMAN, 2004).
2.6.4 Avaliação de impactos: como a avaliação de impactos é feita na ACV e quais categorias de impacto são usualmente avaliadas?
Após a fase de inventário, dispõe-se de uma grande quantidade de parâmetros ou variáveis, que precisam ser relacionados a questões ou impactos ambientais relevantes. Por intermédio da avaliação de impactos ambientais, tais parâmetros podem ser estruturados e organizados nas chamadas categorias de impacto, que possibilitam que estas informações sejam expressas de forma mais simples para os tomadores de decisão.
A avaliação de impactos é composta pelas seguintes fases obrigatórias, de acordo com a NBR ISO 14044 (ABNT, 2009b):
- Seleção e definição das categorias de impacto: nessa fase as categorias de impacto de maior relevância ao estudo são selecionadas, de modo que possam contemplar todas as cargas ambientais provenientes dos resultados. As categorias devem ser independentes entre si para evitar dupla contagem. Também devem possibilitar uma integração entre os resultados do inventário e as categorias selecionadas e os modelos de caracterização, que devem ser validados cientificamente;
- Classificação: os dados do inventário são selecionados e relacionados a cada uma das categorias de impacto;
- Caracterização: os resultados são calculados por meio da quantificação das contribuições de cada substância (consumo ou emissão) com a geração de determinada categoria de impacto ambiental. Nessa fase, modelos de causa e efeito ambiental e indicadores ecológicos são definidos para cada categoria de impacto para geração de fatores de caracterização. Esses fatores são calculados para cada substância capaz de gerar o impacto. No estudo das categorias de impacto intermediárias, os fatores de caracterização denotam a importância de uma substância para a ocorrência do impacto, em relação a uma substância de referência.
Além dessas fases obrigatórias, as seguintes fases também podem integrar a avaliação de impacto (NBR, 2009b):
em um ano por pessoa, como resultado expresso em pessoa/ano (Tabela 6). O resultado é o perfil de impacto normalizado;
- Agrupamento: os resultados da caracterização são analisados e separados em grupos. Por exemplo, podem ser separados considerando-se a gravidade do impacto ambiental (pequena, média e grande);
- Ponderação: nessa fase as categorias de impacto são comparadas e, dependendo de sua relevância, são atribuídos pesos a cada um deles;
- Análise da qualidade: é importante avaliar os dados utilizados com especial atenção a valores assumidos e a aproximações que precisaram ser feitas para avaliar a incerteza dos resultados.
Tabela 6-Emissões de CO2 por habitante em um ano para diferentes países.
Emissões de CO2 per capita/ano
Austrália 10 toneladas
Estados Unidos 8,2 toneladas
Grã-Bretanha 3,2 toneladas
China 1,8 toneladas
Índia 0,5 tonelada
Fonte: http://www.bbc.com (2007) 2.6.5 Modelos de caracterização
Consumos e emissões de um sistema de produto interagem com o sistema natural seguindo fluxos de causa e efeito ambiental. Esses fluxos podem ser avaliados com a escolha de indicadores de dano ambiental (endpoint) ou com a escolha de indicadores de impacto ambiental intermediário (midpoint), quando se avaliam impactos iniciais no meio ambiente que ainda não se refletem em dano à saúde humana ou aos ecossistemas (ILCD HANDBOOK,2011).
As categorias de danos ambientais em estudos ACV são: depleção de recursos naturais, saúde humana e qualidade dos ecossistemas. Já as principais categorias de impactos intermediários são: impactos na disponibilidade de recursos abióticos e bióticos, mudanças climáticas, eutrofização, acidificação, depleção da cama de ozônio, formação foto oxidante, toxicidade humana e ecotoxicidade (ILCD HANDBOOK, 2011).
-Depleção dos recursos naturais
A caracterização dos recursos depende do seu tipo, por exemplo, se o recurso é ou não renovável. Recursos renováveis possuem a capacidade de regenerar-se da atividade de exploração em um período de tempo aceitável pela espécie humana(BAUMAN e TILLMAN, 2004).
Outra classificação é a relacionada à característica abiótica ou biótica do recurso (BAUMAN e TILLMAN, 2004). Recursos como florestas e animais são bióticos, enquanto combustíveis fósseis minerais como o aço e ferro são exemplos de recursos abióticos. A água é um recurso abiótico de natureza renovável mas distribuída de forma desigual no tempo e no espaço. Assim, vem sendo objeto de desenvolvimento metodológico nos últimos anos.
