UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE ENGENHARIA DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA QUÍMICA E DE PETRÓLEO – TEQ
RECURSOS NATURAIS E HEGEMONIA: UMA REFLEXÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS PETROLÍFEROS PARA O DESENVOLVIMENTO
MONOGRAFIA DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE PETRÓLEO
JONATHAN BASTOS BARROSO 1
JONATHAN BASTOS BARROSO RECURSOS NATURAIS E HEGEMONIA: UMA REFLEXÃO SOBRE A UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS PETROLÍFEROS PARA O DESENVOLVIMENTO
Monografia apresentada ao Curso de Engenharia de Petróleo da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos para a obtenção de Grau de Engenheiro de Petróleo. Orientador: Prof. Geraldo de Souza Ferreira 3
Este trabalho é dedicado a minha professora Josinete, que me acompanhou da 1 ª série até a 4ª série, além da minha professora de matemática Nádia e o de física, José Carlos. A todos vocês meu muito obrigado.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus por me permitir chegar até aqui
Aos meus pais e meus avós por estarem sempre presentes na minha vida
Ao meu irmão William, por ser muito mais que um simples irmão.
A minha noiva Gisele, por estar sempre ao meu lado, apesar dos semestres estressantes que todos os engenheiros experimentam.
Ao professor Geraldo de Souza Ferreira, mestre, incentivador e orientador, sempre disposto a ajudar nas dificuldades extremas.
Ao professor Roberto Meigikos por me proporcionar o primeiro contato com um laboratório.
Ao professor Arlindo, mais que professor, um amigo, sempre pronto a ajudar e acrescentar muito no desenvolvimento de um engenheiro.
Aos amigos que sempre me apoiaram.
EPÍGRAFE
Vários judeus piedosos rezavam numa sinagoga, quando começaram a escutar uma voz de criança dizendo:
A, B, C, D, E ...
Tentaram concentrarse nos versos sagrados, mas a voz repetia:
A, B, C, D, E ...
Aos poucos foram parando de rezar. Quando olharam para trás, viram um menino que continuava dizendo:
A, B, C, D, E ...
O rabino aproximouse do garoto: Por que você está fazendo isto?
Porque não sei os versos sagrados – respondeu o menino. – Então, tenho a esperança de que, recitando o alfabeto, Deus pegue estas letras e forme as palavras corretas.
Obrigado por esta lição – disse o rabino. – E que eu possa entregar a Deus os meus dias nesta terra da mesma maneira que você entrega suas letras.
Paulo Coelho – “Maktub”
RESUMO
As descobertas recentes da Petrobrás na camada do présal deixaram o Brasil com a possibilidade de alcançar uma posição privilegiada no âmbito econômico mundial num futuro próximo. Neste contexto, é fundamental uma análise precisa de como o país deve se comportar para que toda essa expectativa se concretize. Este trabalho realiza um estudo de alguns países que no passado tiveram tal oportunidade de crescimento, e que não conseguiram se desenvolver conforme a expectativa da população, devido principalmente, ao fato do país ter sido afetado pelo “Mal dos Recursos Naturais”. Por outro lado, outros países conseguiram um crescimento econômico de sucesso, evitando este problema em suas economias. Por fim, é avaliado como o político brasileiro utiliza os recursos provenientes do petróleo. Como o país ainda não é um grande exportador de petróleo, esta análise foi realizada com municípios brasileiros, comparando a evolução do IDHM dos cinco municípios que mais receberam royalties no período de 19912007 com outros municípios do mesmo estado que apresentavam esses índices próximos. Palavraschave: Mal dos Recursos Naturais, desenvolvimento econômico, exploração do présal.
ABSTRACT
Recent discoveries of oil in prelayer of salt left Brazil with the possibility of achieving a privileged position in the economic world in the near future. In this context it is essential an accurate analysis of how the country should behave so that all this expectation is fulfilled. This work makes a study of some countries that previously had such an opportunity, and could not develop as the expectation of the population, due mainly to the fact the country has been affected by the "Dutch Disease." On the other hand, other countries have achieved an economic growth success, avoiding this problem in their economies. Finally, it is evaluated as the Brazilian politician uses the income from oil. As the country is not yet a major exporter of oil, this analysis was performed with the Brazilian cities, comparing the evolution of the HDIM of the five cities that received more royalties for the period 19912007 with other municipalities in the same state that had these indices next.
Keywords: Dutch disease, economic development, exploration of the presalt.
LISTA DE FIGURAS
Figura 2.1 – Esquema de Fundo de Estabilização... 13 Figura 3.1 – Alterações no Sistema de Tributação no Setor do Petróleo – 1999 a 2005... 26
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 2.1 – Relação para 144 países entre taxa média de crescimento da economia (19752005) e participação de produtos primários na exportação de bens em 2005... 14
Gráfico 2.2 – Exemplo numérico do modelo Sachs e Warner (1995) – A maldição dos recursos naturais... 16 Gráfico 2.3 – Oferta e procura... 18 Gráfico 3.1 – Produção de petróleo da Nigéria ao longo de 1990 a 2008... 31 Gráfico 3.2 – Produto Interno Bruto da Nigéria... 32 Gráfico 3.3 – Índice de Desenvolvimento Humano da Nigéria e de países vizinhos... 33 Gráfico 3.4 – Valor de mercado do GPF e taxa de câmbio – 2001 a 2008...36 Gráfico 3.5 – Evolução do IDH da Noruega no período 19752007...37 Gráfico 3.6 – Evolução do IDH da Rússia no período 19752007... 39 Gráfico 3.7 – PIB da Venezuela a preços de mercado, 1908/1935...40
Gráfico 3.8 – Exportações de petróleo e exportações totais da Venezuela, 1920/1973 (em milhões de bolívares)... 41
Gráfico 3.9 – Evolução do IDH da Venezuela e sua posição no ranking mundial no período 19752007... 42
Gráfico 4.1 – Evolução da produção de petróleo e gás natural no Brasil em mil BEP (barris equivalentes de petróleo)... 47 Gráfico 4.2 – Evolução da arrecadação dos royalties (19982009)... 48 Gráfico 4.3 – Evolução da arrecadação dos royalties por beneficiário (19982009)... 48 Gráfico 4.4 – Evolução da arrecadação da participação especial... 49
Gráfico 4.5 – Evolução da arrecadação da participação especial entre a União, os Estados e os Municípios entre 2000 e 2009... 49
