a
maioria dos processos de conformação envolve o contato entre duas ou mais su-perfícies e um lubrificante entre eles. O atrito ocorre quando exis-te um movimento relativo entre uma ferramenta (de conforma-ção) e o material que está sendo deformado. A ocorrência de atri-to nos processos de conformação leva a um consumo de energia desnecessário, que muitas vezes pode ser reduzido apenas com a troca do lubrificante.Determinação do
coeficiente de atrito
por meio de ensaio de
dobramento sob tensão
Ao longo dos últimos anos, alguns esforços vêm sendo feitos para aumentar o entendimento do atrito durante a estampagem. Muitos métodos de determinação do coeficiente de atrito têm sido estudados, e hoje o mais comum é o ensaio de dobramento sob tensão, usado para simular a deformação do material no raio da matriz, onde as tensões são maiores. Por meio da técnica é possível obter dados sobre a força de atrito, o efeito da lubrificação, do acabamento das matrizes e do material da chapa. Este trabalho descreve o ensaio e mostra as equações usadas para calcular o coeficiente de atrito, já que existem diversos modelos matemáticos para calcular o atrito no mesmo ensaio.
No caso da estampagem, ge-ralmente são usados lubrificantes líquidos. Antigamente era comum o uso de gorduras animais e óleos naturais, mas atualmente o uso se concentra em óleos minerais. O exato princípio por trás dos lu-brificantes ainda é desconhecido, mas sua aplicação sempre traz melhorias ao processo.
Para tanto, o controle dos níveis de atrito tem um papel importante por influenciar a distribuição das tensões e defor-mações na chapa. As áreas onde o atrito tem maior efeito são as regiões do prensa-chapas e o raio de concordância da matriz, por onde a chapa irá deslizar
L. F. Folle, J. L. Ferrarini e L. Schaeffer
ao ser executado o processo de embutimento. Essas regiões são as únicas com movimento relativo entre material e ferramenta. Nas outras regiões há apenas o atrito estático por não haver conside-rável movimento relativo entre material e ferramenta. O atrito estático geralmente não contribui com valores significativos para as forças totais de estampagem. Ter Haar(9) explica que na região
do prensa-chapas as tensões são geralmente baixas, entre 1 e 10 MPa, porém na região do raio de concordância da matriz as tensões são superiores, atingindo valores da ordem de 100 MPa. Luis Fernando Folle é pesquisador no LdTM –
Laboratório de Transformação Mecânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre (RS); Lirio Schaeffer é coordenador do LdTM e José Luiz Ferrarini é pesquisador na Universidade de Caxias do Sul (RS). Reprodução autorizada pelos autores.
Estampagem
Ensaio de dobramento
sob tensão
Existem vários ensaios tecnológi-cos para determinar o coeficiente de atrito na estampagem, de-pendendo do tipo de condição de deformação. Os principais tipos de deformação em estam-pagem são o estiramento puro e o embutimento profundo, e para cada um existe um ensaio correspondente para que se avalie o atrito. Porém, o ensaio mais amplamente usado é o de dobramento sob tensão.
O ensaio de dobramento sob tensão (do inglês BUT, Bending
Under Tension Test) consiste
em dobrar uma tira de chapa através de um pino de raio pré-determinado, fazendo a chapa deslizar sobre esse pino. Para isso, é aplicada força em uma das extremidades da chapa, de modo que haja o movimento relativo entre a chapa e o pino. Na ou-tra extremidade é aplicada uma força contrária ao movimento,
com o objetivo de tencionar a chapa e possibilitar a variação da pressão de contato incidente sobre o pino.
A figura 1 mostra um dese-nho esquemático desse ensaio. A força que gera o movimento é chamada de força de atuação (representada como F2) e a força aplicada no sentido contrário é chamada força de contra-tensão
(F1). O pino de raio r tem a fun-ção de simular o atrito na passa-gem do raio da matriz de estam-pagem, por ser nessa região que as tensões são maiores.