Os modelos de análise disponíveis atualmente avaliam os recursos abióticos, observando: i) o tamanho das reservas atuais e taxas de extração, ii) os recursos monetários e ou tecnológicos necessários para extração de futuras reservas do recurso ou de materiais alternativos que cumpram função semelhante (BAUMAN e TILLMAN, 2004).
Tabela 7 - Depleção de recursos naturais pelo modelo ReCiPe 1.11
Depleção de recursos naturais
Depleção de metais Pesos
Alumínio 0,0901 kg Feeqv / kg
Cromo 24,9kg Feeqv / kg
Platina 163000 kg Feeqv / kg
Urânio 123 kg Feeqv / kg
Ouro 69900 kg Feeqv / kg
Depleção fóssil
Óleo cru 1,04 kg óleoeqv /kg
Gás natural / m³ 0,823 kg óleoeqv/ m³
Hulha 0,434 kg óleoeqv /kg
Metano 1,19 kg óleoeqv /kg
Energia a partir de gás natural 0,0215 kg óleoeqv /Mj Fonte: FRISCHKNECHT (2007)
- Uso da terra
O solo possui múltiplas funções, como suporte a práticas agrícolas, criação de animais e edificações. Somando a sua multifuncionalidade aos diferentes tipos de solo existentes, e, consequentemente às diferentes reações de cada solo aos impactos das atividades humanas, tal categoria possui uma especial complexidade de caracterização(BAUMAN e TILLMAN, 2004).
Geralmente, os inventários de ciclo de vida consideram dois fatores para a caracterização do uso da terra, são eles a transformação e a ocupação do uso do solo. No entanto, tal categoria também abrange os efeitos das atividades humanas na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos. Um exemplo de serviço ecossistêmico é a capacidade produtiva do solo, que pode ser reduzida ou eliminada devido à exaustão dos nutrientes disponíveis causada pela atividade agrícola. As alterações na capacidade produtiva do solo podem ser avaliadas considerando a redução da camada de solo fértil dentre outros fatores importantes para a manutenção da qualidade dos processos biológicos (KOELLNER et al.,2013).
A transformação refere-se às modificações que o solo deve sofrer para que determinada atividade possa ser executada. Por exemplo, desmatamento da vegetação nativa, queimadas, drenagem do terreno e revolvimento do solo. Esta fase é realizada num período de tempo relativamente curto.
pelo uso exclusivo. Já os impactos na biodiversidades estão mais relacionados à transformação da terra (BAUMAN e TILLMAN, 2004).
Para avaliar as alterações na biodiversidade podem ser adotados aspectos como a camada de cobertura vegetal existente em um determinado local em comparação a uma região maior, redução do número de indivíduos de determinada espécie durante o uso da terra.
Vale salientar que os impactos provenientes do uso da terra podem ser tanto positivos quanto negativos. Por exemplo, para se utilizar determinado solo com elevada salinidade para alguma atividade agrícola de interesse, determinada área desse solo pode receber uma espécie de tratamento para melhora do caráter salino do solo, como a plantação de erva-sal. Desta forma, a qualidade do solo após a intervenção humana será superior à sua qualidade anterior, caracterizando tal uso da terra como positivo. Uma intervenção negativa seria o desmatamento de área de mata atlântica para realização de atividade pecuária.
Para o cálculo do uso da terra considerando o incremento da competição pelo seu uso, pode-se utilizar a pode-seguinte equação (GUINÉE et al., 2002):
Incremento de competição pela terra (m².ano)= ∑área ocupada x tempo de ocupação
- Mudança climática
Dióxido de carbono, metano, clorofluorcarbonos (CFC’s) e óxidos de nitrogênio fazem parte do conjunto de gases responsáveis pelo efeito estufa. Embora o efeito estufa seja essencial para a manutenção da vida na terra, a presença em grande quantidade de gases de efeito estufa na atmosfera aumenta o aquecimento global, com maior quantidade de radiação infravermelha que fica retida na atmosfera. A maior radiação eleva a temperatura média do planeta e causa uma série de problemas, como o derretimento das calotas polares e o consequente aumento do nível do mar.
