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Sociedade: agressividade, discurso e violência

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Academic year: 2021

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DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

GUSTAVO HENRIQUE MARONEZ

SOCIEDADE: AGRESSIVIDADE, DISCURSO E VIOLÊNCIA

Santa Rosa 2017

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SOCIEDADE: AGRESSIVIDADE, DISCURSO E VIOLÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do grau de Psicólogo.

Orientador: Prof. Me. Nilson Heidemann

Santa Rosa 2017

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DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA

GUSTAVO HENRIQUE MARONEZ

SOCIEDADE: AGRESSIVIDADE, DISCURSO E VIOLÊNCIA

Banca Examinadora:

______________________________________________ Professor Mestre Nilson Heidemann (Orientador)

_____________________________________________ Professor Mestre Daniel Ruwer (Banca)

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Aos meus pais, Moacir e Isa, por possibilitarem que eu pudesse ter bons estudos.

A Bruna Garzella Michael, pelo amor, companheirismo e suporte.

A minha Irma Liandra Isabel Maronez, que ao falar sobre Freud, me instigou a cursar psicologia e estudar a psicanalise.

Ao meu irmão Alexandre Rodrigo Maronez, que sempre que precisei estava lá.

Ao Daniel Ruwer por aceitar ser parte de minha banca examinadora.

Ao Nilson Heidemann por me orientar e guiar nos caminhos deste trabalho e de muitos outros.

Aos demais professores que no decorrer da minha jornada acadêmica me proporcionaram duvidas, esclarecimentos e aprendizagem.

A Luciane Gheller Veronese, que ao me escutar, me possibilitou a escrita e desenvolvimento deste trabalho.

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RESUMO

Na presente monografia, propomos a violência como fruto do discurso, ou mais precisamente como uma falha da linguagem que o sustenta. A metodologia utilizada foi a psicanalise. O objeto deste estudo é analisar de onde surge a violência e quais são os discursos que a sustenta. No primeiro capitulo, será estudado o social em Freud, com o surgimento da sociedade a partir da horda primitiva, até as formações e movimentos de grupos e os custos que recaem ao sujeito para poder viver em sociedade. Ainda no primeiro capitulo, desenvolvemos a visão de Lacan do social, onde ele introduz os discursos do Mestre, do Capitalista e da Ciência, e com isso o declínio da função que sustenta a linguagem, a função paterna. No segundo capitulo trabalhamos o que é a agressividade, seu surgimento como uma necessidade constitutiva do sujeito, e na segunda parte, apresentamos alguns dos discursos que promovem de forma indireta ou direta a violência através de sua estrutura.

Palavras-Chaves: Psicanálise, Discursos, Declínio função paterna, agressividade,

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1. INTRODUÇÃO ... 7

2. OS FUNDAMENTOS DO SOCIAL EM FREUD ... 8

2.1. O social em lacan ... 13

3. A AGRESSIVIDADE COMO CONSTITUIÇÃO ... 19

3.1. De onde vem à violência? ... 24

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1. INTRODUÇÃO

Costumamos ver episódios violentos objetivamente, como se fosse algo isolado e sem sentido. Neste trabalho, proponho dar um passo para trás ao analisar esses atos, identificar o que os provoca. Com isso, vale pensar a violência como fruto dos discursos atuais.

Para isso, utilizarei uma visão a partir de uma leitura psicanalítica, primeiramente com uma breve definição do social na visão de Sigmund Freud, com seus textos sobre: Totem e Tabu que destaca a origem primitiva do homem, a horda primitiva; Mal estar na civilização, onde Freud aponta os mal estares consequente da vida em sociedade; Psicologia das massas, onde Freud estuda os movimentos de grupos dentro da sociedade, alienações e necessidades do sujeito perante um grupo. Após a introdução de Freud, abordarei sucintamente o social na visão de Jacques Lacan, que apresenta o social em formas discursivas, aqui será trabalhado mais especificamente O discurso do Mestre e as inversões e suas consequências que os Discursos do Capitalista e da Ciência promovem no mesmo.

No segundo capitulo, será trabalhado num primeiro momento, retomando Freud, a agressividade e seu surgimento decorrente da estruturação psíquica do sujeito, explicando assim um pouco a diferença entre Agressividade e Violência. No segundo momento, serão apresentados, a partir do pensamento de diversos autores, alguns dos discursos que se apresentam no atual momento e provocam violências tanto psíquicas como físicas.

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2. OS FUNDAMENTOS DO SOCIAL EM FREUD

Freud em “Totem e Tabu” (1913-1914), nos traz uma teoria sobre a origem da vida em sociedade onde a superação do homem de sua horda primitiva, marca o inicio da vida em sociedade. Primeiramente existia o pai da horda, o líder da tribo que possuía todo o poder e gozo para si, possuindo todas as mulheres da tribo, proibindo os filhos de ter qualquer relação sexual, ou seja, possuía todo o direito. Coibia qualquer movimento ou resistência dos filhos com extrema violência ou expulsando-os do grupo.

A partir disso, os irmãos da tribo e os que foram expulsos formam uma união para matar o pai, após a morte surge o sentimento de culpa por mata-lo, e é nesse momento em que o pai morto se torna ainda mais potente, retornando como um fantasma, um pai simbólico.

Odiavam o pai, que representava um obstáculo tão formidável ao seu anseio de poder e aos desejos sexuais; mas amavam-no e admiravam-no também. Após terem-se livrado dele, satisfeito o ódio e posto em prática os desejos de identificarem-se com ele, a afeição que todo esse tempo tinha sido recalcada estava fadada a fazer-se sentir e assim o fez sob a forma de remorso. Um sentimento de culpa surgiu, o qual, nesse caso, coincidia com o remorso sentido por todo o grupo. O pai morto tornou-se mais forte do que fora vivo – pois os acontecimentos tomaram o curso que com tanta frequência os vemos tomar nos assuntos humanos ainda hoje. (FREUD, 1913-1914, p. 151)

Assim, os irmãos teriam que eleger um entre eles para assumir o lugar do pai, porém, como nenhum destes possuía a força necessária para assumir a posição que o pai ocupava, e seria um batalho interminável e sangrento pelo poder, resolvem então criar regras, como a de não matar o outro e de proibição do incesto, que foram constituídas por todos os membros desta tribo.

A nova organização terminaria numa luta de todos contra todos, pois nenhum deles tinha força tão predominante a ponto de ser capaz de assumir o lugar do pai com êxito. Assim, os irmãos não tiveram outra alternativa, se queriam viver juntos...do que instituir a lei contra o incesto, pela qual todos, de igual modo, renunciavam ás mulheres que desejavam e que tinha sido o motivo principal para se livrarem do pai. (FREUD, 1913-1914, p.152)

O pai é substituído por um animal (totem), que é reverenciado e é expressamente proibido de mata-lo, anulando o ato de matar o pai, através de uma

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substituição, porém em festas, ocorre de os membros do clã matarem e devorarem o animal símbolo do Totem. “seria assim uma repetição, e uma comemoração desse ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais e da religião” (FREUD, 1913-1914, p.150).

