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O SÍTIO TOCA DA BAIXA DOS CABOCLOS: APRESENTAÇÃO

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Goiânia, v. 13, n.2, p. 57-70, jul./dez. 2015.

ARTIGO

O

Resumo: este estudo apresenta uma análise preliminar sobre a distribuição espacial e as datações obtidas em nove enterramentos encontrados no sítio cemitério Toca da Baixa dos Caboclos, sudeste do Piauí, Brasil. Associando esta distribuição espacial à cronologia e às práticas funerárias observadas nos enterramentos, este trabalho permitiu informações sobre os modos fúnebres dos grupos culturais que utilizaram o abrigo como um cemitério.

Palavras-chave: Enterramentos pré-históricos. Distribuição espacial. Cronologia.

OS ESPAÇOS FUNERÁRIOS DE UM CEMITÉRIO PRÉ-HISTÓRICO*

* Recebido em: 07.09.2015. Aprovado em: 01.12.2015.

** Mestre em Arqueologia pelo Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (PPGARQ-UFPE); Bacharel em Arqueologia e Preservação do Patrimônio pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Arqueóloga junto ao Instituto do Pa-

LEDJA LEITE**

O SÍTIO TOCA DA BAIXA DOS CABOCLOS: APRESENTAÇÃO

sítio estudado neste trabalho, a Toca da Baixa dos Caboclos, está situado no sudeste do Piauí, na região do Parque Nacional Serra da Capivara. Nesta área, as pesquisas realizadas desde a década de 1970 têm reunido um número considerável de evidências arqueológicas dos grupos que ocuparam esta região em períodos anteriores ao contato.

Até o momento, foram registrados 14 sítios arqueológicos que apresentam evidências de

práticas funerárias, num total de 74 esqueletos. Contudo, apesar desta quantidade de

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enterramentos, praticamente inexistem pesquisas que os tomem por objeto de estudo.

Até o presente, os trabalhos que abordam os enterramentos desta região estão circuns- critos a Castro (2009); Guidon, Parenti, Oliveira; Vergne (1998); Guidon, Vergne; Vi- dal (1998); Maranca (1976); Mello e Alvim; Ferreira (1985); Peyre (1996); Silva (2003);

Souza, Vidal, Oliveira; Vergne (2002).

Este sítio foi escavado em duas campanhas arqueológicas, realizadas nos anos de 1996 e 1998. Durante a primeira campanha, a equipe responsável pelos trabalhos de cam- po optou por manter a alcunha popular que a comunidade local utilizava para designar o sítio. É preciso relembrar que no nordeste do Brasil o termo “caboclos” é comumente utilizado em alusão às populações indígenas. Portanto, ao que parece, antes mesmo de os trabalhos de escavação comprovarem que a Toca da Baixa dos Caboclos fora efeti- vamente utilizada por grupos indígenas, a comunidade local já tinha conhecimento de uma relação entre estes grupos e o espaço do sítio.

A Toca da Baixa dos Caboclos corresponde a um abrigo-sob-rocha arenítica localizado no município de Capitão Gervásio de Oliveira/PI nas coordenadas UTM 24M E821272 N9065428, SAD 69 (Figura 1). Neste sítio, as campanhas de salvamen- to arqueológico revelaram a presença de nove enterramentos com datações pontuadas no Tabela 1.

Figura 1: Sítio Toca da Baixa dos Caboclos

Fonte: Leite (2011).

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Tabela 1: Datações obtidas para o sítio Toca da Baixa dos Caboclos (Laboratório Beta Analytic)

Enterramento Material Datação (anos AP)

1 Carvão associado 450 +/- 40

1 Pele 371 +/- 40

1 Cabelo 340 +/- 40

1 Pele 310 +/- 50

1 Osso 300 +/- 40

7 Osso 240 +/- 50

8 Osso 320+/- 40

9 Pele 230 +/- 50

Fonte: Leite (2011).

Conforme pode-se observar pelo Tabela 1, as datações obtidas neste sítio abrem espaço para discutir o caráter “pré-histórico” destes enterramentos. Opor- tunamente, é pertinente assinalar que esta pesquisa considera as práticas funerá- rias observadas nos enterramentos deste sítio como pré-históricas, uma vez que não existe no registro arqueológico nenhuma evidência de contato com o europeu.

