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AULAS ESPECIAIS AS OBRAS DO ITA

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Academic year: 2021

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– 1 1. VIDA

Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo, no dia 19 de abril de 1923. Filha do promotor Durval de Azevedo Fagundes e da pianista Maria do Rosário Silva Jardim de Moura, passou a infância em diversas cidades do interior, por exigência do trabalho do pai.

Retornou à capital, fez o curso fundamental no Instituto de Educação Caetano de Campos. Em seguida, ingressou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde se formou. Quando estudante do pré-jurídico, cursou a Escola Superior de Educação Física, pertencente à mesma Universidade de São Paulo.

Em 1947, casou-se com o jurista Goffredo Telles Júnior, com quem teve um filho, Goffredo da Silva Telles Neto, cineasta, que lhe deu as duas netas: Margarida e Lúcia, mãe de sua bisneta, Marina. Em 1960, separou-se do marido e, em 1963, já divorciada, casou-se com Paulo Emílio Salles Gomes, crítico de cinema.

O interesse de Lygia Fagundes Telles por literatura despertou cedo. Aos 15 anos, com auxílio paterno, já tinha publicado seu primeiro livro de contos, Porão e Sobrado. Estreou oficialmente na literatura com o livro de contos Praia Viva (1944). Seu primeiro romance, Ciranda de Pedra (1954), foi posteriormente adaptado para uma novela na TV Globo. Com essa obra, Lygia alcançou a maturidade literária.

Lygia Fagundes Telles se tornou uma autora consagrada como atesta o grande número de prêmios recebidos ao longo de sua carreira literária. Pelo livro de contos Seminário dos Ratos, de 1977, recebeu o Prêmio PEN Clube do Brasil. Sua consagração decisiva ocorreu com o Prêmio Camões (2005), distinção maior em língua portuguesa pelo conjunto de obra.

A bem-sucedida trajetória literária de Lygia Fagundes Telles ocorreu paralelamente com sua carreira como

Procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Além disso, presidiu a Cinemateca Brasileira.

Os livros de Lygia Fagundes Telles foram publicados em diversos países e suas obras foram adaptadas para o cinema, teatro e tevê. Ela foi retratada no filme Lygia, uma Escritora Brasileira, de 2017, realizado pela equipe da TV Cultura. Seu acervo pessoal está sob tutela do Instituto Moreira Salles.

Lygia Fagundes Telles é membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia Paulista de Letras e do PEN Club do Brasil. É a quarta ocupante da Cadeira nº 16, honra recebida em 1987.

A alta literatura produzida por ela evidencia uma indissociável fusão entre realidade e ficção. Sua obra, que trata de temas universais, revela também uma grande perplexidade diante da realidade brasileira, e Lygia Fagundes Telles não se omitiu diante de injustiças presentes no nosso cotidiano.

Em uma entrevista, ela afirmou essa preocupação sempre presente em suas obras: “Meu texto está engajado nessa realidade de desigualdade e injustiça total; quando o Brasil tiver mais creches e escolas, terá menos hospitais e menos cadeias”. Sobre sua própria condição de escritora, num país que desvaloriza a produção intelectual, ela afirmou: “A proximidade da morte dá mais medo num país como este, onde viver é artigo de luxo”1. 

2. “SEMINÁRIO DOS RATOS” (1977)

Este conto pode ser considerado uma narrativa de testemunho, que metaforiza o que ocorria no Brasil na época do governo militar.

1 https://piaui.folha.uol.com.br/materia/bela-engajada-e-do-laia-laia/ Acesso

em 25/6/2020

SEMINÁRIO DOS RATOS

AULAS ESPECIAIS

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Nele, é notável a presença de ambiguidade. Já no título o sentido duplo se presentifica, pois o termo “seminário” pode se referir tanto a uma reunião que versa sobre ratos como a uma comandada pelos próprios roedores.

Essa ambiguidade torna possível uma leitura alegórica do conto, que apontaria para a possibilidade de uma transformação social capaz de subverter a ordem do poder instaurado, no caso o regime ditatorial.