Então, apesar das festas, inicialmente este sistema social surge nas sociedades totêmicas com a constituição de duas leis fundamentais: a de não matar o totem (pai) e a proibição do incesto. Mais especialmente nesta ultima, restringe-se a todos os membros do clã, tendo laços consanguíneos ou não, esse horror ao incesto, faz surgi a procura de um parceiro em outros clãs. Esta consiste em uma das teorias de Freud sobre a origem da Exogamia:

A restrição de tabu correspondente proíbe aos membros do mesmo clã totêmico de casar-se ou de ter relações sexuais uns com os outros. Temos ai o notório e misterioso correlato do totemismo: a exogamia. (FREUD, 1913-1914, p. 117)

E nesta análise das duas leis fundamentais, não matar e proibição do incesto, Freud faz alusão à constituição psíquica nas crianças, o complexo de Édipo, núcleo das neuroses, como se a proibição de não matar o animal totêmico, fosse com relação ao pai, e não ter relações com mulheres do clã seria relação com os membros do clã:

Se o animal totêmico é o pai, então as duas principais ordenanças do totemismo, as duas proibições de tabu que constituem seu âmago – não matar o totem e não ter relações sexuais com os dois crimes de Édipo, que matou o pai e casou com a mãe, assim como os dois desejos primários das crianças, cuja repressão insuficiente ou redespertar foram talvez o núcleo de todas as psiconeuroses. (FREUD, 1913-1914, p.141)

Com isso, Freud fala sobre as fobias das crianças a certos animais, estudando o caso “Pequeno Hans”1

observou que o medo que Hans possuía de cavalos, era a ambivalência dos sentimentos de ódio e admiração em relação ao pai.

O fato novo que aprendemos com a análise do ‘pequeno Hans’ – fato como uma importante relação como o totemismo – foi que, em tais circunstâncias, as crianças deslocam alguns de seus sentimentos do pai para um animal. (FREUD, 1913-1914, p.138)

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Essas observações foram de extrema importância para poder mostrar o caráter totêmico que a criança e, consequentemente os adultos, possuem em sua constituição psíquica, a identificação da criança ao animal e sua ambivalência de sentimentos, que se mostra especificamente em fobias:

...apenas dois aspectos dela que parecem valiosos pontos de concordância com o totemismo: a completa identificação do menino com seu animal totêmico e sua atitude emocional ambivalente para com este. Essas observações, em minha opinião, justificam nossa substituição desse animal pelo pai na formula do totemismo (no caso de indivíduos do sexo masculino). (FREUD, 1913-1914, p. 140)

Então, o clã totêmico surge como uma espécie de religião ou um sistema social, “sobre a qual se erigiram todas as obrigações sociais. A indestrutível força da família enquanto formação de grupo” (Freud, 1920, p.88)

Freud na mesma obra faz alusão ao pensamento de Frazer2, onde ele sugere que os instintos do homem devem ser reforçados por leis, sendo assim, a lei somente proíbe o que o homem tem uma tendência natural a realizar, ou seja, as leis surgem para proibir crimes que muitos homens têm tendência a realizar. Portanto, a vida em sociedade se estrutura numa renúncia do homem a seus instintos.

Ainda sobre esta renuncia, em o Mal Estar na Civilização (1930) Freud aborda três mal estares que se apresentam na sociedade, que seriam: a degradação e finitude do nosso corpo, e as somatizações e sofrimentos decorrentes disto; as influencias do mundo externo ao sujeito, como a força destrutiva da natureza; e os relacionamentos entre os homens, ou seja, entre os semelhantes.

Este último mal-estar, Freud descreve como a renuncia do sujeito de uma parte de seu prazer, para poder viver em sociedade, na relação com os semelhantes. Esta renuncia gera um sofrimento ao sujeito, e com isso ele cria meios para fugir deste sofrimento. O primeiro é a intoxicação de químicos, o “amortecedor de precauções” (FREUD, 1930, p. 86) busca um refugio do sofrimento nas drogas ou no álcool. O segundo é a sublimação onde “afastar o sofrimento reside no emprego dos deslocamentos de libido que nosso aparelho mental possibilita e através dos quais sua função ganha tanta flexibilidade” (FREUD, 1930, p.87). É através destes deslocamentos que podemos realizar parcialmente nossos prazeres recalcados

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aliviando o sofrimento das relações humanas. O terceiro ponto resume-se como A loucura, onde a realidade é demasiada ao sujeito, e assim ele cria sua própria realidade, “corrige algum aspecto do mundo que lhe é insuportável pela elaboração de um desejo e introduz esse delírio na realidade” (FREUD, 1930, p.89).

Na mesma obra, Freud, descreve a palavra civilização, como uma soma de nossas realizações e regulamentos que nos diferenciam dos nossos antepassados animais, e que servem para dois propósitos: o de proteger o homem contra as forças da natureza e de ajuste de nossa relação com os semelhantes na sociedade.

Sendo assim, uma ordem é necessária para a civilização, construindo certos limites dentro da sociedade, de como, onde e quando fazer, “ela capacita os homens a utilizarem o espaço e o tempo para seu melhor proveito, conservando ao mesmo tempo as forças psíquicas deles” (FREUD, 1930, p.100). Pois, tendemos a fazer justamente o contrario, apesar de termos superado os instintos primitivos, eles ainda estão ali, se mostram nos descuidos e irregularidades do homem, é por este motivo a ordem auxilia o homem.

Igualmente como a ordem, a limpeza e a beleza surgem como necessidades básicas da civilização. “A sujeira de qualquer espécie nos parece incompatível com a civilização. Da mesma forma, estendemos nossa exigência de limpeza ao corpo humano” (FREUD, 1930, p. 99). Então, a limpeza e a beleza surgem como traços de civilização, e algo que vai para além do útil, mas que possui uma grande importância: “Que a civilização não se faz acompanhar apenas pelo que é útil, já ficou demonstrado pelo exemplo da beleza, que não omitimos entre os interesses da civilização” (FREUD, 1930, p. 100).

A essa busca do homem para além do útil, Freud (1930) atribui a estima que a civilização possui pelas atividades elevadas da mente do homem, as realizações intelectuais, cientificas e artísticas e como isso contribui para construção de ideias para a vida humana, como uma busca pelo aperfeiçoamento do homem:

Entre essas idéias, em primeiro lugar se encontram os sistemas religiosos, cuja complicada estrutura já me esforcei por esclarecer em outra oportunidade. A seguir, vêm as especulações da filosofia e, finalmente, o que se poderia chamar de “ideias” do homem – suas ideias a respeito de uma possível perfeição dos indivíduos dos povos, ou da humanidade como um todo, e as exigências estabelecidas com fundamento nessas idéias. (FREUD, 1930, p.100-101)

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Freud em seu texto “Psicologia de grupo e analise do Eu” (1920), expõem a funcionalidade dos grupos na sociedade, e caracteriza todas as relações como sendo fenômenos sociais, onde o sujeito, dentro destas relações, fica sobre a influência de alguém ou algum grupo seja por raça, religião, gênero, entre outros, formando assim os fenômenos de grupos.

Nos grupos que ele considera mais “nocivos” a subjetividade, o sujeito toma a ideologia do grupo cometendo atrocidades esquecendo-se de sua própria subjetividade, simplesmente seguindo a massa sem questionar-se sobre suas atitudes ou ideias, tomando-as como únicas verdades, como algo extraordinário.

Num grupo, todo sentimento e todo ato são contagiosos, e contagiosos em tal grau, que o individuo prontamente sacrifica seu interesse pessoal ao interesse coletivo. Trata-se de aptidão bastante contrária á sua natureza e da qual um homem dificilmente é capaz, exceto quando faz parte de um grupo. (FREUD, 1920, p.82)

Ainda no mesmo texto, Freud diz que os grupos também podem servir para grandes realizações, se todos possuírem uma dedicação a um ideal, abdicando de certos prazeres por um objetivo maior e sendo assim o grupo pode ter uma elevada capacidade de desenvolvimento moral e intelectual.

