• Nenhum resultado encontrado

A Participação de Santa Catarina - Santiago de Cabo Verde na Luta de Libertação Nacional

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A Participação de Santa Catarina - Santiago de Cabo Verde na Luta de Libertação Nacional"

Copied!
75
0
0

Texto

(1)

LICENCIATURA EM ENSINO DE HISTÓRIA

(2)

LÚCIA FREIRE MONTEIRO

(3)

Trabalho científico apresentado ao Instituto Superior de Educação para obtenção do grau de licenciatura em Ensino de História.

Memória apresentada pela Lúcia Freire Monteiro sob a orientação do

Dr.

Baltazar Neves e co – orientado pelo Mestre Lourenço

Gomes

(4)

Aprovado pelos membros do Júri e homologado pelo Presidente do Instituto Superior de Educação, como requisito parcial à obtenção do grau de Licenciatura em Ensino de

História. O Júri _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ _____________________________________________________________ Praia _________ de _________________________ de 2006

(5)

Dedico este trabalho ao meu estimado marido, amante e companheiro

António Pedro da Rosa que me ajudou a suportar os sacrifícios de todos esses cinco

longos anos. Sem ele a minha formatura não seria possível.

Esta dedicatória é extensiva a minha estimada mãe Amélia Semedo – que

deus a tenha em descanso eterno, porque teve a lucidez de me encaminhar para os

estudos e pelos seus bons conselhos que me guiaram ao longo da vida.

Dedico-o igualmente a todos os meus filhos que souberam apoiar-me todos

esses anos permitindo-me conciliar os estudos com o trabalho e os deveres de dona –

de- casa.

(6)

Os meus espontâneos agradecimentos ao meu filho António Silva Roque por tudo que fez e pelo que não fez na concretização do presente trabalho.

Apresento os meus cumprimentos ao meu orientador Mestre Baltazar Neves, ao meu co – orientador Mestre Lourenço Gomes pela forma inteligente como me orientaram na elaboração e finalização deste trabalho.

(7)

planos da humanidade o passado vivido pelos homens de outrora, e o presente em que se desenvolve o esforço de recuperação desse passado em proveito do Homem, e os homens -de- depois.»

(8)

CAPITULO I

11

1. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO 11

1.1 Santa Catarina no contexto nacional e o seu perfil……….

CAPÍTULO II

14

2. CONTEXTO SOCIO-POLITICO DA ÉPOCA 14

2.1 A sociedade cabo-verdiana e o despertar para uma nova consciência

nacional... 14

2.2. A elite intelectual Cabo-verdiana e o seu papel no processo da independência cultural e politica... 17

2.3. As revoltas sociais como fundamento de afirmação psicossocial …... 20

CAPÍTULO III

3. A CRIAÇÃO DO PAIGC E ANÁLISE DE POSSIBILIDADE DE DESENCADEAMENTO DA LUTA ARMADA EM CABO VERDE………... 24 3.1 A luta clandestina em Cabo Verde……….… 25

3.2 A Luta armada na Guiné-Bissau………. 27

3.3 A preparação para o desembarque em Cabo Verde………... 29

CAPÍTULO IV

4. A PARTICIPAÇÃO DE SANTA CATARINA NA LUTA PELA INDEPENDÊNCIA DE CABO VERDE... 32

4.1 A ideia de consciência para a luta de libertação………. 32

4.2 Surgimento da ideia de assalto ao Pérola do Oceano……….... 33

4.3 O assalto………... 34

4.4 Modos de sobrevivência na prisão………..… 38

4.5 O fim do pesadelo………... 39

4.6 Participação dos santacatarinenses noutras esferas da luta armada……….. 40

CONCLUSÃO...

41

BIBLIOGRAFIA...

43

(9)

INTRODUÇÃO

Este tema vai debruçar sobre um facto histórico, que encerra uma densidade politico-social que terá contribuindo para a sua fixação na memória colectiva da população de Santiago.

Assim sendo, constitui nosso propósito, analisar este projecto, clarificando os diversos momentos que o enformam.

Procuremos lançar pistas sobre determinadas questões que a nossa sociedade santiaguense e cabo-verdiana desconhece, nomeadamente a camada jovem que, pouco ou quase nada sabem da história da luta de libertação nacional, bem como dos homens que deram a vida em prol duma sociedade mais justa, livre da pressão colonial. Focalizaremos determinados aspectos da participação dos santacatarinenses no processo de luta de libertação, e apontaremos entre outros casos, os de maior magnitude, com destaque particular, por exemplo, para uma situação de grande magnitude que é o caso do assalto ao barco “Pérola do Oceano”, navio de cabotagem a motor que na altura fazia trajecto Praia/Fogo/Brava ocorrido em 1970, na noite de 19 para 20 de Agosto, por um grupo de 13 jovens com idade compreendida entre os 20 e os 30 anos.

O objectivo desse assalto era ingressar as fileiras do PAIGC na Guiné-Bissau, onde decorria a luta armada pela autodeterminação da Guiné e Cabo Verde.

Porém, o grupo foi descoberto, o que fez com que todos fossem presos em Rincão-Santa Catarina e mais tarde encarcerados na cadeia civil da Praia, e sete meses mais tarde transferidos para o Campo de Concentração no Tarrafal.

(10)

O presente Trabalho tem como Objectivo Geral, analisar a participação da população de Santa Catarina na luta de libertação nacional e mais especificamente visa Conhecer os protagonistas do assalto ao “Pérola do Oceano;” e o papel desempenhado por cada elemento no assalto; bem como:

Compreender as motivações que estiveram na base do mesmo. Outrossim pretendemos focalizar outros momentos em que os santacatarinenses protagonizaram a gesta da luta de libertação. Assim sendo destacaremos as situações significativas por forma a podermos defender a tese que ora assumimos como desafio.

Para a concretização deste projecto, cruzaremos dados advenientes dos protagonistas do processo, aplicando a metodologia de entrevista. Procuraremos analisar e confrontar os dados históricos registados pela imprensa da época.

Ainda neste processo de focalização do contributo dos santacatarinenses,

procuraremos alargar a base da nossa fundamentação teórico-cientifica socorrendo de outros recursos como a imprensa, e os registos sonoros e fontes vivas. Neste ângulo de abordagem dissecaremos todas as nuances possíveis que nos permitam uma abordagem mais alargada e profunda.

O tema que ora se apresenta constitui para nós um desafio aliciante por constituir uma oportunidade para lançar luzes, ainda que de forma modesta, sobre um dos momentos significativos da nossa história. Outrossim constitui ensejo para focalizar de forma particular o contributo dos santacarinenses no processo de luta pela emancipação da nação cabo-verdiana.

Um opúsculo editado pela Associação dos Combatentes da liberdade da Pátria em 1997 serviu-nos de motivação para tentar descodificar esse contributo dos homens de um dos maiores concelhos do país. Num universo de 25 perfis damos conta que 17 são originários de Santa Catarina. Este feito só podia despertar em nós curiosidade, e no quadro de preparação e elaboração deste trabalho académico entendemos procurar os fundamentos e as motivações que enformam a gesta da luta de libertação, onde os santacatarinenses assumem papel de relevo.

(11)

As figuras invocadas neste opúsculo pertencem a uma geração que se recusou deixar silenciar pela opressão e o arbítrio da dominação estrangeira. São a expressão da nossa revolta colectiva, e souberam condensar a aspiração do povo cabo-verdiano em tempo oportuno. Assim o nosso contributo vai no sentido de resgatar do baú de esquecimento as figuras e os factos que marcaram a nossa trajectória, com a entrega incondicional de vários cabo-verdianos, e de um modo particular dos santacatarinenses.

O trabalho que aqui se apresenta está esquematizado sobre os princípios que regem a elaboração de uma monografia, de forma que respeita todos os preceitos norteadores de um trabalho científico.

A nível do conteúdo socorremos de múltiplas fontes (activas e passivas) cruzámos os dados com vista a clarificação de cada situação objecto de análise. Outrossim, as informações que fazem parte do domínio comum são apresentados como enfoque de enriquecimento do trabalho que ora abraçamos como um aliciante e real desafio.

Em termos de estruturação convém salientar que o trabalho comporta para alem de uma introdução, de uma conclusão, da bibliografia e ainda como aspecto complementar os anexos que englobam dados que reputamos de grande relevância para a densidade das abordagens.

 No primeiro capitulo “Enquadramento Histórico-geográfico de Santa Catarina”,

 fazemos breve referencia da situação bem como a sua potencialidade agrícola.