Tabela 8 - Mudanças climáticas segundo Modelo CML 2002
Gás do efeito estufa
Descrição PAG 20 anos
(Kg
CO2eqv/kg)
PAG 100 anos (Kg
CO2eqv/kg)
PAG 500 anos
(Kg CO2eqv/kg)
CO2 1 1 1
𝐂𝐇𝟒 56 21 6,5
1,1,1-tricloroetileno
360 110 35
𝐂𝐂𝐥𝟒 2000 1400 500
N2O 280 310 170
𝐒𝐅𝟔 16300 23900 34900
𝐂𝐅𝟒 4400 6500 10000
CFC – 11 5000 4000 1400
CFC-12 7900 8500 4200
CFC-13 8100 11700 13600
CFC-113 5000 5000 2300
CFC-114 6900 9300 8300
HCFC- 22 4300 1700 520
HCFC-123 300 93 29
HCFC-124 1500 480 150
Fonte: Adaptado de GUINÉE et al., 2002
-Depleção da camada de ozônio
A camada de ozônio é responsável pela proteção da Terra contra a radiação ultravioleta proveniente do sol. Funciona como uma espécie de filtro, permitindo a entrada de apenas uma parcela da radiação, suficiente para a manutenção da vida no planeta.
A depleção dessa camada ocorre devido à liberação de determinadas substâncias no ar, que são capazes de alcançar a estratosfera e reagir com o ozônio, convertendo-o em gás oxigênio. Algumas das substâncias capazes de degradar a camada de ozônio são os clorofluorcarbonos (CFC’s) e halons.
Tabela 9- Depleção da camada de ozônio segundo modelo CML 2002
Substâncias Descrição DCO ͚
(kgCFC-11/kg)
DCO10 anos (kgCFC-11/kg)
D CO2 5 anos (kgCFC-11/kg)
CFC-11 1 1 1
CFC-12 0,82 - -
CFC-113 0,90 0,56 0,59
CFC-114 0,85 - -
HCFC-22 0,034 0,17 0,13
HCFC-123 0,012 0,19 0,07
HCFC-124 0,026 0,12 0,07
Halon 1201 1,4 - -
Halon 1202 1,25 - -
Halon 1301 12 10,4 10,6
Halon 2401 0,25 - -
𝐂𝐂𝐥𝟒 1,2 1,25 1,22
1,1,1 – tricloroetileno
0,11 0,75 0,38
CH3Br 0,37 5,4 1,8
CH3Cl 0,02 - -
Fonte: Adaptado de GUINÉE et al., 2002
-Eutrofização
A eutrofização ocorre devido a um estímulo à atividade biológica do local afetado. Fatores como o aumento da disponibilidade de nutrientes, principalmente fósforo e nitrogênio, degradação de matéria orgânica e aumento da temperatura da água podem incrementar a produtividade biológica. Esses compostos ocasionam consumo de oxigênio dissolvido na água. Ao degradar a matéria orgânica presente para produção de energia, processo que ocorre aerobiamente, o teor de oxigênio vai sendo reduzido enquanto a produção de biomassa cresce. A atividade anaeróbia então supera a aeróbia e o corpo d’água acaba eutrofizado. A ausência de oxigênio causa a mortandade de peixes, ocorre uma forte alteração na vida aquática do local, gases de odores desagradáveis são gerados por conta da degradação da matéria orgânica e ainda ocorre a poluição visual do corpo d’água. Pode ainda ocorrer a proliferação de algas com liberação de toxinas que não são retiradas em sistemas secundários e terciários de tratamento de água.
eutrofização marinha, o nitrogênio. O cálculo é baseado na proporção de nitrogênio, fósforo, oxigênio e carbono nas algas (BAUMAN e TILLMAN, 2004).
Na Tabela 10 estão listadas as substâncias responsáveis pela eutrofização e seus respectivos valores de referência.
Tabela 10 - Substâncias relacionadas à eutrofização segundo modelo CML 2002
Substância g 𝑷𝑶𝟒𝒆𝒒𝒖𝒊𝒗𝟑− /g
𝐏𝐎𝟒 𝟑− 1
𝐇𝟑𝐏𝐎𝟒 0,97
P 3,06
𝐍𝐎𝟐 0,13
𝐍𝐇𝟑 0,35
𝐍𝐇𝟒 ∓ 0,33
𝐍𝐎 𝟑− 0,1
𝐇𝐍𝐎𝟑 0,1
N 0,42
Fonte: Adaptado de GUINÉE et al., 2002
-Toxicidade
A toxicidade é influenciada por diversas substâncias como metais pesados, pesticidas e solventes orgânicos. Cada uma delas pode causar diferentes consequências em caso de exposição da saúde humana ou de ecossistemas em geral. Pode-se dividir a toxicidade em humana e em ecotoxicidade. A ecotoxicidade subdivide-se em toxicidade terrestre e aquática, e a aquática pode ser separada nas categorias de toxicidade marinha e de água doce.