Mas, sob a influência da sugestão, os grupos também são capazes de elevadas realizações sob forma de abnegação, desprendimento e devoção a um ideal.... É possível afirmar que um indivíduo tenha seus padrões morais elevados por um grupo. (FREUD, 1920, p.85)

Existe como nos conta Freud, duas psicologias, a dos indivíduos da massa e do pai, chefe ou líder. Os indivíduos da massa eram os filhos oprimidos pelo pai, que possuía todo direito para si. O pai força a abstinência dos filhos, e assim criam-se laços afetivos com o pai (mesmo que de ódio), sendo assim, “ele os compeliu, por assim dizer, á psicologia da massa. Seus ciúmes sexuais e sua intolerância vieram a ser, em última análise, as causas da psicologia das massas” (FREUD, 1920, p.87).

Com isso, surgem instituições, como por exemplo, a “igreja” e o “exercito”, em que possuem um líder, ou pai, com os mesmos traços do pai horda, porém de forma inversamente proporcional, onde ele ama e é justo igualmente a todos. Pode-se obPode-servar isso também, nos fortes laços familiares que estruturam uma sociedade, ao redor de um pai que ama a todos.

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Mas isto é a remodelação idealista do estado de coisas da horda primeva, em que todos os filhos se sabiam igualmente perseguidos pelo pai e igualmente o temiam(...) A indestrutível força da família enquanto formação de grupo natural reside em que nela pode se verificar realmente essa premissa indispensável do amor igual do pai. (FREUD, 1920, p.88)

Ainda sobre o líder, Freud destaca o caráter “Hipnotizador” e “sugestivo”, como um poder emanado do tabu que gira em torno do líder, como se ele possuísse um poder misterioso que comanda o sujeito, retirando o sujeito de si. O chefe hipnotiza pelo olhar, pois é insuportável e perigoso para os primitivos:

Tal poder misterioso – ainda popularmente chamado de magnetismo animal – deve ser o mesmo que os primitivos veem como fonte do tabu, o mesmo que emana de reis e chefes e que torna perigoso aproximar-se deles (“mana”). (FREUD, 1920, p.88).

Esse olhar hipnotizador é uma herança primitiva que temos de uma posição passiva-masoquista frente ao pai da horda, pai tirano, onde os filhos possuíam a ideia de um pai muito potente e perigoso, onde o olhar lhe tirava toda a vontade:

o hipnotizador desperta no sujeito uma porção da herança arcaica deste, a qual também se harmonizou com os pais e na relação com o pai experimentou um revivescência individual, a ideia de uma personalidade muito potente e perigosa, ante a qual só se podia ter uma atitude passiva-masoquista, á qual a vontade tinha que se render, parecendo uma arriscada empresa estar a sós com ela, “cair-lhe sob os olhos”. (FREUD, 1920, 91) Sendo assim, as massas que se encontram hoje ainda possuem os traços da horda primeva, onde a escolha do líder, ainda remete-se ao pai horda, ou seja, o líder mais “poderoso”. “O líder da massa continua a ser o temido pai primordial, a massa quer ainda ser dominada com a força irrestrita, tem ânsia extrema de autoridade.” (FREUD, 1920, p.91)

As considerações de Freud sobre o social e, a partir disto, as formas que são possíveis de suportar a vivencia, vale questionar os demasiados conflitos do homem, como um desencadeamento de discursos que o sujeito constrói.

2.1. O social em Lacan

Lacan introduz sua visão do social como um laço discursivo, posições discursivas. O discurso é o que funda e une o laço social, onde a linguagem surge, substituindo os instintos do homem primitivo, ou seja, possibilita o sujeito substituir a

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crueza dos instintos por uma cadeia de significantes, onde ali possibilita reconhecer a si e, assim sendo, o semelhante.

Lacan (1969-70) nos diz que o discurso resulta da articulação de significantes dentro de uma cadeia enunciativa, é um discurso sem palavras, um “discurso como estrutura necessária, que ultrapassa em muito a palavra, sempre mais ou menos ocasional” (Lacan, 1969-1970, p.11), ou seja, é o lugar onde o sujeito fala, mas não se reconhece, e é incompatível com qualquer coerência.

A psicanalise... Define o discurso a partir de uma estrutura de linguagem no qual se produz o sujeito, discurso que é estranho à coerência, à consistência. O Sujeito do discurso, neste caso, não se sabe como sujeito que sustenta um discurso. (BUENO, 2011, p 74)

Nessa cadeia de significantes, é onde o sujeito surge como tal, representado de um significante para outro, onde o sujeito que é significante é sempre representado ao lado de outro, e assim sucessivamente, sendo esta a forma fundamental como Lacan define o Sujeito.

...o que se passa em virtude da relação fundamental, aquela que defini como sendo a de um significante com um outro significante. Donde resulta a emergência disso que chamamos sujeito – em virtude do significante que, no caso, funciona como representando esse sujeito junto a um outro significante. (LACAN, 1969-70, p.11)

O Discurso parte do significante primeiro, o S1, o Significante Mestre, que se

encontra dentro do Campo do Outro, ao qual Lacan (1969-70) denominou a nomenclatura como A. Ou seja, a relação com o outro que da ao sujeito a possibilidade de linguagem, de vir a ser um sujeito através dos significantes que o Outro lhe outorga. É a partir disto que ele pode emergir da cadeia de significantes como sujeito e produzir um Saber (S2). Neste intervalo entre S1 e S2, é que surge o

sujeito, e também, por serem significantes emprestados do Outro, que o sujeito não se reconhece totalmente dentro do discurso.

Trata-se daqueles que já estão ali, ao passo que no ponto de origem em que nos colocamos para fixar o que vem a ser o discurso, o discurso concebido como estatuo do enunciado S1 (...) Ele intervém numa barreira de significante que não temos direito algum, jamais, de considerar dispersa, de considerar que já não integra a rede do que se chama um saber. (LACAN, 1969-70, p.11)

Lacan constrói os discursos como uma forma de gozar, e que se constitui a partir de uma falta do sujeito que surge, como comentando anteriormente em Freud,

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da renuncia de uma parte de seu prazer, para vir a ser um sujeito. Ao renunciarmos o gozo do Outro, caímos em falta. Assim, o que nos resta é construir uma forma discursiva ao redor da mesma para surgirmos como sujeitos.

Então, o discurso produzido pela linguagem da posição discursiva que o sujeito se encontra dentro de sua cadeia de significantes, que o ultrapassa, é onde o sujeito não se reconhece que justamente ele existe. Segundo Quinet (2009), Lacan introduz quatro formas discursivas – governar, educar, psicanalisar e fazer desejar – onde governar seria o discurso do mestre/senhor; educar é o discurso dominado pelo saber universitário; psicanalisar onde é apenas causa libidinal do processo analítico, se apagando, e se fazer desejar o discurso histérico dominado pela interrogação, e mais adiante em sua obra, os discursos do capitalista e da ciência, que são os discursos dominantes no social. Nos deteremos neste trabalho ao discurso do mestre, e suas mutações com o discurso moderno capitalista e cientifico. Lacan introduz algumas siglas que permitem a compreensão dos discursos: S1, S2, $, a. O S1 (Significante Mestre) ou Significante Unário, ele é o significante que

intervém no campo do Outro, interditando o sujeito de seu gozo com o Outro, fazendo o sujeito surgir como significante e produzir um saber próprio sobre o Outro, o que chamamos S2. Pode ser representado pro qualquer significante que faça esse

papel, de interditar, comandar. Também mostra que o sujeito não domina a si mesmo apesar da idealização de autonomia do sujeito, pois ele representa o sujeito para outro significante:

S1 é o traço, o significante do gozo, o traço que representa o sujeito sempre para outro significante e surge no campo do Outro. Isso quer dizer que não há sujeito que gere a si mesmo apesar do ideal de autonomia do neurótico; surgimos, somos gerados no campo do Outro e devido ao campo do Outro. (WAINSZTEIN, 2001, p.17)

O S2 (saber) é o saber inconsciente dos significantes do campo do Outro que

o sujeito produz juntamente com o significante mestre, assim, designando o lugar do Outro, do gozo, S2parte do campo do Outro, são suas palavras, onde o sujeito, antes

de sofrer a ruptura do S1, desaparece por traz do Outro. “Por que o S2, vem do

campo do Outro, são as palavras do outro, pelo que o sujeito, antes de ser representado por esse significante” (WAINSZTEIN, 2001, p.19)

O $ (sujeito barrado), é o sujeito que sofreu a ruptura pelo S1, onde é representado por ele para outros significantes S2, S3, S4...por diante em toda

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cadeia discursiva a uma operação do S1 que “contém o 1a+ do significante unário, traço representante do sujeito, mas sempre no campo do outro” (WEINSZTEIN, 2001, p.18). Então o $, é o sujeito que sofreu a logica de divisão descrita acima e esta dividindo entre saber e gozo (S1 e S2).