Gráfico 4.6 – Evolução do pagamento de royalties entre 19912007... 50
Gráfico 4.7 – Evolução da composição das receitas correntes do município de Campos dos Goytacazes no período de 20002005... 51
Gráfico 4.8 – Evolução da composição das receitas correntes do município de Macaé no período de 20002005... 51
Gráfico 4.9 – Evolução da composição das receitas correntes do município de Rio das Ostras no período de 20002005... 52
Gráfico 4.10 – Evolução da composição das receitas correntes do município de Cabo Frio no período de 20002005... 53
Gráfico 4.11 – Evolução da composição das receitas correntes do município de Quissamã no período de 20002005... 53
Gráfico 4.12 – Comprometimento da receita dos municípios com a máquina administrativa... 54 Gráfico 4.13 – Grau de investimento dos municípios entre 2000 e 2005... 54 Gráfico 4.14 – Investimento per capta dos municípios entre 2000 e 2005... 55
Gráfico 4.15 – Dependência de transferência de recursos dos municípios (sem royalties) entre 2000 e 2005... 56
Gráfico 4.16 – Dependência de transferência de recursos dos municípios (incluindo royalties) entre 2000 e 2005... 56
Gráfico 4.17 – Autonomia financeira dos municípios entre 2000 e 2005... 57
Gráfico 4.18 – Comparativo do IDHM entre o município de Quissamã e outros seis municípios do Rio de Janeiro com valores de IDHM próximos... 59
Gráfico 4.19 – Comparativo do IDHM entre o município de Campos dos Goytacazes e outros seis municípios do Rio de Janeiro com valores de IDHM próximos... 60
Gráfico 4.20 – Comparativo do IDHM entre o município de Campos dos Goytacazes e outros seis municípios do Rio de Janeiro com valores de IDHM próximos... 62
Gráfico 4.21 – Comparativo do IDHM entre o município de Cabo Frio e Macaé e outros seis municípios do Rio de Janeiro com valores de IDHM próximos... 63
LISTA DE TABELAS
Tabela 3.1 – Classificação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)... 25
Tabela 3.2 – Formas de apropriação da renda proveniente do petróleo entre 19982007. ... 27 Tabela 3.3 – Maiores exportadores líquidos de petróleo – 2006 (em mil barris/dia)... 29 Tabela 3.4 – As vinte maiores reservas de petróleo do mundo – 2009... 29 Tabela 3.5 – Rússia Balança Comercial (em US$ Bilhões)... 37 Tabela 3.6 – PIB e exportações da Venezuela e preço do petróleo, 1990/2006... 43 Tabela 4.1 – Distribuição dos royalties de 5%... ... 46 Tabela 4.2 – Distribuição dos royalties acima de 5%... 46
Tabela 4.3 – IDHM dos cinco municípios que mais receberam royalties no Brasil (19912000)... 58
Tabela 4.4 – Evolução da posição do ranking nacional de IDHM do município de Quissamã e outros com IDHM próximos... 59
Tabela 4.5 – Evolução da posição do ranking nacional de IDHM do município de Quissamã e outros com IDHM próximos... 61
Tabela 4.6 – Evolução da posição do ranking nacional de IDHM do município de Quissamã e outros com IDHM próximos... 62
Tabela 4.7 – Evolução da posição do ranking nacional de IDHM do município de Cabo Frio, Macaé, e outros com DHM próximos... 64
Sumário
CAPÍTULO 1 – APRESENTAÇÃO DO TRABALHO 1.1 – INTRODUÇÃO 1.2 – OBJETIVO 1.3 – RELEVÂNCIA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO 1.4 – JUSTIFICATIVA 1.5 – METODOLOGIA 1.6 – ESTRUTURAS DO TRABALHO CAPÍTULO 2 – A “DOENÇA HOLANDESA” OU “MAL DOS RECURSOS NATURAIS” 2.1 – INTRODUÇÃO 2.2 – ORIGENS E O CONCEITO DO TERMO “DOENÇA HOLANDESA” 2.3 – SINTOMAS DA DOENÇA HOLANDESA 2.4 – NEUTRALIZAÇÕES DA DOENÇA HOLANDESA 2.5 – CARACTERÍSTICAS/SÍNTESE DA DOENÇA HOLANDESA 2.5 – CONCLUSÃO CAPÍTULO 3 – EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL COM A EXPLORAÇÃO DO PETRÓLEO 3.1 – INTRODUÇÃO 3.2 – ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH) 3.2.1 – Classificação dos países através do Índice de Desenvolvimento Humano 3.3 – ARRECADAÇÃO DE DIVISAS PELO GOVERNO PROVENIENTES DO PETRÓLEO 3.4 – PAÍSES PRODUTORES E EXPORTADORES DE PETRÓLEO 3.4.1 – Nigéria 3.4.2 – Noruega 3.4.3 – Rússia 3.4.4 – Venezuela 3.5 – CONCLUSÃO CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DO BRASIL 4.1 – INTRODUÇÃO 4.2 – A HISTÓRIA DO PETRÓLEO NO BRASIL 4.3 – CÁLCULO E DISTRIBUIÇÃO DOS ROYALTIES 4.4 – INFLUÊNCIAS DO PETRÓLEO NA ECONOMIA BRASILEIRA 174.5 – OS CINCOS MUNICÍPIOS QUE MAIS SE BENEFICIARAM COM OS ROYALTIES ENTRE 1991 – 2007. 4.6 – ANÁLISES DO IDH DOS CINCO MUNICÍPIOS QUE MAIS RECEBERAM ROYALTIES DO PETRÓLEO NO BRASIL. 4.7 – CONCLUSÃO CAPÍTULO 5 – CONCLUSÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ANEXOS ANEXO 2.1 ANEXO 4.1 18
CAPÍTULO 1 – APRESENTAÇÃO DO TRABALHO
1.1 – INTRODUÇÃO
No final do ano de 2007, a Petrobrás anunciou a descoberta de um mega campo localizado em Santos. Seria uma descoberta relativamente normal, se não fosse o fato deste reservatório se localizar na camada conhecida como présal (tratase da área de rochas abaixo de uma camada de sal com cerca de dois quilômetros de espessura e que se estende no oceano desde em frente ao Espírito Santo até Santa Catarina). No ano seguinte, a Petrobrás anunciaria novas duas descobertas na mesma bacia, tendo uma estimativa de 33 bilhões de barris, classificandoo como o terceiro maior campo do mundo. Após sucessivas descobertas de novos campos realizadas por nossa estatal no ramo petroleiro, as previsões atuais chegam a se aproximar de 100 bilhões de barris . 1
A partir deste fato, grande euforia, por partes da população, políticos e mídia, tem ocorrido, com a possibilidade de um rápido desenvolvimento econômico no Brasil, o que pode levar o país a uma posição privilegiada no âmbito econômico mundial num futuro próximo. Mas como alerta Augusto:
“O desenvolvimento econômico é um processo complexo de mudanças e transformações sociais, através do qual a sociedade tornase capaz de produzir maior quantidade de bens e serviços, destinados a satisfazer as sempre crescentes e diversificadas necessidades humanas. De modo mais simples, podese dizer que o desenvolvimento econômico é o processo de crescimento da economia de uma nação, que implica mudanças qualitativas associadas, como melhores condições de vida para a população.” 2
Ou seja, para um desenvolvimento econômico que transforme o Brasil em uma das grandes potenciais econômicas mundiais e beneficie toda a população brasileira, é necessária uma cooperação entre o governo e as empresas, sempre com o objetivo de desenvolver o país como um todo, e não só uma região ou um setor
1 http://www.revistabrasileiros.com.br/edicoes/14/textos/282/, acesso em 25 março 2010.