Para o cálculo do potencial de toxicidade de determinada substância, o modelo de caracterização mais indicado atualmente é o USEtox, no qual são consideradas mais de 1000 substâncias para obter parâmetros de toxicidade humana e 2500 substâncias para a ecotoxicidade. A recomendação desse modelo pelo UNEP-SETAC é decorrente dos esforços de seus desenvolvedores em alcançar um consenso entre os cientistas para o desenvolvimento de um modelo de avaliação satisfatório (ROSEMBAUN, 2008). Nesse modelo, os fatores de caracterização para toxicidade humana e ecotoxicidade aquática são medidos em CTU’s (Unidades de Tóxicos Comparativas).
impacto para que seja possível obter resultados robustos e confiáveis (KOELLNER et al., 2013; ILCD HANDBOOK, 2011).
-Acidificação
Substâncias como dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio, ácido clorídrico e amônia são poluentes causadores da acidificação. Todos esses poluentes possuem em comum a característica de formação do íon hidrogênio, e é essa capacidade de formação que é mensurada para a caracterização do Potencial de Acidificação (PA). A substância de referência é o dióxido de enxofre, isto é, essa categoria é medida em relação ao efeito de 1 kg dessa substância (BAUMANN e TILLMAN,2004).
A acidificação varia de acordo com o local onde ocorre a deposição dos poluentes, podendo afetar tanto a água quanto o solo, além de ser afetada por fatores como as condições climáticas, atividades envolvidas na geração de poluentes e redução da cobertura vegetal. Modelos de caracterização regionalizados para o estudo dos efeitos locais da acidificação ainda estão disponíveis para o continente europeu.
Na Tabela 11 estão listadas as substâncias responsáveis pela acidificação e seus respectivos valores de referência para o Potencial de Acidificação.
Tabela 11- Acidificação do solo segundo modelo CML 2002
Substância PA (g 𝐒𝐎𝟐 𝐞𝐪𝐕/g)
𝐒𝐎𝟐 1
HCl 0,88
HF 1,6
𝐍𝐎𝐱 0,7
𝐍𝐇𝟑 1,88
Fonte: Adaptado de GUINÉE et al., 2002
-Oxidantes fotoquímicos
A reação entre óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis em conjunto com a luz solar promovem a formação de poluentes secundários denominados oxidantes fotoquímicos. O resultado é a formação de uma espécie de fumaça que dificulta a visibilidade e pode causar problemas respiratórios e irritações nos olhos. Tal irritabilidade ocorre principalmente pela formação de ozônio, que, na baixa atmosfera, é prejudicial para a saúde humana.
Na Tabela 12 estão apresentados os valores de referência relativos às substâncias relacionadas com o efeito fotoquímico. Observa-se que são apresentados valores para elevadas e baixas concentrações de NOx (óxidos de nitrogênio). Isso ocorre devido à influência da concentração dessa substância na produção de ozônio troposférico. Também é evidenciada a quantidade de ozônio formado em relação à 1kg de cada substância citada, o que representa o máximo incremento da reatividade do ozônio (MIRO).
Tabela 12 - Oxidantes fotoquímicos segundo modelo CML 2002
Substância Elevado NOx PFOF
(Kg etileno/kg)
Baixo NOx PFOF (Kg etileno/kg)
MIRO (Kg de ozônio
formado/Kg)
Etileno 1 1 2,31
𝐂𝐎𝟐 0,027 0,04 0,029
𝐍𝐎𝟐 0,028 - -
NO -0,427 - -
𝐒𝐎𝟐 0,048 - -
Metano 0,006 0,007 0,007
Etano 0,123 0,126 0,15
Propano 0,176 0,503 0,27
n-butano 0,352 0,467 0,55
n-pentano 0,395 0,298 0,65
Propileno 1,12 0,599 2,9
Benzeno 0,218 0,402 0,17
Tolueno 0,637 0,470 0,87
Metanol 0,14 0,213 0,2
Etanol 0,399 0,225 0,66
Acetona 0,094 0,124 0,13
Formaldeído 0,519 0,261 1,16
Fonte: Adaptado de GUINÉE et al., 2002
Na tabela 13 foram listadas as recomendações do ILCD para os modelos de caracterização e seus respectivos fatores de caracterização. Tais modelos são também classificados quanto à sua qualidade nos seguintes níveis: I – Recomendado e satisfatório; II – Recomendado , mas necessita de melhoramentos; III – Recomendado, mas sua aplicação deve ser feita com cautela (ILCD HANDBOOK,2011.)