O objeto “a”, esta relacionado à função de mais-de-gozar no campo do Outro, é um excesso de gozo que sobra. O que Freud chamava de fixações libidinais, foi nomeado por Lacan, neste seminário, de objeto a “Mais gozar”, aquilo que se repete porque o sujeito neurótico resiste em perdê-lo, por isso é “Plus...”, é mais. Excesso de gozo.

Então, o discurso do mestre surge da relação do escravo e do mestre de Hegel, onde o sujeito (escravo) em sua relação com o mestre absoluto. Onde, de acordo com Wainsztein (2011), o escravo tinha a função, um posto, de que ela era que trabalhava, então, ele possuía um saber sobre o gozo.

Segundo Bueno (2011) o discurso do mestre, se funda num equivoco do saber que o escravo supõe de seu mestre, um saber total, um encontro com todo, gozo absoluto, fascinante. Mesmo discurso do pai da horda em Freud, onde os irmãos (escravos) supunham um saber absoluto no pai (Mestre), e um gozo interminável em sua figura.

Nesta fascinação, o sujeito é incapaz de perceber a verdade, que o mestre na sua essência também é castrado, ou seja, ele não possui um saber absoluto, mas sim está no mesmo nível que o sujeito ($). Neste sentido, o sujeito não se reconhece dentro de seu discurso, pois ele não se da conta da verdade que está posta (inconscientemente).

Sua verdade fica elidida: o mestre é castrado! Ou seja, a verdade do mestre não é mais que o sujeito, $. Por isso o Discurso do mestre é também chamado de discurso do inconsciente, há uma verdade posta sem que o sujeito dela se dê conta, ao contrario. (BUENO, 2011, p. 87)

Ainda, para a autora, o discurso do mestre demonstra a impossibilidade do sujeito de saber sobre si, pois “quando S1, o Um, funciona, S2 obedece” (BUENO, 2001, p.87), ou seja, quando o mestre opera (S1), o sujeito obedece (S2), assim a verdade do sujeito fica sob a barra do recalque.

É este discurso que se constitui o sujeito, de um significante para outro, S1 – S2, onde este representa o sujeito, neste intervalo entre S1-S2, “Ali onde S1 representa o sujeito para o significante S2 cai um resto, o objeto a” (WAINSZTEIN,

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2001, p.27), ao redor deste objeto é onde o sujeito constrói sua fantasia através de um ideal de eu.

Segundo Lacan (1969-70), na família moderna o escravo está na figura do pai de família, trabalhador que quando convocado a responder de um lugar de Mestre, corria para o a igreja, onde se referiam a um Deus ou santo para buscar respostas. Após, o judaísmo-cristianismo se inverte o papel, e o pai fica como referencia do saber dos gozos. “O mundo moderno (judaico-cirstão) derrubou seus deuses e restringiu a relação do sujeito com o mundo. O único que fica para garantir algo que tenha a ver com os gozos é o pai” (WAINSZTEIN, 2001, p.28).

O lugar que Lacan designa ao pai um de caráter estruturante do discurso, aquele que amarra e o põe em movimento. Ele adquire este papel, quanto simbólico, no caso da horda primeva, esse pai surge após o assassinato do mesmo, o pai morto retorna no simbólico do neurótico.

Lacan diz que toma o pai como operador estrutural. Quer dizer, que o pai é em principio um significante na medida em que o pai é morto. Esse pai que goza de todas as mulheres é o significante do gozo. Nas formulas da sexuação está escrito no lugar da exceção que goza de todas as mulheres e como tal é uma invenção do sujeito neurótico. (WAINSZTEIN, 2001, p.31) O pai exerce essa função também na via do real, da privação, o pai que encarna o imaginário e o simbólico proibindo e limitando o sujeito. Numa articulação significante dos registros RSI, assim podendo realizar também em ato sua função, encarnando a função do mestre sendo seu agente.

Lacan define o pai real como agente da castração e diz que a função deste pai é da natureza do ato mas é um efeito da articulação significante. Sem a articulação significante não pode haver ato. Como agente da castração este pai real agencia o mestre, ou, melhor dito, trabalha como agente do mestre.

(WAINSZTEIN ,2001, p.32)

Porém como os discursos operam ao redor da falta, ele responde pelo impossível, ou seja, o discurso do mestre responde pela impossibilidade de governar, pois no momento em que o pai real opera, ele também é efeito deste discurso, é banhado pela linguagem, portanto ele também transmite sua falta, sua castração.

No caso do discurso do mestre trata-se do impossível de governar. Esta função é impossível para o mestre porque para efetuar essa função ele deve transmitir sua própria castração já que ele, o pai, é também um sujeito de linguagem. (WAINSZTEIN, 2001, p.32)

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É neste ponto que o discurso do capitalista e da ciência entram no mundo moderno, e excluem a impossibilidade do sujeito de ter o gozo absoluto, e criam uma ilusão de que o sujeito pode sim gozar sem limites, pode ser o Mestre. Ele inverte os lugares, onde antes o S1 (mestre) operava como verdade, eles põem o sujeito ($) como portador da verdade, ou seja, torna o mestre (S1) inútil e colocam todos nos como Senhores.

Seu saber, a exploração capitalista efetivamente o frustra, tornando-o inútil. Mas o que lhe é devolvido, em uma espécie de subversão, é outra coisa – um saber de senhor. E é por isto que ele não fez mais do que trocar de senhor. (LACAN, 1969-70, p.32)

Lacan chama o discurso do capitalista de Mestre moderno, onde ocorre uma inversão de lugares, se antes S1(significante mestre) operava como agente e $ (sujeito barrado) como verdade, agora é o inverso. “Onde o S1 no lugar da verdade, passa a ser o capital e o $ como um consumidor de objetos, gadgets (a), produzidos pela ciência e tecnologia (S2) ” (BUENO, 2011, p. 101).

Neste sentido, Lacan introduz que o sinal verdade encontra-se em outro lugar “Ele deve ser produzido pelos que substituem o antigo escravo, isto é, pelos que são eles próprios produtos, como se diz, consumíveis tanto quanto os outros. Sociedade de Consumo, dizem por ai” (LACAN, 1969-70, p.33). Sendo assim, “isso se consome, isso se consome tão bem que isso se consuma” (LACAN, 1969-70), ou seja, anda perfeitamente, tão bem que o consumo é tanto que o sujeito se consome, assim surgindo inúmeras consequências disto, uma delas é violência que será desenvolvida no capitulo seguinte.