Nesse ensaio existem duas forças necessárias para fazer com que a chapa deslize sobre o pino, uma é a força de atrito entre as superfícies de contato e a outra é a força necessária para realizar o
Fig. 1 – Figura esquemática do ensaio de dobramento sob tensão
Fo nt e: K im et a l (5 )
dobramento e o desdobramento da chapa. Considerando que o propósito do ensaio é conhecer a força de atrito entre as superfícies de contato, ele é executado em duas etapas. Na primeira, o pino por onde a chapa passa pode rotacionar livremente em volta de seu eixo, fazendo com que não haja um movimento relativo na interface pino/chapa. Isso gera uma condição de atrito mínimo, sendo que a força necessária para fazer a chapa se movimentar deve-se exclusivamente à força
de dobramento e desdobramento da chapa. Na segunda etapa, esse mesmo pino é fixado em seu eixo, sendo impedido de qualquer movimento. A força necessária para fazer a chapa se movimen-tar é composta então pela força de dobramento somada à força de atrito. A figura 2 mostra um esquema das duas etapas. Assim, é possível descontar a força de dobramento, medida na primei-ra etapa, da segunda, obtendo como resultado apenas a força de atrito.
Fig. 2 – Etapas do ensaio de dobramento sob tensão. À esquerda, o ensaio com pino fixo e à direita, com o pino móvel.
Fo nt e: A nd re as en et a l (1 )
Fig. 3 – Comparação entre o resultado do coeficiente de atrito obtido pelas equações (1) e (2) para cada diâmetro de pino e lubrificante, medido por Nanayakkara et al(6)
Estampagem
Equações usadas para o
cálculo do coeficiente de
atrito por meio de ensaio
de dobramento sob
tensão
Assim como os ensaios de dobra-mento sob tensão têm variações na sua forma básica, as equações usadas para determinar o atrito também têm diferenças, segundo a forma construtiva do sistema que é usado ou segundo alguns autores, que propuseram formas distintas de cálculo. A primeira aproximação para o cálculo do coeficiente de atrito baseou-se nas equações para o cálculo de polias. Nesse caso, tem-se que o atrito na interface pino/chapa é dado por um logaritmo natural da razão entre as forças de atuação e de contra-tensão, como pode ser visto na equação (1).
µ = 2
p ln
F1
F2 (1)
Sendo que F1 é a força de atuação e F2 é a força de
contra-foi proposta outra forma de me-dição do coeficiente de atrito, na qual o raio do pino e a espessura da chapa são levados em consi-deração, conforme a equação (4). Essa equação foi usada nos trabalhos de Han(3), Jonasson et al(4), Wihlborg e Gunnarsson(10) e
Nanayakkara et al(6).
µ = ln (4)2p
[
r+0,5tr]
F1 – FbF2
[
]
É possível notar que todas as equações mencionadas até aqui são compostas por um logaritmo natural da razão entre duas ou mais forças. Porém, foi propos-ta outra forma de se calcular o atrito, que pode ser vista na equação (5). Essa equação foi descrita e usada por Saha et al(7)
e Fratini(2).
µ = (5)2.(F1–F2–Fb )
Q.(F
1+F2)
Onde F1 é a força de atuação, F2 é a força de contra-tensão, Fb tensão. O termo 2/p é referente
ao ângulo de 90 graus entre as forças F1 e F2. Porém, como ex-plicou-se acima, são necessários dois ensaios para que se possa descontar a atuação da força de dobramento e de desdobramento da chapa. Por isso, na equação (1) foi adicionado um termo que se refere à força de dobra da chapa. Esse termo é chamado de força de dobramento Fb, conforme equação (2), e é obtido pela subtração das forças de atuação e de contra-ten-são durante o ensaio com o pino livre, correspondentes ao F1* e F2* da equação (3), respectivamente.
µ = 2
p ln (2)(F1F–F2b ) Fb = F1 *– F*2 (3)
Como pode ser visto nas equa-ções (1) e (2), a geometria do ensaio, o raio do pino e a espes-sura da chapa não têm nenhuma contribuição no atrito. Por isso,
é a força de dobra e Q é o ângulo de dobramento da chapa.