2 AUGUSTO, C. A aplicação e os impactos dos royalties do petróleo no desenvolvimento econômico dos
municípios confrontantes da Bacia de Campos. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2003. (Monografia de bacharelado em Economia), p.12.
específico. Como afirma Furtado : “O projeto de desenvolvimento brasileiro deveria 3 conciliar a preservação de uma das propriedades fundamentais do sistema industrial a integração das cadeias com a consolidação de posições competitivas cada vez mais sólidas, fundadas em competências dinâmicas, de base tecnológica e inovativa”.
Com o início da produção e exploração das reservas de petróleo da camada do présal, o Brasil pode aumentar em muito seu Produto Interno Bruto (PIB), 4 sendo uma excelente oportunidade para o Brasil usar esses recursos para reduzir as desigualdades regionais e sociais.
Para um projeto desse porte é necessário grande investimento em pesquisa e tecnologia para viabilizar essa retirada do óleo na camada do présal, podendo ser um ótimo estimulo para a criação de tecnologia de ponta, além de favorecer outros setores da economia do país, como por exemplo, o setor naval . Em 5 contrapartida, estudos indicam que países ricos em recursos naturais freqüentemente apresentam um nível de desenvolvimento humano muito baixo. Um exemplo para este fato são países membros da OPEP: “indicadores relativos ao ano de 2005 apontam que apenas quatro deles puderam ser considerados de alto desenvolvimento humano e dois estão entre as nações mais pobres do mundo e consideradas de baixo desenvolvimento. Além disso, a desigualdade de renda nestes países tende a ser mais elevada” . 6
Este fenômeno foi identificado pela primeira vez na década de 1960, quando a Holanda descobriu um grande depósito de gás natural. Conseqüentemente, este país começou a exportálo, acarretando um aumento de renda significativo. Entretanto, com a entrada de divisas externas provenientes das vendas deste recurso natural, houve uma forte apreciação do florim holandês (moeda local), o que acarretou
3 FURTADO, J. Muito além da especialização regressiva e da doença holandesa oportunidades para o
desenvolvimento brasileiro. Novos Estudos, CEBRAP, Edição 81 Julho de 2008, p.46.
4 O PIB representa a soma de todos os bens e serviços, em valores monetários, produzidos no país durante
um determinado período. Este indicador é um dos mais utilizados na macroeconomia, e o seu objetivo é de mensurar a atividade econômica de uma região.
5 CARVALHAES, F. & PINTO, A. L. O petróleo do présal: os desafios e as possibilidades de uma nova
política industrial no Brasil. Pesquisa & Debate, SP, volume 19, número 2 (34), 2008, p. 257.
6 OLIVEIRA, B. & BRUNO, M. Sobre Maldições e Bênçãos: é possível gerir recursos naturais de forma
sustentável? Uma análise sobre os royalties e as compensações financeiras no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Texto para discussão No 1412, p.7.
em menor competitividade das exportações dos outros produtos do referido país. Este cenário foi denominado “mal dos recursos naturais” ou “doença holandesa” . 7
Para evitar tal problema, muitos países têm adotado a criação de fundos soberanos e de estabilização, que, de acordo com Carvalhaes , “servem basicamente a 8 dois propósitos: controlar a demanda, para evitar a inflação de custos que se segue ao aumento de preços e salários, e evitar que a taxa de câmbio sofra apreciação uma vez que os recursos advindos da venda do petróleo não entram na economia doméstica”.
Com esta medida e uma política eficaz, alguns países conseguiram transformar o sonhado desenvolvimento em uma realidade com a utilização dos recursos provenientes do petróleo. Atualmente a Noruega, que possui o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no mundo, mostrou a todos os países que é possível 9 transformar todos esses recursos em um legado para toda a população atual e futura. Este trabalho procura compreender as diversas questões envolvidas para um adequado aproveitamento das oportunidades geradas pelas recentes descobertas de petróleo, devido aos recursos financeiros que o mesmo possa receber e, ao mesmo tempo, entender alguns aspectos relacionados à administração eficiente de tais recursos, de modo que as futuras gerações também recebam esse benefício, evitando erros que no nosso passado foram tão freqüentes.
1.2 – OBJETIVO
Este trabalho visa realizar um estudo de casos de alguns países que tinham como objetivo, por meio dos recursos provenientes da produção de petróleo, crescer e se desenvolver economicamente, sonhando, em pouco tempo, conseguir uma economia forte e estável. Porém poucos são os exemplos dos países que conseguiram tal sucesso.
7 NAKAHODOS, S. N.; JANK, M. S. A falácia da doença holandesa no Brasil. Instituto do Comércio e
Negociações Internacionais: Documento de Pesquisa. São Paulo, 2006, p.2.
8 CARVALHAES, F. & PINTO, A. L. O petróleo do présal: os desafios e as possibilidades de uma nova
política industrial no Brasil . Pesquisa & Debate, SP, volume 19, número 2 (34) pp. 255271, 2008, p.261.
9 O cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) será explicado no Capítulo 3.
Por meio desse estudo, esperase, como objetivo principal, colaborar com a produção de material fonte para futuros debates relativos às atitudes que o Governo brasileiro deva implementar com relação às reservas de petróleo do présal, de modo a identificar o seu potencial para o fortalecimento e crescimento da indústria petrolífera e outros setores do país.
Como primeiro objetivo específico, este trabalho apresenta uma melhor compreensão da postura adotada pela Noruega, que conseguiu obter altas taxas de desenvolvimento econômico por meio da exploração do petróleo, sendo, neste assunto, uma referência mundial de caso bem sucedido, diante de tantos casos de fracassos, encontrados na literatura.