Atrelado a isso, deve-se considerar que o processo de colonização do Piauí ocorreu tardiamente em relação demais estados do nordeste brasileiro, tendo ocorrido ape- nas no início do século XVIII. Este fato contribui para reforçar a premissa de que o grupo que utilizou a Toca da Baixa dos Caboclos em suas atividades fúnebres não parece ter estabelecido contato com o europeu naquele momento, ou se o fez, isso não parece ter interferido em suas práticas funerárias, que parecem reflexo de um modo de vida pré-histórico.

Este trabalho surgiu em paralelo ao estudo das práticas funerárias dispensadas aos enterramentos deste sítio realizados por Leite (2011). Neste artigo, estão pontuadas observações feitas sobre como estas práticas funerárias se apresentavam distribuídas es- pacialmente em distintos momentos cronológicos, considerando as datações existentes (Tabela 1).

Entre os nove enterramentos evidenciados na Toca da Baixa dos Caboclos,

oito eram do tipo indireto (em urnas funerárias) e um do tipo direto. Um fato que

merece destaque é o estado de conservação de seis destes enterramentos, que se apre-

sentam em estado de mumificação natural (SOUZA; OLIVEIRA; VERGNE, 2002),

preservando ainda resquícios de cabelos, unhas, pele e vestígios de cordas utilizadas

para amarrar os indivíduos (Figura 2).

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Conforme as escavações demonstraram, o sítio foi aproveitado como espaço destinado apenas às atividades funerárias e a prática gráfica rupestre, havendo pinturas geométricas em vermelho em alguns pontos do paredão. Além dos enterramentos e das pinturas rupestres, os demais vestígios correspondem a esporádicos materiais líticos e fragmentos cerâmicos; e a uma concentração de carvão e fauna, encontrada fora do contexto dos enterramentos e que não chega a constituir uma fogueira (GUIDON;

VERGNE; VIDAL, 1998).

Em primeira instância, ponderando as cronologias existentes para o sítio, observou-se que ele foi utilizado enquanto espaço funerário em pelo menos dois mo- mentos cronológicos distintos: um situado na faixa de 350 anos, quando foram realiza- dos os enterramentos 1 e 8; e outro na faixa de 235 anos, quando foram realizados os enterramentos 7 e 9.

Neste quesito, a ausência de datações para os demais enterramentos não permitiu determinar a ordem cronológica de utilização da Toca da Baixa dos Ca- boclos, tampouco observar a contemporaneidade efetiva entre os enterramentos.

No entanto, mesmo que a quantidade de datações tenha limitado a observação dos momentos cronológicos em que o sítio foi utilizado, a associação dos dados

Figura 2: Os enterramentos da Toca da Baixa dos Caboclos destacam-se pelo seu estado de conserva- ção; com esqueletos que ainda conservam cabelos (A e B), pele C e vestígios de cordas utilizadas para amarrar os cadáveres (D).

Fonte: Leite (2011).

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cronológicos disponíveis às pontuações abstraídas do estudo da planta baixa das áreas escavadas, permitiu tecer algumas considerações sobre as possibilidades de ocupação crono-espacial do sítio.

Com relação a distribuição espacial, chamou atenção o modo como os en- terramentos estavam espacialmente distribuídos em três micro-espaços no interior do abrigo, então designados como espaço funerário 1, 2 e 3 e apresentados abaixo (Figura 3).

Figura 3: Planta baixa da área escavada com destaque para os espaços funerários 1 (verde), 2 (lilás) e 2 (amarelo)

Fonte: Leite (2011).

ESPAÇO FUNERÁRIO 1

O espaço funerário 1 guardava os enterramentos 3, 4, 5 e 6 (Figura 4). Um

fato observado é que todos os enterramentos deste espaço foram depositados em cavi-

dades escavadas na rocha, sendo que um deles foi acomodado em uma cavidade noto-

riamente separada (enterramento 6); enquanto os demais foram acomodados em uma

mesma e única cavidade (enterramentos 3, 4 e 5).

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Figura 4: Posicionamento dos enterramentos do espaço funerário 1 Fonte: Leite (2011).