Como foi mencionado ante-riormente, Sniekers e Smits(8) e
depois Andreasen et al(1) fizeram
uso de um sensor de torque no pino do ensaio de dobramento sob tensão, com o objetivo de eli-minar a segunda etapa do ensaio com o pino livre. A equação (6), concebida por Sniekers e Smits(8),
mostra como é calculado o coe-ficiente de atrito com a medição de um torque. µ = (6) F0D R F0D R
( )
² F² + F² –p Bp!
Onde o termo F0D/R represen-ta o torque no pino, Fp é a força
de atuação e FBp é a força de contra-tensão.
A equação concebida por An-dreasen et al(1) busca conhecer a
tensão de atrito que ocorre na interface pino/chapa, e é dada pela equação (7).
t = (7)pWR²2T Onde t é a tensão de atrito, T representa o torque do pino, W a largura da tira de chapa que passa sobre o pino e R é o raio do pino.
Foram propostas várias for-mas de cálculo do coeficiente de atrito, porém para o cálculo da pressão de contato entre a chapa e o pino todos os autores usam a mesma equação (8).
p = (8)F1+F2
2WR
Onde p é a pressão de contato, F1 é a força de atuação, F2 é a for-ça de contra-tensão, W a largura da chapa que passa sobre o pino e R é o raio do pino.
A relação entre a equação (7) e (8) gera o coeficiente de atrito, apresentado na equação (9). t p µ = = (9)4T pR(F1+F2)
Alguns resultados
obtidos pelo ensaio de
dobramento sob tensão
Como foi mostrado até aqui, existem muitas variações e
mé-Estampagem
todos de se obter o coeficiente de atrito para o caso de embu-timento profundo por ensaio de dobramento sob tensão. Porém, a grande vantagem desse ensaio é a possibilidade de se avaliar o efeito de algumas variáveis de processo, como velocidade de embutimento, pressão de contato, deformação e tensões da chapa.
Como foi visto, existem varias equações que podem ser usadas para calcular o coeficiente de atrito na interface pino/chapa. Para analisar o efeito de cada uma, Nanayakkara et al(6) fez uma
comparação entre as equações (1), (2) e (4), buscando verificar a contribuição de cada uma no valor do atrito. Como pode ser visto nas figuras 3 (pág. 38) e 4 o atrito varia de acordo com a equação a ser usada. Ele também faz uma comparação entre os lubrificantes usados e o diâme-tro do pino, constatando que o menor atrito não ocorre necessa-riamente quando se tem o maior diâmetro de pino, mas existe um valor ótimo, que reflete sobre o raio de concordância da matriz.
Aplicação do ensaio de
dobramento sob tensão
Como o objetivo desta pesquisa é avaliar o coeficiente de atrito, tendo em vista que o ensaio de dobramento sob tensão é o mais amplamente estudado e usado para esse fim, foram realizadas medi-ções com quatro lubri-ficantes comerciais, na condição de aplicação da lixa 220 ao pino por onde a chapa desliza.
Os dados obtidos pelo ensaio foram as forças atuantes em cada lado da chapa e o torque no pino. A figura 5 mostra os resultados de força de cada lado da chapa em função do tempo, obtidos para os quatro lubrificantes, além do resultado com o pino livre. O número 2 conferido ao lubrifican-te representa a força de atuação, enquanto o número 1 representa a força de contra-tensão.
Na figura 5 é possível notar que a força de atuação apre-senta uma oscilação muito forte em comparação com a força de contra-tensão, o que não acon-tece quando o pino pode girar
livremente em torno de seu eixo. Isso indica a presença de dois efeitos, que são a descamação ou microssoldagens – na qual o material mais dúctil é arrancado da superfície de origem ou fica aderido na outra superfície – e o emperramento, que é o fenô-meno pelo qual o material gera tensões oscilantes toda vez que há uma microssoldagem com subsequente desprendimento de material da superfície original. Nessa circunstância, ocorre um desgaste visível entre as superfí-cies. A figura 6 (pág. 44) mostra que houve desgaste na tira de chapa. Já na figura 7 (pág. 44), em que o ensaio foi realizado com o pino livre, não foi observada a presen-ça de marcações de desgaste na chapa.
