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Português como língua de herança no Japão: produção textual em foco

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS

COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM LINHA DE PESQUISA: HISTÓRIA, POLÍTICA E CONTATO LINGUÍSTICO

CLAUDIA MARIA OLIVEIRA BORDALO DA COSTA

Português como Língua de Herança no Japão: Produção textual em foco

RIO DE JANEIRO 2020

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CLAUDIA MARIA OLIVEIRA BORDALO DA COSTA

Português como Língua de Herança no Japão: Produção textual em foco

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Uni-versidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Linha 3: História, Política e Contato Lin-guístico.

ORIENTADORA: TELMA CRISTINA DE ALMEIDA SILVA PEREIRA CO-ORIENTADORA: ADRIANA LEITE DO PRADO REBELLO

RIO DE JANEIRO 2020

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CLAUDIA MARIA OLIVEIRA BORDALO DA COSTA

Português como Língua de Herança no Japão: Produção textual em foco

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da Uni-versidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Linha 3: História, Política e Contato Lin-guístico.

Aprovada por:

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________ Profª. Drª. Telma Cristina de Almeida Silva Pereira - Orientadora

Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________________________ Profª. Drª. Adriana Leite do Prado Rebello - Co-orientadora

Universidade Federal Fluminense

_________________________________________________________________ Profª. Drª. Cirlene de Sousa Sanson

Universidade Federal Fluminense

___________________________________________________________________ Profª. Drª. Danúsia Torres dos Santos

Universidade Federal do Rio de Janeiro

___________________________________________________________________ Prof. Dr. Joel Austin Windle – Suplente

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Agradecimentos

A Deus pela força diária;

À minha orientadora Telma Pereira e à minha co-orientadora Adriana Rebello por todo apoio, paciência, atenção e cuidado ao longo da minha pesquisa. Sem dúvida não teria conseguido chegar até aqui se não fosse pela ajuda de vocês. Obrigada por sempre acreditarem em mim e por nunca me deixarem desistir;

À minha família, por todo amor e força ao longo de todo o meu mestrado, em especial à minha mãe, que sempre me motivou a correr atrás dos meus sonhos e que sempre me amparou nos momentos mais difíceis;

Aos professores que participaram da comissão examinadora;

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RESUMO

Este estudo trata de uma análise interpretativa e qualitativa da produção textual de cartas pessoais escritas por crianças de 10 a 13 anos, residentes no Japão, cuja lín-gua de herança é o português do Brasil e que têm, pelo menos, um dos pais de naci-onalidade brasileira. Após a aplicação de um questionário, levantamos as caracterís-ticas dos participantes e verificamos se esses fatores contribuíram, ou não, para a qualidade dos textos produzidos. Consideramos as propostas de Chulata (2015, 2016 e 2018) e Ortíz (2016) para a conceituação de Língua de Herança; o conceito de Com-petência Comunicativa proposto pelo Conselho elaborador do Quadro Comum Euro-peu de Referência para Línguas (2001), bem como as contribuições da Linguística Textual (TRAVAGLIA, 1991 e 2017) para fundamentar a análise do nosso corpus.

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ABSTRACT

This study attend to make an interpretative and qualitative analysis of the production of personal letters written by children in the ages 10 to 13, currently residing in Japan, whose heritage language is Brazilian Portuguese and who have, at least, one parent with Brazilian nationality. After the application of a questionnaire, we survey the char-acteristics of the participants and verified if these factors contributed, or not, for the quality of the letters. We consider the proposals of Chulata (2015, 2016 and 2018) and Ortiz (2016) for the conceptualization of Inheritance Language; the concept of Com-municative Competence adopted by the Council that developed The Common Euro-pean Framework of Reference for Languages (2001), as well as contributions from the Text Linguistics (TRAVAGLIA, 1991 and 2017) to support the analysis of our corpus.

Keywords: heritage language; Portuguese as a heritage language; Brazilian

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Número de brasileiros residentes por província 16

Figura 2 - Placa de sinalização em português e japonês 17

Figura 3 - Placa de sinalização em português e japonês 17

Figura 4 - Placa de sinalização em português e japonês 17

Figura 5 - Placa de sinalização em português e japonês 17

Figura 6 - Placa de sinalização em português e japonês 18

Figura 7 - Níveis de proficiência segundo o QECR 35

Figura 8 - Produção textual do participante 5 52

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Lista de escolas Nipo-brasileiras homologadas pelo MEC por região 19

Tabela 2 - As iniciativas de Português como Língua de Herança no mundo 26

Tabela 3 - Quadro de categorização dos participantes 42

Tabela 4 – Auto-análise dos participantes em língua portuguesa 43

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

LH - Língua de Herança

PLH - Português como Língua de Herança

QECR - Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas MRE - Ministério das Relações Exteriores

Celpe-Bras - Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros L1 – Língua Materna ou Primeira Língua

L2 – Língua Estrangeira ou Segunda Língua MEC – Ministério da Educação

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 10

2. PANORAMA DO CONTEXTO MIGRATÓRIO ENTRE JAPÃO E BRASIL 13

2.1. A Imigração de Japoneses no Brasil 13

2.2. As inversões de fluxo migratório 15

2.3. Escolas brasileiras no Japão 18

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 21

3.1. Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira 22

3.2. Língua de Herança 23

3.3. Português como Língua de Herança 25

3.4. Português como Língua de Herança no Japão 27

3.5. A questão identitária do falante de PLH 29

3.6. Linguística Textual 30

3.7. Gênero Textual 32

3.8. Gênero Carta Pessoal 33

3.9. Quadro Comum Europeu de Referência para Línguas 34

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 40

4.1. Corpus: coleta e organização 40

4.2. Procedimentos empregados na análise dos dados 43

5. ANÁLISE DOS DADOS 45

5.1. Análise das da produções textuais 45

5.1.1. Análise da produção textual 1 45

5.1.2. Análise da produção textual 2 47

5.1.3. Análise da produção textual 3 49

5.1.4. Análise da produção textual 4 50

5.1.5. Análise da produção textual 5 52

5.1.6. Análise da produção textual 6 53

5.1.7. Análise da produção textual 7 55

5.1.8. Análise da produção textual 8 56

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5.1.10. Análise da produção textual 10 59

5.1.11. Análise da produção textual 11 60

6. CONCLUSÃO 63

7. REFERÊNCIAS 68

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1 - Introdução

O português é a sexta língua mais falada do mundo1 e o Português como Lín-gua de Herança é uma realidade em diversos países, inclusive no Japão. Isso está atrelado ao aumento do fluxo migratório internacional e ao alto número de falantes de português, sobretudo brasileiros, que resolvem migrar para outros países. O fluxo mi-gratório pode ser desencadeado por uma série de fatores, como guerras, persegui-ções étnicas/políticas/culturais, busca por melhores condipersegui-ções de trabalho e de vida, entre outras razões. No caso do Japão, os imigrantes brasileiros têm como principais motivos atualmente: a obtenção de emprego, melhores condições de vida, segurança e cenário econômico melhor.

Os movimentos migratórios e a globalização são grandes responsáveis pela difusão das línguas no mundo. É crescente o número de pessoas que se aventura a procurar melhores condições de vida e de emprego em outros países. Muitas delas formam família em terras estrangeiras, tendo seus filhos por lá. Em diversos casos, as famílias são constituídas de pais de nacionalidades diferentes, em cujos lares mais de um idioma é utilizado na interação com seus descendentes. A partir disso, é impor-tante refletirmos sobre a aquisição de uma língua nesse tipo de contexto familiar e como se dá o processo de ensino-aprendizagem desse idioma.

A partir da minha experiência no ensino de português como língua estrangeira para japoneses e por motivações, inclusive, familiares e pessoais, surgiu o interesse de estudar quais seriam os principais aspectos norteadores sobre o ensino de portu-guês como língua de herança no Japão, pois constatei que, em um único ambiente familiar, é possível encontrarmos falantes que possuam níveis diferentes de aquisição da língua de herança e isso me trouxe a curiosidade de investigar esses fatores.