 No segundo capitulo “Contexto Socio-político da época”, focaliza diversos aspectos

 como a tomada de consciência da sociedade cabo-verdiana face ao cenário vivido; as revoltas sociais e o seu enquadramento histórico.

 No terceiro capitulo “A criação do PAIGC e a análise de possibilidade de desencadeamento da luta armada em Cabo Verde”, insere a questão da luta de libertação e o processo da luta clandestina em Cabo Verde.

 No quarto e último capitulo “A participação de Santa Catarina na luta pela Independência de Cabo Verde”, especifica o contributo dos Santacatarinenses no processo da luta de libertação, o assalto ao navio de cabotagem “Pérola do Oceano” e o desfecho final que culminou com a libertação dos presos políticos do então campo de concentração do Tarrafal.

(12)

CAPÍTULO I

1.ENQUADRAMENTO HISTÓRICO

O Concelho de Santa Catarina, geograficamente, fica situado no interior de Santiago, lá mesmo no coração da ilha, entre as duas maiores elevações de Santiago: a montanha de pico de António e a serra de malagueta. Ocupando uma vasta planície, interrompida por algumas pequenas elevações, Santa Catarina é um dos maiores concelhos da ilha de Santiago, com vales de raro encanto, pelo verde da sua paisagem.

De acordo com Henrique Santa Rita Vieira a génese de Santa Catarina de ponto vista jurídico-administrativo está subjacente ao decreto de 17 de Dezembro de 1833. Pois através desse decreto Manuel António Martins Geral da Urzela foi nomeado Prefeito. Nesta situação, em 14 de Fevereiro de 1834, no dia imediato à sua posse transferiu a sede do Concelho da cidade da Ribeira Grande, para a incipiente povoação dos Picos, na freguesia de S. Salvador do Mundo, dando assim origem ao Concelho de Santa Catarina, ainda que não tivesse havido, nessa altura, um diploma régio para sancionar a transferência. Observa o mesmo investigador que esta fora uma “medida de grande alcance” para o desenvolvimento do interior de Santiago como, de resto, as várias outras, em todo o país, que caracterizaram o espírito empreendedor deste controverso personagem.

Julgamos saber que Picos não oferecia grandes condições para expansão do município, já que os terrenos de cultivo não podiam ser sacrificados para o betão. O mesmo problema

(13)

punha-se em relação à Assomada, mas mesmo assim essa parcela deu origem a uma vila que foi crescendo a ponto de hoje ostentar a categoria de cidade.

Santa Catarina enquanto Concelho esteve sob jurisdição do Tarrafal, até por volta de 1912 quando passou definitivamente a ostentar a categoria de concelho.

Consta que mesmo antes da criação do Concelho de Santa Catarina, os morgados já tinham optado por se fixarem nos seus domínios do interior, escaldados pelas investidas dos piratas à cidade da Ribeira Grande.

Se antes da criação do Concelho de Santa Catarina, o interior da ilha de Santiago já tinha começado a desenvolver-se sob o ponto de vista agrícola, depois o progresso foi notório. A Vila não terá começado onde hoje é centro. Há relatos que Achada Falcão, e mais tarde Nhagar foram núcleos, que, em princípio, podiam vir esboçar o perfil da vila. A verdade é que já a partir de 1912 com terrenos cedidos foi possível a construção da Igreja e da Câmara Municipal. A partir dessa altura Santa Catarina toma novo rumo, com novo impulso de desenvolvimento económico e social.

Situada quase no centro da ilha de Santiago, o Concelho de Santa Catarina para além de ser um dos maiores da ilha e do país, tem uma população significativa com usos e costumes a marcar a sua personalidade – base.

Dotado de terrenos férteis próprios para a prática agrícola, durante muito tempo foi considerado celeiro de Cabo Verde. Ainda hoje ostenta essa fama, mas constata-se que as sucessivas secas deixaram marcas na paisagem, e hoje em termos de produção agrícola Santa Catarina está longe de ser o que fora outrora.

A riqueza ostentada nos séculos passados por causa da agricultura, foi de facto factor determinante para aparição e projecção de uma elite que acabaria por exercer papel preponderante no processo de desenvolvimento.

Essa elite aposta na educação dos seus mandando filhos para irem estudar em Lisboa, no Seminário-Liceu de S. Nicolau, e mais tarde no Liceu Infante D. Henrique em S. Vicente, que mais tarde passaria a ser Liceu Gil Eanes.

(14)

Assim nesta perspectiva estaremos em condições de compreender a razão porque vamos encontrar na nossa trajectória enquanto nação, ilustres figuras oriundas de Santa Catarina.

Todo um conjunto de condicionalismos como a prosperidade económica, nível académico da elite foram determinantes para o esboçar de um perfil do Concelho e da então Vila de Assomada, que ficaria registada mais tarde na História como um espaço de referência.

(15)

CAPÍTULO II

2. CONTEXTO SOCIO-POLITICO DA ÉPOCA

2.1.A sociedade cabo-verdiana e o despertar para uma nova consciência

nacional

O encontro de duas culturas diferentes (caso de Cabo Verde) resultou na separação de cada uma delas da sua base, originando uma terceira que não é mais do que uma fusão secular harmoniosa daquelas.

O historiador Ilídio Baleno1 considera que o mestiço nascido deste cruzamento é o primeiro a confrontar-se com as diferenças dos seus progenitores. Ele é um ser híbrido, sem uma identidade étnica definida, que num primeiro momento se vai desdobrar entre a cultura europeia representada pela figura paterna e a africana representada pela mãe. Posteriormente será levado a criar uma identidade própria.

É nossa convicção de que os fundamentos da cultura e da identidade cabo-verdianas, já não assentam apenas no contributo dos escravos e do colono português mas também na emigração do homem crioulo, para diversas paragens, facto que tão cedo acompanhou a história e a evolução do arquipélago, facilitando contactos e aculturações.

(16)

Em Cabo Verde como em qualquer parte do mundo sempre existiu a tendência para imitar os aspectos culturais que povos mais “ desenvolvidos”, economicamente e uma certa propensão para seguir, a par e passo, as suas preferências estéticas. Nesta ordem de ideias, completada pela facilidades de transporte, pela acção dos meios de comunicação que veiculam novos hábitos, novas concepções filosóficas de vida, assiste-se a uma amálgama de novas experiências que resultam em parte num enriquecimento da cultura nacional.

Numa outra perspectiva há que se reconhecer o papel que o ensino exerceu entre nós. Como se sabe nos primórdios da colonização, o ensino estava a cargo da igreja.

Os primeiros educadores terão sido os franciscanos. Com a evolução histórica, em 1846 é implantado o Liceu na Cidade da Praia, denominado Liceu Nacional que foi extinto pouco depois. Já no longínquo ano de 1886 fundaram o Seminário-Liceu de S. Nicolau com o fim de ordenar sacerdotes e prepara jovens para a vida civil. Neste contexto não andaremos longe da verdade, ao afirmarmos que o ensino acabou por desempenhar o papel de promoção social, pois é inegável que quadros religiosos e administrativos, formados neste arquipélago tornaram-se agentes da administração colonial, ocupando cargos, quer aqui em Cabo Verde, quer nas outras colónias, como é caso da Guiné Bissau e Angola.

É de se reconhecer que durante a vigência do Seminário-Liceu de S. Nicolau sempre houve estudantes oriundos de Santa Catarina. Os filhos dos morgados sempre tiveram esse privilégio, e muitos deles acabaram por ter papel decisivo na formação de uma consciência cívica. Juvenal Cabral, pai do líder histórico do P.AI.G.C., Amílcar Cabral, é exemplo mais acabado dessa plêiade de homens que de uma forma ou de outra, em função da época, e de outras variáveis se posicionaram nas mais variadas “frentes da batalha”.

O papel do ensino em Cabo Verde, quando comparado com o resto das colónias portuguesas, acaba por ganhar uma certa notoriedade, pois, só em fins do século XIX e princípios do século XX essas colónias esboçaram o plano para a criação das escolas primárias. Todos esses ingredientes que acabámos de apontar são, sem dúvidas, argumentos a favor de uma tese: a existência de uma nação, e o seu despertar para uma nova consciência.

Não é de admirar que a trajectória de Cabo Verde fosse esta realidade que vivemos e não outra. No contexto da África lusófona antecipamos até o processo de abertura política.