A epígrafe do conto traz os seguintes versos de Drummond de Andrade: “Que século, meu Deus! – exclamaram os ratos/e começaram a roer o edifício”. Nela, há duplo sentido, pois, apesar de ratos estarem personificados, atuam como animais destruidores.

No conto, a ambiguidade se apresenta no fato de os ratos, que começam atuando como ferozes animais, terminarem, por meio de um processo de personificação, gerindo o seminário de que antes eram tema. Essa ambiguidade sugere que não há diferenciação entre animais-personificados e homens-animalizados.

O conto é narrado em terceira pessoa. Por meio de um narrador onisciente, é apresentado um relato que denuncia a ineficiência de nossas estruturas político-burocráticas e ocorre o desvelamento da mentalidade desprezível dos governantes da época e do desdém que eles sentem pela população desprivilegiada e oprimida.

Há algo de assustador no conto. Como o momento dramático em que o Cozinheiro-Chefe vê semelhança entre um rato e um humano, ou, no final do conto, em que o Chefe das Relações Públicas supõe ter ouvido roedores reunidos num debate. É justamente a presença do insólito que colabora para a persistência de uma indefinição entre humanos e roedores.

As ações do conto se desenvolvem numa curta duração temporal. Começa por volta das 18 horas, e uma hora depois ocorre uma interrupção brutal, que põe fim a um jantar planejado como abertura dos trabalhos.

No dia seguinte, de acordo com um depoimento dado pelo Chefe das Relações Públicas, os ratos tinham-se apossado definitivamente da residência onde ocorreria um seminário que, ironicamente, tinha sido planejado para combate de uma praga de roedores que infestava o país.

Esse percurso temporal pode ser interpretado alegoricamente, associando-o ao momento da publicação

do livro, em 1977, durante o governo do general Ernesto Geisel, quando a ditadura militar já se encaminhava lentamente para a distensão política.

No conto, há referência a um “crepúsculo”, que parece aludir ao começo da dissolução da ordem autoritária vigente na época e a um possível alvorecer, significativo da instauração de uma nova ordem de coisas, representado pelo casarão iluminado do final do conto.

O espaço do conto é um casarão no campo, luxuosamente restaurado. Sua decoração revela a falta de sobriedade dos convidados do seminário e seu apego a luxo e excessos patrocinados pelo dinheiro público, em contraste com a situação de desamparo da população famélica do país.

Naquele lugar isolado, planeja-se a ocorrência do “VII Seminário”, em que convidados se reúnem para debaterem estratégias para dar um fim a uma praga de roedores. Coordenado pelo Secretário do Bem-Estar Público e Privado e seu subordinado, o Chefe das Relações Públicas, o grupo de convidados é formado pelo Assessor da Presidência da RATESP, o Diretor das Classes Conservadoras Armadas e Desarmadas, a Delegação Americana (composta pelo Delegado Americano, de Massachusetts, acompanhado de sua secretária e um guarda-costas). Na casa, encontram-se também o Cozinheiro-Chefe e outros empregados. Todos apresen tados de forma caricatural.

O Chefe das Relações Públicas é “um jovem de baixa estatura, atarracado, sorriso e olhos extremamente brilhantes”, ruboriza-se com facilidade, trata seu superior com deferência, é carreirista, tanto que fez um “curso de inglês para executivo”, “domina o castelhano” e repete sempre a expressão “Bueno”. O uso dessa palavra evidencia sua participação em governos militares da América do Sul (Chile e Argentina). Apresenta deficiência auditiva, sendo que seu problema de audição faz com que ele não perceba a chegada dos ratos invasores, o que é risível, considerando seu cargo.

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– 3 Relações Públicas, seu subordinado, a esconder os

problemas nacionais de um convidado estrangeiro. É desconfiado, quase paranoico, teme que o delegado americano instale um gravador para espioná-lo. Ouve muito bem, por isso é quem primeiro percebe que há algo errado e tem um pé enfermo, acometido pela gota. Essa dificuldade em se locomover, considerando sua função de organizar o evento, evidencia um humor irônico, pois acaba por sugerir sua incapacidade de manter-se firme em seu papel de autoridade.