Com família de imigrantes residentes no Japão, pude observar que o saber linguístico de cada falante se dá de maneira muito particular, mesmo que a eles sejam propiciados os mesmos estudos e o mesmo convívio familiar. A competência comuni-cativa irá se construir com base em particularidades que vão desde os tipos de

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relacionamentos na sociedade em que se inserem, até os objetivos profissionais al-mejados.

Na minha família, pude observar um contraste muito grande entre os meus três primos. A mais velha (26) e o do meio (24) nasceram no Brasil e foram para o Japão aos três e um ano respectivamente, o mais novo (19), por outro lado, nasceu no Ja-pão. Meu tio é brasileiro e a sua esposa é nascida no Brasil, mas filha de japoneses. A questão identitária é algo que chama atenção: tanto o meu tio quanto sua esposa se intitulam brasileiros, minha prima mais velha se considera brasileira e os outros dois como japoneses.

Pela necessidade de comunicação intra-familiar, meus tios instauraram a polí-tica de falar apenas português em casa, pois além de não domirem a língua japonesa, desejam que os filhos sejam falantes de português. Com a premissa de retorno ao Brasil e para se comunicar com os familiares do Brasil, os três filhos receberam aulas particulares em casa. Além disso, vale ressaltar que eles residem na cidade de Ha-mamatsu, uma das cidades com maior incidência de brasileiros. Por essa razão, estão sempre inseridos em atividades culturais e festivas que remetem aos costumes brasi-leiros, bem como aniversários e eventos de amigos.

Contudo, acredito que os grupos de amizade possam ser o principal fator de influência sobre a competência comunicativa dos meus primos. Os três dominam de maneira nativa a língua japonesa, todavia, o português se difere em diferentes níveis. Minha prima possui, em sua grande maioria, amigos brasileiros com os quais se co-munica em português; o do meio tem um ciclo de amizade mais eclético composto de japoneses, peruanos e brasileiros, o que faz com que ele alterne os idiomas; já o mais novo possui, em sua grande maioria, amigos japoneses e, em situações de contato com brasileiros, opta por utilizar o japonês. Isso também pode ser observado em pos-tagens em redes sociais: minha prima sempre escreve em português, o primo do meio alterna os idiomas, e o mais novo sempre escreve em japonês.

Desta forma, as questões anteriormente expostas motivaram nossa pesquisa, que tem como objetivo geral avaliar a produção escrita de usuários do português como língua de herança no Japão, através da análise de cartas pessoais.

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Tendo em conta nosso objetivo de realizar esta investigação, apresentamos nossas hipóteses:

a) O emprego de políticas linguísticas familiares - em que os pais funcionam como agentes linguísticos - é o fator com maior peso?

b) Os alunos que estudam em escolas brasileiras ou nipo-brasileiras têm maior autonomia que os participantes que tiveram apenas ensino domiciliar?

c) O fator “extra-casa" - como convívio em comunidades brasileiras ou relacio-namento com amigos/parentes brasileiros - é o fator de maior destaque?

d) A questão identitária de nacionalidade é um motivador de Língua de He-rança?

Nosso trabalho está dividido da seguinte forma: após a introdução, no capítulo 2, traçamos um panorama do contexto migratório entre Japão e Brasil, além das suas implicações no ensino oferecido aos imigrantes, das questões administrativas, e as políticas linguísticas oferecidas pelo Japão aos brasileiros. O capítulo 3 é dedicado à fundamentação teórica que guiou nossa pesquisa. Conceitos advindos da área de estudos da Política Linguística nos guiaram na construção do conceito de Língua de Herança. As contribuições da Linguística Textual nos orientaram na análise dos dados coletados. No capítulo 4, descrevemos os procedimentos metodológicos de cunho qualitativo e interpretativo adotados em nossa pesquisa, como também caracteriza-mos nosso corpus. O capítulo 5 é destinado à análise do nosso corpus, constituído de textos produzidos pelos participantes da pesquisa. No capítulo 6, expomos as conclu-sões de nossa pesquisa e, a seguir, apresentamos as referências bibliográficas e o

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2. Panorama do contexto migratório entre Japão e Brasil

2.1 A Imigração de Japoneses no Brasil

Segundo Daigo (2008) e Nogueira (1973), o primeiro fluxo migratório entre o Japão e o Brasil ocorreu, oficialmente, no início do século XX, no ano de 1908. Após essa primeira leva de imigrantes, o fluxo cessou quase que totalmente em 1973, contando quase 200 mil japoneses estabelecidos no país. Por conta dessa forte imigração, hoje, o Brasil abriga a maior população de origem japonesa fora do Japão, com cerca de 1,5 milhão de nikkeis2, cuja maioria reside nos estados de São Paulo e do Paraná.

De acordo com dados extraídos do site oficial do Consulado do Japão, dentre as principais causas da emigração japonesa, a mais importante foi a superpopulação no Japão no início século XX, a qual foi crucial para a criação de incentivos migratórios no Japão. Isso se deu porque o país havia ficado isolado do Mundo durante os 265 anos do período Edo (1603-1868), sem guerras ou epidemias trazidas do exterior ou emigração, resultando em um “inchaço populacional” no país.

Nesta época, o país produzia apenas o alimento que consumia, sem praticamente formação de estoques para períodos difíceis. Qualquer quebra de safra agrícola causava fome generalizada. Com o fim da ditadura feudal, abriu-se espaço para um intenso projeto de modernização e abertura para o exterior durante a era Meiji.

Contudo, apesar da reforma agrária, a mecanização da agricultura desempregou milhares de camponeses. O principal objetivo da política migratória do Japão era aliviar as tensões sociais causadas pela escassez de terras cultiváveis e endividamento dos trabalhadores rurais.

No Brasil, a política de imigração era executada não só como um meio de colonizar e desenvolver o Brasil, mas com a intenção de "civilizar" e "branquear" o país com população europeia. A vinda de japoneses, todavia, não cumpria essa intencionalidade, pois, para muitos brasileiros elitistas, a vinda dos asiáticos não branquearia a população, mas a tornaria amarela.

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Em 1890, o decreto nº 528 assinado pelo ministro da Agricultura Francisco Glicério e pelo então presidente Deodoro da Fonseca determinava que a entrada de imigrantes da África e da Ásia seria permitida apenas com autorização do Congresso Nacional. O que chama atenção é que esse mesmo decreto não restringia, mas incentivava a imigração de europeus. Somente em 1892, foi aprovada a lei nº 97 que permitia a entrada de imigrantes chineses e japoneses no Brasil e, assim, o decreto nº 528 de 1890 perdeu seu efeito.

Segundo dados do site do Museu de Imigração Japonesa, o principal acordo entre os países, e que fez com que o Brasil se tornasse a casa de diversos japoneses, foi o Tratado da Amizade, Comércio e Navegação entre Brasil e Japão, o qual foi assinado apenas em 1895. Após esse primeiro tratado, dos japoneses que desembarcaram no Brasil, cerca de 75% foram para São Paulo, estado que tinha grande necessidade de mão-de-obra para trabalhar nos cafezais. Com a abertura de novas frentes de trabalho, os imigrantes japoneses iam trabalhar também no cultivo de morango, chá e arroz. Pequenas comunidades nipo-brasileiras surgiram no Pará com imigrantes japoneses atraídos pelo cultivo da pimenta do reino.

Como dito anteriormente, a receptividade de japoneses no Brasil não foi muito boa, pois o preconceito contra imigrantes asiáticos era muito forte. Os asiáticos eram considerados raças inferiores que prejudicariam o "branqueamento" que ocorria no Brasil com o recebimento de imigrantes europeus. Além disso, havia também o medo do "perigo amarelo", isto é, que as grandes populações de orientais se espalhassem étnica e culturalmente pelas Américas, havendo ainda o sentimento de que o imigrante japonês era "inassimilável" devido a seus costumes e religião. Por essa razão, muitos asiáticos eram convencidos a se catequizar, a fim de agradar os seus patrões.