É importante observar que estão disponíveis vários métodos de avaliação de impacto de ciclo de vida que congregam um conjunto de modelos de caracterização, com um modelo gerando fatores de caracterização para cada categoria de impacto. Exemplos de métodos disponíveis são: ReCiPe (GOEDKOOP et al., 2009), CML (GUINÉE et al., 2002) e Edip (HAUSCHILD et al.,
Tabela 13 - Modelos de caracterização recomendados pelo ILCD para cada categoria de impacto ambiental
Recomendações para o nível intermediário (midpoint)
Categoria de impacto
Modelo padrão recomendado para a Análise de
Impactos no Ciclo de Vida
Indicador Classificação
Mudança climática ou aquecimento global
Base de dados para 100 anos do IPCC
Potencial de Aquecimento Global (PAG)
I
Uso da terra Modelo baseado em matéria orgânica do solo (MOS) (Milà i Canals et al, 2007b)
Matéria Orgânica do Solo
III
Depleção da camada de ozônio
Estado estável do PDO baseado na Organização Meteorológica Mundial (OMM) (1999) Potencial de Depleção do Ozônio (PDO) I Eutrofização terrestre Acumulação em excesso (Seppälä et al. 2006, Posch et al, 2008)
Acumulação em excesso (AE) II Eutrofização aquática Modelo EUTREND (Struijs et al,
2009b)
aplicado no ReCiPe
Fração de nutrientes que alcançam o
compartimento de água doce final (P) ou compartimento final marinho (N)
II
Ecotoxicidade marinha e terrestre
Não há modelos recomendados
- -
Ecotoxicidade de água doce
Modelo USEtox , (Rosenbaum et al, 2008) Unidade tóxica comparativa para ecossistemas (UTCe) II/III Formação de oxidantes fotoquímicos LOTOS-EUROS (Van Zelm et al, 2008)
aplicado no ReCiPe
Incremento da concentração de ozônio troposférico
II
Acidificação Acumulação em excesso (Seppälä et
Acumulação em excesso (AE)
al. 2006, Posch et al, 2008)
Toxicidade humana, efeitos cancerígenos
Modelo USEtox , (Rosenbaum et al,
2008) Unidade tóxica comparativa para humanos (UTCh) II/III Toxicidade humana, sem efeitos cancerígenos
Modelo USEtox , (Rosenbaum et al,
2008)
Unidade tóxica comparativa para humanos (UTCh)
II/III
Depleção hídrica Modelo para o consumo de água aplicado em Swiss Ecoscarcity
(Frischknecht et al, 2008)
A utilização de água relacionada à escassez de água local III Depleção de recursos minerais, fósseis e renováveis
CML 2002 (Guinée
et al., 2002)
Escassez II
Fonte: ILCD HANDBOOK, 2011
2.6.6 Interpretação dos resultados: como avaliar a incerteza dos dados
Nessa fase, os resultados do inventário e/ou da avaliação de impactos são analisados para que sejam tiradas conclusões a respeito do estudo realizado. Em um estudo ACV podem surgir resultados inesperados ou, outras vezes, o objetivo e o escopo anteriormente estabelecidos podem não estar de acordo com os resultados das análises. Neste caso, o objetivo e escopo podem passar por alterações para atender aos resultados ou vice-versa.
Uma grande quantidade de dados é demandada por estudos ACV. No entanto, muitas vezes os dados requeridos não estão disponíveis. Por conta da existência de lacunas na gama de dados necessários, algumas adaptações precisam ser feitas para que seja dada continuidade à pesquisa. Por exemplo, podem ser feitas aproximações ou pode-se usar bancos de dados de inventários de processos. Tais adaptações podem ampliar o erro e incerteza dos resultados obtidos (BAUMANN e TILLMAN, 2004).
Além de considerar a integridade e consistência dos dados, deve-se também realizar as análises de incertezas e de sensibilidade. As incertezas dos resultados estão relacionadas à imprecisão dos dados, pois estes podem possuir um desvio padrão elevado em relação ao valor médio utilizado, resultando em uma variação nos resultados dos impactos que precisam ser ressaltados e discutidos. Tais diferenças podem ser causadas por diferentes processos produtivos ou condições de produção variando de um local para outro. Para analisar tais incertezas, faz-se necessário uma extensa coleta de dados para que se possa determinar o intervalo e a distribuição dos dados.