O Delegado de Massachusetts é apresentado como “um técnico em ratos”, mas também como um “expert em jornalismo eletrônico”. Sua presença não é bem-vista pelo organizador do seminário, pois ele poderia desejar divulgar as mazelas nacionais nos EUA. Ele acha genial a escolha da mansão no campo para o evento e, antes da invasão dos roedores, aproveita bem o conforto da piscina térmica e da água de coco, ao lado de sua secretária, “de cabelos presos no alto por um laçarote de bolinhas amarelas”. É protegido por um guarda-costas, descrito como “um ruivo de terno xadrez, tipo um pouco de boxer, meio calado”.

O Assessor de Imprensa sofreu um pequeno acidente na noite anterior, sua preocupação é que o seminário seja um espetáculo midiático de final apoteótico. Impossibili -tado de ir ao lugar do evento, dispõe-se a fazer sua tarefa por telefone.

O Diretor das Classes Armadas e Desarmadas “vinha com seu chambre de veludo verde”, enorme como uma “montanha veludosa”. Quando inicia a invasão dos ratos, há um enorme barulho e é dessa forma que ele sai para saber do que se tratava. O narrador comenta que, à semelhança de um animal, talvez um roedor, ele “farejou o ar”.

O Cozinheiro-Chefe é apresentado traumatizado pelo ocorrido: “esbaforido, sem o gorro e com o avental rasgado”. Também há menção a sua ajudante de cozinha, única que no conto tem nome próprio: Euclídea. Os demais trabalhadores da casa não são nomeados.

As personagens do conto são alegóricas, não têm nomes próprios e, em algumas passagens, apresentam uma ou outra característica de roedores. São referidas pelo cargo que ocupam, designado em inicial maiúscula. Representam, na sua maioria, autoridades públicas, caracterizadas pela ineficiência de suas ações e apego ao luxo proporcionado pelo dinheiro público.

As personagens têm uma orientação ideológica autoritária. Alguns tiveram participação efetiva no regime instalado no Brasil em 1964, bem como em outros governos militares da América Latina. Alguns mostram medo de perder o poder e de que seja instaurada uma sociedade democrática e justa, como quando o Relações Públicas lança um olhar suspeitoso para uma estátua da justiça empoeirada que decorava a mansão recémres tau -rada.

Pode-se dividir o conto em duas partes, referentes cada uma delas a um momento. No primeiro, é apresentado o Secretário, que se encontra recluso em seu gabinete, acometido de um ataque de gota. Ele pede informações sobre o andamento dos preparativos para o seminário ao Relações Públicas. No meio do diálogo, ocorre um forte barulho e o Chefe das Relações Públicas vai investigar de onde o ruído assombroso proveio.

Num segundo momento, o Relações Públicas é interpelado por convidados nos corredores da casa, também preocupados com o que ouviram. Após tê-los tranquilizado, o Relações Públicas depara-se com o Cozinheiro-Chefe, que está muito assustado por ter presenciado um ataque feroz de ratos à cozinha.

Segue-se, então, a narração da invasão de roedores que termina na completa destruição dos cômodos da casa de campo. Os ratos são destrutivos, roem dos fios de telefone aos motores dos automóveis. Autoridades e empregados fogem, somente o Relações Públicas permanece ali, por certo tempo, escondido dentro de uma geladeira, em posição fetal, completamente desamparado.

No desfecho do conto, o Relações Públicas dá um depoimento a autoridades, contando que ouviu murmúrios vindos da sala de reunião. Eram os ratos que estavam reunidos de portas trancadas. Relata também que, quando saiu correndo pelo campo, o casarão estava iluminado.

A ironia é um recurso estilístico que se evidencia no conto. Por meio dela, critica-se a incapacidade do grupo político que está no poder. Também é ironizada a pretensa sofisticação desse grupo, obtida com o desperdício do dinheiro público. As descrições evidenciam cafonice nas vestimentas das personagens e no mobiliário da casa em que se reúnem.