Mesmo com o preconceito, o interesse na mão-de-obra era grande e a vinda de um navio com imigrantes japoneses começou a ser planejada para 1897. Todavia, houve uma crise de superprodução cafeeira nesta época, fazendo com que os preços internacionais desabassem e a vinda de imigrantes fosse desestimulada.

Em 1901, os preços internacionais do café já haviam se recuperado e o governo brasileiro voltou a estudar o recebimento de imigrantes vindos do Japão. Em 1902, houve uma grande necessidade de mão de obra, pois o governo da Itália proibiu a vinda de imigrantes para o Brasil. Isso fez com que as fazendas de café sentissem

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uma grande falta de trabalhadores, refletindo em uma maior aceitação dos imigrantes japoneses no nosso país. Quatro anos depois, em 1906, os EUA restringiram a entrada de japoneses em seu território e a Itália restringiu a emigração de italianos para o Brasil, provocando o alinhamento dos interesses do Japão e do Brasil.

Foi então que em 1907, o presidente da Companhia Imperial de Imigração, Ryu Mizuno, assinou o acordo que viabilizou o começo da emigração do Japão para o Brasil. O acordo assinado com o governo de São Paulo autorizava a entrada de 15 mil japoneses. O Brasil se interessou inicialmente por esse acordo devido a expansão das plantações de café no Brasil, pois havia demanda por mão de obra barata na zona rural paulista no final do século XIX e no início do século XX. Em 18 de Junho de 1908, o navio Kasato Maru desembarca no Porto de Santos. A viagem, que começou no porto de Kobe, durou 52 dias e trouxe 165 famílias destinadas a trabalhar nos cafezais do oeste paulista.

Os 793 japoneses foram enviados para trabalharem em seis fazendas paulistas, mas em 1909, apenas 191 japoneses ainda trabalhavam nas fazendas contratantes. Em 28 de Junho de 1910, o navio Ryojun Maru aportou em Santos com outros 906 trabalhadores japoneses, estes foram distribuídos para outras fazendas no Brasil. Em agosto de 1913, um grupo de 107 imigrantes chega ao Brasil para trabalhar em uma mina de ouro, em Minas Gerais. Com a entrada cada vez maior de japoneses no país, em 1914, o número de trabalhadores japoneses no Estado de São Paulo já estava em torno de 10 mil pessoas.

2.2 As Inversões de fluxo migratório

Com o passar dos anos, no fim dos anos 80, houve uma inversão do fluxo migratório entre o Japão e o Brasil devido à crise financeira brasileira e a demanda por mão-de-obra no Japão. Com isso, aproximadamente 85.000 nikkeis (descendentes de japoneses) que residiam aqui resolveram tentar melhores oportunidades na “terra do sol nascente”. Grande parte dessas pessoas eram

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nipo-descendentes e iam com suas famílias para o Japão com o intuito de trabalhar. Estes brasileiros são conhecidos como “dekasseguis3”.

Por conta desse fluxo Brasil > Japão, em 2008, viviam em solo japonês cerca de 300.000 brasileiros em condições legais. Em sua maioria, esses dekasseguis trabalhavam em fábricas como operários e residiam em cidades como Hamamatsu, Shizuoka, Aichi, Saitama, Kanagawa e Gunma (Itamaraty, 2019). Estima-se que os brasileiros formam a quarta maior comunidade de trabalhadores estrangeiros residentes no país, depois de chineses, coreanos e filipinos.

Figura 1 – Número de brasileiros residentes por província

(Fonte: http://cgtoquio.itamaraty.gov.br/pt-br/estatisticas_e_bibliografia.xml)

Em 2014, contudo, houve mais uma inversão do fluxo, em que brasileiros resolveram voltar à sua terra natal devido à grave crise financeira enfrentada pelo Japão. Com isso, metade da comunidade brasileira havia deixado o país. A estimativa é que, em 2014, o número de brasileiros tenha diminuído para 177.953 pessoas.

Nos últimos anos, vimos novamente a crescente procura de brasileiros que decidem migrar para o Japão devido ao cenário econômico e a segurança do nosso país. Foi registrado um aumento de 145% de vistos concedidos para nikkeis. Os dados mais recentes mostram que em 2018, o número de brasileiros residentes no Japão era de 196.7814 pessoas. Nos próximos anos, a estimativa é que esse número cresça

3 Dekasségui (出稼ぎ 'dekasegi') é um termo formado pela união dos verbetes na língua japonesa 出 る (deru, sair) e 稼ぐ (kasegu, para trabalhar, ganhar dinheiro trabalhando), tendo como significado literário "trabalhando distante de casa" e designando qualquer pessoa que deixa sua terra natal para trabalhar temporariamente em outra região ou país.

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ainda mais, pois o Japão está mudando a sua política para imigrantes, pois o país está precisando de mão de obra para ocupar posições que os japoneses rejeitam, porém, ainda é dada a preferência por mão de obra especializada e de descentes japoneses.

Em regiões em que o número de brasileiros é expressivo, podemos encontrar placas e sinalizações escritas em português com o intuito de informar ou advertir os imigrantes que ainda não dominam a língua japonesa. Abaixo algumas imagens para ilustrar:

Figuras 2 e 3 – Placas de sinalização em português e japonês

(Fontes: http://vinojapao.blogspot.com/2013/04/placas-para-brasileiros-no-japao.html & http://vinojapao.blogspot.com/2013/04/placas-para-brasileiros-no-japao.html)

Figuras 4 e 5 – Placas de sinalização em português e japonês

(Fontes: Aquivo pessoal & http://vinojapao.blogspot.com/2013/04/placas-para-brasileiros-no-japao.html)

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Figura 6 – Placa de sinalização em português e japonês

(Fonte: https://silviakikuchi.jp/bem-vindo-ao-brasil-do-japao) 2.3 Escolas brasileiras no Japão

Como o número de brasileiros e descendentes residindo no Japão tem aumentado nos últimos anos, a preocupação com a manutenção do português requer atenção da família, principalmente para aqueles que pretendem retornar para o Brasil em algum momento. Até o presente momento, segundo o portal do Itamaraty em Tóquio5, hoje, 39 escolas nipo-brasileiras são reconhecidas e homologadas pelo MEC. Isso é importante pois, se a família decidir regressar para o nosso país, seus filhos poderão seguir os seus estudos aqui e aqueles já aprovados no Ensino Médio poderão prestar vestibular para ingresso em universidades brasileiras, além, é claro, de valorizar a manutenção da língua e cultura do Brasil.

Ademais, o Governo japonês reconhece esse ensino como equivalente ao colegial japonês, fazendo com que os estudantes formados nessas instituições também possam prestar exames para entrada nas universidades japonesas. Contudo, em algumas dessas escolas brasileiras, o japonês ensinado contempla apenas o nível básico, fazendo com que seja insuficiente para que o aluno consiga ingressar em uma universidade japonesa. A seguir, a lista com as escolas atualmente homologadas pelo Governo brasileiro:

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Tabela 1 - Lista de escolas Nipo-brasileiras homologadas pelo MEC por região

Região Cidade Nome da Escola

Aichi Anjo Escola São Paulo

Aichi Hekinan Escola Alegria de Saber

Aichi Nagóia Colégio Brasil Japão Prof. Shinoda

Aichi Handa Escola Expressão

Aichi Toyohashi Escola Cantinho Brasileiro

Aichi Toyohashi Escola Alegria de Saber

Aichi Toyohashi EJA Interativo – Educação de Jovens e Adultos

Aichi Toyota Escola Alegria de Saber

Aichi Toyota Escola NECTAR

Aichi Toyota Escola Pintando o Sete

Gifu Kakamigahara Centro Educacional Nova Etapa – CENE

Gifu Minokamo Colégio Isaac Newton

Gifu Ogaki Escola Brasileira Prof. Kawase

Gunma Oizumi Instituto Educacional Centro Nippo-Brasileiro

Gunma Oizumi Instituto Educacional Gente Miúda

Gunma Ota EAS Rede Pitágoras

Gunma Ota Escola Paralelo

Ibaraki Joso Escola e Creche Grupo Opção

Ibaraki Tsukuba Instituto Educare (antiga Escola Pingo de Gente)