Na análise de sensibilidade, são realizadas variações nas entradas de dados e analisadas as consequências dessas variações no resultado final. Essa análise permite revelar possíveis dados críticos, que são aqueles que ao sofrerem pequenas variações acabam ocasionando uma grande mudança nos resultados.
A análise de sensibilidade pode ser feita com a definição de diferentes cenários de produção. Por exemplo, determinada análise pode comparar a obtenção de nanocristais de celulose por intermédio de processos químicos e/ou mecânicos alternativos. Desta forma, podem-se comparar gastos com energia, produção de efluentes ácidos, dentre outros aspectos, em cada cenário de produção.
2.6.7 Análise de incerteza - Monte Carlo
Por intermédio da Análise de Monte Carlo, é possível obter o intervalo de incerteza dos resultados. Essa análise requer a identificação do desvio padrão e tipo de função, além do valor médio de cada variável de entrada e saída do inventário. Nesta análise, um valor aleatório é atribuído para cada variável considerando a função e o desvio padrão informados. Há diferentes tipos de funções probabilísticas que podem ser associadas a cada variável, como: linear, triangular, normal e lognormal, essa última sendo a mais utilizada em ACV. Após realizadas várias simulações (em torno de 1000), avalia-se a média dos valores obtidos para cada categoria de impacto, assim como os valores mínimos e máximos alcançados (GOEDKOOP et al., 2013).
Figura 2 - Resultados de análise de erro
Fonte: Fonte: SimaPro 8.1(2015)
2.6.8 ACV e nanotecnologia
O consumo dos recursos naturais não renováveis, como os combustíveis fósseis, as mudanças climáticas e a problemática ambiental vêm despertando um interesse cada vez maior no desenvolvimento de produtos e processos de produção sustentáveis. Por conta disso, a nanotecnologia está em ascensão nas indústrias, uma vez que os nanomateriais trazem consigo a promessa de proporcionarem o desenvolvimento de produtos capazes de equilibrarem a sustentabilidade e os interesses econômicos (SOM et al., 2009; HISCHIER et al., 2012; PATI et al., 2014).
Para que se possa proceder ao desenvolvimento de nanomateriaisem nível industrial, é necessário, ainda no estágio inicial do desenvolvimento, avaliar a viabilidade tecnológica, econômica e ambiental do processo produtivo. Uma ferramenta adequada é a ACV do produto, pois, através de uma abordagem quantitativa, possibilita uma análise dos impactos ambientais gerados por cada etapa de produção e do sistema de produto como um todo. A ACV considera desde a produção dos insumos para o processo produtivo, como produtos químicos e energia, até a disposição final do produto em estudo (GUINÉE et al., 2011).
Além de possibilitar avaliar os impactos ambientais, a ACV torna evidente as possíveis vantagens e desvantagens do processo produtivo. Esse conhecimento permite o levantamento e implementação de alternativas viáveis para neutralização de fatores negativos ainda na fase de desenvolvimento dos nanoprodutos (HISCHIER et al., 2012).
- O fato de não ser possível apenas dimensionar os dados obtidos em escala laboratorial para a escala industrial (PATI et al., 2014; FRISCHKNECHT et al., 2009),
por exemplo, enquanto em escala de bancada os processos são realizados para a obtenção de um grama de produto final, na indústria pode-se produzir uma tonelada desse mesmo produto. Não se pode apenas modificar os valores de parâmetros como demanda energética e consumo de produtos químicos da produção de um grama de determinado produto para uma tonelada, pois na indústria obtêm-se maiores rendimentos de reação e aproveitamento energético, além de haver mudanças no processo produtivo,reciclagem de produtos químicos e reuso de água, por exemplo;
- Lacunas nos dados disponíveis (HETHERINGTON et al., 2014; HISCHIER et al., 2012; JOSHI et al., 2008; SOM et al., 2009);
- Dificuldades para a obtenção de dados de produção industrial, principalmente devido a não disponibilização pública, estratégia das empresas para manutenção do sigilo industrial (ECKELMAN et al., 2012; GAVANKAR et al., 2012; HETHERINGTON et al., 2014);
- Confiabilidade e robustez dos dados disponibilizados pelas indústrias, uma vez que não são de domínio público, não tendo, portanto uma comprovada transparência e uma verificabilidade independente, podendo trazer consigo alguma influência dos fornecedores desses dados, o que pode causar uma análise aquém da realidade dos impactos gerados (HETHERINGTON et al., 2014; JOSHI et al., 2008).