O segundo objetivo específico a ser explorado é uma explicação da falha de mercado que ficou conhecido como doença holandesa ou mal dos recursos naturais. Buscase compreender quando este fenômeno ocorre, quais os países que correm o risco de adquirir esta doença, além de analisar os países que já sofreram ou apresentam tal problema.
Como terceiro e último objetivo específico, analisase como têm sido utilizados os recursos provenientes da exploração do petróleo no Brasil, enfocandose alguns exemplos de municípios que têm recebido royalties de petróleo. Além disso, apresentamse algumas perspectivas para a utilização dos recursos financeiros, para o caso do petróleo encontrado na camada do présal.
1.3 – RELEVÂNCIA E CONTEXTUALIZAÇÃO DO TRABALHO
Após as descobertas de grandes reservas de petróleo na camada do présal, o Brasil se encontra em um momento de grande euforia, fato que pode entrar como marco na história deste país. Após anos dependentes de dinheiro externo, o Brasil pode, por meio deste recurso natural, se firmar e se estabelecer como uma potência econômica mundial. Para isso terá que conseguir vencer grandes desafios na parte econômica, como dito por Celso Furtado para o caso da Venezuela, e que se encaixa perfeitamente nos dias atuais:
“As etapas de rápido crescimento com base em estímulos externos, quando não produzem mudanças estruturais no sistema econômico, tendem necessariamente a um ponto de estagnação. Temse observado casos de economias que, com o impulso da expansão de suas exportações, crescem com inusitada intensidade durante um ou dois decênios para afogaremse depois em permanente estagnação. Esta é tanto mais difícil de vencer quanto se constituem poderosos mecanismos de defesa de uma ordem de privilégios que se vê ameaçada pelas mudanças estruturais que uma nova fase de desenvolvimento exigiria” . 10
Com isso, percebese a importância de um estudo que avalie cuidadosamente como o país pode utilizar os recursos financeiros provenientes do petróleo, com o objetivo de desenvolver sua economia de forma sustentável, fazendo com que após a escassez deste recurso natural, o país possa continuar se desenvolvendo economicamente. Na parte social, também fazendo referência a Celso Furtado:
“Em pequenos países, nos quais as vantagens comparativas se baseiam na exploração dos recursos não renováveis — caso extremo são os emirados petroleiros —, pode ocorrer que a modernização conduza a homogeneização social mediante ação redistributiva do Estado. São sociedades que vivem de renda auferida sobre um patrimônio que receberam como dádiva. Para atender as exigências dos custos crescentes das formas de vida que adotaram num processo rápido de aculturação, essas sociedades são levadas a depredar as suas reservas de bens não renováveis. São sociedades que não vivem do próprio trabalho, de hoje ou do passado. Nasceram sobre uma mina de ouro. Quanto mais alto o nível de vida das gerações presentes, maiores problemas deverão enfrentar as futuras, quando começar a esgotarse o tesouro que receberam” . 11
Assim, reservas que seriam usadas durante décadas para melhoria de qualidade de vida de toda a população de um país, são exaustivamente exploradas, fazendo com que a reserva resista poucos anos, em benefício de pequena parcela da população, que recebem grandes quantidades de dinheiro, enquanto a maior parte da população não percebe melhorias em sua qualidade de vida.
Estes mesmos problemas já foram encarados por países como a Holanda, Nigéria, Venezuela, Noruega e outros, uns conseguindo sucesso nos seus objetivos, tendo uma economia estabilizada e passando a figurar entre os países com maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), enquanto outros colhem profundos problemas
10 FURTADO, C., 19202004. Ensaios sobre a Venezuela: subdesenvolvimento com abundância de divisas .
Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado, 2008, p.160.
11 FURTADO, C. Globalisation ET exclusion: Le Brésil dans l’order mondial émergent. Paris: Publisud,
1995, p.40.
acarretados por falta de planejamento correto, como desindustrialização do país, estagnação de sua economia, e uma série de outros problemas.
Tal desafio consiste em saber administrar esse grande volume de recurso que o país irá receber, proveniente do petróleo, alocando esta quantidade de dinheiro em investimentos, e não a ajudar o Estado em gastos públicos ou especulações, o que acarreta numa atrofia no sistema fiscal tradicional. Um passo importante é analisar a maior quantidade possível de países que passaram por situações semelhantes e avaliar suas atitudes em relação a esse assunto.
A Holanda passou a exportar gás natural em grandes proporções, o que provocou uma maciça entrada de divisas decorrente de suas receitas de exportação. O efeito da entrada de moeda estrangeira foi a forte valorização de sua moeda local (na época, o florim). A valorização cambial atingiu de maneira direta o setor industrial, afetando sua competitividade externa, estimulando as importações, o que levou a um processo de desindustrialização . 12
A partir deste problema enfrentado pela Holanda, houve um extenso estudo sobre o ocorrido neste país. O fenômeno de declínio pelo qual passava o setor industrial na Holanda após a descoberta de grande fonte de gás natural foi denominado “doença holandesa” ou “mau dos recursos naturais” (o termo em inglês, “dutch disease”, parece ter sido utilizado inicialmente pela revista The Economist).
Os governantes têm que ter muita cautela em relação à doença holandesa. Devido à sua difícil detecção, devem ser realizados estudos regulares sobre: a desindustrialização do país, a avaliação de sua economia, avaliação do impacto da exportação do petróleo no PIB e avaliação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Atualmente já há a preocupação se o Brasil esta sofrendo desse mal. Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti dizem ser “tentadora a analogia da situação 13 brasileira com o fenômeno ocorrido na Holanda”.
12 SOUZA, G. L. J. Doença holandesa: o Brasil corre este risco? Disponível:
http://www.viannajr.edu.br/site/menu/publicacoes/publicacao_economia/artigos/edicao8/holandesa.pdf. Acessado em: 20 fev. de 2009.
13 PASTORE, A. C. & PINOTTI, M. C. Câmbio, reservas e doença holandesa , Jornal Valor Econômico,
2006. Citado por NAKAHODOS, S. N.; JANK, M. S. A falácia da doença holandesa no Brasil. Instituto do Comércio e Negociações Internacionais: Documento de Pesquisa. São Paulo, 2006. p.2.