No que concerne as práticas funerárias dos enterramentos deste espaço, foram observadas similaridades naquelas verificadas nos enterramentos 3, 4 e 5 que, por sua vez, mostraram-se notoriamente diferentes das práticas verificadas no enterramento 6.

O enterramento 6 correspondia a um adulto do sexo masculino, com idade es- timada entre 25 e 30 anos. Este indivíduo foi depositado de modo primário e direto em uma cavidade de formato oval, com aproximadamente 100 cm de comprimento e 120 cm de largura e 40 cm de profundidade da superfície do terreno à época da escavação.

O esqueleto estava em posição fetal, decúbito lateral direito. Próximo a ele, dispersos nas últimas decapagens, foram evidenciados vestígios de fibras vegetais que parecem corresponder a resquícios de corda e que podem ter sido utilizadas para amar- rar o cadáver durante o ritual funerário. Nenhum artefato cerâmico ou lítico foi utili- zado como acompanhamento funerário.

Os enterramentos 3, 4 e 5, por sua vez, sofreram intensas perturbações de- posicionais; os ossos estavam totalmente fragmentados, desse modo não foi possível precisar o sexo e a idade dos indivíduos, embora tenha se verificado que correspondiam a uma criança e dois adultos. Também não foi possível identificar se os enterramentos eram do tipo primário ou secundário, tampouco sua posição e o decúbito. Eles foram depositados em uma cavidade escavada na rocha que não apresentava um formato de- finido, mas que possuía uma área de rocha esculpida de aproximadamente 130 cm de comprimento por 110 cm de altura, há 40 cm de profundidade da superfície do terreno à época da escavação.

As urnas funerárias estavam bastante fragmentadas, mas a análise técnica dos fragmentos demonstrou que elas compartilhavam similaridades técnicas: todas possuí- am tratamento de superfície externa do tipo corrugado e tratamento de superfície inter- na alisado; pasta composta de argila e areia, com grãos de quartzo e feldspato entre 0,1 e 0,05 cm; e sinais de fuligem, indicando que as vasilhas foram utilizadas em atividades

ENTERRAMENTO 6 ENTERRAMENTO 4ENTERRAMENTO 03ENTERRAMENTO 5

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relacionadas ao fogo antes de serem aproveitadas como urnas funerárias. Além disso, no contexto destes três enterramentos foram encontrados fragmentos cerâmicos diferentes de suas urnas (mas similares entre si), que poderiam corresponder a tampas; porém, o estado de fragmentação destas peças não permite certeza a esta inferência.

Nos enterramentos 3 e 4 não foi observada a presença de nenhum acompa- nhamento funerário. No contexto do enterramento 5 foi coletada uma lasca em quart- zito, indubitavelmente antrópica (com bulbo e ponto de percussão aparente), mas em função do estado de perturbação, não foi possível observar se esta lasca foi utilizada como acompanhamento ou era de caráter intrusivo.

A análise in situ

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das estruturas funerárias onde estes enterramentos foram de- positados revelou que apesar de se tratarem de duas cavidades notoriamente separadas, elas parecem ter sido produzidas em um mesmo momento cronológico. Tal inferência baseia-se no fato de que durante a escavação da rocha ficaram impressos no arenito entalhes que se prolongam da extremidade inicial de uma estrutura até a extremidade final da outra. Naturalmente, esta é uma questão que necessita ser investigada em pro- fundidade; no entanto, a confirmação desta premissa implica numa contemporaneida- de para estes enterramentos.

Recortando ainda a análise deste espaço para o local onde foram depositados os enterramentos 3, 4 e 5, pôde-se observar que estes enterramentos estavam posicio- nados a uma distância mínima de 20 cm (distância do enterramento 4 ao 5) e máxima de 30 cm (distancia do enterramento 3 ao 5). Esta proximidade espacial, atrelada ao fato de que eles estavam em uma mesma estrutura e que também receberam práticas funerárias similares reforça a proposição de uma inumação simultânea.

Considerando outras possibilidades, mesmo que esta estrutura funerária ti- vesse sido preparada para acomodar apenas uma urna funerária (embora possuísse pro- porções suficientes para acomodar ao menos três) e que as outras urnas houvessem sido depositadas em um momento posterior, pode-se dizer que aqueles que realizaram a segunda e a terceira inumação, tinham pleno conhecimento da existência de um en- terramento anterior, bem como de seu exato posicionamento, uma vez que ele não foi perturbado.