Como foi descri-tos nas equações (1) a (5), as forças de atuação e contra-tensão são necessá-rias para se obter o valor do coeficiente entre a chapa e o pino. Porém, a
di-Fig. 5 – Ensaio de dobramento sob tensão com lubrificantes diferentes
Fig. 4 – Comparação entre o resultado do coeficiente de atrito obtido pelas equações (2) e (4) para cada diâmetro de pino e lubrificante, medido por Nanayakkara et al(6)
ferença entre a média das forças geradas por cada lubrificante foi muito pequena. Para tanto, foi obtido o torque atuante sobre o pino com base na pesquisa de Andreasen et al(1). A figura 4
mostra o torque obtido para cada lubrificante.
Na figura 8 é possível ver que o torque gerado durante os ensaios apresentou uma nítida diferença dependendo do lubri-ficante usado, e que houve uma oscilação relativamente pequena
no perfil da cur-va, possibilitando visualizar essa di-ferença existente entre cada lubrifi-cante.
A partir dos re-sultados acima, foi possível calcular os
coeficientes de atrito para cada lubrificante. Os resultados são apresentados na tabela 1 (pág. 46). A figura 9 (pág. 46) mostra de forma comparativa os valores
de coeficiente de atrito para cada equação pesquisada.
A tabela 1 mostra que há uma considerável diferença no valor calculado do coeficiente de atrito
dependendo do tipo de equação usada. A equação (1) mostra um valor de atrito que não é corres-pondente com os demais valores por não remover a força
neces-Fig. 6 – Desgaste gerado durante o ensaio de dobramento sob tensão
Fig. 7 – Ausência de marcações de desgaste no ensaio de dobramento sob tensão com o pino livre
Fig. 8 – Torque medido para cada lubrificante durante o ensaio de dobramento sob tensão
Estampagem
sária para dobrar a chapa. Para as equações (2), (4) e (5) houve diferença apenas para o lubrificante S, os outros apresentaram valores de atrito semelhantes. Já para as equações (6) e (9) houve uma diferença visível pelo fato de essas equações considerarem o torque no pino.
Conclusões
Como foi visto até aqui, existem várias formas de se obter o coeficiente de atrito, apenas variando a forma construtiva do ensaio ou o tipo de equação. Estudos sobre o atrito em processos de estampagem de chapas estão sendo feitos há bastante tempo, e ainda exis-tem várias dúvidas sobre o real mecanismo que governa esse fenômeno.
Porém, as equações que consideram o tor-que no pino tornaram mais visíveis a atuação dos lubrificantes, gerando assim resultados mais coerentes de coeficientes de atrito.
Nes-Tab 1 – Coeficientes de atrito calculados segundo seis equações diferentes
Lubrificantes Equação (1) Equação (2) Equação (4) Equação (5) Equação (6) Equação (9)
O 0,257 0,151 0,162 0,136 0,133 0,147 F 0,263 0,15 0,161 0,134 0,12 0,131 L 0,255 0,146 0,157 0,132 0,102 0,112 S 0,228 0,115 0,124 0,104 0,09 0,098
se contexto, é possível afirmar que o ensaio de dobramento sob tensão gera bons resultados, mas há a necessidade de mais estudos para se ter dados mais confiáveis. Os métodos de aplicação do ensaio de dobramento sob tensão também são muito amplos, e nesse sentido é necessário obter um ensaio que possa ser padronizado e usado futuramente por empresas da área.
Agradecimentos
Os autores agradecem ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-rior) pelo financiamento das bolsas.
Referências
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direct friction measurement. In: Proceedings of the
Institution of Mechanical Engineers Part B-Journal of Engineering Manufacture [S.I.], v. 220, n. 1, p.
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Materials Processing Technology [S.I.], v. 63, n. 1-3,
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9) Ter Haar, R. Friction in Sheet Metal Forming, the Influence of (local) Contact Conditions and Deformation. Ph.D. thesis, University of Twente,
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