REPRESENTAÇÃO
SOCIAL. CONCEITUAÇÁO,
DIMENSÃO
E FUNÇÕES (*)
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Zulmira Áurea Cruz Bonfim
(**)Sandra Francesca Conte de Almeida
(***)RESUMO
VUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
o texto aborda o conceito de representação social, suas dimensões e funções,
tal como concebido na teoria elaborada, fundamentalmente, por S. Moscovici, inse-rindo-o no campo de psicologia social e discutindo sua origem a partir do conceilo de representação coletiva de Durkheim. Aspectos teóricos envolvendo o conteúdo e as funçOes das representações sociais são apresentados e discutida a relevância da utilização desse construto na articulação entre o social e o psicol6gico. Três exemplos de pesquisas, realizadas no Brasil, com base na teoria das
representa-ç õ e s sociais, são citados para Ilustrar seu largo campo de aplicação e de Investiga-ç ã o ,
ABSTRACT
fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
T h is p a p e r d is c u s s e s th e c o n c e p t o f s o c ia l re p re s e n ta tio n , its ra n g e a n d ro le o n lh e lig h t o f M o s c o v ic i's th e o ry . It e m b e ls lh e n o tio n o n th e s o c ia l p s y c h o lo g y a re a
n d re v ie w s its o rig in fro m D u rk h e im 's c o n c e p tio n o f c o lle c tiv e re p re s e n ta tio n . It p re -e n ts th -e o r-e tic a l a s p -e c ts c o m p r-e h -e n d in g th e m e a n in g a n d ro le o f s o c ia l re p re s e n ta
-lIo n s , a n d it c o n s id e rs th e im p o rta n c e o f u s in g th is c o n s tru c tio n o n th e in te rp la y b e t-w e e n th e s o c ia l a n d p s y c h o lo g ic a l fie ld s . It s h o w s th re e re s e ra c h p ro je te s u n d e r ta -/(e n in B ra z il b a s e d o n th e th e o ry o f s o c ia l re p re s e n ta tio n to iIIu s tra te its la rg e a re a o f
p p lic a tio n a n d re s e e rc b ,
A PSICOLOGIA E A PSICOLOGIA SOCIAL
A psicologia, tradicionalmente definida como "ciência do comportamento", tem
negligenciado, tanto na sua atuação quanto no seu campo teórico, a clientela
me-nos privilegiada.
No Brasil, a ciência psicológica tem seguido o modelo norte-americano e
euro-peu, prioritariamente, em contraposição aos modelos mais compatfveis com a
rea-lidade do Terceiro Mundo. Como exemplo dos que se enquadram nesta segund
abordagem, podemos citar: Moffatt (1980), Pichon-Riviêre (1986), Loyello (1983),
Lane (1981), Góis (1984), Vasconcelos (1985), Ciampa (1987), Leontiev (1978),
entre outros. A atuação da psicologia tradicional restringe-se
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à área cltruca, cujoatendimento em consultórios particulares, em conformidade com o modelo
profis-sional liberal clássico, obedece a uma abordagem essencialmente individualista
curativa, buscando a solução de problemas espedficos. A clientela atendida
cor-responde a uma pequena parcela das classes sociais mais privilegiadas economl camente. A grande maioria da população não se adapta ao universo cultural e ao
rituais desenvolvidos pelas técnicas psicológicas tradicionais, nem pode pagar por
elas.
No campo teórico, tem-se estudado, mais enfaticamente, temas relacionado
ao indivíduo, na maioria das vezes isolado do seu contexto sócio-cultural e histórl
C O a Isto tem limitado a solução de graves problemas que afetam a população do
palses subdesenvolvidos, ao mesmo tempo em que limita a sistematização de co
nhecimentos novos na área de psicologia social e comunitária, os quais seriam im
presclndlvels para uma atuação mais compatível com a realidade sôcio-econõmlc 1
e cultural desses p a ' s e s .
A lacuna do social na psicologia é resgatada pela Psicologia Social
contempo-rânea, a partir de 1960 na Europa, principalmemte França e Inglaterra, criticando 1
Psicologia Social norte-americana da década de 50, que considerava o social c
mo pano de fundo das teorias psicológicas e isolava o lndivlduo da sociedade. A
vertente norte-americana estabelecia uma dicotomia entre o indivlduo e a socied
de, fundamentando-se na interrelação entre estas duas dimensões, mas consid
rando-as como dois fenômenos distintos (Lane, 1981).
A dualidade entre o indivrduo e o social é explicada por Leontiev (1978) com
conseqüente das duas tendências de abordagem sobre o psiquismo humano: 1
naturalista e a histórico-social. Tal dualidade remonta, segundo o autor, à classlfl
cação das ciências feita por Bacon, que atribui o estudo do psiquismo à investig 1
ção anátomo-fisiológica (naturalista) eà compreensão do aspecto social à socio
gia (histórico-social). Estas duas tendências refletem uma dificuldade da psico
gia, que também está presente em outras ciências humanas.
Leotiev (1978) concebe que esta dicotomia só será resolvida a partir de um1
concepção filosófica de mundo que amplie a explicação cientlfica e materialis\ 1
tanto aos fenômenos naturais como aos fenômenos sociais. Para ele,
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" e x is te u m a ú n ic a c o n c e p ç ã o d o m u n d o q u e re s p o n d e a e s te o b je tiv o :
afilo s o fia d o m a te ria lis m o d ie té tic o " (L e o n tie v , 1 9 7 8 : 1 5 1 ) .