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3. A AGRESSIVIDADE COMO CONSTITUIÇÃO

A agressividade surge como uma consequência e necessidade para a constituição psíquica discursiva e discursiva do sujeito. Freud (1920) trabalha o conceito de pulsão, e é justamente isso que a agressividade é, uma força pulsional constitutiva do Eu. “Existem essencialmente duas classes diferentes de pulsões: as pulsões sexuais, compreendidas no mais amplo sentido – Eros – se preferem esse nome – e pulsões agressivas, cuja finalidade é a destruição” (FREUD, 1933[32], p.129).

Freud entende estas duas pulsões como, a Pulsão de vida (Eros) e a pulsão de Morte (Thanatos), onde a vida se constituiria entre estes dois lados, a vida e a morte. “O surgimento da vida seria, então, a causa da continuação da vida e também, ao mesmo tempo, do esforço no sentido da morte. E a própria vida seria um conflito e uma conciliação entre essas duas tendências.” (FREUD, 1923, p.55).

A partir desta formulação, Freud diz que essa ambivalência entre a vida e a morte se mostraria para nós mais claramente no Amor e no Ódio. A agressividade é um dos nomes da Pulsão de morte, que é a destruição, o ódio que aponta o caminho. A ambivalência das pulsões, que são indissociáveis, pode promover uma inversão das duas polaridades, ou seja, um grande ódio pode virar um grande amor ou um grande amor pode virar um grande ódio.

Ora, a observação clinica demonstra não apenas pelo ódio (ambivalência), e que, nos relacionamentos humanos, o ódio é frequentemente um precursor do amor, mas também que, num certo número de circunstâncias, o ódio se transforma em amor e o amor em ódio. (FREUD, 1923, p. 57) Freud em “O instinto e suas vicissitudes” (1915) aponta como um dos destinos de pulsão a inversão de sua polaridade, onde a pulsão ao passar pelo Ego altera sua polaridade, ou seja, um desejo de amor reprimido inaceitável ao sujeito, ao passar para a consciência, se transforma em seu oposto, um ódio. Uma forma de defesa do ego contra uma pulsão que ele considere nociva ao sujeito.

Com isso Freud irá desenvolver dois princípios, o principio do prazer que seria uma tendência natural do sujeito a buscar um prazer absoluto, sem restrições, um gozar sem limites. É um principio que o sujeito experencia antes de começar conflitiva edípica. Com o inicio da conflitiva edípica, o sujeito vai se deparando com a

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realidade, que se apresenta a ele a impossibilidade de ter um prazer absoluto, que seria assim a constituição do segundo principio, o principio de realidade:

O máximo que se pode dizer, portanto, é que existe na mente uma forte

tendência no sentido do princípio de prazer, embora essa tendência seja

contrariada por certas outras forças ou circunstancias, de maneira que o resultado final talvez nem sempre se mostre em harmonia com a tendência no sentido do prazer. (FREUD, 1920, p.19)

Esta passagem constitutiva do prazer à realidade não é algo que sobrepõem o outro e sim um equilíbrio, onde principio do prazer continua sua busca de prazer, porém, com as exigências do principio de realidade, ou seja, o sujeito devera buscar formas aceitáveis de obter prazer, ao mesmo passo ganhando uma tolerância ao desprazer, este é entendido como um caminho para o prazer.

Esse último princípio não abandona a intenção de fundamentalmente obter prazer, não obstante, exige e efetua o adiamento da satisfação, o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho ao prazer. (FREUD, 1920, p. 20)

Freud encontra um exemplo formidável deste momento ao observar seu neto de um ano e meio, que brincava com um carretel de linha, onde ele arremessava o carretel dizendo “ó-ó-ó’, como se fosse algo desagradável , e novamente o puxando o carretel para si dizendo “da”, o jogo que ele nomeou de Fort-da (ir-vir)”. Assim, a criança trabalha o desprazer que a ausência da mãe suscitava para obter o prazer de vê-la novamente, ou seja, está praticando o prazer, através do desprazer que a situação proporcionava.

A criança não pode ter sentido a partida da mãe como algo agradável ou mesmo indiferente. Como, então a repetição dessa experiência aflitiva, enquanto jogo, harmonizava-se com o principio de prazer? Talvez se possa responder que a partida dela tinha de ser encenada como preliminar necessária a seu alegre retorno, e que neste último residia o verdadeiro propósito do jogo. (FREUD, 1920, p.25)

Com este exemplo, Freud faz outra interpretação deste jogo, onde podemos situar a agressividade. Segundo o autor, o arremesso do objeto pode ter relação com ódio que a criança sentia pela mãe por ela se ausentar, expressando ativamente o que sofreu passivamente, de uma forma vingativa da criança do desprazer que a mãe proporcionou.

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Mas uma outra interpretação ainda pode ser tentada. Jogar longe o objeto, de maneira a que fosse ‘embora’, poderia satisfazer um impulso da criança, suprimido na vida real, de vingar-se da mãe por afastar-se dela. Nesse caso, possuiria significado desafiador: ‘pois bem, então: vá embora! Não preciso de você. Sou eu que estou mandando você embora. (FREUD, 1920, p.26)

Com essa leitura de Freud, Lacan (1988a) nos diz sobre a impossibilidade do sujeito de se constituir separadamente do Outro, porém também o sujeito não pode advir totalmente deste campo do Outro, pois seria uma identificação total onde não há sujeito. Por isso, é necessária uma alienação e uma separação, do sujeito com seu Outro, ou algo que faça essa função, como no caso do fort da, a mãe. Essa operação faz com que falte algo, no Outro (mãe) sua onipotência ao se ausentar, na criança a queda de uma posição onde se tinha toda a atenção do Outro (mãe).

Assim algo se perde, já que toda escolha aqui implica em uma perda intrínseca. É nessa fenda que o sujeito se estrutura; ou seja, entendemos que, embora seja um tipo de reunião lógica, na alienação ocorre uma subtração de algo do sujeito e do Outro. (PISETTA, BESSET, 2011, p.320) Então, a agressividade surge como uma consequência necessária para a estruturação psíquica do sujeito, num primeiro momento de alienação total da criança com a mãe, ligada ao principio de prazer, e num segundo momento, onde ocorre uma certa separação necessária, onde o outro mostra-se faltoso e o sujeito cai em falta, saindo da posição de alienação com o Outro. Esta passagem Freud chama de principio de realidade, esta queda é agressiva ao sujeito que a sofre passivamente, o sujeito assim elabora essa perda, como no exemplo do fort da, ativamente, arremessando o carretel para longe de si.

Freud em seu texto “Mal estar na civilização” (1930), ao falar sobre o mandamento “Amas a teu próximo como a ti mesmo”, nos revela uma face da agressividade na sociedade, pois ele trabalhar justamente a impossibilidade de amar alguém que não se conhece, pois só amamos aqueles que possuem para nós traços que nos identificamos. Sendo assim, é mais fácil a hostilidade e ódio ao semelhante do que um amor, pois não temos confiança nenhuma em um estranho, e que só nos demonstra tirar vantagens quando lhe convém.

Olhando com mais vagar, encontro ainda outras dificuldades. Esse desconhecido não apenas não é digno de amor em geral; tenho de confessar, honestamente, que ele tem mais direito à minha hostilidade, até meu ódio. Ele não parece ter qualquer amor a min, não demonstra a menor consideração. Quando lhe traz vantagem, não hesita em me prejudicar, não

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se perguntando mesmo se o grau de sua vantagem corresponde à magnitude do dano que me faz. (FREUD, 1930, p.75)

O autor segue seu pensamento falando sobre a tendência natural da civilização, que o ser humano não é um ser calmo, cheio de amor, mas sim, um ser com muita propensão a destruição, uma agressividade pulsional muito grande, onde a relação com o semelhante é um destino de satisfação da mesma, onde surgem as guerras, exploração, racismos, usurpações, etc. Nas palavras de Freud:

O quê de realidade por trás disso, que as pessoas gostam de negar, é que o ser humano não é uma criatura branda, ávida de amor, que no máximo pode se defender, quando atacado, mas sim que ele deve incluir, entre seus dotes instintuais, também um forte quinhão de agressividade. Em consequência disso, para ele o próximo não constitui apenas um possível colaborador e objeto sexual, mas também uma tentação para satisfazer a tendência à agressão, para explorar seu trabalho sem recompensá-lo, para dele se utilizar sexualmente contra sua vontade, para usurpar seu patrimônio, para humilhá-lo, para inflingir-lhe dor, para tortura-lo e matá-lo.