(17)

Por outro lado, o facto de termos constituído em nação, antes do Estado, significa que o nosso processo histórico tem particularidades que requerem uma abordagem cuidada, pois a densidade dos factos constitui um verdadeiro desafio para quem queira compreender de facto a realidade. Estes e outros factos não são obra do acaso, são antes de mais resultado de um processos evolutivo assente nos factores ensino tão cedo instalado entre nós, na questão da emigração como elemento modelador da nossa personalidade base, e noutros factores de idêntica importância.

Apontando estes factos, e situando agora num contexto temporal específico, somos a afirmar que na segunda metade do século XIX e princípios do Século XX o número reduzido do elemento europeu permitiu que Cabo Verde caminhasse para uma síntese cultural. A elite crioula não pôde furtar-se a uma certa ambiguidade, não só cultural, mas também política, pelo facto de se situar social e culturalmente entre o colonizador e a grande massa de colonizados. Esta situação reflectiu-se na obra dos escritores da época, e continua a projectar-se ainda nos dias de hoje no campo da política, quando diversos actores projectar-se posicionam a favor de aproximação Cabo Verde / União Europeia e a eventual saída da CEDEAO.

Apesar dessas ambiguidades seculares, Cabo Verde foi capaz de assumir a sua identidade, e atesta tal facto os feitos heróicos relacionados com a luta de libertação que foi o verdadeiro despertar para uma nova consciência nacional.

O despertar de uma nova consciência nacional vai ter como mola o conjunto de factores atrás referidos, mas a verdade é que outros, como é óbvio, prenhes de subjectivismo, vão engendrar uma concepção filosófica de vida alimentada sobretudo por aqueles que tinham algum lucidez sobre a situação interna do país. Na década de 50, Cabo Verde já tinha ultrapassado as situações mais dramáticas, mas estava intacta na memória colectiva do povo das ilhas as consequências nefastas desse período.

As últimas grandes crises tinham-se verificado em 1941, 42, 47 e 48, algumas com violência tal a ponto de a população, avaliada, em 1939 em 174 mil pessoas, cair, em 1950, para 139 mil. Somente a de Santiago, a ilha mais populosa do arquipélago, perde entre 1946 e 1948, 65 por cento dos seus habitantes2

2 História Geral de Cabo Verde, vol. I, pg 14, Instituto de Investigação Cientifica Tropical e Direcção Geral

(18)

Os sucessivos anos de estiagem, fome e mortandade constituem, também, um grande factor que leva os sobreviventes a emigrarem em massa para S. Tomé e Príncipe ou para outros pontos do mundo. Face a este quadro negro vai-se desenvolver em muitos a consciência de que as fatalidades a que o povo das ilhas estava submetido tinha um responsável, e é óbvio em circunstâncias como essas, a responsabilização da máquina administrativa, que era orientada pelo poder colonial. Entendemos que a articulação de vários factores, de natureza diversa, foram elementos catalizadores para uma tomada de consciência, e um virar de páginas na história do arquipélago.

2.2. A elite intelectual Cabo-verdiana e o seu papel no processo da

independência cultural e politica

O reputado estudioso Manuel Ferreira no prefácio da compilação da revista Claridade caracterizou estes escritores como sendo da geração da ambiguidade. Todavia como já tivemos oportunidade de referir, ainda antes do intelectual cabo-verdiano se opor frontalmente contra o colonialismo, ele conseguiu coincidir a sua identidade individual com a identidade nacional ao evidenciar na sua obra valores específicos da cabo-verdianidade como é o caso de Pedro Cardoso na defesa das teses nativistas e na exaltação das virtudes da língua crioula.3

Início dos anos 30 é o momento da emergência de um sentimento e de uma postura intelectual em relação ao povo cabo-verdiano. A percepção de um povo heróico, vítima de uma natureza agreste, obrigado a emigrar pela miséria, mas que permanece vinculado à sua terra por indissolúveis laços natalícios. Contra a pretensão de que este sentimento é constitutivo do cabo-verdiano desde sempre, é preciso determinar exactamente o momento histórico da sua emergência. O que se sabe é que os claridosos deram nascimento, em 1936, à primeira literatura africana de língua oficial portuguesa com características bem definidas.

Afirmaram uma postura traduzida pela consciência nacional, necessidade de se opor à dominação colonial através de denúncia, ora frontal, ora velada.

(19)

A geração da Claridade ao revelar o gosto pelas fontes tradicionais, acabou por colocar o acento na mestiçagem assumindo-se como portador de uma identidade própria. As bases culturais nem estavam na África, nem na Europa, mas sim no solo pátrio. Todavia não podemos de modo nenhum deixar de reconhecer que “as viagens” que os claridosos fizeram à Africa com os seus estudos de carácter etnográfico. E o mérito da Claridade vai para o estudo das nossas raízes. Quando na década de 50 um grande número de naturais do arquipélago de Cabo Verde é levado para as plantações de S. Tomé e Príncipe e Angola, em regime de semi-escravidão, alguns intelectuais cabo-verdianos se posicionaram e reagem a favor do povo.

Curiosamente a revista Claridade não fez revelar nenhum escritor originário de Santa Catarina, mas a verdade é que essa parcela do território nacional serviu como laboratório de experiência, pois foi publicada nessa revista, um trabalho de recolha de carácter etnográfico, dando conta da autenticidade da linguagem e do esquema de pensamento do homem do interior. Gabriel Mariano, jovem poeta originário de S. Nicolau, que teve contactos com a ilha de Santiago, em vários trabalhos de carácter telúrico bebe na experiência do interior, o que prova uma vez mais a vitalidade cultural do interior de Santiago.

Como já dissemos, década de 50 é o início do “volt-face”. Os estudantes da Casa do Império como Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Yolanda Morazzo entre outros, assumem por inteiro a tarefa da denúncia da situação colectiva de Cabo Verde. Nessa altura os jovens cabo-verdianos que frequentaram em S. Vicente o Liceu Gil Eanes reencontraram-se em Portugal, onde foram paulatinamente criando um espaço de reflexão da problemática colonial em Cabo Verde. Nesta sequência surge o grupo Nova Largada em sintonia com as exigências da época – e não simplesmente um espaço de convívio e tertúlia como se pode pensar.

Para a geração de 40/ 60 tornou-se evidente que para se encontrar a plena identidade não bastava a libertação política. Impunha-se igualmente a valorização de todas as facetas de cultura do colonizado, sobretudo aqueles traços culturais que geraram nele complexos de inferioridade em relação à cultura do colonizador.

Para que o Homem cabo-verdiano herdeiro da África e da Europa pudesse assumir integralmente as componentes específicas da sua cultura teria que começar pela descodificação dos fundamentos históricos da sua identidade. A assunpção plena da

(20)

cabo-verdianidade, com acento na africanidade, viria constituir, por si só, a subscrição de um projecto político de luta de libertação.

Mas focalizando um contributo muito particular e significativo atentemos ao do jovem Amílcar Cabral, que antes de se lançar à luta, revela e dá mostras da sua inquietação face à realidade colonial, que é de todos conhecido como uma realidade sombria.

Enquanto jovem, observa José Vicente Lopes, que “chegou a polemizar, educadamente, no Boletim Cabo Verde, como o velho José Lopes sobre os problemas da educação na província. Também, observa ainda o mesmo analista que nessa” revista, dirigida por Bento Levy, publicou o primeiro ensaio crítico em relação aos claridosos, onde, bem vistas as coisas, apresenta uma nova ética, nomeadamente, ao chamar a atenção da nossa elite para a criação de uma nova mentalidade e, como tal, uma nova atitude, atrevendo-se a sugerir que o sonho de evasão (…) não pode eternizar-se, rebatendo que o sonho tem de ser outro. E apoiando-se num verso de Aguinaldo Fonseca Brito, poeta da geração de Certeza e de Nova Largada, Cabral sugeria como divisa – Outra terra dentro da nossa terra.

É de crer que esta atitude ousada de Amílcar Cabral em questionar através do Boletim de Cabo Verde, e outros canais de comunicação como a Rádio Clube da Praia, é um firme indicador da sua disponibilidade em se transformar como um dos combatentes da realidade colonial, facto comprovado pouco tempo depois, já que o término do seu curso no ramo de Engenharia Agrónomo coincide com a sua entrada de forma irreversível na política que só conheceria o seu fim na madrugada de 20 de Janeiro quando foi barbaramente assassinado pelas forças inimigas.

A geração de 60 ao reivindicar a independência das ilhas cria o problema da definição politica da identidade. O partido político que empreendera a independência era o actor melhor situado para definir o problema que havia criado. Daí não restarem dúvidas de que Cabo Verde seria assumido como um país africano. Esse despertar que procurámos focalizar tem vários fundamentos que foram surgindo com a evolução histórico-cultural das ilhas. A democratização do ensino4 que se foi operando aos poucos, a elevação do nível de vida das classes populares cabo-verdianas através da emigração entre outras situações de peso.