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Uuscando uma concepção única sobre o homem, é que alguns teóricos da
Psi-llogia Social assinalam a redundância do termo " s o c i a l " , Baseiam-se na
argu-1 argu-1 I n t a ç ã o de que não há a possibilidade de uma psicologia que não tenha esse
" mento.
" O e n fo q u e d a P s ic o lo g ia S o c ia lée s tu d a r oc o m p o rta m e n to n o s in d iv l-d u o s n o q u e e le éin flu e n c ia d o s o c ia lm e n te " (L a n e , 1 9 8 1 : 8 ) .
Mo'
ovici (1985) definiu a Psicologia Social como a ciência do conflito entre oindi-.'uo e a sociedade. O lndivlduo só existe dentro da rede social e toda sociedade
liresultado da interação de milhares de indivrduos. São objetos de estudo da
I Il.ologia Social, segundo Moscovici, os fenômenos da ideologia (cognição e
r~-I" ntações sociais) e os fenômenos de comunicação, todos vinculados aos
dl-I os níveis das interações humanas.
, Imonari e Doise (1986) postularam que a grande tarefa do psicólogo social
1 1 1 \ mporãneo é a de trabalhar na imbricação de diferentes campos teóricos,
co-K l opiniões, atitudes, tomada de decisão, processo de socialização, relações
in-IIrupais, comportamentos agressivos, dinâmicas de influência social,
represen-o srepresen-ocial, etc.
Pontuamos como fundamental, no estudo da Psicologia Social, o que ela tem de III'nal, que é questionar a separação entre o individual e o coletivo e contestar a
u IIdade entre o psíquico e o social, sem deixar de compreendê-Ios como campos
li rdependentes.
A representação social torna-se um instrumento da Psicologia Social, na
medi-I rn que articula o social e o psicológico como um processo dinâmico, que
per-1 per-1 per-1 compreender a formação do pensamento social e prenunciar as condutas
I l T l nas. Ela favorece o desvendar dos mecanismos de funcionamento da
elabo-social do real (Arruda, 1983) e, por isso, torna-se tão fundamental no estudo
Idéias e condutas sociais.
,) ra Durkheim, o papel da Psicologia Social seria o de estudar
" d e q u e m o d o asre p re s e n ta ç 6 e s s e a tra e m e s e e x c lu e m , s e fu n d e m u m a s c o maso u tra s o u s e d is tin g u e m " (D u rk h e im , 1 9 8 3 : 8 0 ).
I Intermédio do aporte teórico da representação social, torna-se possfvel
pene-Ino cotidiero dos lndivlduos, considerando seus valores e identidades culturais
I cobrindo suas verdadeiras raízes e origens, propiciando o desvelar de
as-10 antigos e novos de sua identidade (Arruda, 1985).
A representação social, enquanto objeto de estudo da Psicologia Social, permite
rnculação
do social e do psicológico, tornando-se um instrumento decompre-o e de transfcompre-ormaçãcompre-o da realidade.
r
ORlA DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
o conceito de representação social situa-se nas fronteiras entre a psicologia e
oclologia, mais especificamente entre a psicologia e a sociologia do
conheci-nto.
n
vista de Psicologia, Fortaleza, V. 9 (1/2), V. 10 (1/2); p.75 - p.S9, Jan./Dez. 1991/92A origem do conceito provém do de representação coletiva, desenvolvido por Durkheim. Este teorizou que as categorias básicas do pensamento teriam orl-gem na sociedade e que o conhecimento só poderia ser encontrado na experiêncl social, ou seja, a vida social seria a condição de todo pensamento organizado e
vi-ce-versa. Durkheim propôs, ainda, como condição essencial na elaboração do
co-nhecimento, a formação de conceitos que são partilhados pelos membros do
gru-po, originados, inicialmente, de caracterfsíícas da vida da coletividade (Durkheim,
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1 9 7 4 ) . Diferentemente das experiências singulares dos indivrduos (percepções,
imaginação, sensação, etc.) , os conceitos permitem a caracterização do ser
es-sencial do homem, devido ao fato de que, para Durkheim,
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• • • • • U m h o m e m q u e n ã o p e n s a s s e p o r m e io d e c o n c e ito s n ã o s e ria u m
h o m e m , p o is n ã o s e ria u m s e r s o c ia l. R e d u z id o a p e n a s àsp e rc e p ç õ e s in d i-v id u a is , s e ria in d is tin to d o e n im e t" (D u rk h e irn , 1 9 8 3 : 2 3 9 ) .
Para Durkheim, a individualidade humana se constitui a partir da sociedade. A r
presentação coletiva, segundo e le , não se reduz à soma das representaçoo
dos
indlvíduos
que compõem a sociedade, mais do que isto, um novo conheci mento é formado, que supera a soma dos índívlduos e favorece uma recriação docoletivo. Na representação coletiva encontra-se a primazia do social sobre
individual (Durkheim citado por Herzlich, 1 9 7 2 ) .
A religião, por exemplo, é analisada por Durkheim como possuindo um
compo-nente ideacional essencial relacionado à criação de uma estrutura cognitiva, po:
onde se compreende o mundo conceitualmente. Giddens, comentando as idéias d
Durkheim, nos fala que a religião se origina das exigências práticas da vida em 5 0
ciedade. "Os homens não inventaram primeiro os deuses para depois ligar essa idéias à sua atividade social. A formulação cognitiva de idéias religiosas é uma ex
pressão de pensamentos sociais preexistentes que Ihes antecedem o apareci
mento em reflexões conscientes." (Giddens, 1 9 7 8 : 5 9 ) .