Outro país que passa por problemas semelhantes é a Nigéria, que possui uma reserva de petróleo estimada em 36,2 bilhões de barris . Estimase que o país já 14 tenha recebido cerca de 400 bilhões de dólares de 1960 até 2008. Atualmente este setor é responsável por 95% do valor das exportações. Porém, o país se encontra em 85.° lugar na classificação do Índice de Desenvolvimento Humano (0,47) elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. A expectativa de vida é de 43,3 anos e o índice de mortalidade infantil é de 98 por mil, um dos mais altos da África. Ou seja, todo este recurso não está melhorando a qualidade de vida da população, sendo este um típico caso de fracasso na utilização dos recursos provenientes do petróleo pelo Estado. Alguns autores estão chamando o que está ocorrendo neste país de doença nigeriana, devido ao fato de as petrolíferas estarem destruindo as terras agricultáveis, além de esgotar o seu petróleo e fazer com que a população continue vivendo na miséria, cada vez mais séria e com menores quantidades de reservas de petróleo e esperança de um futuro melhor.
A Venezuela possui uma reserva de petróleo estimada em 99 bilhões de barris. Como o petróleo representa 75% da receita de exportação e é responsável por 1/3 do PIB , percebese claramente que não houve ao longo das décadas um investimento 15 visando à substituição da importância da exploração do petróleo, sendo claramente uma economia muito dependente deste recurso natural.
A Noruega ficou em 1 o lugar no IDH em 2007, atingindo um patamar de
0,971. Esse país apresenta uma reserva atual de 7,8 bilhões de barris de petróleo . O 16 governo norueguês, com a preocupação de não ficar apenas dependente da exploração do petróleo, criou em 1990 o Fundo Petrolífero Estatal Norueguês. Este fundo tem como objetivo a garantia da estabilidade macroeconômica, além da construção de uma poupança. O patrimônio deste fundo estava avaliado em US$ 213 bilhões, em 2005 , 17
14 ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION (EIA) NIGÉRIA, Country Analysis Briefs, 2009, p.1.
Disponível em: www.eia.doe.gov/cabs/nigeria.htm. Acessado em: 22 fev. de 2009.
15 ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION (EIA) VENEZUELA, Country Analysis Briefs, 2009,
p.2. Disponível em: www.eia.doe.gov/cabs/venezuela/background.html. Acessado em: 22 fev. de 2010.
16 ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION (EIA) NORWAY, Country Analysis Briefs, 2009, p.2.
Disponível em: www.eia.doe.gov/cabs/Norway/Background.html. Acessado em: 22 fev. de 2010.
17 ENRIQUEZ, M. A.. “Equidade intergeracional na partilha dos benefícios dos recursos minerais: a
alternativa dos Fundos de Mineração” . Revista Iberoamericana de Economia Ecológica, v. 5, 2006, p. 67. Citado por INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI). Estudo 25
sendo que sua receita é aplicada em ações e títulos no exterior numa eventual elevação do preço do petróleo, fazendo com que a Noruega não sofra impacto em suas atividades econômicas.
Com isso, o fundo protege a economia norueguesa da volatilidade do preço do petróleo. Fasano 18 argumenta que o fundo tem logrado êxito na tarefa de amenizar os ciclos dos preços do petróleo, bem como de promover a poupança. Medidas prudentes têm permitido a manutenção de superávits orçamentários, mesmo nos períodos em que o preço do petróleo cai. Portanto, a Noruega tem demonstrado uma preferência por poupar os recursos do petróleo, sendo referência mundial de um caso bem sucedido de exploração de recursos naturais.
De acordo com o IEDI : 19
O Brasil se encontra numa posição extremamente privilegiada com relação à oferta de petróleo de gás natural. As recentes descobertas na área do présal deverão conduzir o país a uma posição relevante como exportador no mercado internacional. Esta condição poderá se constituir numa excepcional oportunidade para alcançar programas estruturadas visando supriras carências nacionais, em matéria de saneamento básico, saúde, educação e infraestrutura. Mesmo que os preços internacionais venham a cair, o incremento da produção permitirá a geração de níveis elevados de royalties. Este aumento pode proporcionar uma base nova de recursos para a União, estados e municípios. Qualquer forma de financiar novos programas federais de desenvolvimento envolveria o redesenho da estrutura de royalties. Foi demonstrado que alternativas nesta direção são possíveis, conciliando o interesse nacional e preservando as condições de arrecadação dos municípios e estados limítrofes das jazidas de petróleo.
A tarefa de promoção do desenvolvimento utilizando os recursos naturais é, portanto, extremamente complexa. São necessárias, ao menos, duas etapas fundamentais para a consecução dos objetivos: a criação do fundo soberano e a criação de mecanismos de controle da aplicação dos royalties.
sobre o présal . Análise IEDI, 2008, p.81. Disponível em: http:// www.iedi.org.br. Acessado em: 03 mar. de 2010.
18 FASANO, U. (2000) Review of the experience with oil stabilization and savings funds in selected
countries. IMF Working Paper, n. 112. Washington, D.C.: International Monetary Fund. Disponível em: http://www.imf.org. Acessado em: 02 mar. de 2010. P.45. Citado por INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI). Estudo sobre o présal . Análise IEDI, 2008, p.81. Disponível em: http:// www.iedi.org.br. Acessado em: 03 mar. de 2010.
19 INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI). Estudo sobre o
présal. Análise IEDI, 2008, p.98. Disponível em: http:// www.iedi.org.br. Acessado em: 03 mar. de 2010.
O presente trabalho é motivado pela relevância associado a esta temática e procura contribuir para a compreensão dessa questão.
1.4 – JUSTIFICATIVA
Algumas nações que tinham o petróleo como uma grande oportunidade de esperança para o futuro de suas populações, como melhorias de condições e qualidade de vida, por exemplo, viramse em algumas décadas posteriores sem esse recurso natural, sem o desenvolvimento esperado e, em alguns casos, lidando com a ocorrência de desindustrialização, fatos que causaram forte frustração na população, que passou a não ter esperança num futuro próximo.
Outros países, com a utilização dos recursos proveniente do petróleo, conseguiram crescer e se firmar economicamente. Por meio de uma política cuidadosa e específica, fortaleceram outros setores da economia e conseguiram o desenvolvimento esperado.
Com base nos fatos ocorridos em outras regiões, fica evidente a importância da discussão do tema, das análises de problemas e soluções encontradas em outros países, além de se antecipar e prever possíveis problemas que o Brasil possa enfrentar no futuro.
Com o estudo aqui realizado esperase entender a dinâmica associado ao uso dos recursos do petróleo e seu impacto sobre o desenvolvimento, buscandose elementos para a compreensão das iniciativas e decisões que constituam numa lógica necessária para que o país entre nas estatísticas futuras como um caso de sucesso das utilizações dos recursos provenientes do petróleo.
1.5 – METODOLOGIA
Este trabalho baseouse em pesquisa bibliográfica, utilizando teses de mestrado, doutorado, monografias, além de artigos disponíveis na internet.