4 Graças às pressões do PAIGC, o governo salazarista introduziu em 1968 o pré-primário como medida de

(21)

Assim sintonizados com o espírito da época a intelectualidade cabo-verdiana e as massas populares assumiram por inteiro a tomada de uma consciência nacional que desembocaria numa luta armada com desfecho lógico: a INDEPÊNDÊNCIA.

Acreditamos, pois que os intelectuais souberam subjectivar como vivência o impacto histórico do despertar dessa identidade e transferiram-na à sociedade como uma descoberta resultante das lutas pela afirmação no contexto social, cultural e político.

2.3. As revoltas sociais como fundamento de afirmação psicossocial

A questão das revoltas sociais em Cabo Verde é relativamente obscura quando se pretende compreender as suas origens e motivações, já que as fontes que existem sobre esses factos são suspeitas constituídas muitas vezes por relatórios de autoridades que mandavam reprimir essas revoltas, e em cada momento das abordagens desses relatórios verifica-se juízos de valor que não evidenciam a dimensão real das situações, ficando apenas por mero acto de recriminação.

A investigação isenta e científica deverá responder a um número significativo de questões como o sentido da organização dos motins, as razões dos levantamentos entre outras situações que enforma a história das revoltas que marcaram a nação cabo-verdiana ao longo dos séculos.

Em “ Subsídios para a história de Cabo Verde” e Rios da Guiné Senna Baracelos escrito nos finais do século XIX encontramos relatos de diversas desavenças, e contradições existentes entre os reinois residentes em Santiago, os morgados e as massas populares5.

Como motivação desses conflitos vários factores são apontados como por exemplo a prepotência, o abuso do poder, a exploração até exaustão da condição das massas populares que viviam em situação permanente de inferioridade.

(22)

Face à situação descrita, ao longo da nossa trajectória histórica vamos encontrar várias revoltas sociais com diversas motivações, mas com um denominador comum: a luta pela dignidade. É de crer que os motins registados não foram actos de arruaças tão comuns entre outros povos. Não foram as diferenças étnicas, nem religiosas que mantiveram a chamadas revoltas.

Com o triunfo do liberalismo em Portugal, Cabo Verde não fica fora das mudanças de atitude decorrentes das alterações politico-institucionais.

Em 1822 os moradores dos Engenhos – Santa Catarina revoltaram-se em Janeiro desse ano. “ Levantaram-se contra o Coronel Domingos Ramos, administrador do vínculo do Engenho, que se dirigia à Junta queixando-se dos rendeiros, que não só queriam assassiná-lo, mas até se negaram ao pagamento das rendas devidas, com o pretexto de que a Constituição tinha abolido todos os vínculos e que as terras veiculadas ficariam sendo propriedade de quem os trabalhasse”6

.

A pedido da Junta, ouvidos os morgados, o Bispo com uma pastoral tentaram demover os rendeiros. Estes armaram-se e ocuparam a Ribeira. As autoridades acabaram-se por render não enviado qualquer força porque reconheceram logo de seguida que “a guarda da praça era composta, em grande parte, de soldados mais ou menos aparentados com os sublevados”7.

Paralelamente ao levantamento camponês circulavam ideias em Cabo Verde se desligar de Portugal e unindo-se ao Brasil, sabendo – se que chegavam a Santiago cartas de Pernambuco, Baía e Maranhão, descrevendo o estado de agitação em prol da independência. Senna Barcelos escreve que “ a revolução que se preparava então no Brasil encontrou apoio de insignificantes moradores de Santiago, que deram alguns passos para isso, chamando o povo às armas, e como os principais da ilha não anuísse o povo também não anuiu8.

Mais tarde, um relatório do Governador de Cabo Verde, que chegará ao arquipélago em Fevereiro de 1823, acompanhado de soldados, revela que os cabecilhas do motim a favor do Brasil tentaram captar para a sua causa os moradores da Ribeira dos Engenhos em revolta

6 BARCELOS, op. Cit, parte III, pg 228 7

BARCELOS, op.cit, parte III, pg 280 8

(23)

há um ano atrás. Estes factos para alem de denotarem a luta pela dignidade, revelam o desejo, ainda que inconsciente, da luta pela soberania.

Volvidos duas décadas após a da revolta da Ribeira dos Engenhos, numa propriedade da mesma ilha assiste a uma nova revolta, com as mesmas motivações. Desta vez o palco do motim é Achada Falcão. Circulava em Santiago, em 1840, a ideia “ que se tinha decretado no reino a extinção dos morgadios e que a Coroa distribuiria pelos habitantes as terras em poder dos morgados, e só ela cobraria dali para o futuro os dízimos”9

.

Face a este cenário os rendeiros recusaram-se a cumprir os seus “ deveres”, e instala-se e desavença, acabando o processo por culminar com uma insurreição, onde 50 soldados tiveram de marchar por Santa Catarina, amedrontando os insurrectos e restabelecendo a ordem pública subvertida.

O cenário de tensão em Cabo Verde é distendido por algum tempo, e já em 1910 com a implantação da República os ventos da mudança sopram em Cabo Verde. Uma vez mais, os camponeses procuram tirar proveito da viragem histórica, e a 12 de Novembro desse ano, os camponeses de Ribeirão Manuel insurgem contra os morgados que os impediam de colher as sementes de purgueira, na altura eram de grande valor comercial. Com os fundamentos de que a “terra era de todos” os camponeses revoltaram-se contra os morgados, só que desta vez Marinha de Campos, então governador, um republicano convicto, para o espanto e surpresa de todos coloca-se ao lado dos rendeiros, e dos camponeses de um modo geral. As consequências dessa revolta são de todos conhecidos, já que é a revolta popular que mais ficou impregnada na memória colectiva do arquipélago, tendo ficado conhecida como a revolta de “homi faca mudjer matchadu.”

Várias pessoas ficaram detidas, e as forças militares tentaram reprimir a população que todavia não se desarmou demonstrando resistência até ao culminar do processo.

Convém realçar que a ilha de Santiago não foi o único palco de motins, pois em diversas ilhas outros tiveram lugar, como é o caso das ilhas do Sal, S Vicente, S. Nicolau, Santo Antão, Fogo e Brava. Refira-se que a 21 de Maio de 1847 os escravos da “ Casa

(24)

Martins” no Sal revoltaram-se e tentaram tomar comando da instituição onde trabalhavam com a condição de “ não homens”10.

Este conjunto de situações que temos vindo a apontar, Santa Catarina como palco de algumas actividades subversivas ( revoltas sociais) atestam que essa parcela de território serviu como “ uma panela onde se fermentou o desejo de luta de libertação , e a consequente conquista da soberania.

10

É de se referir que na época da escravatura juridicamente o escravo não era um homem. Era tratado neste quadro como sendo uma peça. Aliás os despachos alfandegários referiam-se a escravos como peças, já que como se disse atrás o escravo não era juridicamente considerado um ser humano.

(25)

CAPITULO III

3. A CRIAÇÃO DO PAIGC E ANÁLISE DE POSSIBILIDADE DE

DESENCADEAMENTO DA LUTA ARMADA EM CABO VERDE.

A 19 de Setembro de 1956 era fundado o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde designado pela sigla. P.A.I.G.C. Foram os fundadores Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Fernando Fortes, Júlio Almeida, Rafael Barbosa e Elisé Turpin. A criação desta força política está enquadrada nos amplos movimentos africanistas que eclodiram nas décadas 50 e 60. Só a título de exemplo eis alguns movimentos legais e outros nem por isso. No quadro da legalidade aparece a Casa da África Portuguesa, “ A casa dos Estudantes do Império” em 1945, “O Centro dos Estudos Africanos” em 1951.

No ano de 1969 conhecido como “O de África” criou-se a F.RA.I.N (Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional), com objectivo de liquidar totalmente o colonialismo português em África. E em 1961 realizou-se em Casablanca, no Marrocos, a reunião que constituiu o C.O.N.C.P. (Conferência das Organizações Nacionais das Colónias Portuguesas).

Após esse quadro político, somos a admitir que o processo de afirmação do PAIGC foi sinuoso. Fundado clandestinamente em 1956, o partido, a principio, tentou chegar á independência por meios pacíficos, utilizando como arma exclusiva, a diplomacia. Depois do massacre de Pedjiguiti, em 1959, qualquer ilusão a este respeito foi dissipada e a única solução vislumbrada foi a luta armada.