Ibaraki Mitsukaido Escola Taiyo

Mie Suzuka Escola Alegria de Saber

Mie Yokkaichi Escola Nikken

Nagano Minowa Nagano Nippaku Gakuen (antigo Colégio Pitágo-ras)

Saitama Honjo Escola Intercultural Unificada Arco-Íris Saitama Kamisato Instituto Educacional TS Recreação

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Shiga Aisho Colégio Sant'Ana

Shiga Nagahama Colégio Sun Family

Shiga Higashi Omi Colégio Latino do Japão

Shizuoka Fuji Escola Fuji

Shizuoka Hamamatsu Escola Alcance

Shizuoka Hamamatsu Colégio Mundo de Alegria

Shizuoka Hamamatsu Escola Brasil (antiga Escola Brasileira de Hamamatsu)

Shizuoka Hamamatsu Escola Alegria de Saber

Shizuoka Iwata CEP Brasil - Centro Educacional e

Profissionalizante

Shizuoka Iwata Escola Objetivo de Iwata Tia Rosa

Shizuoka Kikugawa Centro Educacional Sorriso de Criança

Shizuoka Kikugawa Centro de Ensino Nippo-Brasileiro

Shizuoka Kikugawa Escola Brasileira Sol Nascente

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3. Fundamentação Teórica

Em pleno século XXI, o número de pessoas que decidiram migrar para outro país vem crescendo a cada ano. A busca por qualidade de vida ou melhores condições de trabalho tem levado ao aumento do fluxo migratório em todo o mundo. Com isso, o número de crianças bilíngues6 também cresceu, superando o número de crianças monolingues no mundo (TUCKER, 1999). Essas mudanças são reflexos do mundo globalizado em que vivemos hoje, em que o contato com diferentes línguas e culturas tem sido facilitado pelas inovações tecnológicas e melhorias em transportes e comunicação.

A migração é um dos principais motivos para o crescimento do bilinguismo no mundo. Neste contexto, é importante investigarmos como a criança adquire a Língua de Herança, esta muitas vezes sendo sua Língua Materna, e nem sempre a língua majoritária do país em que reside. Além disso, é importante estarmos atentos aos fatores extra-linguísticos, como o grau de exposição à língua, a idade em que as duas línguas começaram a ser desenvolvidas, os interesses comunicativos da criança, a intenção de regresso para o país de origem, entre diversos outros fatores.

Segundo Saunders (1988), o bilinguismo - comumente empregado como “multilinguismo" na literatura - pode significar conhecer ou falar duas línguas. Dentro do bilinguismo, o autor estabelece um contínuo sobre os falantes, partindo do mais equilíngue, aquele que quase não se distingue de um falante nativo em ambas as línguas, até o falante que está no início do processo de aquisição da segunda língua. Sendo assim, é observado que o nível de bilinguismo varia de acordo com cada falante e que a constituição das quatro habilidades - compreensão, fala, escrita e leitura - pode se desenvolver de maneira distinta, ou seja, o falante bilíngue pode desenvolver uma habilidade melhor do que outra.

6 De acordo com o dicionário Oxford (2000:117) o bilínguismo é definido como: “ser capaz de falar duas línguas igualmente bem, porque as utiliza desde muito jovem”. Segundo Bloomfield (1935), ser bilíngue é o mesmo que ser capaz de falar duas línguas perfeitamente e o linguista define o bilinguismo como

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3.1 Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira

Antes de definir o conceito de Língua de Herança, é necessário que conceituemos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira. Para isso, seguiremos a proposta de Leffa (1988) no que se refere à distinção entre Língua Estrangeira e Segunda Língua. Além disso, seguiremos as contribuições de Spinassé (2006) para definir o conceito de Língua Materna.

Segundo Leffa (1988), o termo Segunda Língua7 é empregado nas situações em que o falante está aprendendo a nova língua em contexto de imersão, ou seja, está inserido em uma comunidade de falantes que fazem uso dessa língua fora do contexto de sala de aula e esta não é sua Língua Materna. Por exemplo: um aluno brasileiro que está aprendendo japonês no Japão.

Por outro lado, o conceito de Língua Estrangeira é empregado quando o estudante aprende uma nova língua, porém não está inserido em uma comunidade que faça uso dessa língua estudada fora de sala. Por exemplo: um brasileiro que estuda japonês no Brasil.

Tanto a aprendizagem de uma Língua Estrangeira quanto a de uma Segunda Língua são desenvolvidas por pessoas que já possuem habilidades linguísticas de fala provindas de sua Língua Materna, como pressupostos cognitivos e organização de pensamento (SPINASSÉ, 2006). Para ambos os casos, utilizaremos a sigla L2 como termo abrangente entre esses dois conceitos e a sigla L1 como referência à Língua Materna.

Segundo Spinassé (2006), o conceito de Língua Materna (L1) apresenta dois fatores importantes: a justaposição entre o conceito de “Primeira Língua” e o fator de identidade que carrega. A autora esclarece que o processo de aquisição da Língua Materna integra "a formação de conhecimento de mundo do indivíduo” e que juntamente com a competência linguística, também são adquiridos os valores sociais e pessoais.

7 De acordo com Spinassé (2006), “segunda”, neste contexto, está para "outra língua que não seja a primeira (língua materna).

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"A Língua Materna, ou a Primeira Língua (L1) não é, necessariamente, a lín-gua da mãe, nem a primeira línlín-gua que se aprende. Tão pouco trata-se de apenas uma língua. Normalmente é a língua que aprendemos primeiro e em casa, através do pais, e também é frequentemente a língua da comunidade. Entretanto, muitos outros aspectos linguísticos e não-linguísticos estão liga-dos à definição. A língua liga-dos pais pode não ser a língua da comunidade, e, ao aprender as duas, o indivíduo passa a ter mais de uma L1 (caso de bilin-guismo). Uma criança pode, portanto, adquirir uma língua que não é falada em casa, e ambas valem como L1.” SPINASSÉ (2008)

Ainda segundo Spinassé (2006), a L1 é considerada como a língua “de origem” e, geralmente, é utilizada no cotidiano do indivíduo. Ademais, a caracterização da L1 pode se dar através da combinação de diversos fatores, como a língua dos familiares, da comunidade, a língua que foi adquirida primeiro, a que o falante estabelece relação de afetividade, língua mais utilizada no dia-a-dia, língua de prestígio ou predominante na sociedade, a língua que o falante melhor domina e se sente mais à vontade ao utilizar, entre outros.

3.2 Língua de Herança

Para entendermos a conceituação de Língua de Herança, iremos nos basear nas contribuições de Chulata (2015, 2016 e 2018) e Ortiz (2016). O termo Língua de Herança (heritage language) começou a ser utilizado ainda na década de 70, no Canadá, para indicar as línguas que eram diferentes das oficiais, aquelas cuja utilização era realizada no dia a dia dos imigrantes e transmitida para as gerações subsequentes (VAN DEUSEN-SCHOLL, 2003, 2014). A Língua de Herança, para Deusen-Scholl, está atrelada majoritariamente pela ligação cultural e afetiva, e não pela competência linguística, porque esta língua pode “até não ser falada”. (CHULATA, 2018)

Segundo Ortiz (2016), a Língua de Herança corresponde à aquisição de uma língua minoritária em contexto de migração. Além disso, a autora explica que, na maioria dos casos, é a primeira língua a ser adquirida pela criança. Com o contato com a língua majoritária na entrada da escola, esta língua acaba por substituir radicalmente a LH, passando a criança a usar predominantemente a língua dominante

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para se comunicar com os membros da comunidade do país de acolhimento. Isso resulta na restrição da LH a escassas situações, principalmente em casa. Sendo assim, embora a LH tenha sido adquirida naturalmente durante a infância, esta língua pode não ser a língua dominante desse falante.