Desejase analisar países que possuíam (ou ainda possuem) grande produção de petróleo, avaliando os que sofreram da “doença holandesa” e os que conseguiram um desenvolvimento econômico significativo. Os dados obtidos podem ser usados como referência para futuros trabalhos de apoio a discussões e debates em relação ao présal, no Brasil.
1.6 – ESTRUTURAS DO TRABALHO
Este trabalho se encontra dividido em 5 capítulos. Neste capítulo inicial é apresentado um breve resumo do problema que esta monografia irá estudar, mostrase o objetivo do trabalho, a sua justificativa, além da metodologia utilizada. Também será apresentada a relevância e contextualização do trabalho, além de uma introdução ao assunto.
O segundo capítulo aborda o conceito de doença holandesa ou mal dos recursos naturais. Mostramse as estratégias e ações adotadas pelos países abundantes em recursos naturais, antes e durante a produção de petróleo, destacandose, em especial, os tipos de fundos existentes, bem como o seu funcionamento. Também é realizada uma comparação entre os países abundantes em recursos naturais e os que não apresentam tal abundância com relação ao PIB. Por fim, é discutido como os países podem neutralizar a doença holandesa.
O terceiro capítulo desta monografia explica os diferentes métodos utilizados pelos países para se apropriarem dos recursos provenientes do petróleo. Em seguida é realizada uma análise de como alguns países estão utilizando tais recursos apropriados para o seu desenvolvimento, sendo avaliados quais destes países estão sofrendo da forma mais grave da doença holandesa.
No quarto capítulo é mostrada uma breve história do petróleo no Brasil, explicando como o país tem se apropriado da renda do petróleo e avalia como os governantes brasileiros estão utilizando tais recursos para poder avaliar se o país está preparado para utilizar de forma correta a quantidade de recursos provenientes do présal que está por vir num futuro próximo. Como o país ainda não se apresenta como
um grande exportador de petróleo, foram analisados os cinco municípios que mais arrecadaram com os royalties para se ter uma visão geral do comportamento dos políticos brasileiro.
Nesta etapa do trabalho serão feitas as considerações finais, chegando a uma conclusão de qual caminho trilhado no Brasil até o momento e tentar construir um referencial para análise das atitudes que o Governo brasileiro deve implementar com relação às reservas de petróleo do présal, de modo a identificar o seu potencial para o fortalecimento e crescimento da indústria petrolífera e outros setores do país.
CAPÍTULO 2 – A “DOENÇA HOLANDESA” OU “MAL DOS
RECURSOS NATURAIS”
2.1 – INTRODUÇÃO
Este capítulo apresenta o conceito de doença holandesa, ou mal dos recursos naturais, explicando os fatores que levam alguns dos países a contrair este mal, além de indicar as dificuldades enfrentadas pelos governos que são afetadas por esta doença.
Serão mostrados métodos para a sua neutralização e os sintomas que este mal apresenta quando um país está contaminado.
2.2 – ORIGENS E O CONCEITO DO TERMO “DOENÇA HOLANDESA”
O termo doença holandesa foi utilizado pela primeira vez pela revista “The Economist”, no ano de 1977, para descrever o fenômeno ocorrido na Holanda, que sofreu forte declínio no setor industrial. Após a descoberta de grandes reservas de gás natural em seu território, a Holanda passou a explorar e a exportar grande quantidade deste recurso natural, fazendo com que suas receitas referentes à exportação tivessem um grande aumento. Este fato proporcionou uma entrada maciça de dinheiro estrangeiro, ocasionando forte valorização da moeda local, na época o florim. Esta valorização afetou diretamente o setor industrial, o que inviabilizou suas exportações, estimulou a importação e conseqüentemente, levou a Holanda a um processo de desindustrialização . 20
Após este estudo, vários outros trabalhos foram realizados para esclarecer o fenômeno. Apesar de um grupo de pesquisadores se referir à doença holandesa como sendo “maldição dos recursos naturais”, há outra linha de pesquisa 21 22, que diferencia
20 NAKAHODOS, S. N.; JANK, M. S. A falácia da doença holandesa no Brasil. Instituto do Comércio e
Negociações Internacionais: Documento de Pesquisa. São Paulo, mar 2006, p.2.
21 SACHS, J. D. AND A. M. WARNER “The big push, natural resource booms and growth”. Journal of
Development Economics , 59: 4376, 1999. Citado por: BRESSERPEREIRA, L. C. The Dutch Disease and its neutralization: a Ricardian approach . Revista de Economia Política, v. 28, n. 1:4771,São Paulo, 2008, p.7.
estes dois problemas: enquanto a doença holandesa seria uma falha de mercado, onde a exportação de grande quantidade de recursos naturais baratos por um país seria a causa de uma taxa de câmbio maior quando comparado a taxa de câmbio média que viabiliza o setor econômico do determinado país, a maldição dos recursos naturais seria uma conseqüência do rent seeking e corrupção, fato constatado em países dotados de uma 23 sociedade atrasada e de instituições fracas . O presente autor não fará distinção entre as 24 duas nomenclaturas, considerando equivalentes a utilização de maldição dos recursos naturais ou doença holandesa.
A doença holandesa é uma falha de mercado, ocorrendo principalmente
em países que possuem abundância em recursos naturais. Tratase da entrada de grande quantidade de dinheiro em determinado país, acarretando numa alta taxa de câmbio que equilibra a contacorrente (que é a taxa de mercado) e a taxa de câmbio que viabiliza setores econômicos eficientes e tecnologicamente sofisticados. Como a maior parte deste recurso é basicamente proveniente de um setor específico, o aumento desta taxa de câmbio se resume em menor competitividade para outros setores da economia, acarretando numa desestimulação e uma possível desindustrialização do país produtor e explorador de tais recursos . 25
Países abundantes em recursos naturais devem levar em conta alguns fatores antes ou durante a exploração destes bens para neutralizar ou minimizar seus efeitos. Como primeira estratégia, devese diminuir a velocidade de produção quando há incapacidade de gestão das receitas provenientes da exploração deste recurso natural. Com esta medida, grande parte desta riqueza permaneceria guardada e seriam diminuídas as distorções macroeconômicas provenientes da doença holandesa. Como segunda medida, seria importante implementar uma política de investimento, fazendo
22 BALAND, JEANMARIE & FRANCOIS, P. “Rentseeking and resource booms”. Journal of
Development Economics , 61: 527542, 2000. Citado por: BRESSERPEREIRA, L. C. The Dutch Disease and its neutralization: a Ricardian approach . Revista de Economia Política, v. 28, n. 1:4771,São Paulo, 2008, p.7.