(26)

Na opinião do colonizador, do qual tomamos com representante Silva e Cunha11, Ministro do Ultramar de 1965 a 1973, o PAIGC, não representava o povo da Guiné Bissau, servindo como argumento para isto o facto de ser Amílcar Cabral um cabo-verdiano, assim como os homens da cúpula do partido. Torna-se necessário recordar que, ainda em 1965, a O.U.A. (Organização da Unidade Africana) considerava o P.AI.G.C como único movimento de libertação Guiné e de Cabo Verde.

O PAIGC acabou por assumir como defensor das duas nações, pretendendo-se um partido democrático, progressista, anti-colonialista e anti-imperialista. Possuindo aliados como os países socialistas e os movimentos operários de vários países da Europa, América e Ásia, o partido colocava-se, segundo o seu Secretário-Geral, contra o colonialismo e não contra o povo português

A fundação do P.A.I.G.C. exigia a participação massiva dos cabo-verdianos para o sucesso da luta armada, aprovada com estratégia para expulsar o inimigo do solo cabo-verdiano e do solo guineense. Vários cabo-cabo-verdianos radicados em Dakar, e noutras paragens da Europa foram mobilizados, e a verdade é que outros radicados no país seguiram o exemplo. Vamos encontrar vários exemplos de santiaguenses que deram corpo à luta. Deles só para citar registamos o caso de Justino Lopes (1925- 1970), Henrique Semedo (1928-1980?), Pedro Lopes (1935- 1995), José Carlos Aguiar (1945- 1995), entre outros. A exibição desses exemplos, embora um corpus reduzido, dá-nos a noção clara de que os santacarinenes estavam engajados no processo de luta de libertação nacional.

3.1 A luta clandestina em Cabo Verde

Fundado que foi o P.A.I.G.C em 1956, parece começar a desenvolver-se uma atitude mais firme contra o poder colonial, e nasce no espírito de muitos uma certa “ nostalgia” de luta e um sentido de entrega à uma causa que tinha motivações nobres. O teatro de guerra vai ter como palco Guiné-Bissau, país onde se encontrava cabo-verdianos com elevado grau de influência, e de capacidade moral e intelectual.

(27)

O P A.I.G.C vai definir o seu programa de luta, e os ideias que norteavam a formação política, e vai encontrar no bloco socialista e nos países africanos “progressistas” – Guiné Conakri e Argélia sobretudo - os seus principais aliados, que o financiam e armam. A conjuntura internacional é favorável e o empreendimento levado a cabo por Amílcar Cabral, enfrenta naturalmente obstáculos, mas a verdade é que a conjuntura vai determinar conquistas importantes, tanto é que Amílcar Cabral foi recebido pelo Papa, e chegou mesmo a discursar na O.N.U. assumindo a ideia de que a sua corporação era constituída por “ soldados da paz”.

A 23 de Janeiro de 1963 dá-se o início da luta armada na Guiné-Bissau, com o ataque à caserna de Tite. Mas no quadro da preparação da luta pela soberania de Cabo Verde e da Guiné-Bissau várias cogitações foram feitas, e a verdade é que algumas medidas foram tomadas.

No processo político, e no quadro da luta clandestina registamos um facto relevante, que tem a ver com o contributo de Abílio Duarte. Este quadro de alto nível no aparelho do partido, chega a S. Vicente em 1959 matriculando-se no Liceu Gil Eanes após ter estado na Guiné-Bissau. Com objectivo de prosseguir os estudos, e ao mesmo tempo agitar politicamente o liceu, cria um núcleo de jovens pró-independência. Neste quadro regista-se uma adesão em massa de estudantes, passando muitos deles a serem referenciados pela P.I.D.E. para fugir às sevícias, e com o propósito de dar o seu contributo muitos fugiram para se juntarem a outros cabo-verdianos que já estavam no quadro do processo de luta armada.

O trabalho de Abílio Duarte em S. Vicente é rodeado de um certo misticismo. Se por um lado é visto como jovem que procura ascender na escala do saber, por outro lado é questionado o propósito, já que antes era funcionário bancário em Bissau, e pelos vistos bem sucedido. Em abono de verdade, o segundo questionamento parece ser legítimo, já que mais tarde veio a ser comprovado que para além dos estudos fazia um trabalho de mobilização de forma subterrânea, que comprova de facto ser este o seu principal objectivo. Concluído os estudos deixa Mindelo, e junta-se de novo aos quadros do aparelho do seu partido passando a ter uma intensa actividade no campo poliítico-diplomático. Outras figuras como José Leitão da Graça, altamente referenciado e perseguido pela P.I.D.E, quer na Praia, quer no Mindelo desenvolve intensas actividades no quadro de luta clandestina.

(28)

Em 1960 ao tomar conhecimento de que corria o risco de ser preso, até porque o plano da sua detenção já existia, foge para Senegal, torna-se um político errante pelas terras da África. Com o verbo dos activistas políticos disseminados entre Praia e Mindelo, muitos jovens aperceberam-se dos fundamentos da luta armada, e várias iniciativas, ainda que de forma velada, foram ganhando corpo. Em 1960 Rolando Vera-cruz Martins, Mário Fonseca e Arménio Vieira fundam a revista Selo, instrumento literário, mas com propósito político, que alertados os agentes da P.I.D.E e da Censura fez logo silenciar, tendo saído apenas um número.

3.2 A Luta armada na Guiné-bissau

Dias antes da eclosão da guerra em 1963, as forças militares do PAIGC já movimentavam no terreno, com sabotagens, rompimentos de vias de comunicação.

Em Janeiro de 1963 a acção militar confirma o início de luta de libertação. Os combatentes em pouco tempo organizaram-se e conseguiram infundir insegurança às tropas lusas.

Segundo Aristides Pereira no seu livro O Meu Testemunho – Uma luta, um Partido e dois Países, uma greve de (3 de Agosto de 1959) dos trabalhadores do cais de Bissau (Pidjiguiti), que se saldou na morte de mais de 50 marinheiros, acabou por reforçar a consciência nacionalista, e do lado do PAIGC, a necessidade de proceder a uma mobilização do campesinato para a luta armada.

Essa ideia de mobilizar os homens do campo resulta da ideia de que o poder colonial tinha mais força e expressão na cidade, e no campo dado às dificuldades inerentes à vida do agricultor desprovido de meios económicos e financeiros, era mais fácil fazer-lhe compreender da necessidade de travar a luta contra aquele que anos sem conta o vinha explorando. A estratégia terá resultado, mas a verdade é que o PAICV esteve condicionado por algum tempo pelo seu carácter ainda embrionário. Depois do início da luta armada enfrentou problemas organizacionais, que de acordo com Aristides Maria Pereira, ainda na mesma obra, considera que tal situação está “ ligado ao comportamento reprovável de alguns

(29)

quadros responsáveis que actuavam em diversas zonas, fazendo perigar as conquista que o partido tinha alcançado desde a sua fundação. Advoga o mesmo analista que “ essa situação requeria a introdução de ajustamentos e correcções imprescindíveis ao avanço da luta12.

Não terá sido fácil o empreendimento da luta de libertação levado a cabo pela força independentista, pois desmontar o esquema de alienação que o poder colonial conseguiu forjar durante séculos no espírito do africano, criando nele sentido de inferioridade em relação ao colono, seria tarefa ingente, mas que o PAIGC não podia deixar de travar.

Outros factores terão pesado no processo de luta de libertação condicionando-o nas mais variadas frentes. Tratando-se Cabo Verde e Guiné Bissau de duas comunidade que se fundaram com base numa sociedade escravocrata, o caldeamento de povos de diferentes origens, numa determinada perspectiva pode ser encarado como uma riqueza cultural, mas não deixa de ser ao mesmo tempo um constrangimento, pois no caso da Guiné as múltiplas etnias, muitas vezes era difícil de se estabelecer um código comum, que fosse a ponte entre as diferenças no combate ao poder colonial.

Em seis meses de luta, estavam libertados o Combal e os territórios ao sul do Geba. Ainda em 1963, novas regiões foram ocupadas na Guiné Bissau e tomadas novas medidas para a intensificação directa da luta em Cabo Verde, com o objectivo de chegar da fase política á de acção da luta propriamente dita. E, em 1964, o colonialista sofria uma enorme derrota na ilha do Komo, considerada uma plataforma estratégica para a reconquista do Sul da Guiné.