A criança que adquire uma Língua de Herança cresce em um ambiente familiar em que a língua utilizada em casa não é a mesma usada pela sociedade em que está inserida. Além disso, em muitos casos, o Falante de Herança não é escolarizado ou tem um nível de educação formal muito baixo na Língua de Herança (ORTIZ, 2016). Há duas situações do bilinguismo: a primeira é a criança dominar os dois idiomas com proficiência (dos pais e da sociedade); a segunda é o falante dominar a língua da sociedade e apenas compreender, mas não falar, a língua da família, sendo uma competência linguística limitada.

"Em suma, a LH corresponde àquela bagagem invisível que cada migrante, cada criança adotada ou, na melhor das hipóteses, nascida numa família es-trangeira, leva consigo e que adquire visibilidade somente no âmbito da famí-lia ou de uma comunidade restrita: uma mala a ser aberta somente em casa e com amigos; no caso de crianças e adolescentes adotados nem mesmo isso acontece: a língua de herança (língua materna que é a língua da memó-ria afetiva) é substituída pela língua dos pais adotivos”.(CHULATA, 2016) É importante reforçar que a criança que cresce em contexto de imigração con-vive diariamente com a língua da sociedade em paralelo com uma ou mais línguas dos pais. O falante pode adquirir a língua social simultaneamente ou sucessivamente com a Língua de Herança. Essa exposição linguística é característica do bilinguismo de herança infantil, em que a criança é exposta nos primeiros anos de vida à língua dos pais e, geralmente, exposta à língua da sociedade na sua entrada na escola. A partir do momento em que a criança passa a ter contato com a língua maio-ritária (da sociedade), esta passa a ser a sua língua dominante, por ser a língua da maioria dos amigos, da escola e das situações cotidianas fora do contexto familiar. No entanto, a LH se resume ao contexto familiar ou da comunidade de imigrantes e, mesmo nesses casos, a criança pode optar por utilizar a língua maioritária.

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Há ainda uma distinção entre as crianças que adquirem uma Língua Materna e uma Língua de Herança. Segundo Montrul (2012), a compreensão do perfil linguístico desses falante se distingue nas duas línguas em três aspectos: a ordem de aquisição das línguas (primeira língua vs segunda); dimensão funcional (primária vs secundá-ria); e uma dimensão sociopolítica (língua minoritária vs majoritária). Embora a criança seja exposta às duas línguas em seus primeiros anos de vida, na situação de imigra-ção isso se dará de maneira muito mais limitada. Para esclarecermos essa diferenci-ação, citaremos Flores (2013):

“[…] A língua de herança é adquirida precocemente, tal como a língua ma-terna de crianças monolingues, no entanto o grau de exposição à língua é mais limitado, as fontes de exposição linguística são menos variadas e a lín-gua de herança convive com a presença dominante da línlín-gua maioritária. Além disso, apesar de se falar de características típicas do ‘falante de he-rança’ (FH), não existe um perfil sociolinguístico homogêneo deste tipo de falante, pois verifica-se variação substancial quanto ao seu grau de proficiên-cia a nível da LH."

3.3. Português como Língua de Herança

O Português como Língua de Herança (PLH) é caracterizado pelo ensino e aprendizagem do Português para filhos e descendentes de imigrantes. De acordo com as considerações de Mendes (2012), os brasileiros que migram para outro país têm o costume de utilizar o português em ambiente familiar, mesmo que de forma assistemática e irregular. Por outro lado, seus filhos estão em contato com a língua do país de residência, seja por meio do convívio social, escolar ou outros ambientes. Ainda de acordo com Mendes:

"O processo de ensino-aprendizagem de PLH deve ser capaz de desenvolver nos alunos as capacidades de tradução, de movimento e deslize entre as línguas-culturas em contato, permitindo que cada aprendiz construa o seu próprio lugar na língua, com suas próprias ferramentas e possibilidades. A eles deve ser permitido construírem os seus próprios modos de representa-ção, de aproximação e pertencimento." (MENDES, 2012, p. 30).

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Os estudos de Português como Língua de Herança têm crescido consideravelmente nos últimos anos, isso se dá, sobretudo, em países em que ocorre imigração brasileira de maneira mais expressiva, como Estados Unidos, Canadá, Japão, Alemanha e outros países da Europa. No Japão, por exemplo, a comunidade brasileira já é a terceira maior no exterior, com cerca de 200 mil pessoas (ITAMARATY, 2019).

Além disso, foi observado um aumento no número de projetos e organizações não governamentais que incentivam a língua e cultura brasileiras. Estas entidades promovem iniciativas de manutenção e preservação da língua de herança não apenas no Japão, mas também por outros continentes pelo mundo. Para ilustrarmos, utilizaremos o quadro de Yonoha (2016):

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3.4 Português como Língua de Herança no Japão

Como vimos nos capítulos anteriores, o número de brasileiros que migram para o Japão almejando melhores condições de vida cresce a cada ano. Com isso, a necessidade de Políticas Linguísticas que visem à manutenção do português como Língua de Herança é indispensável. Há uma carência de políticas públicas que consigam dar suporte para as famílias de imigrantes. Além disso, Segundo Yonoha (2017) não há políticas de ensino-aprendizagem de LH de português ou qualquer outra língua de imigrantes. Todavia, o Governo japonês garante aos estrangeiros o ensino da língua japonesa, mas só oferta cursos de Português como Língua Estrangeira (PLE) na graduação com a finalidade de formar especialistas em língua portuguesa.

Segundo Kitahara (2019), atualmente, seis grandes universidades do Japão possuem cursos de português como disciplina curricular, são elas: Universidade de

Estudos Estrangeiros de Tokyo (universidade pública que implementou o curso de

português em 1916); Universidade de Osaka (universidade pública que se unificou com a Universidade de Estudos Estrangeiros de Osaka e que teve o português implementado em 1979); Universidade de Sophia (universidade privada católica, fundou o centro de português brasileiro em 1959 e o curso de português no departamento de língua estrangeira em 1964); Universidade de Estudos

Estrangeiros de Kyoto (universidade privada, curso de português fundado em 1967); Universidade de Tenri, em Nara (universidade privada, oferta curso de português

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Estrangeiros de Kanda (Kanda Gaigo Daigaku), em Ichiba (universidade privada,

inaugurou o setor de português em 2001).

Apesar dos estreitos laços econômicos entre Brasil e Japão e da presença brasileira em quatro embaixadas e consulados, ainda não há iniciativas culturais e educativas do Ministério das Relações Exteriores (MRE) que sejam destinadas à comunidade brasileira no Japão. Além das políticas públicas, é importante ressaltarmos a relevância da participação dos pais no ensino-aprendizagem do PLH, pois esta influencia diretamente no interesse pela aquisição da língua herdada, como também interfere na aprendizagem da língua da comunidade, em que, em muitos casos, os filhos se tornam mediadores e tradutores dos pais em diversas situações.

Um fenômeno muito comum mencionado por Yonoha (2017) é a alternância dos códigos linguísticos8(code-switching), como exemplos a autora cita: “Nande de quem é isso?” (O quê? de quem é isso) ou “É para deixar só o enpitsu” (É para deixar só o lápis). Esses são exemplos que ilustram que muitos brasileiros adquirem o hábito de alternarem a língua japonesa com o português em sua comunicação, o que gera preocupação de que a aprendizagem desses falantes possa ocasionar em uma com-petência comunicativa limitada tanto em japonês como na sua Língua de Herança, o português.

O conceito de PLH no Japão foi tratado por alguns autores, dentre eles gostarí-amos de mencionar Yonoha e Hatano e algumas de suas contribuições para a área. Yonoha, em 2017, publicou o artigo ”Um estudo de caso sobre o Português como Língua de Herança (PLH) nas cidades de Suzuka e Sakai, Japão”, nele a autora relata suas considerações sobre a coleta de dados que consiste em observação direta, notas de campo, entrevista semiestruturada e questionário misto. Sua pesquisa foi realizada com mães e crianças que residem no Japão para observar as crenças e as ações dos participantes no processo de ensino-aprendizagem do PLH. No artigo "O PLH no con-texto de emigrantes brasileiros no Japão: crenças e ações de mães brasileiras" (2016), Yonoha investiga as crenças e ações dos responsáveis e de crianças e jovens

8 Devido ao contato linguístico, a alternância de códigos linguísticos é observada em contextos multi-língues, em que o falante alterna entre diferentes línguas ou variedades linguísticas, no contexto de um único discurso. Muitas vezes, os falantes multilíngues utilizam elementos de vários idiomas ao se co-municarem, contudo, a alternância de códigos ocorre em nível individual, mesmo que isso ocorra quando ambos os interlocutores sejam fluentes nas línguas alternadas.