Levando em conta a probabilidade de que estes enterramentos sejam con- temporâneos, é possível inferir similaridade entre as práticas funerárias observadas nos enterramentos 3, 4 e 5 e, ao mesmo tempo, a diferenciação destas para aquelas obser- vadas nos enterramentos 6 possa ser reflexo de diferenciações relacionadas ao próprio ritual funerário. Tais diferenciações, portanto, explicariam o fato do material cerâmico ter sido utilizado em três enterramentos (nº 3, 4 e 5) e no outro não (nº 6). Ao que pa- rece, esta provável diferenciação ritualística não deveria estar relacionada à faixa etária dos indivíduos, já os adultos foram enterrados tanto de modo direto, como de modo indireto. É possível ainda que ela estivesse associada ao sexo, mas como não foi possível determiná-los nos enterramentos indiretos, esta questão não pôde ser verificada.

Diante do que foi exposto pode-se dizer que apesar de não existirem data-

ções absolutas para o espaço funerário 1, as estruturas escavadas na rocha sugerem

que ele deve ter sido utilizado em um mesmo momento cronológico. Além disso,

mesmo que isso não tenha ocorrido, a proximidade espacial dos enterramentos indi-

retos demonstra que aqueles que utilizaram este espaço tinham pleno conhecimento

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Figura 5: Distribuição espacial dos enterramentos 3, 4 e 5

Fonte: Leite (2011).

ESPAÇO FUNERÁRIO 2

O espaço funerário 2 guardava os enterramentos 1, 2, 7 e 8. Um fato observa- do é que todos os enterramentos deste espaço foram depositados em cavidades escavadas no sedimento que estavam posicionadas à eqüidistâncias de 1 m quase exatos (Figura 6). Esta distribuição espacial, portanto, sugere uma intencionalidade no arranjo deste espaço funerário, na medida em que uma organização como esta só seria possível se a existência das sepulturas fosse de conhecimento do(s) grupo(s) que utilizou o abrigo.

Figura 6: Distribuição espacial dos enterramentos do espaço funerário 2;

na foto não consta o posicionamento do enterramento 8 Fonte: Leite (2011

ENTERRAMENTO 6

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Os enterramentos deste espaço funerário eram todos primários do tipo indire- to, em urnas funerárias. Todos foram realizados em estruturas funerárias escavadas no sedimento. Tratavam-se de um adulto do sexo masculino, com idade estimada entre 20 e 22 anos; e três crianças, sendo um lactente - com idade igual ou inferior a seis meses, e dois não-lactentes

2

– ambos com idade estimada em três ou quatro anos. Todos os sepultamentos foram depositados em posições e decúbitos diferentes, não tendo sido observada nenhuma padronização que pudesse estar relacionado ao sexo/idade ou outra variável.

Entre as urnas funerárias destes enterramentos foram observadas várias simi- laridades técnicas: os mesmos tratamentos de superfície, destacando-se o corrugado e o alisado; a mesma pasta, composta por areia média com grãos de quartzo e feldspato e a presença de fuligem em todas elas. Estas similaridades denotam uma homogeneidade na produção técnica e na utilização das urnas.

A presença de acompanhamentos funerários só foi efetivamente confirma- da no enterramento 2, onde foi encontrado junto da criança um graveto de madeira fragmentado em quatro partes que estava notoriamente polido. No enterramento 7 também foi evidenciado um artefato lítico aparentemente usado como polidor, mas o estado de perturbação deste sepultamento não permitiu confirmar se tal vestígio foi efetivamente utilizado como acompanhamento funerário ou se era de caráter intrusivo.

Para os sepultamentos deste espaço funerário foram obtidas as datações: 450 +/- 40 anos AP, 371 +/- 40 anos AP, 340 +/- 40 anos AP, 310 +/- 50 anos AP e 300 +/- 40 anos AP para o enterramento 1; 240 +/- 50 anos AP para o enterramento 7 e 320+/- 40 para o enterramento 8.

A ausência de datações para o enterramento 2 não permitiu observar à sua contemporaneidade em relação aos demais. Ainda assim, observou-se que os enterra- mentos 1 e 8, as duas únicas crianças não-lactentes existentes no sítio, foram realizados em um período cronológico aproximado, em uma média de 350 anos antes do presente.