Simultaneamente, realizava-se o primeiro Congresso do partido, que decidiu criar órgãos de administração e um sistema de assistência nas regiões libertadas, além das forças armadas revolucionárias do povo (Exército, Guerrilha, e Milícia Popular) e de um Conselho de Guerra. Ao fim de 1966, 60% do território guineense encontrava-se liberto.

Após dezassete anos de luta, o partido proclamava independência da Guiné-bissau a 24 de Setembro de 1973, que se propôs como Estado soberano, republicano, democrático,

12 PEREIRA, Aristides O meu Testemunho uma luta um partido dois países, Editorial Notícias, 1 edição, Lisboa,

(30)

anti-colonialista e anti-imperialista. Seus objectivos, a libertação total do povo da Guiné e Cabo Verde e a união dos dois territórios.

Relativamente a Cabo Verde a ascensão do país à categoria de Estado soberano só veio acontecer dois anos mais tarde, isto é a 5 de Julho de 1975.

Durante esta trajectória da luta de libertação, apesar de intensos esforços feito pelos activista políticos afectos ao PAIGC, a polícia política desafiada, mantinha todavia operacional o seu esquema de perseguir, amedrontar e aprisionar nas masmorras do Tarrafal, o campo de concentração criado em 1936 para silenciar todos aqueles que se opunha ao regime de António Oliveira Salazar ditador e Presidente da República Portuguesaque chegou ao poder em 1928 através de um golpe de Estado.

3.3 A preparação para o desembarque em Cabo Verde

23 de Janeiro de 1963 foi o ano da eclosão da guerra, após um processo preparatório, que evitava, todavia, a todo custo o recurso às armas. Amílcar Cabral pretendia que a luta fosse diplomática, e acreditava mesmo que esse fosse possível. Porém, após o massacre de Pidjiguiti, na Guiné Bissau, perpetrado pelo poder colonial que fez centenas de vítimas, o líder histórico do P.A.I.G.C viu desfeitas as ilusões, e colocou de parte aquilo que seria utopia, e passou a assumir uma atitude consentânea com a realidade desenhada pelo poder salazarista.

Na posse de armas doadas por Marrocos, e rejeitadas que foram por Lisboa as propostas de Cabral, o movimento independentista da Guiné-Bissau entrou no mato dando corpo ao processo de luta armada. Com apoio da Guiné Conakri, Senegal, Argélia, China e União Soviética, entre outros, em pouco tempo o movimento consegue resultados satisfatórios passando a dominar várias zonas da Guiné-Bissau.

(31)

No seu livro Crónica de Libertação Luís Cabral advoga que “ as forças colonialistas encontravam-se incapazes de reagir; foram surpreendidos pelo aparecimento de armas automáticas potentes em várias zonas do país e tiveram muitas baixas”13

Este relato dá-nos ideia do à-vontade com que os guerrilheiros do P.A.I.G.C movimentavam-se nas matas da Guiné-Bissau. Mas o palco da guerra afigura-se “ estreito” já que na retaguarda - Cabo Verde era necessário desencadear também um processo tendente à luta de libertação. Embora o movimento ora em acção visava a independência das duas nações em relação a Portugal, havia uma séria preocupação com as ilhas. Colocava-se todavia o problema da natureza insular de Cabo Verde, daí reconhecerem ser difícil desencadear a luta armada. Porém o projecto de desembarque em Cabo Verde existia, a ponto de terem enviado para Cabo Verde materiais bélicos que foram desembarcados em Santo Antão.

Relativamente a este facto, e comparando as duas realidades políticas a do Mindelo e a da Praia, observa o Jornalista José Vicente Lopes em “ Os Bastidores da Independência”: Em Santiago a situação era mais ou menos idêntica. Havia, na prática, um grupo que actuava fundamentalmente na zona urbana da Praia, e outro nas zonas rurais da ilha. Desde 1963 que o PAIGC vinha tentando criar as condições para o início da luta armada em Cabo Verde, mais concretamente na ilha de Santo Antão14.

Este relato jornalístico que cita fontes ligadas ao movimento independentista prova-nos que de facto iniciativas apontavam no sentido de fazer Cabo Verde um dos palcos para o teatro da guerra. Estudo táctico sobre o assunto selou para sempre a hipótese, pois a natureza insular podia funcionar como um constrangimento, e elemento determinante para uma derrota militar dos homens do P.A.I.G.C.

Toda a preparação para um possível desembarque das forças do movimento independentista acabou por ser de nulo efeito, tendo ficado esta hipótese como a verdadeira utopia. A partir da constatação de que era inviável a ideia (em virtude da insularidade e outras variáveis), Guiné-Bissau acaba por ser definitivamente o único palco de guerra. Face a esta circunstância foi exactamente ali que as consequências da guerra fizeram sentir, provocando

13 CABRAL, Luís, op. Cit., P. 145 cr Crónica de Libertação

(32)

milhares de desalojados, e empurrando milhares para a pobreza extrema, sendo sintomático ainda hoje na sociedade guineense as sequelas da guerra colonial.

O que podemos garantir é que o facto de Cabo Verde não ter servido como palco de guerra, não deixa de ter importância na luta de libertação, já que deu capital humano para enformar o corpo de guerra e lutar pela soberania das duas nações. Está provado que o papel de Cabo Verde neste processo foi de grande relevância, pois as estratégias da luta armada tinham todos a relação umbilical com o arquipélago.

(33)

CAPITULO IV

4. A PARTICIPAÇÃO DE SANTA CATARINA NA LUTA PELA

INDEPENDÊNCIA DE CABO VERDE

4.1. A ideia de consciência para a luta de libertação

A ideia de libertação em qualquer circunstância não é fruto do acaso. É antes de mais um processo que incorpora variáveis, muitas vezes, difíceis de serem determinadas. No caso de Cabo Verde pode-se depreender que ela teve a sua génese numa elite que se formou a partir dos meados do século XVIII. Mais tarde com a criação da imprensa (1842) abre-se um canal para discussão de ideias, e é bom reconhecer que a imprensa acabou por ter um papel preponderante entre nós.

A fundação do Seminário-Liceu de S.Nicolau (1866- 1917), a criação do Liceu Nacional em S. Vicente a partir de 1917 vão posicionar como factores para emergência de uma espécie de iluminismo cabo-verdiano consubstanciado num instrumento/ movimento literário designado Claridade.

Outros factores estarão na origem dessa tomada de consciência: a emigração forçada para S. Tomé, as mortandades em massa, o abuso do poder instalado, enfim tudo isto num somatório constituem ingredientes para tomada de consciência de um povo. Por outro lado, as ideias de um estratega como Cabral vão sedimentar a consciência nacional. Acrescentar os

(34)

ventos de mudança que sopravam por todos os lados, com impérios franceses e ingleses a desmoronarem-se, enfim seria também em consequência o desmoronamento do império português que estava de pé em virtude das intransigência e teimosia de António Oliveira Salazar e os seus mais directos colaboradores.

4.2 Surgimento da ideia de assalto ao

Pérola do Oceano

O surgimento da ideia do assalto é um dominador comum entre os assaltantes. Movidos pelas ideias independentistas em voga, todos interiorizaram a ideia do projecto de um Cabo Verde independente. As famosas reuniões de Achada Falcão e de Cruz Grande estiveram na origem, desse assalto, cujas consequências mais directas foram o aprisionamento geral da corporação.

Reina no seio desses valorosos homens a ideia de que o “comandante” teria sido objecto da instrumentalização da PIDE. Por inferência pode-se concluir que José dos Reis Borges terá urdido o enredo para levar os “ combatentes” a caírem nas malhas da PIDE. Fica por contar a versão do Comandante que após esse feito deixou Cabo Verde, e só voltou uma vez, cuja presença não foi notada.

Mas as causas do surgimento dessa ideia ultrapassam dados objectivos, para entrar no domínio do subjectivismo, isto no lado do abstracto.

Ora, em 1970, vivia-se em Cabo Verde um momento especial. A luta armada ia-se na sua fase mais avançada de conquistas, e como soe dizer a procissão ia-se no adro.

Assim sendo os cabo-verdianos tinham convicções fortes de que a vitória era certa. Por outro lado as calamidades que iam marcando o país: o excesso de pobreza, o analfabetismo, as secas intermináveis, a emigração forçada, enfim um rol de problemas assim conjugados estavam a ser determinados na conduta daqueles que queriam de facto a libertação total das ilhas de Cabo Verde. O que é certo é que o assalto ao Pérola do Oceano não atingiu os objectivos traçados, mas a verdade é que serviu para junto da comunidade nacional reforçar o sentido de luta que teria de ter por base o nacionalismo.