Para Durkheim, uma função primordial da representação coletiva seria 1
transmissão da herança coletiva dos antepassados. As representações coletiv
acrescentariam às experiências individuais tudo que a sociedade acumulou de5
bed~:>riae ciência no decorrer dos tempos (Durkheim, 1 9 7 4 ) .
E justamente neste aspecto que Moscovici diverge de Durkheim e acrescenl
novos elementos à elaboração do conceito de representação social, Para el ,
ela não é somente uma herança coletiva dos antepassados, que é transmitida dI
maneira determinista e estática. O indivrduo tem papel ativo e autônomo no pr
cesso de construção da sociedade. Da mesma forma que o indivlduo é criado pol
ela, ele também tem participação em sua construção (Moscovici, 1 9 7 8 ) .
Um outro ponto divergente entre o conceito de representação coletiva d
Durkheim e o conceito elaborado por Moscovici de representação social
quanto à colocação teórica do primeiro, de que as representações social
constituiriam uma classe muito genérica de fenômenos psíqulcos e sociais qu
abrangeriam a ciência, ideologia, mito, etc. Moscovici ( 1 9 7 8 ) se contrapõe a esll
idéia porque pensa a representação social como um conhecimento singul I,
destacado de uma categoria geral de pensamento social que caminha paralelo ao
Revista de Psicologia, Fortaleza, V . 9 ( 1 / 2 ) , V . 1 0 ( 1 / 2 ) ; p . 7 5 - p . 8 9 , Jan.lDez. 1 9 9 1 / 9 2
utros tipos de conhecimento sobre o social, mas que conserva a sua
específlcí-I de. Esta delimitação é essencial para a compreensão do seu significado.
Os mitos, estudados pelos antropólogos, se diferenciam da representação
ocial por serem considerados em nossa sociedade uma forma arcaica e primitiva
t l e e situar no mundo ou uma forma de conhecimento "anormal" ou "inferior"
(Moscovici, 1 9 7 8 ) . Para o homem primitivo, o mito constitui um conhecimento total,
1 / 1 1 Incluiu sua prática, sua percepção da natureza e suas relações sociais e não
1 1 '1 sujeito a dúvidas ou mudanças. Já as representações sociais, embora já
I I am ter sido tratadas analogamente aos mitos, são consideradas formas
"nor-f 1 I I " de conhecimento, que retratam o pensamento da sociedade presente na
vi-I otidiana.
A formação das representações sociais a partir da realidade da vida
cotidia-" constitui uma grande força para que estas possam ser tratadas e reconhecidas
Imo "conhecimento" pela sociedade. Isto porque a realidade da vida cotidiana
fi! senta-se como a realidade por excelência, porque, sendo decorrente das
rela-n
que o homem mantém no dia-a-dia com o mundo, possui um caráterpredo-11I111nternente impositivo e urgente à consciência. Em conseqüência, o indivrduo
perlrnenta a vida cotidiana num estado total de atenção que lhe permite
apreen-II de forma normal e natural (Berger & Luckman, 1 9 8 3 ) .
A realidade da vida cotidiana é dominante em relação a outras realidades que I tem, como os sonhos, o pensamento teórico (ciência), arte e religião. Estes
1111nlam desviar a atenção da realidade da vida cotidiana, mas encontram um
blo-lU 10,pelo caráter finito de significação.
A situação dominante da realidade da vida cotidiana, se mantém devido à
exis-neta da linguagem, na qual se fundamenta, e fornece continuamente as
objeti-õ s necessárias que dão sentido aos elementos da realidade. A linguagem tem
ri m e encontra sua referência primária na vida cotidiana. Ela fornece a imediata
Ibilidade da objetivação da experiência.
A estrutura social é outro elemento essencial da realidade da vida cotidiana.
por intermédio da sociedade, da interação e das relações face a face que o
indi-Iluo encontra a expressão de sua subjetividade. No compartilhar da
intersubjeti-1!lldo, o indivlduo adquire a certeza da realidade vivida e diferencia a realidade da
t
cotidiana de outras realidades de que tem consciência. A atitude natural él U Ia que é compartilhada pela consciência do senso comum, porque se refere a
U I 1 l mundo que é comum a muitos homens.
ospecialmente na situação face a face que o outro pode ser considerado
pie-m nte real. Sopie-mente aqui a subjetividade do outro é expressivapie-mente próxima.
A realidade da vida cotidiana constitui a matéria ernplrica da sociologia, o
co-" cimento que dirige à conduta da vida diária. É definida pela sociologia do
co-n "
Imento como uma realidade interpretada pelos homens e subjetivamentedota-li sentido, na medida em que forma um mundo coerente (Berger & Luckman,
, 1 1 '1 ) .
N sociologia do conhecimento, a realidade é definida como uma qualidade
rI ncente a fenômenos que se reconhece serem independentes da vontade
nhecimento como sendo a certeza de que os fenômenos são reais e
suem caracterfstlcas especfficas. Seu objeto de estudo se insere no estabeleci-mento das relações entre o pensaestabeleci-mento humano e o seu contexo (Berger & Luck· man, 1983).