Mas levando-se em conta a datação de 240 +/- 50 anos obtida para o enter- ramento 7, pode-se dizer que parece ter havido um intervalo médio de 100 anos entre a utilização deste espaço para deposição dos enterramentos 1 e 8 e para a deposição do enterramento 7. Este mesmo intervalo pode ser percebido em relação ao espaço funerá- rio 3, cujo único enterramento foi datado de 230 +/- 50 anos.

Nesta perspectiva, pode-se dizer que a utilização do espaço funerário 2, ao menos para a deposição dos enterramentos 1 e 8, precedeu à utilização do espaço fu- nerário 3. Posteriormente, parece ter havido uma interrupção na utilização do espaço funerário 2, que só foi retomado em média cem anos depois, em um momento próximo de quando o espaço 3 foi utilizado pela primeira e única vez.

Quanto à relação cronológica entre o espaço funerário 2 e o espaço funerário 1, a ausência de datações para este último não permitiu inferir se eles foram utilizados concomitantemente ou se um precedeu à utilização do outro.

Considerando o que foi observado na análise do espaço funerário 2, pode-se

dizer que o evidente ordenamento espacial destes enterramentos, atrelado ao fato de

que eles foram realizados segundo práticas funerárias homogêneas denota uma manu-

tenção não apenas das práticas funerárias, mas no próprio modo de ordenar o espaço

funerário. Ao que parece, a utilização deste espaço funerário foi realizada por algum(s)

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ESPAÇO FUNERÁRIO 3

O espaço funerário guardava apenas o enterramento 9, o que não permitiu fazer muitas inferências sobre o seu agenciamento (Figura 7). Um fato observado é que apesar de estar notoriamente segregado das inumações dos espaços 1 e 2, este enterra- mento apresentou práticas funerárias similares aquelas dispensadas aos demais enterra- mentos infantis evidenciados no sítio.

O enterramento encontrado neste espaço funerário correspondia a um lacten- te com idade igual ou superior a 6 meses. Tratava-se de um enterramento primário, do tipo indireto (em urna), que fora depositado em posição fletida, decúbito lateral direito.

A estrutura funerária correspondia a uma cavidade escavada no sedimento. A urna fu- nerária apresentava características técnicas bastante similares à urna do outro lactente do sítio, compartilhando os mesmos tratamentos de superfície e o mesmo tipo de pasta no vasilhame contendor e opérculo.

Assim como o outro lactente do sítio (enterramento 2), este também trazia um acompanhamento funerário de madeira, mas nesse caso tratava-se de um conjunto de gravetos que aludia um arco com duas setas, formado por dois gravetos com as extre- midades afiadas e outro com uma corda atada nas extremidades.

Para o enterramento identificado neste espaço funerário 3 foi obtida uma datação de 230 +/- 50 anos AP, o que o permite inferir que ele tenha sido utilizado em um momento cronológico aproximado da reutilização do espaço funerário 2, quando da inumação do sepultamento 7.

Figura 7: Posicionamento do enterramento 9 no espaço funerário Fonte: Leite (2011).

ENTERRAMENTO 9

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CONCLUSÕES

Na análise da distribuição espacial dos enterramentos, a segregação dos espa- ços funerários 1, 2 e 3 foi feita como forma de facilitar o estudo do espaço funerário do sítio como um todo. Através desta segregação foi possível perceber que os enterramen- tos não foram dispostos de forma aleatória no espaço interno do sítio. Ao contrário, os seus posicionamentos espaciais parecem ter sido previamente determinados e, na maioria das vezes, as suas distâncias foram pontualmente mensuradas.

A presença de sepultamentos com distâncias de 20 e 30 cm entre si e que não chegaram a perturbar um ao outro, conforme observado no espaço funerário 1, demonstra que o exato local onde estava o enterramento mais antigo era conhecido por aquele que inumou os demais. De forma similar, a presença de enterramentos com eqüidistância de 1 m quase exatos nos faz pensar esta organização hermética e pontual não tenha ocorrido coincidentemente. Ao que parece, o(s) grupo(s) que utilizou os es- paços funerários 1 e 2 tinham pleno conhecimento dos enterramentos ali existentes e dos seus exatos locais, seja através de alguma marcação em superfície ou de uma forte tradição oral.