Homo homini lúpus [O homem é o lobo do homem] (FREUD, 1930, p. 77)

E é por esse motivo que a vida em sociedade exige medidas conscientes para controlar e inibir esses impulsos agressivos que possuímos, através da razão e da moral, criando leis que restringe essa natureza humana, inibindo as pulsões sexuais destrutivas, forçando ao sujeito, a partir da proibição, criar meios de identificação e relações com o semelhante. Por isso, também a necessidade dos mandamentos do amor ao próximo:

A civilização tem de recorrer a tudo para pôr limites aos instintos agressivos do homem, para manter em xeque suas manifestações, através de formações psíquicas reativas. Daí, portanto, o uso de métodos que devem instigar as pessoas a estabelecer identificações e relações amorosas inibidas em sua meta, daí restrições a vida sexual e também ao mandamento ideal de amar o próximo como a si mesmo, que verdadeiramente se justifica pelo fato de nada ser mais contrário à natureza humana original. (FREUD, 1930, p.78)

Freud ao falar sobre o comunismo – que ainda hoje possui praticamente o mesmo pensamento ideológico – diz que se todos possuíssem acesso às mesmas coisas e trabalhassem somente o necessário, sem ninguém ter mais que o outro, isso extinguiria a violência e agressividade humana. Porém, esse pensamento é uma ilusão, pois, a agressividade vem de muito antes de surgir propriedade privada e era ainda pior do que hoje, e também, ela surge desde a infância do sujeito e que constitui – como vimos antes no fort-da – suas instancias psíquicas, sendo assim, as relações amorosas com os semelhantes.

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Mas posso ver que o seu pressuposto psicológico é uma ilusão insustentável. (...) Ela não foi criada pela propriedade privada, reinou quase sem limites no tempo pré-histórico, quando aquela ainda era escassa, já se manifesta na infância, quando a propriedade mal abandonou sua forma anal, consistitui o sedimento de toda a relação terna e amorosa entre as pessoas... (FREUD, 1930, p. 80)

O autor continua dizendo que “Suprimindo também este, mediante a completa liberação da vida sexual, ou seja, abolindo a família, célula germinal da civilização, fica impossível prever que novos caminhos a evolução cultural podem encetar, mas uma coisa é lícita esperar: que esse indestrutível traço da natureza humana também a acompanhe por onde vá” (FREUD, 1930, p. 80). Ou seja, tentar retirar as diferenças entre os sujeitos, é retirar a possibilidade de o sujeito transformar a agressividade da natureza humana em algo criativo.

Assim, o próprio autor diz que existe a necessidade de existência, ao menos, de pequenos meios de expressar essa agressividade da natureza humana, em pequenos atos como, zombar de alguém na rua, reclamar o do vizinho, fofocas, etc... “Dei a isso o nome de “Narcisismo das pequenas coisas”” (FREUD, 1930, p.81), satisfazendo assim uma pequena parcela dessa agressividade, facilitando a convivência dos membros de uma sociedade.

Essa necessidade de agressividade, nos diz Freud, surge, pois, “O homem civilizado trocou um tanto de felicidade por um tanto de segurança” (FREUD, 1930, p.82), ou seja, renunciar a um gozo absoluto, como no caso da criança onde a busca do prazer não encontrava barreiras, é o preço que se paga para viver em sociedade, e com isso o ódio por perde essa busca absoluta de prazer. Assim, “uma parte do instinto se volta contra o mundo externo e depois vem à luz como instinto de agressão e destruição” (FREUD, 1930, p.86).

A outra parte da agressividade retorna para o Eu do sujeito. Introjetada, essa agressividade se contrapõe ao Eu em forma de culpa – uma culpa por desejar a morte ou o mal a alguém – assim formando outra instancia psíquica, o Super-Eu, instancia reguladora e uma necessidade de punição a si próprio.

A agressividade é introjetada, internalizada, mas é propriamente mandada de volta para o lugar de onde veio, ou seja, é dirigida contra o próprio Eu. Lá é acolhida por uma parte do Eu que se contrapões ao resto como Super-Eu, e que, como “consciência”, dispõe-se a exercer contra o Eu a mesma severa agressividade que o Eu gostaria de satisfazer em outros indivíduos (...). À tensão entre o rigoroso Super-Eu e o Eu a ele submetido chamamos de consciência de culpa; ela se manifesta como necessidade de punição. (FREUD, 1930, p.92)

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É nessa instancia psíquica, Super-Eu, que se encontra o que foi trabalhado no capitulo anterior, a autoridade da função paterna. Tal instancia psíquica trabalha simbolicamente a agressividade do sujeito, que como mencionado anteriormente, encontra-se em declínio, com uma fragilidade na capacidade do sujeito de lidar com a agressividade simbolicamente, restando ao sujeito à violência. Assim, Lacan (1948/1998) nos diz que a violência pode ser entendida como uma interrupção da linguagem, uma impossibilidade de lidar com a situação através da linguagem, assim a resposta será em Ato, tanto físico como verbal, sem sujeito, só á violência.

3.1. De onde vem à violência?

Tanto Freud em suas obras, e Lacan relendo-o e apresentando os discursos, principalmente do Mestre e do Capitalismo, apontam para um declínio da função paterna, ou seja, da figura do pai, da autoridade no laço social. Essa função é que que promove a castração do sujeito, impossibilita-o de seu gozo com o Outro. “Dessa forma, pela lei do desejo, operada pelo pai real, a criança pela castração é lançada no plano da organização simbólica.” (BUENO, 2011, p.45)

A função do pai na castração permite que o sujeito entre no laço social, assumindo um ideal de eu e se identificando com o falo (onde o pai o encarna), assim sendo, utiliza o como um instrumento para as relações sociais:

Ainda na perspectiva da subjetivação da criança, a posição ocupada pelo pai de preferido da mãe é que permite a formação do ideal do eu, ponto fundamental para a saída do Édipo, quando a criança pode, enfim, assumir o falo como significante e fazer dele o instrumento das trocas sociais. (BUENO, 2011, p.45)

É com o pai que se instaura uma relação de identificação, mais exatamente no pai na função imaginaria, onde se situa a ambiguidade do desejo em relação ao mesmo, onde há uma divida por este ter “salvado” o sujeito de um gozo mortífero com o Outro (mãe) e o tornado sujeito, e por outro lado um ódio por tê-lo tirado desta completude que a relação com o Outro (mãe) também possui. Com isso, é na relação com pai o imaginário que se situam as relações agressivas do sujeito, e onde elas se sustentam.

É ao pai imaginário que se refere toda a dialética da agressividade, da identificação, da idealização, que formam o suporte psicológico de relações agressivas libidinosas ao semelhante. Por isso esse pai pode ser tanto o pai

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assustador como o pai idealizado dos fantasmas infantis. (BUENO, 2011, p.45-46)

No capitulo anterior, foi abordado o discurso capitalista e da ciência, e como ele provoca uma alteração na posição discursiva do sujeito. Essa alteração situa o declínio da função imaginaria do pai, pois ele exclui a impossibilidade de responder da posição de governar (gozar sem limites) faz justamente o contrario “Sim! Você pode gozar”.