(35)

Os intervenientes são unânimes em reconhecer que todavia com a experiência de vida, caso fosse hoje a estratégia de assalto podia ser outra. Não arrependidos, porém deixa antever que as coisas podiam ser processadas de outra forma, e seguramente teriam atingido os objectivos na sua plenitude.

4.3 O assalto

A história do assalto a Pérola de Oceano está envolta em mistério e lendas, pois a mistificação de actos históricos parece ser uma constante em qualquer processo de libertação. Os agentes que protagonizaram este feito nos relatos convergem, mas a verdade é que há situações que apontam para percepções diferentes sobre a mesma realidade.

José Bruno Spencer em artigo editado pelo jornal Horizonte considera que “ a história do assalto ao Pérola de Oceano é cheia de contradições e muito se falou sobre se a intenção era mesmo levar a embarcação para fora de Cabo Verde ou se pretendia outro objectivo. O mesmo articulista, reconhece no entanto, que “ o caso do Pérola de Oceano constitui uma das mais importantes cenas da história da época colonial de Cabo Verde”, para logo de seguida sugerir “ mais investigações para que se saiba mais sobre o que realmente se passou.

O grupo de protagonistas deste feito era constituído por Alberto Gomes Semedo, Ananias Gomes Cabral, António Pedro da Rosa, Arlindo Gomes dos Reis, Arsénio Vaz Semedo, Benévolo Borges Furtado, Eugénio Borges Furtado, Ivo Pereira, João Augusto Macedo, Joaquim Mendes Correia, Juvêncio da Veiga, Luís Furtado Mendonça, Martinho Gomes Tavares, Sérgio dos Reis Furtado. Dessa longa lista apenas três já não fazem parte do mundo dos vivos. Os restantes, ostentam a categoria de combatentes da liberdade da Pátria.

Com o propósito de clarificar o caso inquirimos duas personalidades lúcidas que tomaram parte no assalto ao Pérola de Oceano. Um deles é Arlindo Gomes dos Reis. O nosso entrevistado aborda a questão com emoção, colocando tónica no acto de bravura e heroicidade que caracterizou os “valorosos combatentes”. Aquando do assalto Arlindo Gomes dos Reis Borges contava 34 anos de idade. Influenciado pelo clima que se vivia (luta de libertação no seu auge, com importantes conquistas pelas forças independentistas), e ainda com influência

(36)

directa de dois destacados activistas do PAIGC – Pedro Martins e Ivo Pereira. Foi assim que Arlindo Gomes dos Reis Borges começa a desenvolver o seu sentido de militância, a ponto de incorporar o grupo dos assaltantes que pretendiam desviar o barco para Senegal. Integrado no grupo dirige-se à Praia onde ia tomar o barco. Chegado ali e integrado no grupo comprou bilhete com destino à ilha do Fogo.

Entraram no navio e momentos depois deste sulcar as águas, fizeram aparição fardada e munidos de armas de pequeno calibre, e uma bandeira do PAIGC. Cada um na corporação tinha o seu posto e categoria, e Arlindo dos Reis Borges era 1º Sargento de Arrecadação. O comandante era o Sr. José dos Reis Borges, seu primo, que tinha por missão prender o comandante do navio e dar-lhe instruções sobre o rumo. Foi assim que Sérgio Pereira e José dos Reis Borges actuaram. Dirigiram-se para cabine e ali prenderam o homem do leme, mas tinha por missão continuar a viagem como o único piloto. Observadas as normas definidas pelos assaltantes, o pavor apoderou-se dos ocupantes, e um passageiro (nhô Maninho) que tinha como destino a ilha do Fogo caiu no mar. O comandante tentou, em vão, recuperar o corpo, mas de facto este estava irremediavelmente perdido. O sucedido teve lugar na localidade de Ribeirão Porco, anota Arlindo Reis Borges, considerando ser este um caso de triste memória porquanto o objectivo dos assaltantes não era fazer ninguém perder vida. “ O nosso propósito era fazer desviar o barco para Senegal e partir dali juntar à força independentista PAIGC e libertar o país das garras da maldição, conclui, para retomar o fio à meada dizendo que eles (os assaltantes) tinham mapa e algum sentido de orientação. Sabiam, por exemplo, que a partir do farol da ponta temerosa (Praia) traçado 15 º (quinze graus) o barco podia atingir Senegal. Logo de seguida, e sem resistência, o comandante que havia obedecido as instruções assegurou-lhes que seguia a viagem com o rumo ora definido, mas o combustível era insuficiente para a trajectória pretendida. Foi assim que foi reformulado o rumo, e Rincão (porto de Santa Catarina) foi o destino.

Chegados ali o objectivo era procurar meios para abastecer o navio de combustível. De acordo com o nosso informante verificou-se uma espécie de cisão no seio do grupo. Uns em debandada com medo da Pide, outros mantiveram-se firmes nos seus postos. A notícia corre célere, e a PIDE alertada, actua de imediato pondo fim à aventura, que hoje no entender de Arlindo Reis Borges, apesar de atribuir grande significado ao acto, não deixa de reconhecer falhas na estratégia. A viagem que tinha por objectivo alcançar o porto de Dakar terminara

(37)

nas grades da prisão. Ficou, ele e os companheiros, na Cidade da Praia, e mais tarde transferidos para as masmorras do Tarrafal.

Como foi referido atrás, a PIDE, alertada, actuou repentinamente e as Forças Armadas foram convocadas para deter os “ terroristas”. Levaram-nos via marítima até à Praia, e ali passaram sete meses. Transferidos que foram para o Tarrafal ali permaneceram mais três anos. A “soltura” verificou-se logo após 25 de Abril, mais precisamente a 1 de Maio de 1974.

Instalados no “campo de morte lenta” ali estabeleceram contactos com outros presos políticos nomeadamente Lineu Miranda, Carlos Tavares e Fernando Tavares. Este último também foi alvo do nosso inquérito. Comunicativo por excelência, e homem que se define por “ carneiro de convicções fortes” diz não ter participado no assalto porque nessa altura estava já preso no Tarrafal sob acusação de ser “ terrorista a soldo do comunismo internacional”. Entre gargalhadas irónicas diz ter gostado do epíteto, até porque considera-se “partidário de pão e palavra para todos”.

Pondo de lado as tiradas irónicas, Fernando Tavares assegura que na prisão os presos políticos trocavam ideias, ainda que em voz sussurrada, sobre os ideais da luta de libertação. Mantinham contactos externos através de cartas que passavam pelas mãos de alguns guardas “ profundamente humanos”. A restrição era entrar em contacto com os presos de delito comum. “ Essa restrição não nos afectou em nada, porque tínhamos outros propósitos, e sempre foi possível fazer combate político mesmo na cadeia”, finaliza avaliando o caso de Pérola de Oceano como um dos momentos de significado histórico na luta de libertação.

António Pedro da Rosa é um outro interveniente no caso Pérola de Oceano. Discreto por natureza, tem reservas em abordar a questão de forma aberta, embora não faça tabu sobre este caso. Ao participar no assalto assumiu a categoria de Alferes, e como tal foi acusado logo que caiu nas malhas da PIDE.

Num documento (ver anexo) subscrito pelo Comando Territorial Independente de Cabo Verde – Tribunal Militar Territorial (libelo Acusatório) lê-se que António Pedro da Rosa “faz parte do PAIGC desde Julho último tendo prestado juramento de fidelidade ao partido. Mais avança o documento que o arguido tomou parte em várias reuniões partidárias com alguns co-réus em Achada Falcão e na Cruz Grande, onde foram tratados assuntos

(38)

relacionados com o PAIGC. A sua principal missão a bordo foi a de guardar o dono do Pérola do Oceano António Lubrano, para o que vestia uma farda de Alferes do PAIGC e empunhava um revólver”. Sobre o mesmo pesa outras acusações como por exemplo, de ter assistido ao caso de falsificação de documento do Comandante dos Assaltantes José dos Reis Borges. Ainda recai a acusação de estar a preparar assalto ao campo de concentração do Tarrafal.

A verdade é que António Pedro Rosa não era uma figura qualquer. Tinha prestado serviço militar na Praia, e era detentor de 4ºclasse o que para altura era um nível académico de luxo. Influenciado pelos companheiros Ivo Pereira (Fefa) e Pedro Martins foi lendo o ideário do PAIGC.

António Pedro Rosa enquanto inquirido defende que o assalto a Pérola de Oceano resulta no simples facto de ser um barco mais fácil de ser assaltado usando a estratégia de comprar passagens com destino a Fogo. Assume ter sido de facto ele o guarda do dono do barco aquando do assalto, e assumia a função de Alferes.