O interesse da sociologia do conhecimento pelas questões de realidade e
co-nhecimento é justificado pela existência de uma relatividade social. Assim, o que
real para uma determinada cultura pode não ser real para outra. O conhecimento
classificado como verdadeiro pode ser
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v is to diferentemente por categorias profisionais distintas. Conhecimento e realidade d e v e rã o ser compreendidos dentro
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dcontextos sociais especfficos e analisadas suas relações a partir destes contex
tos. A relevância da sociologia do conhecimento se dá pelas diferenças o b s e rv
das entre as sociedades em termos daquilo que é admitido como conhecimento.
Em síntese,
" • • • u m a s o c io lo g ia d o c o n h e c im e n to te m d e tra ta r n á o s o m e n te d a m u l-tip lic id a d e e m p fric a d o c o n h e c im e n to n a s s o c ie d a d e s h u m a n a s , m a s ta m -b é m d o s p ro c e s s o s p e lo s q u a is q u a lq u e r c o rp o d e c o n h e c im e n to c h e g a a
s e r s o c ia lm e n te e s ta b e le c id o c o m o re a lid a d e " (B e rg e r &L u c k m a n , 1 9 8 3 : 1 3 ) .
Embora os elementos básicos do conceito de representação social tenham
originado na sociologia, é na Psicologia Social que ele assume sua forma m
complexa, tendo sido retomado por Serge Moscovici e depois d e s e n v o lv id o pOI
outros autores da Psicologia Social francesa.
Na psicologia, o conceito de representação social foi resgatado pelav e rte n h
sociológica da psicologia européia. O estudo da representação social rnan I
uma mudança no eixo tradicional das pesquisas em Psicologia Social, que se COII
c e n tra v a m principalmente na tradição behaviorista (watsoniana) de verificação ( 1 1
comportamentos observáveis. Durante muito tempo, os conteúdos latentes e implr
citos do comportamento foram negligenciados pela psicologia por, supostamenh
não estarem dentro do âmbito de estudo desta ciência. A v e rte n te behaviori II
sob a grande influência anglo-saxônica, detinha a hegemonia não só na Psicolo II
Social como em todas as áreas da ciência psicológica.
A grande contribuição da corrente francesa à psicologia fundamenta-se na 1 1 1 1
pliação dos objetivos e limites da Psicologia Social, alcançando resultados r I
v a n te s na compreensão do processo de elaboração psicológica e social do ri I
integrando aspectos impllcitos e explícitos do comportamento à explicação dI
condutas.
Mas é justamente na encruzilhada de conceitos sociológicos e psicológicos
'1 "
Moscovici resgata o conceito de representaçao social, definida por ele como:
" u m a m o d a lid a d e d e c o n h e c im e n to p a rtic u la r q u e te m p o r
turçêo
ae la -b o re ç ã o d e c o m p o rta m e n to s eac o m u n ic a ç á o e n tre in d iv ld u o s " (M o s c o v ic i, 1 9 7 8 : 2 6 ) .É uma modalidade particular porque não é todo conhecimento que pode ser (1 1 1
siderado representação social, mas somente aquele do senso comum, do viII
cotidiana dos indivlduos, que é elaborado socialmente e que funciona no sentidoI
Revista de Psicologia, Fortaleza, V. 9 (1/2), V. 10 (1/2); p.75 - p.69, Jan,lDez. 1991/9:>
80
,I rpretar, pensar e agir sobre a realidade. É um conhecimento prático que se
I ao pensamento cientrtico, porém assemelha-se a ere, assim como aos mitos,
I Ique concerne à elaboração destes conhecimentos a partir de um conteúdo
sim-I sim-Isim-Ico e prático.
( grande a v a n ? ~ na elaboração do conceito e teoria das representações s o
-I -I
por MOSCOVICI(1978) deu-se a partir dos resultados de uma pesquisareali-e l a por ele em :aris, com o objetivo dele v a n ta r as representações sociais de
umas
categorias da população parisiense sobre a psicanálise. A escolha daf( nálise, ~nquanto objeto de estudo das representações sociais, d e v e u -s e à
1 1
qrance
difusão na Europa e Estados Unidos, propiciando ao público um n rv e lInformação ideal para a elaboração de opiniões (1) e de representações
I is acerca da mesma. A pesquisa comparou distintas categorias da
popula-o, nglobando amostras representativas da população em geral, das populações
( lasse média, de profissionais liberais, estudantes e alunos de escolas
técni-Um outro aspecto na compreensão do conceito de representação social é o
1 1 f i pel na formação das condutas. É ela que modela o comportamento e
justifi-l J expressão. Moscovici nos fala, então, que a representação social é uma
liH ç~o ?ara a ação, tanto por conduzir o comportamento, como por modificar
onstituir os elementos do meio ambiente em que o comportamento deve ter
r.