Segundo Lebrun (2008) existe uma violência estrutural, e ela se apresenta de inúmeras formas, desde o fato de não escolhermos nossos pais, de sofrermos a intervenção do pai na castração, tudo que o sujeito sofre passivamente em sua constituição é uma violência estrutural, são as limitações e impedimentos necessários para entrarmos no universo simbólico, na linguagem, é o preço que pagamos para isto.

Tudo isso constitui uma violência primordial, positiva, construtora da identidade humana. Simplesmente porque ela é simbolígena: o sentido desta violência consiste em reconhecer que lugares diferentes existem, que então, nós não podemos ocupa-los todos ao mesmo tempo, que não podemos pertencer a todas as gerações, nem todos os sexos ao mesmo tempo, que então somos limitados, que tudo não é possível. (LEBRUN, 2008, p.138).

Essa violência estrutural é necessária para instaurar a autoridade, para que se reconheça uma diferença de lugares, o ao menos um. Quem possui a autoridade “é aquele no qual se reconhece que, a partir do lugar que ele ocupa, seu dizer não tem o mesmo valor – mesmo se ele diz a mesma coisa – que o dizer daqueles que não ocupam esse lugar” (LEBRUN, 2008, p.141). É por esse motivo que se reconhece o líder, o chefe, patrão, pois sabe que o estatuto da palavra, ou seja, a posição que ele fala a uma diferença.

Segue Lebrun (2008), a autoridade neste discurso moderno, mais especificamente Discurso da Ciência, questiona o estatuto da palavra da autoridade, como se “o paradoxo a que se remetia a autoridade de outrora tivesse sido recusado pela modernidade” (LEBRUN, 2008, p.142-143). A inversão do Mestre no Discurso capitalista e Cientifico, discutido anteriormente, é o que dificulta e deslegitima a autoridade hoje, tanto que “a legitimidade da autoridade pelo simples fato do dizer é muito frequentemente desconsiderada, até julgada obsoleta, e mesmo abusiva” (LEBRUN, 2008, p.143).

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Com essa inversão do discurso, o sujeito tornando-se um semblante de Mestre, utiliza a Ciência como ferramenta para deslegitimar a autoridade, desmentindo a legitimidade da palavra pela legitimidade dos fatos, que é o que a ciência possui. “Neste movimento, a legitimação da autoridade pela palavra, incapaz de fornecer tais argumentos, é desvalorizada, quando não, pura e simplesmente desconsiderada” (LEBRUN, 2008, p.145). O problema não é o próprio discurso cientifico - pois ele trouxe a nos novos conhecimentos e avança na humanidade e proporcionou a nós reduzir silencio de situações abusivas - mas sim, o desequilíbrio entre a palavra do pai e os fatos da ciência.

Podemos afirmar que o equilíbrio entre as duas maneiras que dispomos para validar um tema está, atualmente, rompido. Daqui para frente, tudo se passa como se os sucesso do método científico tivessem deixado acreditar que a única legitimidade da qual poderia se sustentar uma autoridade era aquela da coerência do saber, da realidade dos fatos. (LEBRUN, 2008, p. 145)

Para isso Jerusalinski em seu texto “Violência e agressividade na infância” (2011), articula sobre como o discurso atual afeta o sujeito ao ponto deste ser violento. O discurso ao invés de demarcar a falta do sujeito, que é o que o discurso do mestre escancara, acaba por positivar a falta com um fetichismo, esconde-la, mais especificamente, com objetos fetiches, carro, casa, brinquedos, remédios, etc. “Em termos psicanalíticos, isso se chama materialização do gozo máximo: a obtenção, a positivação do objeto faltante e o gozo do objeto total” (JERUSALINSKI, 2011, p.90).

Juntamente com isto, o autor aborda outra ramificação do discurso, que ele chama de Discurso Fundamentalista, onde as crenças do sujeito como positivação da falta, um discurso de certezas absolutas, sem duvidas, não deixando espaço para falta. “Há muitas formas religiosas, muitas formas ideológicas, mas a condição fundamental desse paradigma é que torne as crenças consistentes que se supunham todas realizáveis, reais” (JERUSALINSKI, 2011, p.91).

São discursos perigosos, especialmente o fundamentalismo, pois esse goza da privação que este discurso tem como suporte, os discursos de ódio hoje possuem essa base do discurso fundamentalista, apoiando-se neste gozo de privar o outro de seu desejo. Isto remete ao que foi trazido no capitulo anterior, citando Freud, sobre como um grande ódio esconde um grande amor, ou seja, um desejo recalcado que possui tal força, que precisa ser reprimido, e essa repreensão se estende até o outro

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(semelhante), necessitando reprimi-lo, eliminando qualquer vestígio que faça com que o sujeito entre em duvida sobre sua crença, ou seja, que a invalide.

Agora, para dar consistência a uma crença, que não tem como fundamento uma ideologia racionalista, senão simplesmente a imposição de uma existência e de um gozo, para dar consistência à materialização de um objeto, é necessário eliminar ou suprimir de algum modo tudo o que nega essa existência e essa consistência. É por esse motivo que a criança se sente autorizada, pelo discurso social, ao portar armas. Para quê? Para eliminar, suprimir, esmagar aquilo que resta e lhe diminui a consistência de sua crença, de seu valor fálico e do objeto de gozo. (JERUSALINSKI, 2011, p.94)

Hoje vemos exemplos destes discursos em vários lugares, no Brasil atualmente, vemos um grande movimento fundamentalista, “que prezam a família e os bons costumes” e que sabem o que é o melhor para os outros e para o país, e como nos ensina Lacan (1959-60) que não sabemos qual é o bem para o outro, e que não a nada mais perverso do que impor ao outro o que você acha que é o melhor para ele, assim, usurpando o desejo do semelhante, o assujeitando.

Žižek (2014) fala sobre a “violencia sistêmica”, a violência dos discursos do estado, que se reflete na sociedade, e de nossa cegueira perante essa violência, que o próprio discurso o vela e exterioriza para fora dele, por isso “Sempre é possível ligar um grande número de pessoas pelo amor, desde que restem outras para que se exteriorize a agressividade” (FREUD, 1930, p.80-81). No que tange os discursos, isto apresenta da mesma forma, capitalismo exterioriza e demoniza o socialismo, e vice-versa. Nas palavras de Žižek:

Nossa cegueira diante dos resultados da violência sistêmica talvez seja mais perceptível em debates sobre crimes comunistas. A responsabilidade pelos crimes comunistas é de fácil atribuição: estamos perante um mal subjetivo, perante agente que procederam mal. Podemos até identificar as origens ideológicas dos crimes – a ideologia totalitária, o manifesto

comunista, Rousseau e até mesmo Platão. Mas quando chamamos a

atenção para milhões de pessoas que morreram devido à globalização capitalista – da tragédia do México no século XVI ao holocausto do Congo belga há cerca de cem anos – a responsabilidade tende de serem larga medida negada. Tudo parece ter acontecido como resultado de um processo “objetivo”, que ninguém planejou nem executou e para o qual não houve um “manifesto capitalista”. (ŽIŽEK, 2014, p. 27)

O maior exemplo que teremos destes discursos foi o que aconteceu durante a Segunda Grande Guerra, onde se efervesceu o discurso fundamentalista e totalitário do nazismo, que exteriorizava toda sua agressividade para os judeus. A face mais terrível da humanidade, onde a maior violência discursiva que se poderia existir foi