Quanto à distribuição cronológica, a escassez de datações absolutas para os enterramentos impediu de determinar a efetiva ordem de utilização do sítio, bem como observar a contemporaneidade entre os enterramentos. De todo modo, aproveitando as datações existentes, foi possível observar que a utilização do espaço funerário 2 prece- deu à utilização ao espaço funerário 3. Ao mesmo tempo, parece ter havido uma rela- tiva contemporaneidade na utilização destes espaços, na medida em que a datação para o enterramento 7 (espaço funerário 2) é de 240 +/- 50 anos AP e para o enterramento 9 (espaço funerário 3) é de 230 +/- 50 anos AP.

Considerando as datações disponíveis, é possível discutir a possibilidade de que o sítio como um todo tenha sido utilizado no sentido da área mais abrigada para a menos abrigada. Segundo essa perspectiva, o espaço funerário 1 teria sido o primeiro a ser utilizado, seguido pelos espaços funerário 2 e 3, respectivamente. Mas, naturalmen- te, esta é uma possibilidade que só poderá ser confirmada com a realização de datações absolutas para todos os enterramentos.

Ao associar a distribuição espacial dos enterramentos às práticas funerárias dispensadas aos enterramentos pudemos perceber que as similaridades entre tais práti- cas não estão circunscritas apenas aos seus respectivos espaços funerários. Neste que- sito, foram observadas similaridades técnicas no que concerne aos tipos de estruturas funerárias (escavadas na rocha e no sedimento), aos tipos dos enterramentos (sendo quase todos eles do tipo primário e indireto), aos tipos de acompanhamentos funerários (resquícios de corda em adultos e objetos de madeiras em lactentes) e nas características técnicas das urnas funerárias, que se mostraram similares para todos os enterramentos, principalmente quanto aos tipos de tratamento de superfície, pasta utilizada e presença de fuligem que indica um reaproveitamento dos vasilhames.

Desse modo, associando as pontuações feitas nos parágrafos acima, é pos-

sível inferir que se os espaços funerários 1, 2 e 3 foram realmente utilizados em

momentos cronológicos distintos, este distanciamento cronológico não implicou em

interferências significativas nas práticas funerárias. Em outras palavras, ao que pare-

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Dentro do que foi apresentado, pode-se dizer que o ordenamento espacial dos enterramentos na área interna do abrigo atrelado às cronologias disponíveis sugere que a utilização do sítio como espaço funerário deve ter se dado em um período cronológico aproximado e, muito provavelmente, pelo(s) mesmo(s) grupo(s). Esta premissa permite inferir que o(s) grupo(s) que utilizou a Toca da Baixa dos Caboclos como local para realização de suas manifestações fúnebres não apenas dispensou práticas funerárias homogêneas aos seus enterramentos, como também manteve uma preocupação com a organização espacial de tais enterramentos no espaço funerário do sítio.

FUNERARY SPACES IN A PREHISTORIC CEMETERY: A PRELIMINARY ANALYSIS

Abstract: this study presents a preliminary analysis about the spatial distribution and dates obtained from nine burials found in the prehistoric cemetery Toca da Baixa dos Caboclos, southeastern of Piauí state, Brazil. Relating this spatial distribution of remains to the avai- lable chronologies and funerary practices observed in those burials, this research allowed information about mortuary modes of cultural groups who used that shelter as a cemetery.

Keywords: Prehistoric Burials. Spatial distribution. Chronology

Notas

1 Estes enterramentos estavam depositados em cavidades esculpidas no próprio arenito basal do abrigo.

Através da análise no local destas cavidades (elas ainda estão conservadas e expostas no sítio), ob- servamos que elas parecem ter sido escavadas em um mesmo momento cronológico, uma vez que os entalhes que ficaram impressos na rocha durante a sua escavação se prolongam, ininterruptamente, da extremidade inicial da cavidade da esquerda à extremidade final da cavidade da direita. Isso nos faz pensar que o enterramento 3 pode ter sido inumado no mesmo momento que os enterramentos 4 e 5, possivelmente num cerimonial coletivo.

2 Crianças com idade superior a dois anos (SILVA, 2003).

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