No prelúdio da sua narração, António Pedro Rosa avança os arranjos do assalto. Seu companheiro Arlindo Gomes dos Reis Borges, sendo costureiro de profissão foi ele quem confeccionou as fardas, explica para acrescentar que tudo o que diz respeito ao assalto foi preparado nas reuniões de Achada Falcão e Cruz Grande. Com convicção afirma de que o destino era Senegal donde iria ser traçado o rumo para Guiné-Bissau. Partilha da opinião do seu colega Arlindo dos Reis Borges que a falta de combustível esteve na origem do regresso a Rincão. Chegados ali, salienta que José dos reis Borges (Comandante) e João Augusto Macedo, seu sobrinho, decidiram ir comprar combustível em Assomada. A caminho dado ao amanhecer e com notícias de que o barco não tinha chegado nem ao Fogo, nem à Brava. Com a autoridade alertada, foram provavelmente interceptados.

Em relação ao abandono do “posto”, António Pedro da Rosa considera que esse acto de abandono tem a ver com o simples facto de que com o ancoramento o perigo de cair nas malhas da PIDE era iminente, e esclarece que os que ficaram tem a ver com o facto de estarem enjoados e sem capacidade para reagir.

Falando do “Comandante” José dos Reis Borges, seu primo, António Pedro Rosa não tem papas na língua em considerar que esse senhor “ fez teatro”, era instrumento da PIDE, e

(39)

conseguiu ludibriá-los para assaltar o barco sob o seu comando. Aponta o exemplo deste ter sido “ preso” na Praia (preso com estatuto especial), para seis meses depois seguir rumo a Portugal e mais tarde França, ao lado da sua mulher. Sobre este assunto Arlindo dos Reis Borges não levanta véu, limitando-se apenas a dizer que ele é primo do suposto Comandante.

O nosso entrevistado é concordante com Fernando Tavares (este já tinha saído da cadeia) que tinham possibilidades de discutir política na cadeia, embora de “forma encoberta”. Troca de impressões e de ideias era uma constante. Os contactos externos eram possíveis, embora a limitação era maior.

4.4. Modos de sobrevivência na prisão

Embora o campo de concentração fosse uma espécie de Câmara de Morte lenta, havia momentos de lazer que consistia em jogar às cartas, oril, e oportunidade para uma cavaqueira, regra geral sobre a política, e o sonho de um novo “amanhecer”. Havia uma hora por dia para tomarem um banho de sol, e a partir daí o cenário era outro. Embora vigiados por uma polícia zelosa, mas mesmo assim era possível, como se disse atrás, uma cavaqueira.

Em relação às torturas, Pedro Martins um dos presos do campo de concentração escreve no seu livro “ Testemunho de um Combatente” focalizando as condições “ sub – humanas” a que os presos estavam sujeitos, mas ameniza a situação com a ideia de que estar preso em certa medida seria melhor do que estava a ser perseguido pela PIDE.

Apesar da convergência de ideias sobre esta matéria, António Pedro Rosa dramatiza o problema de sobrevivência na cadeia. O nosso inquirido considera que a situação era degradante, e a esperança de vida era cada vez mais reduzida. Mesma opinião tem Arlindo Gomes dos Reis Borges que considera que “ não havia como chegar ao estádio da libertação se não houvesse outros combatentes da liberdade da pátria a libertar noutras frentes”. O que somos a confirmar é que os relatos de condições sub – humanas a que estavam sujeitos os presos apontam para um caso dramático, sem paralelo, que a PIDE estava interessada a perpetrar.

(40)

Não é de estranhar tal situação, já que a ideia era aniquilar e amordaçar aqueles que tinham o ideal de libertação. Basta ver a acção da PIDE em Cabo Verde, bem como o seu ideário para se concluir que não se tratava de uma polícia científica, nem de uma polícia romântica.

4.5. O fim do pesadelo

Vendo a questão num ângulo abrangente, somos a dizer que no quadro da luta de libertação, na senda dos esforços consentidos para alterar a situação militar estacionária, o PAIGC procurou introduzir meios bélicos sofisticados, incluindo blindados, mísseis antiaéreos e até aviação no sentido de garantir a flagelação do inimigo. Tal desiderato foi atingido e a tropa inimiga foi-se recuando, aos poucos, devagar, a ponto de PAIGC ter tomado o controlo total da situação.

Em 1974 a luta estava a culminar, e só restava esforços diplomáticos com várias delegações de Alto Nível a tentar equacionar o problema da descolonização.

Em Cabo Verde a Rádio Libertação é interdita, certos jornais e livros só circulam de forma clandestina. Mas o processo vai-se acelerando e chega 25 de Abril e com ele a Revolução dos Cravos. Impera-se a mudança e a 1 de Maio de 1974 é o fim do pesadelo, com as portas do Campo de Concentração totalmente franqueadas. Alguns presos que saíram acabaram por ter papel decisivo no processo da independência que viria ser facto a 5 de Julho de 1975.

Observa o Jornalista José Vicente Lopes no seu livro “ Os Bastidores da Independência” que “ em Cabo Verde, com o 25 de Abril, os acontecimentos sucedem-se num ritmo vertiginoso. Acrescenta ainda o Jornalista investigador que Passada a surpresa do golpe em Portugal surgem três teses em relação ao futuro de Cabo Verde. De um lado o PAIGC que preconizava a independência e a unidade com a Guiné-bissau; e do outro a UPICCV, que era a favor da independência, mas sem quaisquer vínculos externos, e ainda a União Democrática de Cabo Verde (UDC), criada em Maio, no Mindelo, e presidida pelo advogado João Baptista Monteiro, que embora aceitando o precipício da autodeterminação e mais tarde da própria

(41)

independência total. Ganhou finalmente o partido da luta de libertação o PAIGC, e como já se referiu, Cabo Verde assumiu o seu destino sob o comando de partido único, que embora profundamente contestado por altura da mudança política operada em 1991, criou um clima de segurança e concórdia, que afugentou para longe a imagem da PIDE.

Face a este cenário, estamos autorizados a concluir que de facto 5 de Julho de 1975 foi o corolário da liberdade e de prelúdio de um Cabo Verde próspero.

4.6. Participação dos santacatarinenses noutras esferas da luta armada

A participação dos santacarinenses no processo da conquista da soberana nacional não se esgota com o assalto ao “Pérola do Oceano”. Essa participação foi mais vasta e mais expressiva, já que vamos encontrar em diversas fases da luta figuras oriundas de Santa Catarina, que se destacaram pela sua bravura e heroicidade. Muitos estão ainda vivos e são personalidades referenciadas pela história e pela memória colectiva.

Não ocuparemos de focalizar todas as figuras de Santa Catarina que se posicionaram

no contexto de luta de libertação, mas como já tivemos oportunidade de referenciar neste trabalho, que só num opúsculo editado pela ACOLP (Associação dos Combatentes da liberdade da Pátria) dentre as 25 figuras – combatentes da liberdade da pátria 17 são originários de Santa Catarina. Noutra perspectiva não podemos ignorar que o antigo Presidente da República António Mascarenhas Monteiro foi combatente nas matas da Guiné, embora seja referenciado como um desertor.

Referências

Outline

Documentos relacionados

Promovido pelo Sindifisco Nacio- nal em parceria com o Mosap (Mo- vimento Nacional de Aposentados e Pensionistas), o Encontro ocorreu no dia 20 de março, data em que também

ao setor de Fisiologia Vegetal do Departamento de Biologia da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Minas Gerais, com clones pertencentes ao Instituto Agronômico de Campinas

(IPO-Porto). Moreover, we attempted to understand how and in which patients sFLC can be used as a differential marker in early disease relapse. Despite the small cohort, and the

Os sujeitos da pesquisa foram trinta e dois estudantes matriculados regularmente no ano letivo de 2019, com idades entre dez e treze anos, sendo dezenove meninos e treze meninas e

Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de estudar parâmetros termodinâmicos da dissociação da Hb extracelular em diferentes valores de temperatura através

Sendo a Educação Física um componente curricular da escola, não podemos nos afastar ou ignorar o movimento de Educação especial pelo simples fato de acharmos

Contratação de empresa especializada para a prestação de serviço de Agenciamento de Viagens, compreendendo os serviços de emissão, remarcação e cancelamento de passagem

As contas a receber de clientes são registradas pelo valor faturado, incluindo os respectivos impostos diretos de responsabilidade tributária da Companhia, suas