23 Orent seeking é a tentativa de um grupo específico obter vantagens sobre a esfera governamental, fazendo
com que a renda proveniente dos recursos naturais seja investida, por exemplo, para reforçar seu poder político, ou promover luta armada contra grupos nacionais rivais ou países vizinhos, fato ocorrido com as elites do Oriente Médio e países africanos (IEDI, 2008, p.6). Este tipo de atitude impede o investimento para o desenvolvimento da nação, como investimento em infraestrutura e na indústria.
24 BRESSERPEREIRA, L. C. The Dutch Disease and its neutralization: a Ricardian approach . Revista de
Economia Política, v. 28, n. 1:4771,São Paulo, 2008, p.7.
25 Ibidem. p.6.
com que essas economias diminuíssem suas dependências em função das atividades relacionadas ao recurso natural. O ideal que ocorra em países que exploram commodities é, com o passar do tempo, apresentar dependência desta receita cada vez menor, por meio de fortalecimento de outros setores. Como terceira medida está a criação de um fundo cambial proveniente das receitas geradas pela exploração dos recursos naturais. Em época de alta dos preços das exportações, esses recursos são aplicados no fundo, e durantes as épocas de queda do preço das exportações, os recursos do fundo são utilizados para eliminar ou atenuar os impactos dessa queda ∙. 26
De acordo com o Fundo Monetário Internacional , os fundos se dividem 27 em cinco grupos, dependendo dos seus interesses:
a. Fundos de estabilização ( stabilization funds ): os países que constituem este grupo são ricos em recursos naturais. Este fundo tem o objetivo de proteger o orçamento fiscal e a economia doméstica das oscilações dos preços dos produtos primários (sobretudo petróleo). Durante a alta dos preços dos recursos naturais, a receita proveniente da exploração destes é aplicada no fundo, preparando o país para um período de queda dos preços;
b. Fundos de poupança ( saving funds for future generations ): este fundo tem o objetivo de compartilhar as riquezas geradas atualmente para as futuras gerações. Este processo consiste na transferência de ativos não renováveis para um portfólio diversificado de ativos financeiros realizados pelos países ricos em recursos naturais para suprir futuras gerações ou outro objetivo de longo prazo;
c. Companhias de investimentos de reservas ( reserve investment corporations): este tipo de fundo tem o objetivo de seguir políticas de investimento com alto retorno;
26 INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI). Estudo sobre o
présal. Análise IEDI, 2008, p.68. Disponível em: http:// www.iedi.org.br. Acessado em: 03 mar. de 2010.
27 FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (2007). Global Financial Stability Report, September 2007,
Annex 1,2. Sovereign Wealth Funds. Washington, D.C., p.4551. Disponível em: http://www.imf.org. Citado por: INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI). Estudo sobre o présal . Análise IEDI, 2008, p.8. Disponível em: http:// www.iedi.org.br. Acessado em: 03 mar. de 2010.
d. Fundos para o desenvolvimento ( development funds ): tem como objetivo alocar recursos para financiamento de projetos socioeconômicos prioritários – em infraestrutura ou em política de desenvolvimento industrial – a fim de ampliar o potencial de crescimento dos países;
e. Fundos de reserva para o sistema de aposentadoria ( contingente pension reserve funds ): este fundo tem o objetivo de alocar recursos para o sistema de aposentadoria na contabilidade do setor público.
A aplicação dos recursos destes fundos de estabilização é, usualmente, feita em moeda estrangeira. Assim, com a tendência de apreciação da moeda local em época em que as exportações são altamente favoráveis, esses recursos são transferidos ao sistema financeiro internacional. Em períodos adversos, quando a receita do Estado sofre grande queda, o recurso do fundo é direcionado para o Estado, diminuindo o déficit público e contrabalanceando a queda das divisas.
A Figura 2.1 abaixo exemplifica este esquema de estabilização utilizando o fundo . O Anexo 2.1 apresenta informações de alguns países que possuem fundos, 28 com os seus respectivos nomes, ativos, ano de criação além de informar a riqueza per capita.
28 INSTITUTO DE ESTUDOS PARA O DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (IEDI). Estudo sobre o
présal. Análise IEDI, 2008, p.10. Disponível em: http:// www.iedi.org.br. Acessado em: 03 mar. de 2010.
Figura 2.1 – Esquema de Fundo de Estabilização
Fonte: IEDI
Os autores Sachs & Warner perceberam que os países com abundância 29 em recursos naturais tendiam a mostrar uma queda no crescimento econômico, devido à doença holandesa, mostrando uma menor taxa de crescimento do PIB que os demais países, como por exemplo, a Nigéria e a Venezuela, apesar de existirem histórias de sucessos quando se observa países como a Noruega e Botsuana. Esses casos serão estudados mais detalhadamente no próximo capítulo. Em contrapartida, países pobres em recursos naturais apresentaram um bom crescimento econômico nas últimas décadas, como foram os casos dos países localizados no Sudeste Asiáticos.
Para ilustrar este fato, o gráfico 2.1 mostra a distribuição de 144 países, quando considerados, no eixo das abscissas, a participação de produtos primários na exportações em 2005, e nas ordenadas, a taxa de crescimento médio da economia entre 1975 e 2005.
29 SACHS, J. D. & WARMER, A. M. Natural Resources Abundance and Economic Growth . NBER
Working Paper 5398, 1995. Citado por: OLIVEIRA, B. & BRUNO, M. Sobre Maldições e Bênçãos: é possível gerir recursos naturais de forma sustentável? Uma análise sobre os royalties e as compensações financeiras no Brasil.Texto para discussão No 1412, 2009, p.3.
Gráfico 2.1 – Relação para 144 países entre taxa média de crescimento da economia (19752005) e participação de produtos primários na exportação de bens em 2005 Fonte: Sachs & Warner 30
Na construção do gráfico, os eixos das abscissas e das ordenadas se cruzam em 42%, relativo ao dobro da média mundial da participação dos produtos primários no total das exportações em 2005, e 1,4%, que é a média mundial de crescimento do PIB per capita no período de 19752005. Esta distribuição facilita a visualização no gráfico de países com abundância em recursos naturais, que estão localizados a direita do eixo das ordenadas, enquanto que os países com escassez em recursos naturais se localizam à esquerda. Os países que apresentam taxa de crescimento do PIB acima da média, estão localizados acima do eixo das abscissas, enquanto que os países que apresentam crescimento do PIB abaixo da média mundial se localizam abaixo deste eixo.