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matriculados em instituições de ensino japonesas da região de Osaka e que fazem parte do projeto Construir/Artel9.

Hatano tem diversas publicações que abordam sobre o PLH e as escolas bra-sileiras no Japão, dentre elas, o artigo "Papel das escolas brabra-sileiras e as iniciativas de português como língua de herança no Japão”, publicado em 2016. Neste, a autora disserta sobre a realidade do falante de PLH no Japão, quais seriam as dificuldades, incentivos e oportunidades de se manter a LH presente na vida dos falantes de portu-guês da comunidade brasileira, como também de outras nacionalidades.

3.5. A questão identitária do falante de PLH

Como mencionado na introdução desse trabalho, a questão identitária do fa-lante de PLH foi uma das motivações para essa pesquisa. Por essa razão, foi um dos tópicos utilizados no enunciado da proposta de produção textual e que deveria ser desenvolvido pelos participantes, pois gostaríamos de saber como essa criança se sente ao ser filho de brasileiro(s) e falante de português.

Segundo Lo-Philip (2010), a questão identitária é fundamental para o entendi-mento dos processos de aprendizagem de uma L2, sendo a de um falante de LH, de natureza única. Além disso, o autor utiliza-se do termo processos identitários na ten-tativa de “refletir as relações múltiplas e dinâmicas entre língua e identidade social/in-dividual”. Assim explica:

“(...) Estas relações não dizem respeito apenas à formação da identidade, mas também identificam a transformação da identidade, a reapropriação da identidade, a negação da identidade e um amplo quadro de processos iden-titários que acompanham a aquisição da língua e literacia.” (LO-PHILIP, 2010, p. 282)

O processo identitário dos falantes de uma LH se dá por uma série de motiva-ções tanto na aprendizagem da língua, quanto na cultura do país de herança. No con-texto dessa pesquisa, a família, a escola e a comunidade terão um papel ativo no

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por-desenvolvimento desse processo, demonstrando a sua importância na relação que essa criança fará entre língua, identidade e cultura.

A convivência do PLH com a língua do país de residência, nesse caso o japo-nês, ocorre sempre com uma dualidade: a língua do contexto familiar e, em alguns casos, a língua dos amigos; e a língua da escola, da universidade, do cotidiano. Isso, muitas vezes, acaba interferindo no processo identitário, pois esse falante se vê no limbo entre as duas línguas/culturas, causando um sentimento de não pertencimento a nenhuma delas. Pude presenciar muitos casos de parentes e amigos que quando estavam no Brasil, os brasileiros os rotulavam como japoneses, e quando estavam no Japão, os japoneses os rotulavam de brasileiros. Esse estigma pelas duas comunida-des contribuiu para um sentimento de confusão e crise identitária.

“(...) O desafio é encontrar maneiras de socializar os alunos nas novas iden-tidades sem negar as ideniden-tidades existentes que os aprendentes trazem como indivíduos e membros das comunidades socioculturais (...), de modo a que uma identidade não acabe por destruir a outra.” (Lo-Philip, 2010, pág. 286)

Conseguir encontrar um espaço no entre, pode ser um desafio para esse fa-lante, sendo uma tarefa complexa, mas necessária. O processo identitário se dará entre múltiplos rótulos, sejam eles culturais, sociais, históricos, raciais e até mesmo, políticos. A forma como esse falante se vê e se constrói deve ser feita através do diálogo das duas línguas/culturas e não na identificação de uma ou outra, demons-trando que não há fronteiras definitivas entre as línguas e culturas.

3.6. Linguística textual

Como, em nosso trabalho, analisamos textos escritos, observando, entre outras competências, a competência linguística dos participantes, também se faz necessário buscarmos na Linguística Textual conceitos que contribuam para a análise de nossos dados. A Linguística Textual leva em conta o texto pronto e sua construção considera os fatores cognitivos que levarão a compreensão do leitor. O texto alcançará uma unidade linguística concreta, que atingirá uma variedade de leitores

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em uma situação de interação comunicativa específica, já que preenche a função comunicativa, independentemente da sua extensão. Desta forma, não se dedica ao estudo da palavra ou da frase isolada, mas leva em conta que a comunicação se dá através de textos. Esta corrente vem sendo usada como meio de analisar os processos e regularidades gerais e específicos que levam a produção da estrutura do fenômeno textual (MARCUSCHI, 1983).

Segundo Travaglia (1991, p. 22-23), a Teoria do Texto pode ser entendida como o estudo dos processos e regularidades gerais e específicos segundo os quais “se produz, constitui, compreende e descreve o fenômeno texto.”

O autor ainda elenca três tarefas básicas da Linguística Textual. São elas:

I - Verificar o que faz com que um texto seja um texto, isto é, determinar os seus princípios de constituição, os fatores responsáveis pela sua coerência, as condições em que se manifesta a textualidade;

II - Levantar critérios para a delimitação de textos, já que a completude é uma das características essenciais do texto;

III - Diferenciar as várias espécies de texto.

Na Teoria do Texto, a coerência é um critério de textualidade, pois é responsável por transformar uma sequência linguística em um texto, atribuindo-lhe sentido, e não um conjunto aleatório de palavras e frases amontoadas. Por essa razão, a coerência agrupa não só a compreensão e interpretação de um texto, como também a sua produção e constituição.

Um texto apresenta coerência quando consegue estabelecer com sucesso a interlocução entre indivíduos em uma situação comunicativa. Tal interação se faz não só através de processamentos cognitivos, mas também resulta de processos pertencentes a uma dimensão pragmática, como, por exemplo, as intenções comunicativas dos interactantes e seu comportamento na situação de fala.

Assim, quando solicitamos aos participantes de nossa pesquisa que escrevessem uma carta a um amigo brasileiro, falando sobre o Japão e o convidando a visitar esse país, esperávamos que a produção textual não só respeitasse a estrutura do gênero pedido. Era nossa expectativa que o texto também apresentasse claramente as intenções do emissor da carta e que este se comportasse de maneira

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informal ou semiformal, em relação a seu receptor, como ocorre em cartas enviadas a pessoas próximas.

Por nossa pesquisa ter o texto como foco de estudo, faz-se necessário comentarmos sobre outro elemento relacionado à coerência: a coesão. Para os mecanismos de coesão textual, nos remetemos a Koch (1989). A coesão é responsável pelo nexo entre os elementos linguísticos da superfície do texto com a coerência, que não é revelada de forma explícita no texto. Sua principal função é assegurar o desenvolvimento proposicional, combinando os diferentes elementos e partes do texto, levando em conta a ordem em que são utilizados. A coesão é revelada através de marcas linguísticas que se apresentam na estrutura da superfície do texto.

A coesão não é só sintática e gramatical, como também semântica, pois consiste na relação semântica entre os elementos que tecem um texto e que são imprescindíveis para a interpretação.

3.7. Gênero Textual

Nosso corpus é composto por textos do gênero carta pessoal e, por essa razão, nos baseamos nas contribuições de Marcuschi (2002) para a definição de

gênero textual. O autor estabelece que os gêneros textuais são muito mais do que

"fenômenos históricos profundamente vinculados à vida cultural e social”, mas contribuem para "ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia”. Ele ainda afirma que os gêneros textuais não são instrumentos estanques e enriquecedores da ação criativa, mas estão relacionados às necessidades e atividades socioculturais. Ademais, são caracterizados como “eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”.