" E la c o n s e g u e in c u tir ums e n tid o a o c o m p o rta m e n to , in te g ril-Io n u m a re d e d e teleções e m q u e e s til v in c u la d o a o s e u o b je to , fo rn e c e n d o a o m e s m o te m p o as
noções,
as te o ria s e o s fu n d o s d eobserveçêo
q u e to m a m e s s a s re la ç õ e s e s tá v e is e e fic a z e s " . (M o s c o v ic i, 1 9 7 8 .'4 9 ).I t IIttch (1972) afirma que o aprimoramento do conceito de representação
so-I v m a preencher uma lacuna na Psicologia Social, que era justamente o
estu-1 estu-1 estu-1 modos de conhecimento e dos processos simbólicos na sua relação com
IfIdutas.
t rceiro aspecto ?a definição que ressaltamos na representação social é
lunção ~a comunlcação entre indivrduos. Ela é um dos instrumentos pelos
I o Indlvrduos ou grupos apreendem seu e n v o lv im e n to e suas relações que
1 1 1 di tlzadas pela linguagem. '
Mil covici (citado por Palmonari & Doise, 1986) propõe uma relação particular
I temas de comunicação e as representações sociais, apoiado num
ca-(Ir ulante e móvel destas últimas. Elas se modificam ou se atualizam dentro I ç õ o s de comunicação diferentes. Desta forma, os jornalistas (a imprensa),
I vlci (1976) definiu opinião c o m o uma forma socialmente valorizada a que um indivhldo I r, ondo também uma tomada de posição sobre um problema controvertido, na
socieda-f li u a lm e n te descrita como sendo pouco estável e pode ser compreendida corno um mo.
u . u da formação de atitudes e estereótipos. Assim como a atitude, a opinião é considerada n pr paração ~ara uma ação, ~lribui-se a ela uma virtude preditiva, já que a partir daquilo til n Indlvrduo dIZ pode-se deduzir o que ele vai fazer.
vi I de Psicologia, Fortaleza, V. 9 (1/2), V. 10 (1/2); p.75 - p.89, Jan./Dez. 1991/92
por exemp~o! sendo um grupo de especialistas (2) formadores de represent
ções SOCiaiS, podem ser responsáveis pela estruturação de sistemas de comu
nicação que visam a difundir, propagar. ou fazer propagandas de determin
das representações.
Na difusão não há modificação da comunicação emitida da fonte até o
recep-tor. Os autores dos artigos da imprensa transmitem a informação que eles rec
bem de especialistas. A difusão produz. sobretudo. opiniões.
A propagação se caracteriza pela adaptação de outros saberes a uma visá
de mundo organizada. a um quadro pré-estabelecido. A propagação trabalha ao
nfvel de formação de atitudes.
A propaganda é uma forma de comunicação que está inserida dentro de rei
ções sociais fortemente antagônicas.
É
a oposição entre o verdadeiro e o falso s •ber, uma incompatibilidade entre a visão de mundo que a fonte propõe e aquela
proposta por uma parte antagônica. A propaganda forma estereótipos.
~.uanto
VUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
à linguagem. ela tem origem e encontra sua referência primária na vidcotidiana. Fornece a imediata possibilidade da objetivação da experiência. A lin·
guagem. além da representação (3). é condição de emergência de uma
repre-sentação social.
A representaç.ão constitui um elemento essencial para a passagem do
pro-cesso de elaboraçao da percepção à
conceítuação,
e vice-versa. Ela se constituiuma terceira instância. com propriedades mistas. que condiciona
fedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
" • • . ~ p a s s a g e m d a e s fe ra s e n s o ria l-m o to ra é I e s fe ra c o g n itiv a , d o o b je to p e rc e b id o é Id ls tê n c ie au m a c o n c ie n tiz a ç ã o d e s u a s d im e n s õ e s , fo n n a s , e te . R e p re s e n ta r-s e a lg u m a c o is ae te r c o n s c iê n c ia d e a lg u m a c o is a d A n o m e s
-mo -o u q u a s e " (M o s c o v ic i, 1 9 7 8 :5 7 ).
A representação é um processo fundamental. que toma possível intercambiar
percepção e conceito, ou seja,
"• • • • oo b je to d o c o n c e ito p o d e s e r to m a d o p a ra o b je to d e u m a p e rc e p -ç ã o , oc o n te ú d o d o c o n c e ito p o d e s e r p e rc e b id o " . (M o s c o v ic i, 1 9 7 8 : 5 8 ) .
Ela, a
representação,
pode converter-se tanto em percepções como em conceitos.Do conceito. a representação absorve o poder de organizar de unir e de filtrar o
que vai ser rei~t.roduzido e reaprendldo, no domfnio sensoriai. Da percepção. ela conserva a habilidade para percorrer e registrar o inorganizado. o que ainda irá se formar.
. A realização das representações tem grande significado para toda a vida
cons-c~ente. ~em o processo de representar não poderfamos sair da experí'encia
ime-diata. Diferentemente da percepção. que reproduz a imagem do objeto em si. a
re-2 - Os especialistas possuem um papel fundamental na formação das representações sociais: jomalistas, cientistas, técnicos e polfticos.
3 - Nem toda representação é representação social.
Revista de Psicologia, Fortaleza, V. 9(1 /2 ), V. 10(1 /2 ); p.75 - p.89,J a n ./D e z . 1 9 9 1 /9 2
entação é a imagem mesma do objeto que se reproduz sob a influência
sen-rllll precedente. quando o dito objeto já não existe diretamente. Desta forma. os
I~tos que se encontram diante de nós atuaria diretamente sobre nossos órgãos
I Iptivos e determinariam nossa conduta. Nossos pensamentos e nossas ações
tnrlam submetidos exclusivamente ao presente. A vida interna seria impossfvel
IIIlllllnstein. 1967).
( processo de representar e a conceituação estão vinculados um ao outro.
I
li"Indo uma unidade. porém permanecem distintos. Ao conceito não se devetrlhulr a representação; nem tampouco se separam. No entanto. vinculam-se
en-I, Influenciando-se mutuamente. igualmente como acontece na realidade com o
llÔmeno e a essência. com o singular e o geral (Rubinstein. 1967).