O gráfico 2.1 apresenta claramente uma correlação negativa entre abundância relativa de recursos naturais e o crescimento do PIB per capita. Traçando uma reta de melhor ajuste pelo gráfico, obtémse a equação:
. Esta equação mostra que, para cada aumento unitário de x
30 Ibidem. p.3.
(aumento de 1% nas exportações de bens primários), há uma queda de 0,0315% no PIB per capita. Isto mostra uma tendência mundial de decréscimo do PIB per capita em países com abundância em recursos naturais.
Ainda pelo gráfico, percebese que, no 2º quadrante (acima do eixo das abscissas e à esquerda do eixo das ordenadas) encontrase uma quantidade expressiva de países que exibem escassos recursos naturais e um crescimento do PIB acima da média mundial. Em situação oposta, os países que se encontram no 4º quadrante (abaixo do eixo das abscissas e à direita do eixo das ordenadas) mostram abundância em recursos naturais, mas apresentam crescimento do PIB abaixo da média mundial. Esses são os países que possuem a tendência de estarem contaminados pela doença holandesa . 31
Sachs & Warner também construíram um modelo em que explicam que 32 um aumento de recursos naturais leva a uma queda na taxa de crescimento. Para tais autores, a elevação da exploração dos recursos naturais faz com que haja uma maior demanda por trabalhadores para bens e serviços nãotransacionáveis, levando a uma situação inusitada dentro do país abundante em recursos naturais: se por um lado, parte da população está sendo deslocada para este tipo de trabalho, a quantidade de trabalhadores qualificados no setor transacionável diminui consideravelmente.
Como este modelo se baseia no fato de a economia de um país crescer dependendo da quantidade de trabalhadores no setor transacional, ou melhor, na alocação de capital humano no setor dinâmico, temos que, nesse contexto, o crescimento deste país será menor, pois há menos mãodeobra deslocada para este setor. Abaixo se encontra o Gráfico 2.2 utilizando este modelo. A economia 1 é simulada como não possuindo recursos naturais. A economia 2 explorou os recursos naturais por dois períodos, e a economia 3 explorou durante 20 períodos os recursos naturais. Todas as economias possuem como ponto de partida uma taxa de crescimento de 5% por período (para visualizar toda a formulação do problema, inclusive as equações do modelo, consultar).
31 OLIVEIRA, B. & BRUNO, M. Sobre Maldições e Bênçãos: é possível gerir recursos naturais de forma
sustentável? Uma análise sobre os royalties e as compensações financeiras no Brasil. Texto para discussão No 1412, 2009, p.4.
32 SACHS, J. D. & WARMER, A. M. Natural Resources Abundance and Economic Growth . NBER
Working Paper 5398, 1995. Citado por: OLIVEIRA, B. & BRUNO, M. Sobre Maldições e Bênçãos: é possível gerir recursos naturais de forma sustentável? Uma análise sobre os royalties e as compensações financeiras no Brasil.Texto para discussão No 1412, 2009, p.79.
Gráfico 2.2 – Exemplo Numérico modelo Sachs e Warner (1995) – A maldição dos recursos naturais Fonte: OLIVEIRA, B. & BRUNO33.
Podese perceber que de acordo com este modelo, na economia 1, onde não há exploração de recursos naturais ocorre um ajuste crescente para a taxa de crescimento, atingindo um valor de longo prazo próximo de 7%. Para a economia 2, há duas fases distintas: a primeira que se estende até o 2º período, que é justamente enquanto esta economia explora recursos naturais, percebese que a taxa de crescimento econômico desta economia tende para 4,5%. Após a exploração de tais recursos, a taxa de crescimento volta a crescer até atingir a taxa próxima de 7%, que é a taxa de crescimento de uma economia sem recursos naturais. É importante frisar que esta economia demora cerca de mais 5 períodos para atingir a trajetória da economia 1, fato ocorrido apenas no 7 período. Neste intervalo, a taxa de crescimento fica abaixo do alcançado pela economia sem recursos. Para a economia 3, que explora os recursos
33 OLIVEIRA, B. & BRUNO, M. Sobre Maldições e Bênçãos: é possível gerir recursos naturais de forma
sustentável? Uma análise sobre os royalties e as compensações financeiras no Brasil. Texto para discussão No 1412, 2009, p.9.
durante todo o processo, percebese a condenação a maldição dos recursos naturais, pois a taxa de crescimento desta economia estabiliza perto de 4,5%.
2.3 – SINTOMAS DA DOENÇA HOLANDESA
Um país que possua a doença holandesa pode ter sido afetado por duas situações distintas: a primeira é aquela onde sempre existiu tal doença impedindo sua industrialização; uma segunda maneira seria um país que neutralizou durante um período o mal dos recursos naturais, porém em algum momento, essa neutralização parou, fazendo o país crescer a taxas muito menores. No primeiro caso o país nunca neutralizou a doença holandesa, como é o caso de países petroleiros. Um dos principais sintomas neste caso é a do país em questão não produzir outros bens comercializáveis além dos causadores da doença holandesa. Bons exemplos para este tipo de caso são a Venezuela e a Arábia Saudita.
No segundo caso, apesar do país explorar os recursos naturais, ele conseguiu se industrializar, fazendo com que a doença holandesa fosse neutralizada, através do uso de tarifas de importação e subsídios à exportação. Contudo, após sofrer grande pressão internacional sob alegação de prática de protecionismo, tais países realizaram a liberalização comercial deixando de neutralizar uma falha de mercado, o que acarretou a possibilidade de serem afetados pelo mal dos recursos naturais. São exemplos deste caso os países latinoamericanos que, a partir dos anos 1990 abandonaram seus mecanismos de neutralização e sofreram uma desindustrialização . 34
De acordo com Oomes & Kalcheva 35, são quatro as maneiras de perceber se o país em questão possui a doença holandesa ou não:
a) A percepção da taxa cambial estar sobreapreciada; b) Baixo crescimento no setor manufatureiro;
c) Rápido crescimento do setor de serviços;
34 BRESSERPEREIRA, L. C. The Dutch Disease and its neutralization: a Ricardian approach . Revista de
Economia Política, v. 28, n. 1:4771,São Paulo, 2008, p.4.
35 OOMES, NIENKE & KATERINA KALCHEVA. Diagnosing Dutch disease: does Russia have the
symptoms?, IMF Working Paper 07/102, 2007 . Citado por: BRESSERPEREIRA, L. C. The Dutch Disease and its neutralization: a Ricardian approach . Revista de Economia Política, v. 28, n. 1:4771,São Paulo, 2008, p.19.