Cabe comentarmos sobre a distinção entre gênero textual e tipo textual, pois sua terminologia é comumente confundida. Entendemos como tipologia textual a construção teórica definida através de um caráter linguístico: aspectos lexicais, sintáticos, semânticos e tempos verbais. Os tipos textuais podem possuir caráter narrativo, descritivo, expositivo, argumentativo ou injuntivo. Por outro lado, os gêneros textuais seriam as realizações concretas das situações comunicativas. Além disso,

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um único gênero textual pode abarcar diferentes tipos textuais, como no caso da carta pessoal que iremos comentar no próximo capítulo,

Marcuschi (2002) esclarece as definições de gêneros e tipos textuais através das seguintes conceituações:

Tipos Textuais

1. constructos teóricos definidos por proprieda-des linguísticas intrínsecas;

2. constituem sequências linguísticas ou se-quências de enunciados e não são textos empí-ricos

3. sua nomeação abrange um conjunto limitado de categorias teóricas determinadas por aspec-tos lexicais, sintáticos, relações lógicas, tempo verbal;

4. designações teóricas dos tipos: narração, ar-gumentação, descrição, injunção e exposição

Gêneros Textuais

1. realizações linguísticas concretas definidas por propriedades sócio-comunicativas;

2. constituem textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas; 3. sua nomeação abrange um conjunto aberto e praticamente ilimitado de designações concretas determinadas pelo canal, estilo, conteúdo, com-posição e função;

4. exemplos de gêneros: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bi-lhete, aula expositiva, reunião de condomínio, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de con-curso, piada, conversação espontânea, confe-rência, e-mail, bate-papo virtual, aulas virtuais etc

Consideraremos as contribuições de Marcuschi (2002) para a conceituação de Tipo textual e Gênero textual, para a análise dos textos que compõem nosso corpus.

3.8 Gênero Carta Pessoal

Hoje em dia, o costume de enviar cartas tem se tornado cada vez mais inabitual, principalmente com o advento da internet e com as diversas formas

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gênero ainda é trabalhado nas escolas e é um exercício habitual para aprendentes de uma nova língua. De acordo com Silva (2002), a carta pessoal é uma "produção de linguagem, socialmente situada, que engendra uma forma de interação particular”. Sua estrutura é composta por uma comunicação direta entre duas partes (remetente e destinatário) em que observamos a utilização frequente de: data, local de onde o remetente está escrevendo, saudações (em que o emissor se dirige a um receptor), o corpo da mensagem, uma despedida e a assinatura.

Como dito no capítulo anterior, no gênero textual carta pessoal se realizam diversos tipos textuais, como por exemplo: narrativo, quando se conta uma história ou situação; argumentativo, quando se argumenta sobre algo e tenta convencer o leitor de alguma coisa; descritivo, quando se descreve a situação, os personagens, acontecimentos, lugares; injuntivo, quando se faz um pedido ou ordem para o destinatário; e expositivo, quando se relatam as situações. Como vimos, a tipologia de uma carta se dá de forma heterogênea e variada, contudo podemos observar que há predomínio de descrições e exposições nesse gênero.

3.9. Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas

No intuito de analisar nossos dados, iremos nos embasar nas propostas do Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas10, para realizar a análise de nossos dados, mais precisamente a edição portuguesa11 intitulada: QUADRO EURO-PEU COMUM DE REFERÊNCIA PARA AS LÍNGUAS – Aprendizagem, ensino, avaliação (2001). Por seu padrão internacional reconhecido e por ser um dos mais importantes quadros avaliativos para avaliar a proficiência em um idioma, considera-mos este manual como uma ferramenta adequada para a análise de nosso corpus.

10 Gostaríamos de deixar registrado que houve tentativas, sem sucesso, de contato com o INEP, insti-tuição responsável pelo exame de proficiência em português do Brasil, Celpe-Bras, com o intuito de termos acesso aos seus parâmetros de correção da parte escrita da prova. Desta forma, optamos pelo QECR por ser mais acessível e pela necessidade de prosseguir com o trabalho, devido aos prazos que teríamos para a conclusão deste estudo.

11 Por ser uma edição oriunda de Portugal, optamos por respeitar a ortografia original da variante eu-ropeia do português nas citações extraídas deste manual.

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O QECR possui natureza classificatória e subdivide, analisando as diversas competências comunicativas de uma língua, as categorias em 3 grupos: A, B e C. Cada grupo tem uma subdivisão, sendo: A1 (iniciante) e A2 (básico); B1 (intermediário) e B2 (usuário independente); C1(proficiência operativa eficaz) e C2 (domínio pleno). Este sendo a categoria de maior domínio da língua.

Figura 7 – Níveis de proficiência segundo o QECR

(Fonte: http://educacaoemingles.com/professor-bilingue)

Nosso objetivo nesta pesquisa não é categorizar os diferentes níveis de profi-ciência dos participantes de acordo com o QECR. Nosso intuito é nos basearmos nas definições referentes ao conceito de Competência Comunicativa na análise das cartas e dos questionários preenchidos pelos participantes, para assim, podermos observar o Português como Língua de Herança de cada participante e os seus critérios de aprendizado e manutenção.

Competência Comunicativa

De acordo com o Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas – Aprendizagem, ensino, avaliação (2001), a competência comunicativa é definida como "o conhecimento de recursos formais com os quais se podem elaborar e formu-lar mensagens corretas e significativas". Ela é composta de um conjunto tripartido de

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outras competências, a saber: a Linguística, a Sociolinguística e a Pragmática, que, por sua vez, vão se subdividir em várias outras, digamos, subcompetências.

Vale ressaltar que, obviamente, para a análise do nossos dados, selecionamos as competências e subcompetências que podem ser aplicadas a análise de textos escritos, deixando a oralidade de lado. A seguir, abordaremos suas características.

A. Competência Linguística

As línguas são utilizadas por falantes diversos e singulares. Os sistemas lin-guísticos são tão complexos, que até mesmo seus falantes nativos não a dominam completamente, pois as línguas estão em constante evolução e vão se moldando de acordo com as exigências comunicativas de seus utilizadores (QRCR, 2001). Então, um indivíduo não necessita dominar um sistema linguístico em sua totalidade para ter competência linguística. Desta forma, nós a entendemos como “o conhecimento de recursos formais a partir dos quais se podem elaborar e formular mensagens correctas e significativas, bem como a capacidade para os usar.” (Ibidem, p. 157).

a. competência lexical

É a competência responsável pela capacidade de utilizar o vocabulário de uma língua e compreende elementos lexicais e gramaticais. Dentre os elementos lexicais, podemos destacar: expressões fixas, que compreendem provérbios, expressões idio-máticas, saudações, entre outros; e também palavras isoladas (polissemia) que po-dem incluir conjuntos lexicais fechados (classes gramaticais, verbos auxiliares, partí-culas, dentre outros), como também, conjuntos lexicais com finalidades gramaticais e semânticas.

b. competência gramatical

A Competência Gramatical pode ser definida como o domínio e capacidade de utilização dos recursos gramaticais de uma língua, além de compreender e expressar significado em suas construções. Entende-se gramática como um conjunto de

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princípios combinatórios de elementos em sequências significativas marcadas e defi-nidas (frases).

Neste item, faz-se a distinção entre morfologia e sintaxe. Morfologia como a estrutura interna das palavras (morfemas) e sintaxe como a organização das palavras em frases. Cabe destacar que a sintaxe utilizada por um falante adulto é, em larga escala, complexa e inconsciente. A competência comunicativa é constituída, sobre-tudo, na capacidade de se construírem frases e produzir significados.

c. competência semântica

Em relação ao domínio semântico, trata-se do controle consciente que o falante possui em organizar o significado das frases. A competência semântica é subdividida em três partes: A semântica lexical aborda as questões de significado das palavras; A semântica gramatical aborda o significado das estruturas, elementos, categorias e processos gramaticais; A semântica pragmática aborda as relações de lógica, como a pressuposição, implicação, entre outros.