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praticada, reduzindo o outro a nada, a alguém que não se vale nem bater ou gritar, ou seja, “suas vitimas conheceram a pior face do Outro: não a crueldade, que ainda é uma face humana, mas a indiferença” (KELH, 2007, p.83). Isso é o que Primo Levi nos conta em um de seus relatos sobre um dos poucos momentos em que ele realmente sentiu ódio de seus “torturadores”, um momento de total indiferença e assujeitamento:

Para voltar à fábrica, temos que passa por um trecho cheio de vigas e armações metálicas amontoadas. O cabo de aço de um cabrestante corta o caminho, Alex se agarra nele para passar por cima. Donnerwetter, com os diabos, olha a sua mão preta de graxa pegajosa. Quando chego ao seu lado, Alex, sem ódio nem escárnio, esfrega em meu ombro a mão, a palma e o dorso, para limpá-la. Ficaria surpreso, o inocente e bruto Alex, ao saber que é por esse ato que hoje o julgo – ele, e Pannwitz e todos os que foram como eles, grande e pequenos, em Auschwitz e em toda parte. (LEVI, 1988, p. 159)

Assim, continua o autor:

Destruir um homem é difícil; quase tanto como cria-lo: custou, levou tempo, mas vocês, alemães, conseguiram. Aqui estamos, dóceis sob seu olhar; de nós, vocês não têm mais nada a temer. Nem atos de revolta, nem palavras de desafio, nem um olhar de julgamento. (LEVI, 1988, p.219)

Arrancar de um sujeito a sua subjetividade e, sendo assim, de todas suas possibilidades de desejar, é matá-lo ainda em vida, a pior maneira de que alguém se pode morrer, a morte dos significantes que nos tornam sujeitos, não a mais desejo nem vontade, apenas um corpo. “Não é humana a experiência de quem viveu dias nos quais um homem foi apenas uma coisa ante os olhos de outro homem” (LEVI, 1988, p.253).

Nesse mesmo contexto, Žižek (2014), nos conta sobre como essa tentativa de reduzir o próximo a nada, a qualquer outra coisa que não semelhante, dando como exemplo os meios de tortura. Lendo o autor Sam Harris, em seu livro The end of

Faith (2005), onde Harris fala sobre a dificuldade de torturar alguém, comparado a

apertar um botão e matar milhares de pessoas sem as ver, ou seja, é mais fácil matar milhões sem ver, do que torturar um sujeito. Sendo assim, seria mais fácil inventar uma pílula da verdade, onde oculte o sofrimento aparente do sujeito, porém, subjetivamente estaria sofrendo uma tortura inimaginável, que ninguém aguentaria duas vezes. Com isso Žižek (2014), nos coloca que com a invenção desta pílula, a tentativa de excluir totalmente a identificação com o semelhante, a empatia, pois é

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tentar excluir no semelhante o Outro, a coisa, que nos é familiar, e que torna possível a convivência em sociedade.

O que Harris almeja ao imaginar sua “pílula da verdade” é nada menos do que a abolição da dimensão do Outro Próximo. O sujeito torturado já não é próximo, mas um objeto que cuja dor é neutralizada, reduzida a uma propriedade que possa ser gerida através de um calculo utilitarista (certa quantidade de dor é tolerada caso impeça uma quantidade muito maior de dor). (ŽIŽEK, 2014, p.49)

Há uma tentativa de exclusão do sujeito, tornar as coisas objetivas e não subjetivas, está “pílula” é mais um exemplo de como isso se apresenta no discurso, são pequenos fatos, que parecem isolados ao primeiro momento, que sustentam os vastos acontecimentos violentos que vimos hoje.

Outro fator que o contribui para esta tentativa de assujeitamento é a globalização capitalista, que nos torna próximos, não há duvidas, porém, uma proximidade que se torna demasiada, invasora, e como Freud e Lacan nos mostram que é necessário uma separação do outro que precisamos manter, pois, o próximo é:

...originariamente (como Freud suspeitou a muito tempo) uma coisa, um intruso traumático, alguém cujo modo de vida diferente (ou, antes, cujo mo de jouissance diferente, materializado em suas praticas e ritos sociais) nos perturba, abala o equilíbrio dos trilhos sobre os quais nossa vida corre, quando chega perto demais, esse fato pode também dar origem a uma reação agressiva visando afastar o intruso incômodo. (ŽIŽEK, 2014, p. 58)

E é por esse motivo que precisamos manter uma distancia que seja aceitável a intimidade e o modo de viver do próximo, algo que não seja intrusivo a nós e ao semelhante, um modo de viver que respeite o modo que cada um lida com sua própria falta, ou seja, a diferença. Pois não respeita-la e entende-la, nos levou (e ainda leva) a cometer as maiores atrocidades humanas.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A agressividade está cada vez menos sendo mediada pela linguagem, a sustentação simbólica que necessitamos para lidar com dificuldades e problemas está fragilizada. Pode-se ver, como exemplo, o sistema jurídico onde há um excesso de processos, onde muitos são quase que “banais”, como brigas de vizinhos, onde o sujeito já não possui uma identificação com a autoridade o suficiente para poder tomar a palavra e resolver seus conflitos, assim, necessitando de um pai real, ou seja, o juiz.

O atual momento de demasiadas incertezas a partir do que Lacan apontou como o declínio da função paterna - situo esse declínio na função imaginaria, na imagem do pai- que como vimos, promove a organização simbólica do sujeito, torna propício o surgimento de discursos que se apresentam como uma forma milagrosa e de certeza absoluta, pois, o sujeito não possui recursos suficientes para suportar o peso que o viver comporta, ou seja, a falta.

O que Freud escreveu sobre a civilização no decorrer da sua obra, e Lacan partindo da leitura das mesmas, se apresenta de uma forma ainda mais agravada, vivemos no atual momento uma crise humanitária, como Lebrun e outros autores apontam, temos vários exemplos desta crise, os movimentos de refugiados por toda a Europa, e surgimento de Discursos Fundamentalistas que promovem o apagamento do sujeito, como a tendência politica atual, com políticos que disseminam estes discursos reverberando-os pela sociedade.

Desta forma, as incertezas que o sujeito possui são sustentadas pelo simbólico, mais precisamente pelo Nome-do-pai, que faz com que o sujeito tenha um pequeno acesso ao gozo, assim sendo, possa tomar a palavra para si e sustentar as incertezas e resolver conflitos. Porém, esse declínio provoca a falta de sustentação suficiente, fazendo com que o sujeito busque estes discursos de certeza absoluta que não podem ser contrariados, e ao serem, só conseguem resolver destruindo o outro, que deixa de ser semelhante e passa a ser estranho, inimigo.

Como sabemos as consequências desta atual crise só poderão ser vistas a posteriori, o que deixa de certa forma uma visão pessimista (que não se pode evitar) do futuro que nos aguarda, ou falando de forma mais certa, o futuro que estamos construindo. Mas a meu ver, como profissionais, devemos insistir na nossa posição,

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apontando a falta, e auxiliando os sujeitos que nos procuram, a criar meios de viver e suportar a incerteza.

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REFERÊNCIAS

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FREUD, Sigmund. Totem e Tabu e outros trabalhos (1913 – 1914). In: ___ Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição Standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. XIII

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_______. O Futuro de uma Ilusão, o Mal-estar na Civilização e outros trabalhos (1927-1931). In: ___ Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição Standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Vol. XXI.

______. O Mal-estar na Civilização, novas conferências introdutórias à

psicanalise e outros textos (1930 -1936). Tradução: Paulo César de Souza. São

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JERUSALINSKI, Alfredo. Agressividade, Violência e Responsabilidade. In: _____ Autoridade e Violência. Organização: Comissão de Aperiódicos da Associação Psicanalítica de Porto Alegre. – Porto Alegre: APPOA, 2011.

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Referências

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