Parecer n.º 94/07
Processo nº 07/186378-8.
Empresário individual. Falecimento.
Partilha formalizada em escritura pública, na
forma da Lei 11.441/07. Nomeação de
inventariante. Pretendido arquivamento do ato de extinção do registro da firma, realizado por tal inventariante. Ausência de poderes expressos e específicos para o ato. Impossibilidade do arquivamento. Improcedência do pedido.
Se os herdeiros podem dispor dos bens da herança mediante ato jurídico formalizado na
escritura pública, podem também,
evidentemente, dispor sobre sua administração. Portanto, ao disporem sobre a administração dos bens, podem e devem nomear alguém com esta incumbência específica; e a esta pessoa podem chamar ‘inventariante’, em aceitável analogia à figura prevista nos artigos 990 e seguintes do
CPC, ou chamá-la simplesmente de
administrador – termo que seria rigorosamente adequado.
Se a partilha dos bens é realizada por escritura pública, na forma da Lei 11.441/07, não faz sentido exigir a ‘autorização judicial’ prevista no art. 992 do CPC. Se os herdeiros podem dispor da forma que lhes aprouver sobre o patrimônio objeto da transmissão, podem evidentemente outorgar ao administrador destes
bens, nomeado por eles, poderes que excedam sua mera administração.
Portanto, os herdeiros podem dispor sobre os poderes do administrador que constituírem para gerir os bens da herança; todavia, tais poderes hão de ser específicos e expressos ou, do contrário, simplesmente não existirão – e, neste sentido, incidem por analogia as disposições do art. 661 do CC.
Trata-se de pedido de reconsideração contra exigência oposta ao arquivamento do ato de extinção do registro de empresário individual sob a firma SILVESTRE DANDOLINI NETO. Tal exigência decorre de uma dúvida específica: tendo falecido o titular, e tendo os herdeiros feito a partilha dos bens por escritura pública (na forma da Lei nº 11.441/07) na qual nomearam inventariante, pode este realizar o ato sob análise?
A parte requerente, em pedido de reconsideração, defende tal possibilidade. Alega que o inventariante nomeado na escritura pública tem os mesmos poderes que o inventariante judicial; portanto, pode representar o espólio no ato cujo arquivamento pretende.
Embora o ato seja teoricamente simples, as questões suscitadas neste arquivamento são bastante complexas. Duas questões, em especial, erigem-se: primeiro, a possibilidade de que seja nomeado, em partilha realizada por escritura pública na forma da Lei nº 11.441/07, um ‘inventariante’ para representar o espólio; segundo, a possibilidade de que tal inventariante possa realizar atos que excedam a mera administração dos bens.
Penso que ambas as possibilidades têm lastro legal. Entretanto, reconheço que tal conclusão, diante da curta vigência da Lei
11.441/07, pode estar sujeita à revisão diante do entendimento doutrinário e jurisprudencial vindouro, que deverá esclarecer as questões relacionadas ao tema. Por ora, todavia, há que se tomar uma posição; e é isto o que este parecer fará, a partir das razões seguintes.
Ao permitir que a partilha de bens, quando os herdeiros forem capazes e concordes, seja feita por escritura pública, o legislador reconheceu algo óbvio: esta partilha não é senão um ato jurídico pelo qual os titulares dos direitos hereditários – direitos estes disponíveis, já que têm índole patrimonial e são titularizados por pessoas capazes – dispõem sobre seus próprios direitos. A lei processual, até hoje, impunha que tal ato jurídico fosse produzido sob tutela judicial; agora, e já muito tarde, reconheceu, repita-se, o óbvio: se este ato jurídico trata de direitos disponíveis, não há razão para que não possa ser feito extrajudicialmente. A nova lei processual conserva apenas uma exigência: a publicidade do ato. Por isto, deve ser feito na forma de escritura pública; e por isso, também, tal escritura deve ser registrada nos cartórios competentes, conforme os bens transmitidos.
Pois bem. Se os herdeiros podem dispor dos bens da herança mediante este ato jurídico formalizado na escritura pública, podem também, evidentemente, dispor sobre sua administração. Trata-se, aqui, daquele tipo de raciocínio tão comum no âmbito jurídico: se podem o mais, podem o menos. Portanto, ao disporem sobre a administração dos bens, podem e devem nomear alguém com esta incumbência específica; e a esta pessoa podem chamar ‘inventariante’, em aceitável analogia à figura prevista nos artigos 990 e seguintes do CPC, ou chamá-la simplesmente de administrador – termo que seria rigorosamente adequado.
Portanto, nesta linha de raciocínio, podem os herdeiros, na própria escritura de transmissão dos bens da herança, nomear um administrador (que poderá ser chamado, por analogia, de inventariante) destes bens.
Respondida a primeira questão, resta a segunda: neste caso, pode o administrador praticar atos que excedam a mera administração dos bens? Faz-se tal pergunta por uma razão evidente: o ato de extinção da firma do empresário individual certamente não está entre aqueles considerados de mera administração; e uma prova clara disto é a própria exigência, prevista na IN 97/03, item 7.3.1, de que tal extinção, quando
motivada pelo falecimento do titular, deverá pressupor “autorização judicial”.
No caso, se a partilha dos bens é realizada por escritura pública, na forma da Lei 11.441/07, não faz sentido exigir a autorização judicial. Se os herdeiros podem dispor da forma que lhes aprouver sobre o patrimônio objeto da transmissão, podem evidentemente outorgar ao administrador destes bens, nomeado por eles, poderes que excedam sua mera administração.
Este é o detalhe fundamental: os herdeiros podem dispor sobre os poderes do administrador que constituírem para gerir os bens da herança; todavia, tais poderes hão de ser específicos e expressos ou, do contrário, simplesmente não existirão – neste sentido, incidem por analogia as disposições do art. 661 do CC.
A partir destas duas conclusões esboçadas neste parecer deve-se resolver a questão concretamente posta. No caso, os herdeiros firmaram escritura pública para a partilha dos bens, nomeando o ora requerente inventariante e outorgando-lhe
“...todos os poderes que se fizerem necessários para representar o espólio em juízo ou fora dele, podendo praticar todos os atos de administração dos bens que possam eventualmente estar fora deste inventário e que serão objeto de futura sobrepartilha, nomear advogado em nome do espólio, ingressar em juízo, ativa ou passivamente, podem enfim praticar todos os atos que se fizerem necessários à defesa do espólio e do cumprimento de suas eventuais obrigações formais, tais como outorga de escrituras de imóveis já vendidos e quitados” (sic).
Como se vê claramente, não há poderes expressos e específicos para a realização do ato ora em exame. Na verdade, sequer há alusão, na escritura, ao registro da firma do autor da herança nesta Junta Comercial, nem tampouco ao acervo a ela relacionado. Logo, simplesmente não tem o requerente poderes suficientes para realizar o ato de extinção do registro daquela firma, donde a impossibilidade do arquivamento pretendido.
Ante o exposto, opina-se pela improcedência do pedido.
Florianópolis, 26 de junho de 2007.
Victor Emendörfer Neto Procurador da Jucesc