Em relação à competência semântica, o QECR instrui analisar quais os tipos de relações semânticas de demonstração e construção são esperados do emissor; e que tipos de relações semânticas serão exigidos para esse falante construir ou de-monstrar.

d. competência ortográfica

Esta competência tem peso para a nossa análise, pois, como os nossos parti-cipantes são crianças bilíngues de português e japonês, é de grande importância ava-liar o conhecimento e capacidade de produção dos símbolos. A língua portuguesa é baseada no princípio alfabético, enquanto a língua japonesa é baseada no princípio ideográfico (logográfico).

Nesse contexto de pesquisa considerado, a criança deverá ser capaz de per-ceber e produzir algumas das competências descritas no QECR. São elas: "a forma das letras impressas e cursivas, tanto em maiúsculas como em minúsculas; ortografia correta das palavras, incluindo formas contraídas; entre outros.” Serão avaliados a

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produção e desenvolvimento destes itens levando em consideração a faixa etária dos participantes (10 a 13 anos).

B. Competência Sociolinguística

Essa competência revela o grau de conhecimento e de domínio de capacida-des que o falante possui, para lidar com a dimensão social do uso da língua. Vários aspectos são contemplados ao considerarmos essa competência e, ao analisarmos nossos dados, observaremos principalmente(a) os marcadores linguísticos de rela-ções sociais, (b) diferenças de registro, (c) formas de tratamento.

a. marcadores linguísticos de relações sociais

Esses marcadores linguísticos estão bem presentes no nosso corpus, pois, por se tratar do gênero textual carta pessoal, o falante fará uso de vocativos e saudações. Por essa razão, é importante destacar os fatores mencionados pelo QECR:

"São evidentemente diferentes segundo as línguas e as culturas, depen-dendo de factores como: a) o estatuto relativo dos interlocutores, b) a proxi-midade da relação, c) o registo do discurso, etc.” (página 169)

A respeito desse tópico, averiguamos o uso e escolha das formas de saudação; o uso e escolha das formas de tratamento; uso e escolha de exclamações; uso de palavras e expressões que expressem educação e suavizam o discurso; uso de poli-dez, como perguntar sobre o bem-estar de alguém, prometer favores, hospitalidade, entre outros; se o enunciador evita comportamentos que soem como ordens ou supe-rioridade, lamenta ou pede desculpas sobre alguma coisa, etc.

b. diferenças de registro

A respeito do registro empregado nos textos, espera-se que o falante tenha utilizado um registro que seja do neutro ao informal. Por se tratar do gênero textual carta pessoal (ver item 3.8), o remetente, para atingir o propósito adequado da

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proposta da produção textual, não deverá utilizar um registro muito formal e deverá demonstrar alguns traços de proximidade com o seu destinatário.

c. formas de tratamento

Analisando nosso corpus, observaremos que formas de tratamento (formais ou informais) foram empregadas, para que o remetente se refira ao seu interlocutor da carta pessoal. A ausência desses elementos também pode revelar o desconheci-mento por parte do participante das características do gênero pedido.

C. Competência Pragmática

Esta competência leva em conta o conhecimento do falante sobre os princípios seguidos para organizar, estruturar e adaptar bem as suas mensagens, produzindo discursos coerentes. Através dessa competência, o aprendente deverá demonstrar domínio e conhecimento em organizar os seguintes pontos de suas frases: relações de causa/efeito; organização temática, coesão e coerência; ordenação lógica; entre outros.

A competência pragmática também revela se o indivíduo apresenta domínio de funções comunicativas, como saudar, relatar, convidar, persuadir, despedir-se, por exemplo. Esse domínio é identificado nos textos escritos e no discurso oral através da comunicação para fins funcionais específicos. Ela conduz a interação seguindo uma sucessão de etapas que vão desde o início até o final da conversa/mensagem. A competência pragmática tem grande papel nesta pesquisa, pois iremos verificar se o participante respeitou ou não as características do gênero proposto.

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4. Procedimentos metodológicos. 4.1. Corpus: coleta e organização

Nosso corpus é composto de produções textuais (gênero carta pessoal) e questionários produzidos no mês de outubro de 2018 em Hamamatsu, cidade do Japão. A seleção dos participantes se deu através dos seguintes requisitos: a faixa etária estipulada foi de crianças de 10 a 13 anos com, pelo menos, um dos pais de nacionalidade brasileira e que esteja residindo no Japão.

Os critérios de seleção foram pensados levando em conta as seguintes observações: (a) Idade - Selecionamos crianças com idade entre 10 e 13 anos, pois imagina-se que os participantes já tenham desenvolvido capacidades linguísticas necessárias para a concepção do gênero (ver item 3.8); (b) Nacionalidade dos pais - A fim de avaliarmos o português como LH, fez-se necessário que pelo menos um dos pais fosse brasileiro; (c) País de residência - Os participantes deviam residir no Japão, contudo não foi exigido que o participante tivesse nascido no país, mas que tivesse se mudado para o país nos primeiros anos de vida.

Ao todo, obtivemos, para a construção do nosso corpus, a contribuição de onze produções textuais, todas escritas à mão e, como solicitado, sem auxílio dos responsáveis, incluindo a leitura do enunciado. Já o questionário poderia ser preenchido com ajuda dos responsáveis e contava com as seguintes questões de autopercepção:

1. Qual é a sua idade?

2. Você nasceu no Japão? Em caso negativo, há quanto tempo mora aí? 3. Quem é brasileiro da sua família?

4. Qual língua você mais usa em casa?

5. Qual língua você se sente mais confortável falando? Português ou Japonês? 6. Qual é a língua que você mais usa no seu dia a dia?

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7. Com quem você costuma conversar em português?

8. Você tem amigos brasileiros? Em que língua vocês conversam? 9. Como você aprendeu português? Quem te ensinou?

10. Você assiste algum filme/vídeo/programa ou ouve músicas em português? 11. Você estuda e estudou em quais tipos de escola? (Escola Japonesa ou

Nipo-Brasileira)

12. Preencha a alternativa que você acha mais adequada entre as opções abaixo

sobre o seu nível de português (Marque uma das 3 opções para cada item):

I - Lê a) Pouco b) Razoavelmente c) Bem II - Fala a) Pouco b) Razoavelmente c) Bem III - Escreve a) Pouco b) Razoavelmente c) Bem IV - Compreende: a) Pouco b) Razoavelmente c) Bem

“Você vai escrever uma carta para um amigo brasileiro que nunca visitou o Japão. Você vai contar como é a sua vida aí, o que você faz no seu dia a dia; como é a sua escola; o que você faz para se divertir; como é a sua casa, a sua família e amigos no Japão; como você se sente sendo descendente de brasileiros e o que você acha de falar as duas línguas (Japonês e Português). No final da sua carta, não esqueça de dar sugestões para o seu amigo para que ele um dia visite o Japão e conheça tudo o que ele tem de melhor! "

(42)

De acordo com o anunciado acima, foram registrados dez tópicos a serem de-senvolvidos, a saber:

a) Escrever uma carta para um amigo que nunca visitou o Japão; b) Contar como é a vida no Japão;

c) O que faz no seu dia a dia; d) Descrever como é a escola; e) O que faz para se divertir; f) Descrever a casa;

g) Descrever a família; h) Descrever os amigos;

i) Comentar como se sente sendo descendente de brasileiros e falante de português e japonês;

j) Dar sugestões para o amigo conhecer e visitar no Japão.

Através dos questionários preenchidos, produzimos os seguintes quadros: Tabela 3 – Quadro de categorização dos participantes

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Idade 10 12 10 13 13 10 11 11 12 12 12 Nasceu no Japão X X X X X X W W X X X Mãe brasileira X X X X X X X X X Pai brasileiro X X X X X X X X X X Aprendeu em casa X X X X X X X X Aprendeu na escola/professor X X X X X X X Pratica em casa X X X X X X Y Y X

Estudou em escola brasileira X X X X X X X

Prefere falar português X X X X X X

Prefere falar japonês X X X X X

Usa mais português no dia a dia X X X

Tem amigos brasileiros X X X X X X X X X X

Referências

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