I m outras palavras. o processo de representar inclui a percepção (presença
Iobjeto) e o conceito (sua ausência).
É
exatamente neste processo de tornarp rcepção um conceito e o conceito uma percepção. que se configura o
r t r criativo da representação. Seu processo dinâmico reflete a complexa vida
f i rsonalidade. Não é uma reprodução mecânica da percepção que se
conser-m qualquer lugar. coconser-mo uconser-m eleconser-mento invariável. É mais uma configuração
ut vel que a cada vez se cria de novo sob determinadas condições (Rubinstein,
7). Tanto a percepção quanto o conceito são modificados a partir da entrada de
l 1 l ntos estranhos ao universo conhecido, os quais são incorporados e
remo-I dos de acordo com o que existe naquele universo. A criação, na
representa-, se dá pela transformação de um conhecimento indireto em direto na realidade
IIcll na do indivfduo, de onde um novo conhecimento é produzido a partir do
sen-comum da coletividade.
O caráter criativo da representação manifesta-se também na forma como cada
kllllvfduo a processa. Ela não acontece da mesma maneira em todos os indivlduos,
Ut
renclando-se de acordo com as peculiaridades individuais. A concretizaçãoI atividades humanas no mundo é vista. por Rubinstein (1967). como
conse-'O ncia das diferenças individuais que se relacionam com a atitude de produzir e
I I
xííücar
representações. sendo que elas podem diferir consideravelmente numI mo
indivíduo,
no que se refere a diferentes campos sensoriais. Umindivíduo
I possuir representações visuais precisas. estáveis e claras. enquanto as
re-I entações acústicas, podem se configurar imprecisas e sem colorido
(Rubins-In.1967).
t
graças ao processo de representar que se tem a possibilidade deemergên-, emergên-,formação e elaboração das representações sociais na vida cotidiana.
As representações. para serem consideradas sociais. precisam ter. como
con-Iç o. serem produzidas coletivamente. além de se destacarem como formadoras
condutas e orientadoras das comunicações sociais.
A ciência e a ideologia. assim como as representações sociais, também são
ngendradas originalmente na coletividade. As diferenças entre elas e a
repre-ntação social correspondem à função que esta última adquire exclusivamente
1 1 mediação da formação de condutas e na orientação das comunicações sociais.
ciência busca compreender a natureza e procura descobrir a verdade sobre ela.
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A ideologia fornece um sistema geral de metas traçadas por um grupo, as qual
justificam seus atos. Embora ambas possam propor condutas e comunicaçõ
adequadas, elas precisam ter a representação social como mediadora dest
processo. Daí delineia-se esta função como exclusiva da representação soclll
(Moscovici, 1978). Ela se constitui, assim, um conhecimento dotado de uma reall
dade própria, sólido, não emprestado de outras ciências (Palmonari & Dois ,
1986).
Como instrumento de
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a v a lia ç ã o dos grupos sociais, as representações socialajudam na comparação, delimitação e definição dos grupos em torno das
visõe
que estes têm do mundo, de como os mesmos se relacionam com um objeto s
cialmente valorizado. Para que a representação social seja um instrumento d
comparação entre grupos é necessário le v a n ta r seu conteúdo e seu sentido, e
truturados a partir de três dimensões: a informação, o campo de represent I
ção e a atitude.
A informação é o montante de conhecimentos, tanto qualitativos quanto quan
titativos, que existem acerca de um objeto social aprendido por um grupo especnl
co. Na pesquisa desenvolvida por Moscovici (1978) sobre a representação socüd
da psicanálise, constatou-se um baixo nível de informação dos operários e n tre v i
tados. Já os estudantes e sujeitos de classe média possufam um conhecimenlo
mais consistente e passfvel de verificação em relação à técnica psicanalrtica.
O campo de representação é a tendência de respostas em um grupo qUI
engloba uma hierarquia de elementos, os quais reforçam grupo a outro, ou a partir das influências que recebe no seu contexto. Por exemplo, os fatores ideológico
podem exercer uma influência na estruturação do campo de representação: o
sujeitos de opinião política de esquerda avaliam ou n iv e rs o
pstcolõçtco
como ditinto do de problemas sociais, enquanto os de centro-direita o posicionam no me
mo plano dos problemas sociais e polrticos (Moscovici, 1978).
A atitude expressa a orientação geral, positiva ou n e g a tiv a , em relação ao
ob-jeto da representação social.
As atitudes, na Psicologia Social, são usualmente definidas como predispo I ções aprendidas e, como tal, são concebidas como sendo sociais na origem. Po rém, são sociais num primeiro sentido, pois possuem sua maior ênfase nos a
pectos interpessoais da realidade social mais do que nos aspectos estruturais
culturais. Relacionam-se com as disposições individuais, introduzidas na Psicolo
gia Social, para explicar diferenças entre os indivfduos e sua relação a um estfmulu semelhante (Jaspes & Frazer, 1986).
As três dimensões do conteúdo da representação social podem não aconl
cer simultaneamente num mesmo grupo. No caso da representação social da p
canálise, a tridimensionalidade somente se manifesta em quatro populações: estu
dantes, profissionais liberais, classes médias "A" e alunos de escolas técnica ,
Os operários e as classes médias "B" têm uma atitude estruturada, mas uma
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1 1 1formação e um campo de representação difusos. Moscovici concluiu, na sua pe
quisa, que
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84
n••• aP s ic a n á lis e s u s c ita e m to d o s oslu g a re s to m a d a s d e p o s iç ã o (a
ti-tu d e s ) d e te rm in a d a s e , s o m e n te e m p a rte , re p re s e n ta ç 6 e s s o c ia is c o e re n -te s " (M o s c o v ic i, 1 9 7 8 :7 3 ).