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Cozinheiro revela, horrorizado, ao Relações Públicas detalhes da tomada de poder dos roedores. A imagem final de “Seminário dos Ratos” sintetiza a lição maior desse conto: a inevitável mudança de posições, em vez de um seminário sobre ratos, tem-se um seminário protagonizado por roedores.

No conto “Seminário dos Ratos”, constata-se que as coisas mudam e que quem ocupa a posição passiva de objeto, em determinado momento, pode ocupar a posição de sujeito. A canção de Chico Buarque, “Gota d’água”, referida no texto, sugere a iminência da transformação da ordem instituída.

A tomada de poder pelos ratos produz uma hesitação, desencadeada pela mistura de elementos da dimensão racional e da irracional. O que é narrado já não é mais apenas do domínio do conhecido, abrindo-se assim para a possível caracterização do conto como pertencente ao gênero fantástico.

José Castello, no posfácio do livro “Seminário dos Ratos” (TELLES, 2009), afirma que os contos reunidos nessa obra “desenham uma difícil relação entre o homem e o poder” e que, pelo fato de a escrita e publicação do livro terem ocorrido no momento em que a ditadura militar arriscava passos modestos de abertura política, os contos foram lidos “como metáforas de uma realidade ainda obscura, mas que começava a se esgarçar” (p. 171).

José Castello esclarece, contudo, que esse livro não pode ser reduzido a mero retrato do mundo, pois essa seria uma leitura empobrecedora para a escrita de Lygia Fagundes Telles, que efetua “uma escavação sutil sob a crosta da existência”. Assim, segundo ele, qualquer tentativa de classificação desse livro a partir de categorias como “narrativa sociológica”, “realismo mágico”, acaba por ser aprisionadora. Para ele, são as “entrelinhas – e não o político ou social – (...) o verdadeiro objeto de sua escrita” (p. 171). 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOSI, Alfredo. Narrativa e resistência. In: Literatura e resistência. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA. São Paulo: Prancom. n. 5, 1998.

PAES, José Paulo. Ao encontro dos desencontros. In: IMS – Instituto Moreira Salles. Cadernos de Literatura Brasileira, n. 5: Lygia Fagundes Telles. São Paulo: IMS, 1998, p. 75.

TELLES, Lygia Fagundes. Seminário dos Ratos, posfácio de José Castello. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. TODOROV, Tzvetan.  Introdução à literatura fantástica. Trad. Maria Clara Correa Castello, 2. ed., São Paulo: Perspectiva, 1992.

1. O conto “Seminário dos Ratos”, de Lygia Fagundes Telles, publicado no livro homônimo em 1977, pode ser lido como uma narrativa alegórica. Explique. 2. No conto “Seminário dos Ratos”, de Lygia Fagundes

Telles, publicado no livro homônimo em 1977, o que revelam as descrições da roupa e do casarão em que ocorrem as ações da narrativa.

3. No conto “Seminário dos Ratos”, há uma referência à censura. Comente-a.

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– 5 1) Esse conto utiliza elementos insólitos, como a

personificação de ratos, que de tema de um seminário passam a protagonizá-lo, para a ineficiência do regime militar na resolução de problemas cruciais para a sociedade brasileira da época. [Como afirma a própria autora, no conto “Seminário dos Ratos”, “diz uma personagem: ‘A situação está sob controle’. Nessa hora, um rato atravessa a sala. É a metáfora exata do que acontecia naquela época do governo militar!” (Cadernos de literatura brasileira: Lygia Fagundes Telles. São Paulo: Prancom. n. 5, 1988)].

2) A decoração do casarão denota falta de sobriedade dos participantes do seminário, e seu apreço a luxos e excessos proporcionados pelo dinheiro público. 3) No conto “Seminário dos Ratos”, o Secretário do

Bem-Estar Público e Privado instrui o Chefe das Relações Públicas de que somente informações positivas sobre a condição sociopolítica do país deviam ser veicu ladas, tanto no âmbito nacional como no estrangeiro. Apenas informações que podiam engrandecer o país deviam ser divulgadas, as mazelas deviam ser ocultadas.

SEMINÁRIO DOS RATOS

RESOLUÇÃO

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Referências

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