A titude é analisada por ele como sendo a dimensão geneticamente primordial.
n••• P o r c o n s e g u in te , éra z o á v e l c o n c lu ir q u e u m a p e s s o a s e in fo rm a e s e re p re s e n ta a lg u m a c o is a u n ic a m e n te d e p o is d e te r a d o ta d o u m a p o s iç ê o e e m tu n ç ã o d a p o s iç ã o to m a d a " . (M o s c o v ic i, 1 9 7 8 .7 4 ).
( conteúdo das representações sociais nos possibilita, então, a
compreen-li da dimensão dos grupos sociais e torna possfvel a comparação entre eles,
I
Irvando suas caracterfsticas comuns e divergentes. O grau de estruturação doIIII údo das representações sociais nos fornece os elementos necessários para
11Irmos a emergência e consistência das representações sociais.
N, o só o conteúdo das representações sociais nos fornece os
subsldíos
I compreensão de sua elaboração e de seu funcionamento. Seu conteúdo
mostra as caracterfsticas estáticas das representações sociais. Outros
pro-os estão envolvidpro-os na construção social do real de forma dinâmica: a
obje-\I ç ã o e a ancoragem. Estes processos fundamentam, segundo Herzlich
f? ), a maneira pela qual o social transforma um conhecimento em representa-como esta representação transforma o social.
) processo de objetivação ocorre, na representação social, quando há a
tu r tização ou materialização de um objeto abstrato representado; quando um
qu ma conceitual se torna real e acessível ao senso comum. Jodelet (1984)
I .centou que, por intermédio do processo de objetivação, é possfvel a
repre-IIIIÇão tornar intercambiável o percepto e o conceito: colocam-se imagens em
r> s abstratas, dá-se uma textura material às idéias, faz-se corresponder as I às palavras.
A objetivação ocorre, comumente, no procedimento de vulgarização do saber
II,"ICO. Neste caso, tal conhecimento é apreendido pelo homem comum, a partir
propriação de elementos conceituais, que normalmente são acessfveis
so-1 so-1 so-1 a uma parcela de especialistas. Moscovici (1978) explica:
" A o o b je tiv a r o c o n te ú d o c ie n tlfic o d a P s ic a n á lis e , as o c ie d a d e já n á o s e s itu a c o m v is ta s< l P s ic a n á lis e o u a o s p s ic a n a lis ta s , mase m re te ç õ o au m a s é rie d e fe n ó m e n o s q u e e la to m aa lib e rd a d e d e tra ta r c o rn o m u ito b e m e n -te n d e . Ote s te m u n h o d o s h o m e n s c o n v e rte -s e e m te s te m u n h o d o s s e n tid o s ,
o u n iv e rs o d e s c o n h e c id o to rn a -s e fa m ilia riz a r a to d o s " . (M o s c o v ic i, 1 9 7 8 : 1 1 2 ) .
N te procedimento de apropriação do saber clentülco, o homem comum passa
1 iIr a sua própria relação com o objeto, dando forma às significações do seu
1 1 1 1 nte. Para que isto aconteça, o objeto a ser representado passa primeiro por
, lase de seleção e descontextualização daqueles elementos da teoria, que são
Iflldos em função de critérios sócio-culturais e sócio-norrnativos. A seleção irá
I r de acordo com as informações existentes, que podem mudar de grupo para uno, ou em função de valores aprendidos na cultura.
Uma outra fase na objetivação de uma teoria cientrtica é a formação de um
es-quema figurativo, que
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' : . . é
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u m a e s tru tu ra im a g in a n te q u e v a i re p ro d u z ir d e m a n e ira v is fv e l u m a e s tru tu ra c o n c e h u e t" , (J o d e le t; 1 9 8 4 ).Esquema figurativo é uma noção, introduzida por Moscovici, que traduz um
núcleo essencial da representação. Na psicanálise, o esquema figurativo
cor-responde às noções de consciente, inconsciente, recalque e complexos. Estas no
ções não englobam a totalidade da teoria. Somente aqueles aspectos que são
apreendidos pelo público e que condizem com os valores do grupo e da sociedad se configuram como esquema figurativo. Por exemplo, a noção de libido da teoria psicanalrtica não é absorvida pelo público entrevistado porque, segundo Moscovicl,
corresponde a uma área tabu que suscitou muitas controvérsias
e
choque devalo-res. Para que a teoria psicanalrtica pudesse se integrar totalmente ao discurso
co-mum, foi necessária a omissão dos aspectos conflitantes da teoria que divergiam
dos valores pré-estabelecidos na cultural local. O processo de elaboração das
re-presentações sociais está intimamente vinculado à formação de um esquema
figu-rativo.
A naturalização, outro processo da objetivação, ocorre quando o esquema
fI-gurativo passa a fazer parte do senso comum, de forma que os elementos da
teo-ria são qualificados segundo os critérios da própria cultura. Assim, o homem
co-mum passa a lidar com o inconsciente como "inquieto"; os complexos como
"a-gressivos"; consciente e inconsciente como "conflito" (Jodelet, 1984). Neste
pro-cesso, as noções de inconsciente, complexo e recalque adquirem uma
rnaterialí-dade quase tangrvel, de maneira que se misturam com a vida dinâmica da vida
co-tidiana. Desta forma, o indivíduo esquece que em seu discurso estão presentes
elementos estranhos originários de outros e o absorvem como seus, assumindo-os como criação própria (Herzlich, 1972).
O aperfeiçoamento e a concretização de uma representação social culmina
com o processo da ancoragem. Situa-se num pólo oposto à objetivação, ma
ambos constituerr. processos complementares. A ancoragem aparece como uma
extensão da objetivação. Ela promove a inteqração cognitiva do objeto
representa-do no sistema de pensamento pré-existente e também as transformações qu
emanam de um e de outra (Jodelet, 1984).
Por seu meio, articulam-se as três funções de base da representação: função
cognitiva de integração da novidade, função de interpretação da
reali-dade, função de orientação de condutas e de relações sociais. Além da
atribuição de uma funcionalidade, a ancoragem possibilita a transformação de sigo
nificantes em signos ou do objeto representado em representação social Equl
vale à inserção de um objeto novo dentro de um quadro de referência bem conhe-cido para poder interpretar (Palmonari & Doise, 1986). Por exemplo, a psicanális
é mais facilmente assimilada pelos não especialistas quando é comparada ao ato
da confissão da religião católica.
O processo de ancoragem caracteriza uma das mais importantes funções d
representação socia], que é a domesticação do estranho.
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Uma outra função social da representação social paralela a esta é de
anteci-r o desdobanteci-ramento das relações sociais, ou seja, funciona como uma ligação
fi" o passado e o futuro.
()NSIDERAÇÕES
FINAIS
( construtos concebidos por Moscovici e por outros autores de corrente da
1 1ologia Social Francesa, sobre o conteúdo, sentido e funções assumidas pela
r sentação social como instrumento da avaliação dos grupos sociais, vêm
lorçar a compreensão operacional de como as representações sociais são
ela-r Idas coletivamente a paela-rtiela-r da ela-realidade cotidiana.
I tes estudos fornecem subsfdios para que o cientista social possa
desenvol-r I squisas com o intuito de desveladesenvol-r o pensadesenvol-r e o agidesenvol-r de gdesenvol-rupos sociais, tendo
1 1 1 1 referencial a teoria das representações sociais.
Corno exemplo de estudos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros temos
Ir balho de Fávero, Tunes & Marchi (1991) sobre a representação social da
1 II mática e desempenho na solução de problemas. Apoiados na tese de
Mosco-I Mosco-I ( 1986) de que a representação de um objeto de conhecimento, associada a
va-v I circunstâncias, influencia na resolução de tarefas, os autores encontraram
ultados, próximos de outros estudos, de que o desempenho de meninos é
sig-t i l , iíivamente superior ao das meninas, quando estes são requisitados à
resolu-J d problemas de matemática. Estas diferenças estão baseadas em crenças,
I horadas socialmente, de que se espera que os sujeitos masculinos tenham um
J I " desempenho em matemática e que, por sua vez, a vejam como relevante para
1 1 futuro na sociedade. Os autores encontraram, também, diferenças
significati-no desempenho das meninas, quando o experimentador é do sexo masculino.
1 1 1 utras palavras, a apreensão do conteúdo da matemática, pelas meninas, é
k t r quando o professor de matemática é homem.
I tes resultados confirmam as idéias propostas por Moscovici de que o
desen-vlmento cognitivo não se dá de forma isolada, como uma atividade individual,
" '1 " 1 realidade objetiva e neutra, mas que ele se constrói a partir da influência
di-I do coletivo.
I tuoos exploratórios, envolvendo populações de baixa renda, foram
desenvol-10 por Arruda (1985) sobre a representação social da saúde num bairro de
mpma Grande (Paraíba) e por Bomfim (1990) em "Representações Sociais do
I de Moradia, de Si Próprio e do Outro em um Grupo de Moradores do
Pedre-I do Novo Gama" (Distrito Federal). Em ambos, o recurso à teoria das
repre-nt
ç õ e s sociais é justificado pelo fato de possibilitar uma avaliação dosiste-do significação ou produção mental dessas populações, permitindo a entrada
( u mundo simbólico, a partir da sua própria realidade cotidiana.
( s resultados encontrados apontam para a continuidade de linhas de pesquisa
1 1 dlrecionem para uma nova polrtica de atuação nessas comunidades por parte
ições
governamentais, partidos polrticos, cientistas sociais, profissionais da de saúde comunitária, etc.No primeiro estudo, a pesquisa revela, por intermédio das representações
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ciais, estratégias e avaliações que servem de indicadores para uma nova polltic
de saúde, já que expressa os anseios, as práticas e necessidades desse seg
mento da população.
No segundo, os resultados alcançados apontam para um
possfvet
processo dformação de uma identidade social do morador da periferia do Distrito Federal, ava
liado a partir da relação entre os aspectos internalizados dos moradores (repre
sentações sociais) e o espaço urbano em que vivem. O estudo busca contribuir
para a polrtica de expansão urbana da capital federal que, em especial, tem sido
objeto de estudo das áreas de geografia, arquitetura urbanismo, sociologia urban , etc.
Os exemplos citados reforçam, mais uma vez, a relevância da teoria das r
presentações sociais aplicada
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à investigação, avaliação e compreensão dogrupos sociais a partir de suas próprias realidades e identidades culturais.
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